Nos trilhos do Mundo escrita por 1FutureWriter, Nathy, Cinthia Feitoza, Gabyy, Miya, Lucca James, Najla Aliyev


Capítulo 4
Jurema Roso - Uma Conversa Em Bangkok


Notas iniciais do capítulo

Olá, boa leitura ;)



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31 de agosto de 2015.

Destino: Hua Lamphong Railway Station, Bangkok.

Já tinha quase 6 meses que tinha fugido. E ela não se arrependia de nada. Ou melhor. Quase nada.

A vantagem de ser uma diplomata significava que poderia fazer de qualquer lugar do mundo sua morada. Entretanto, queria estar em Bangkok em melhores condições do que aquela. Não que estivesse sem o luxo e conforto que deixara da sua casa em Viena. Mas gostaria de ter viajado sem estar tão apressada. Sem a necessidade implacável de não deixar rastros ou notícias. Claro que isso não adiantou muita coisa. Duas semanas depois, quando esgotaram-se todas as possibilidades de encontra-la em Viena ou em qualquer buraco da Áustria, ou em qualquer beco fedorento da Europa, seus pais pagaram os melhores detetives da Interpol para encontra-la. E lá se foi o seu preciosos e sagrado esconderijo.

De certa forma, não foi ruim. O irmão caçula vinha visita-la periodicamente. Os pais não gostavam de deixa-la largada em outro país – apesar que ela tinha que lembra-los constantemente: Mãe, pai, eu sou adulta. Eu tenho 27 anos. Eu tenho um emprego que me dá a mobilidade que eu preciso, que continua me pagando porque eu estou ainda trabalhando, e é por isso que eu ainda moro aqui. Eu não peguei varíola, febre amarela, ou dengue, ou outra doença estranha dos canais de Bangkok. E eu gosto de ficar aqui e não pretendo voltar pra Viena. Ela sabia que aquelas palavras sempre magoavam os seus pais. Mas eles não podiam controlar mais a vida dela. Ninguém mais podia controlar desde que...

Ela meneou a cabeça. Pensar naquilo era doloroso demais. E não valia a pena.

Ela parou um pouco pra se sentar próximo ao templo de Wat Arun, para tomar um sorvete. Andava desejando sorvetes demais. Claro, resolvera morar no lugar mais quente do mundo, depois do Rio de Janeiro e Salvador no Brasil. Antes fosse pro Canadá ou pro Alasca. Ou pro Japão. Mas não. Ela tinha que fugir pra Tailândia. Quente e cheia de mosquito.

Mas as cidades eram lindas. E Bangkok era linda, com aquele misto de metrópole e centro budista ambulante e a rua 25 de março de São Paulo, no Brasil. E os insetos eram deliciosos. Ela ficara viciada em petiscar insetos na noite de Bangkok. Sua mãe a mataria se soubesse que geralmente o seu jantar eram uns quatro escorpiões bem tostados seguidos de uma aranha e duas baratas d’água, junto com uma Sprite. Mas estava ali para viver experiências novas. Iniciar coisas novas. Apagar um pouco os pesadelos que fora o último ano em Viena.

Inconscientemente, ela passou a mão pelo cabelo. A falha no cabelo loiro estava lá, ainda crescendo lentamente. Passou a mão no ombro. Um deslocamento feio, precisando de dois pinos de metal. O cotovelo. Parou a mão no joelho esquerdo. Seis pinos, e ela ainda precisava de uma bengala. Ela nunca mais ia ver uma sapatilha de balé na vida, graças àquele desgraçado. Ela estremeceu, e não foi por causa do sorvete.

Ela tinha combinado de falar com os pais naquele dia, então começou a se dirigir a Hua Lamphong Railway Station. Era um dos lugares preferidos dela, a estação de trem. Sempre tivera um vício maldito pro trens, e já trabalhou em um durante um ano antes da faculdade. Poderia ter virado maquinista, se não fosse por causa dos pais. “Isso não é carreira para uma dama”, ela lembrava. Ela estava agora longe dos palcos, e estaria de licença em breve da diplomacia, mesmo ainda sendo remunerada; mas mesmo assim. Que diferença teria agora? Ela não teria mais uma carreira por um tempo mesmo.

Ela pegou um cappuccino com mashmallows e creme de chantili no Mr. Bun e se sentou próxima a um jardinzinho, no chão. Estava fazendo sol, mas a área próxima do jardinzinho estava fresca. Ela procurou uma tomada que estava escondida sob a base de concreto que rodeava o jardim, e ligou o laptop, e colocou os fones de ouvido. Tomou um pouco do cappuccino enquanto esperava o Skype conectar. Em alguns segundos, seus pais preencheram a tela.

– Liliana! – Seus pais gritaram juntos.

– Oi mãe. Oi pai. Não me deixem surda. Eu estou de fone. – Ela cumprimentou.

– Você demorou dessa vez querida! – A mãe disse. – O que foi fazer no templo de Wat Arun?

Demorou um tempo para que a ficha de Liliana caísse.

– MÃE!- ela respondeu, furiosa. – Estão rastreando meu celular de novo!? Já disse que eu não gosto disso!!

– Minha filha, a gente não faz isso por mal – A mãe se desculpou. – Só ficamos...

– Eu tenho que repetir? Eu sou adulta. Eu tenho 27 anos. Eu tenho um emprego que me dá a mobilidade que eu preciso, que continua me pagando porque eu estou ainda trabalhando, e é por isso que eu ainda moro aqui. Eu não peguei varíola, febre amarela, ou dengue, ou outra doença estranha dos canais de Bangkok. E eu gosto de ficar aqui e não pretendo voltar pra Viena. – Liliana respondeu, ainda fumaçando.

– Você sempre nos magoa quando diz essas coisas, Liliana. – O pai disse.

– Vocês sempre me irritam quando me rastreiam. Não confiam em mim. Não confiariam em mim mesmo se estivesse em Viena. Provavelmente estaria ainda internada no hospital, por isso eu fugi. – Ela sentiu as lágrimas voltando aos olhos. Não. Ela não ia dar o gosto de chorar na frente dos pais. Bebeu mais cappuccino pra disfarçar.

– Desculpa, Liliana. – O pai respondeu por fim. – Não podemos prometer, mas vamos tentar não fazer mais isso. Mas você poderia nos dar mais notícias. Estamos preocupados. Principalmente com você nesse estado...Está tudo bem com você? Está indo ao médico? Tomando os remédios direito....?

Desse tipo de preocupação ela apreciava. Afinal...enfim, dessa parte eles mereciam saber.

– Esta tudo bem. Tou tomando tudo direito. – Liliana respondeu.

– Que bom, querida. – A mãe comentou, feliz. – A gente gostaria de ir, quando estiver mais próximo...

– Deixem para vir depois. – Liliana respondeu, rapidamente. – O Andreas está aqui. Ele tem me ajudado bastante. Principalmente na parte de levantar da cama pra fazer xixi.

– Nós imaginamos. – E os três, pais e filha, riram juntos.

– Por falar nisso, onde está ele? Onde está o seu irmão? – A mãe perguntou.

– Eu levantei varias vezes hoje, mãe. Deixei ele dormir um pouco. – Liliana respondeu.

– Ele pensou que fosse uma viagem só a passeio. – O pai balançou a cabeça. – Coitado.

– Por falar em passeio, Liliana...- a mãe começou. – Nós estamos recebendo muitas ligações do Johan. Não acha que seria a hora de...de perdoá-lo e ...

– Não, mãe. – Liliana respondeu, em tom cortante.

– Bom, filha...nós...e os pais dele, nós achamos que ele merece saber o que aconteceu com você...

– Vocês não contaram nada? Esse tempo todo?

– Não, querida. – A mãe respondeu. – Esperávamos que você fizesse isso. Quando você se sentir pronta. Não se sinta pressionada, ok? Só achamos que ele merece saber alguma notícia sua.

– Tudo bem. Eu vou...vou tentar pensar no caso dele. – Liliana respondeu, por fim. – Eu estou um pouco cansada, eu vou desligar, tudo bem?

– Tudo bem, filha. – O pai respondeu. – Nos ligue mais vezes.

– Tchau, meu bem.- A mãe disse.

Liliana se desconectou do Skype.

Johan...fazia muito tempo que não pensava no Johan. Foi aquele desgraçado que tinha deixado-a assim. Não foi de todo ruim, caso contrário, ela ainda estaria presa em Viena por causa dele. Mas ela sofreu demais por causa dele. E ele sequer teve a porra de um arranhão. Nenhum arranhãozinho.

Ela ficou muito tempo naquele jardim, pensando se deveria ou não ligar para ele. Se fosse pra ligar, que fosse agora, logo na esteira dos pais. Mas não tinha certeza se queria falar com ele. Não tinha certeza se queria que ele soubesse dela. Ela olhou pra baixo. Não queria que ele soubesse de nada na verdade, mas não sabia o que fazer.

Com muito remorso, ligou pro irmão, que estava dormindo em casa.

– Hahn.- Uma voz masculina sonolenta respondeu.

– Andreas, sou e...- o som de um trovão ecoou na estação de trem. – Que ótimo, vai chover.

– Onde você está, Lili? – Andreas perguntou bocejando. – Quer que eu te busque?

– Quero, estou na Hua Lamphong. Mas não precisa ser agora. Daqui a uma hora ou duas, estou no jardinzinho em frente a cafeteria Mr. Bun. Mas não foi pra isso que eu liguei. – Liliana respondeu. – Eu acabei de ligar pra mãe e pro pai.

– Conseguiu ligar sozinha? Sem precisar matá-los pelo Skype?

– É, quase isso. Só que eu estou com um problema, eles querem que eu ligue pro Johan.

– Pro Johan? – A voz de Andreas ficou imediatamente mais desperta. – Pra que você tem ligar praquele bastardo alcoólatra?

– Porque meus pais disseram que ele está ligando pra casa procurando notícias minhas, e meus pais e os pais deles acham que eu devo fornecê-las – eu, minha pessoa, devo fornecê-las de livre e espontânea vontade.

– E você está me ligando...?

– Porque eu não sei se eu devo fazer isso. – Liliana suspirou. – Eu quero xingar ele muito, isso eu quero, mas eu não quero que ele saiba da minha vida.

– Hum. – Andreas disse, pensativo. – Faz o seguinte, maninha. Por que você não tenta pacientemente – eu disse pacientemente – ligar pra ele e dizer, oi, estou viva, estou com muita raiva de você e não quero mais contato nenhum? Que tal assim? Pode funcionar, não?

– Hum. Pode ser.

– Pronto, viu? Tudo se ajeita. Ou melhor, eu ajeito tudo pra você, me diz, o que você ia fazer sem mim aqui, Lili?

– Você é um besta convencido. – Liliana respondeu, rindo.

– Eu vou tomar um banho, e daqui a umas duas horas eu te busco. A gente vai comer bichos estranhos hoje de novo? – Andreas perguntou.

– Não. Tem um restaurante no Ibis hotel, liga pra fazer uma reserva? – Ela pediu. – Eles fazem um yakisoba excelente lá.

– Beleza. Tenta não matar o Johan.

Ela desligou o telefone. Depois mandou uma mensagem para o Whatsapp do Johan, pedindo que ele acessasse o Skype. Em menos de meio minuto, ela estava recebendo uma chamada dele. Ela inspirou várias vezes antes de aceitar a ligação. E...

Lá estava ele.

Lindo, loiro, de olhos azuis, o homem perfeito. Ou ERA.

– Lili! – Ele sorriu. – Você não faz ideia o quanto eu estou feliz em ver você! Eu...

– Pode parar. – Liliana disse, friamente. – É LILIANA pra você. E não, eu não estou nem um pouco feliz em te ver.

– Desculpa. – O sorriso de Johan esfriou imediatamente. – É porque...faz tanto tempo que eu não te vejo...

– E iria continuar sem me ver. – Liliana respondeu. – Eu só estou lhe ligando porque os meus pais disseram que você não parava de ligar pra eles. O que você achou? Que infernizando um casal de idosos que eu ia voltar me arrastando pra Viena de volta pra você?

– Liliana, não é isso...- Johan disse. – Me dá uma chance de explicar...

– Explicar o que? Não tem explicação. – Liliana respondeu acidamente. – Você boicotou a minha carreira. Se nada disso tivesse acontecido, eu seria a primeira bailarina do balé de Viena. Eu não precisaria ter fugido pra Bangkok. Eu não estaria com dois pinos no ombro, um no cotovelo e seis no joelho – eu estou andando com uma bengala. Igual a uma velha.

– Liliana, você sabe que eu não fiz de propósito. Me deixa eu te explicar.

– Não deixo. Explicar o que? Que você é alcoólatra? Que você é um mentiroso? Você espalhou fotos íntimas minhas, e eu fui expulsa do balé, quase fui demitida do meu emprego. Depois, você bebeu, atirou o carro contra um muro, e eu no banco de carona - e você quase me matou! O que você quer me explicar, Johan? Você acabou com a minha vida. Você quer o quê? Me explicar novamente como você acabou com ela?

– Eu queria me desculpar. – Ele disse, com a voz petrificada. – Mas você desapareceu. E só veio falar comigo agora. Quase sete meses depois. Onde você está em Bangkok? Eu preciso te ver. Eu...

– Não. – Liliana cortou imediatamente. – Você nunca mais vai me ver novamente. Eu te dei notícias, pronto. Não quero mais te ver. Se eu souber que você veio a Bangkok, eu arrumo uma arma, lhe encontro, e mato você pessoalmente. Você acabou com minha vida, seu desgraçado. – E dizendo isso, interrompeu a conexão e a ligação.

Os dois bebês chutaram fortemente o seu estômago.

– Desculpe. – Ela passou a mão pela barriga enorme. – A mamãe não deveria ter brigado.

Como se estivesse lhe escutando, ela sentiu a mão de um deles.

– Vamos procurar alguém que venda escorpião na estação? Enquanto o tio Andreas não chega. Que tal? Os bebês da mamãe vão ganhar escorpiões, não vão? Vão sim.

Ela se levantou com alguma dificuldade, segurando o laptop, e terminou de tomar o cappuccino, gelado a essa altura. Quando afastou o cabelo do rosto, percebeu que estava chorando. Enxugou rapidamente o rosto com a mão livre. Não podia chorar. Não por aquele desgraçado. Aprumou o corpo e foi procurar alguém que vendesse espetos de escorpiões na estação de trem, para comer enquanto o irmão não chegava. Lá fora, o mundo caía em forma de água sob Bangkok, deixando tudo cinza, igual ao seu estado de humor.


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