Mascarade escrita por Last Mafagafo


Capítulo 10
Capítulo 10 - Você não tem medo?




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Blanche acordou. Não sabia onde estava e nem se lembrava do que havia acontecido. Sua cabeça pulsava tão forte que se sentia zonza. Percebeu que estava em um quarto estranho, deitada em uma enorme cama bem diferente da dela. Lençóis de cetim cor champanhe e cortinas por todos os lados, algo remotamente familiar. Foi então que percebeu que estava na casa do Fantasma. Não se lembrava de ter ido até lá e muito menos de deitar na cama dele. Se ele a encontrasse seria seu fim. Na primeira vez que lá esteve e conseguiu escapar foi sorte. Na segunda, milagre. Ela sabia que não viveria para lembrar da terceira. E lá estava ela.

Surpresa e assustada, tentou se levantar, mas sentiu tontura e a cabeça latejou mais forte, uma dor mais aguda. Tudo parecia rodar, mas ela precisava fugir de lá antes que ele a visse. Segurando na cama, ela se movimentou silenciosamente até passar pela cortina. Ouviu o Fantasma tocar uma melodia e se sentiu com sorte. Ele ficava tão concentrado quando tocava em seu órgão que talvez tivesse uma chance de fugir sem ser notada. Blanche se escorou nos móveis, tentando se dirigir ao lago. Passo a passo, ela foi medindo a reação do fantasma.

Quando estava próxima do lago, zonza e desorientada como estava, calculou mal o passo que teria que dar até a próxima cadeira e caiu vergonhosamente, levando o móvel ao chão com ela. O Fantasma interrompeu a canção e olhou para ela. Sem se dar conta, a moça começou a chorar e a tremer. Enquanto o Fantasma se aproximava, ela tentava se levantar para fugir, mas ele era rápido demais e seus pés chegaram até ela antes que pudesse fazer qualquer movimento. Ele agarrou seus braços e a levantou, colocando-a de frente para ele. Blanche não teve coragem de olha-lo.

— Eu não queria estar aqui. Eu nem sei como cheguei. Foi tudo um erro.

Érik estava surpreso. Antes de desmaiar a moça o havia enfrentado com coragem e firmeza, mas naquele momento tremia de medo por sentir seu aperto em seus braços, mesmo que ele não quisesse machucá-la. Será que havia se enganado sobre ela? Teria sido melhor deixá-la morrer no terraço?

— Eu lhe trouxe aqui - disse com sua voz grave.

Blanche se surpreendeu, enquanto lágrimas ainda desciam por seu rosto, quentes e salgadas. Como seria possível que ele a trouxesse a sua casa? Como era possível que ela ainda estivesse viva?

— Eu não entendo - disse baixinho, enquanto olhava em seus olhos fundos e tentava descobrir se ele dizia a verdade. Ele não usava sua máscara.

Érik percebeu que a reação de Blanche mudou e ela voltou a observá-lo de forma destemida. Ele havia deixado seu rosto descoberto de propósito, apesar de não gostar. Era uma forma de testá-la e descobrir se havia agido corretamente ao salvar sua vida. Como mágica, ela havia se acalmado e não tinha medo de olhar diretamente para ele. Seus olhos pareciam enxergar sua alma e ele temia o atrevimento da bailarina.

— Por que não tem medo de mim? - ele perguntou.

— Eu tenho medo de você - respondeu, baixinho.

— Olhe! Veja meu rosto! Veja o monstro que sou! Não é repulsivo? - ele gritou, chacoalhando o corpo da bailarina.

Ela soltou um gemido de dor. Sua cabeça ainda estava doendo e a agressividade do Fantasma a enjoava.

— Pare de me balançar, por favor - pediu, baixinho e ele parou. Ela, então, olhou para seu rosto, como ele havia ordenado, mas não entendeu o que ele estava fazendo - Vai me matar? - perguntou.

— Se quisesse haveria te deixado sangrando no terraço - ele respondeu, irritado com a insistência da moça

Blanche colocou a mão na cabeça e percebeu que havia um curativo. O Fantasma havia a ajudado?

— Obrigada! - disse, praticamente sem pensar.

— Por que me agradece? - ele perguntou, surpreso. Por que ela lhe agradecia? Aquilo era algo que ele não podia compreender.

— Por que me ajudou - respondeu, como se fosse natural. Aquela conversa era estranha e inacreditável.

Sem saber o que dizer sobre aquilo, Érik a colocou sentada na cadeira e se virou. Recolocando sua máscara, voltou ao órgão que tocava minutos antes. Sentou-se e recomeçou a tocar. Erik não entendia a reação da garota. Ela tremia de medo ao vê-lo, mas tudo o que pensava é se ele a mataria. Quando via seu rosto, mesmo sem a máscara, parecia não se importar. Aquilo não fazia sentido. Que tipo de mulher conseguia ver uma monstruosidade como ele sem desviar seus olhos de nojo e pavor? Será que o medo por sua vida a cegara daquela maneira que mal conseguia assimilar sua feiura? Será que a pancada na cabeça a deixara estúpida? Era a única explicação plausível.

Blanche encarava o Fantasma tentando assimilar as informações. Ela conseguiu se lembrar do desastre na apresentação, Carlota coaxando e o lustre despencando sobre a plateia. Depois correra para o terraço e presenciara Raoul e Christine. E o Fantasma aparecera das sombras, magoado, ferido e descontara sua frustração nela. Será que ele sentia remorso? Mas aquilo não fazia sentido. Depois de machucar muitas pessoas com a queda do lustre ele tinha remorso justo dela? Por que não a deixou morrer? Teria sido mais fácil.

— Por que não me matou? Teria garantido meu silêncio – deixou escapar a pergunta em voz alta.

Ele deu de ombros, mas não respondeu. Na verdade, nem ele sabia ao certo.

— Eu não consigo te entender - ela disse.

Ele não respondeu e nem parou de tocar sua melodia. Blanche decidiu que não tinha nada a fazer naquele lugar que a dava arrepios. Suas perguntas ficariam sem resposta, mas ela não se importou. Milagrosamente ainda estava viva.

— Um monstro - ele disse, interrompendo a lenta saída de Blanche.

— O que? - ela estava confusa. Ele falava com ela?

— Porque não tem nojo de mim? Por que não desvia o olhar?

Blanche não sabia o que responder.

— Você enxerga minha deformidade? - ele lançou seu olhar diretamente sobre ela. Ele podia estar de máscara, mas ela sabia que sua desgraça estava escondida atrás dela - Vamos, responda! - ele gritou.

— Seu rosto é horrível - sussurrou Blanche - mas não tenho medo dele. Tenho medo de você porque pode me matar.

— É esse seu medo? - ele perguntou, rindo - Que eu te mate? E quanto ao meu rosto, ele não te afeta?

— Não tenho porque ter medo de um rosto, mesmo que deformado. Por Deus, você é um assassino! Mesmo se fosse o mais belo dos homens, eu não deveria ter medo? - ela perguntou, questionando sua própria sanidade depois de ser tão sincera para um homem tão assustador e imprevisível.

Ele nada respondeu, apenas ficou pensativo.

— Pode ir agora, preciso ficar sozinho.

Blanche assentiu e seguiu por uma passagem que ele apontava. Apesar de ainda sentir tontura, foi se apoiando nas paredes. De repente, se deparou com uma figura em sua frente.

— Menina? - era o Persa.

— Persa? - sussurrou - É você?

— É claro que sim. Está se sentindo bem?

— Minha cabeça dói e ainda estou um pouco zonza - O Persa segurou o braço da garota com delicadeza.

— Se apoie em mim - ele disse.

— Eu juro que não quis voltar aqui. Ele me trouxe.

— Eu sei - o Persa respondeu, para a surpresa da moça - Você foi muito corajosa lá.

— Como sabe? - Blanche perguntou.

— Fiquei preocupado que ele pudesse matá-la, então decidi observar, só como garantia. 

— O que você faz aqui? Se me diz que devo me afastar, você também não devia estar por aqui.

Blanche pensou ter visto algo como um sorriso no rosto do Persa.

— É minha obrigação.

Uma passagem se abriu e os dois voltaram para a ópera. Ela podia ver a luz do dia, que a cegou momentaneamente, mas sentiu-se mais segura. Sorriu e soltou o braço do Persa.

— Obrigada pela ajuda.

— Cuidado, senhorita - ele assentiu e se afastou, sumindo de sua vista.

Depois de trocar de roupa, já que estava com a fantasia desde a noite anterior, ela colocou um vestido e rumou para a pensão, para ficar sozinha de novo. Provavelmente ela deveria estar ensaiando, mas sentia muita dor para dançar. Decidiu ficar na cama e dormir um pouco mais. Atravessando a rua e vendo o sol brilhar, ela tentou chamar menos atenção possível dos transeuntes até chegar à Maison. Bastou fechar a porta que encontrou uma Meg sonolenta sentada no sofá da sala.

— O que aconteceu com você? Acordei pela manhã, mas você não estava.

— Me machuquei ontem, caí de uma escada – mentiu, mostrando o curativo na testa. Meg olhou preocupada – Mas vamos deixar isso em silêncio.

— Você está bem? – Meg se aproximou dela, para ver melhor.

— Estou melhor agora. Mais um pouco e poderei dançar à noite.

— Esqueça. A Ópera ficará fechada por pelo menos uma semana. Temos que consertar o lustre e, depois da tragédia, acho que vai demorar para nos apresentarmos de novo.

— Mas sua mãe vai manter os ensaios, não é?

— Não mesmo. Metade do ballet não apareceu hoje e Carlotta ainda está coaxando.

— Oh, aquilo foi embaraçoso! – riu baixinho, sentindo um pouco de dor - Ao menos Christine poderá assumir os espetáculos.

— Ela também não está aqui, saiu ontem com o Conde de Chagny. Acredito que estejam juntos ainda – Meg abaixou a voz – Ela deixou um bilhete. Os dois estão noivos agora. Não é maravilhoso?

— Sim, é - respondeu, mecanicamente.

Fez-se um silêncio na sala por alguns instantes e Meg observou a amiga preocupada. O machucado parecia ter sido sério, mas como ela acreditava que Blanche voltava de algum médico, acabou por tranquilizar-se. Blanche sorriu cordialmente com o carinho que recebia e rumou para o quarto, ansiosa por aproveitar seu dia de folga.


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