See The Light escrita por Junebug


Capítulo 3
Capítulo 3




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It's hard to know they're out there

É difícil saber que eles estão lá fora

It's hard to know that you still care

É difícil saber que você ainda se importa

[...]

Dead hearts are everywhere

Corações mortos estão por toda parte

(Dead Hearts - Stars)

– O que quer que eu explique? Você viu o que aconteceu...– Nico retrucou, emburrado, virando o rosto.

Will passou um bom tempo calado. Nico achou que ele estava fazendo o que qualquer pessoa normal faria: lembrando o que tinha visto e tentando entender de uma maneira racional que não envolvia Nico sendo possuído pelo espírito de uma colega de escola que cometeu suicídio. De certa forma, era o que Nico tinha esperança que acontecesse. Mas quando Will voltou a falar, disse:

– É verdade. Eu vi o que aconteceu e ouvi o que você disse. Parecia que não era você. Parecia que estava...

Nico voltou-se para encara-lo. Aquele era o momento em que o garoto ia se afastar assustado, ou rir de sua cara achando que era um brincadeira, ou ainda acusar Nico de ser louco, filho do demônio ou coisas do tipo. Eram as possibilidades que sempre vinham à sua cabeça quando ele imaginava alguém descobrindo seu segredo.

Ele olhou para Will como se o desafiasse a fazer qualquer uma daquelas coisas. O outro o olhava de volta com os olhos estreitados como se o analisasse. Por isso Nico achou que aconteceria a segunda opção. Will ia pensar que estava sendo feito de bobo e começaria a rir. Só que ele não parecia querer rir quando perguntou:

– Sério? – Ainda soava meio incrédulo, mas algo nos olhos de Nico pareceu confirmar tudo, e ele mesmo respondeu. – Sério.

Will suspirou longamente e deu uma breve olhada ao redor, antes de continuar:

– Você viu ela?

– Você acredita mesmo que isso é possível? – Agora Nico estava com medo de ser na verdade aquele sendo feito de bobo.

– Eu vi você tentar estrangular uma provável líder de torcida. Definitivamente parecia fora de si. Está tremendo até agora. Acho que acreditar não é exatamente uma escolha.

Nico estava se irritando com a calma que ele demonstrava.

– Você perguntou se eu a vi. Sim. Ela vem me infernizando desde ontem. Eu não consegui dormir porque ela estava na minha cabeça. Me mostrando e me fazendo sentir coisas horríveis. Ela quer se vingar. Precisa que eu faça isso por ela. Se não por bem... bem, do jeito que você acabou de ver.

– Isso é horrível... – foi o comentário de Will.

Ele ainda não parecia exatamente assustado, estava mais para penalizado. Nico estava achando que ele não entendia o verdadeiro terror da situação. A próxima coisa que Will disse o deixou verdadeiramente irritado.

– E não tem outro jeito de você ajuda-la?

– O quê? Você acha que isso é o quê? ‘O Sexto Sentido’? Não ouviu o que eu disse? Amanda Phillips morreu. Tudo que resta dela é um espírito vingativo que não vai medir esforços para conseguir o que quer. Preciso mantê-la afastada até que isso passe. – Essa última parte ele disse mais para si mesmo e depois continuou, procurando explicar para Will: - Geralmente eles ficam mais fracos depois de alguns dias e não podem mais fazer muita coisa além de vagar por aí. Quando sua energia enfraquece, eles só ficam murmurando para si mesmos em becos escuros, montes deles...

– E como é que você consegue afastá-los?

Nico baixou os olhos. Will esperou que ele falasse.

– Não consigo exatamente – ele finalmente anunciou, com muito esforço, se sentindo derrotado. – Nunca fui capaz de afastá-los... Crucifixos, água benta, essas coisas não funcionam, sabe. Eu já experimentei. Tudo que podia fazer era tentar ignorá-los e tentar evitar que... você sabe... até que se afastassem. Acho que tenho sorte de espíritos vingativos não serem muito freqüentes... – ele carregou de amargura a palavra “sorte”.

– Então...

– Então você apareceu! – era como se o estivesse acusando de um crime gravíssimo.

– Eu? – as sobrancelhas de Will tinham se misturado ao cabelo que caía em sua testa franzida.

– Por algum motivo idiota, você é capaz de afastá-los.

Nico cruzou os braços. Até ele percebia que sua pose parecia a de uma criança fazendo birra.

Will agora parecia estar começando a achar que já era demais para uma manhã de aula. Seus olhos azuis estavam totalmente arregalados.

– Ontem... quando você me segurou quando eu ia atravessar a rua correndo... Foi quando eu percebi. Naquela hora, eu estava fugindo... e foi só você me segurar que ela... sumiu.

Aquela era uma das coisas mais estranhas que Nico já tinha dito na vida. Se fosse qualquer outra circunstância, seria engraçado.

– Como... como isso é possível? – Will Solace estava olhando para as palmas das próprias mãos como se elas fossem explicar.

Nico soltou o ar, um tanto dramático, e disse, sem ânimo:

– Eu tenho uma teoria. A vida, Deus, qualquer um, o que seja, é um sádico e me escolheu para se divertir um pouco... Tenho certeza que a coisa está ficando cada vez mais divertida... haha.

Nesse momento, Will ficou de pé bruscamente e Nico se calou. Teve que estreitar os olhos para conseguir olhar para o garoto contra a luz do sol. O que viu foi uma expressão irritada e ele disse:

– É. Tenho certeza que a vida e todos os deuses devem adorar ouvir seus resmungos de auto-piedade.

E, sem mais nem essa, virou as costas e começou a se afastar.

– Ei! – Nico gritou para as costas dele.

Algo dentro de Nico, provavelmente seu instinto de sobrevivência, lhe dizia que não podia deixar Will ir embora assim de jeito nenhum. Precisava conseguir que ele o ajudasse nem que tivesse que se arrastar e implorar. Mas sua personalidade orgulhosa e rancorosa jamais permitiria isso.

Então o que Nico fez foi agarrar uma alça de sua mochila e começar a se afastar na direção oposta, não sem antes gritar alguns xingamentos para o garoto louro. Ele estava mais com raiva que decepcionado. Num momento, ele tinha começado a pensar que podia confiar em Will Solace e no seguinte... Argh!

A aula já tinha começado. Não havia mais ninguém em parte nenhuma fora do prédio da escola. Nico foi andando e chutando pedras e o chão pelo caminho.

Não havia ninguém em casa, mas ele se trancou no quarto, mais por precaução. Não podia garantir que não ia perder o controle de novo. Estava com muita raiva para tentar lutar contra isso. Nico ficava lembrando do que Will tinha dito e aquilo era muito parecido com o que Bianca às vezes costumava lhe dizer quando brigavam. Pensar em Bianca o deixava ainda mais zangado.

Para tentar se distrair, ele chegou a ligar o computador e começar a escrever um email com coisas que ele vinha sentindo cada vez mais vontade de dizer para Bianca, que se pareciam e se misturavam com coisas que queria dizer a Will Solace. Desabafar com o teclado ajudou a acalmá-lo um pouco. Ele quase se deixou levar pela agitação a ponto de realmente enviar o email. Quase.

Ficou ali um tempo, encarando o computador com os braços em volta das pernas em cima da cadeira. O pior de tudo é que daria qualquer coisa para falar com Bianca naquele momento. Faria qualquer coisa, menos engolir a mágoa e tentar ligar para ela, claro, ou fazer como todos o garotos de sua idade e criar uma conta no Facebook, Skype ou qualquer dessas coisas para conversar com ela.

Foi o que Bianca sugeriu que ele fizesse da última vez que se falaram pelo telefone e ele reclamou que ela nunca ligava nem mandava cartas descentes. Aí eles brigaram feio e por muitos meses até agora tudo que recebia de Bianca eram cartões-postais dos lugares que ela conhecia quando podia sair do colégio com as amigas - a nova família que ela tinha encontrado, muito melhor que a que ela deixara para trás. Eram cartões postais junto com alguma lembrancinha, idênticos aos que ela enviava para o pai, a madrasta e até para Hazel que ela sequer conhecia.

A verdade era que Nico se sentia perdido desde que ela se fora. Desde que a mãe dos dois morrera, era sempre Bianca quem decidia o que fariam a seguir.

Deixando-se levar pela melancolia desse pensamento, Nico percebeu o quanto estava exausto. Decidiu aproveitar a paz momentânea e tentar dormir. Ele se jogou na cama e adormeceu quase instantaneamente.

Em algum momento, seu sonho sem sonhos foi interrompido pelo perfil de uma mulher chorando desesperada, mas silenciosamente. Por algum motivo, Nico se sentia despedaçado vendo aquilo. Era como se seu coração estivesse sendo espremido. Nem deveria mais ter coração, pensava. Lembranças soltas e ternas relacionadas àquela mulher surgiam em sua mente. Seu sorriso. Ele não estava suportando vê-la chorar daquela forma.

"Mamãe". Ele tentou chamá-la, mas claro que ela não podia ouvir. Ninguém foi capaz de ouvi-lo gritar com a voz de Amanda Philips ou vê-lo se atirar de joelhos no chão. À sua frente estava suspenso acima de um buraco um caixão coberto de flores. Muitas pessoas ao redor. Ele viu de novo Drew Tanaka. É, ela tinha tido a ousadia de ir ali fingir solidariedade. Mas ele não conseguia mais sentir raiva de Drew. Só conseguia sentir aquela dor.

Liza estava ali, observando seu caixão com lágrimas silenciosas escorrendo e os braços da mãe a envolvendo. Liza era a coisa mais próxima de uma amiga que Amanda tinha. Pensando bem, eram praticamente grandes amigas. Ambas só tinham uma à outra na escola. Como pôde deixar Liza para trás?

Não muito longe de Liza, estava Percy. Ele olhava triste para o caixão, ainda parecia estar tentando entender o que estava vendo. Sua namorada estava ao seu lado, segurando sua mão, mas isso não impediu que Amanda recordasse o friozinho no estômago que sentia quando ele sorria para ela.

Amanda voltou a gritar. Fechou os olhos, querendo que aquilo fosse um pesadelo. Queria acordar. De repente, o chão gramado à sua volta a estava tragando. Já não era mais grama. Era a água escura do rio... ela estava se afogando de novo... procurava respirar, mas só conseguia fazer seu pulmão se encher mais e mais de água...

Nico acordou, ainda sentindo a agonia. Puxou pela boca todo o ar que pôde várias vezes até conseguir normalizar a respiração. Demorou um tempo para ouvir as batidinhas na porta.

– Nico? – era a voz de Hazel.

Ele se levantou com um grunhido. Pela expressão de Hazel, sua cara deve tê-la assustado. Ela recuou um pouco e disse:

– Não fique zangado.

– O que houve?

– Nós fomos dispensados das aulas da tarde... Um garoto do seu ano me disse que precisava falar com você...

– Disse é?

– É – Nico se virou e viu Will subindo as escadas para o corredor. – Desculpe – ele disse, com um sorrisinho. – Queria garantir que seria atendido.

Nico ficou calado e voltou a entrar no quarto. Antes disso, pôde ver Hazel, olhando de um para o outro, apreensiva.

Nico sentou-se na cama de costas para a porta e começou a calçar seus tênis.

– Desculpe – ele ouviu Will repetir atrás de si. – Mais cedo eu realmente não queria...

– Como você soube de Hazel?

– Me contaram – ele respondeu, vagamente.

Nico se levantou e lhe lançou o que esperava ser o olhar mais intimidador de que era capaz, e passou por Will, fazendo questão de não encostar no garoto.

– Você vai sair?

Sem responder, Nico deixou a casa. Will o seguiu. Nico estava disposto a ignorá-lo totalmente, mas não pôde mais se conter depois de passar cinco minutos no ponto de ônibus do fim do quarteirão com Will em pé ao seu lado, desafiando sua determinação. Não havia mais ninguém ali além dos dois e Nico não tinha certeza de que horas eram, então não fazia ideia se o ônibus ainda ia demorar.

Ele bateu o pé e disse por fim:

– Que diabos você quer, afinal?

Ele percebeu, irritado, a satisfação do outro por ele quebrar o silêncio.

– Eu já disse. Quero me desculpar. Eu não devia ter ido embora daquele jeito. Estávamos falando de uma coisa séria, não foi certo...

– Você se irritou com meus resmungos. Tudo bem – cortou-o Nico, sem abandonar o tom e a expressão irritada. – É uma merda mesmo tudo isso.

– Olha só. Você está fazendo isso de novo!

– O quê?

– Me ofendendo!

– Ofendendo?

Will bufou como se nunca tivesse ouvido pergunta mais absurda.

– Como acha que eu devo me sentir? Você é praticamente o único amigo que eu fiz até agora nessa cidade e fica aí esfregando na minha cara que é uma merda a ideia de ter que ficar perto de mim.

– Amigo? – Nico até se esqueceu de manter a voz irritada.

Will revirou os olhos.

– Sabe, Di Angelo, quando as pessoas estão em qualquer lugar, mas em especial quando chegam a uma nova escola e começam a, digamos, se comunicar com os outros... a isso se chama fazer amizade.

Nico se sentia estranho ao pensar que conversando com Will antes de ter que tentar explicar a situação aquela manhã estava sendo visto como alguém aceitando fazer amizade. Ele, que sabia e quase até se orgulhava de não ter amigo nenhum.

Provavelmente Nico teria ficado ali o resto do dia encarando Will chocado, se não fosse a chegada do ônibus.

Os dois embarcaram. Nico se sentou no fundo, perto da janela e Will sentou-se ao seu lado, perguntando:

– Para onde estamos indo?

Nico já estava se recuperando do choque.

– Olha, você não tem que fazer isso, está bem? Sério.

Ele já tinha decidido que não importava o poder anti-fantasma maravilhoso que Will possuía, a ideia de ser amigo de alguém era ainda mais assustadora que as assombrações. Sabia que se arrependeria disso muito em breve, mas naquele momento tudo que queria era se afastar.

Nico continuou, numa espécie de sussurro para não ser ouvido pelos outros passageiros. Por sorte, os mais próximos eram jovens, alguns conversando animadamente alto e outros com fones de ouvido.

– Eu... por enquanto não preciso mais me importar com nenhum espírito vingativo. A garota... Amanda Philips... ela... o espírito dela mudou.

– Ela foi embora?

– Não... Acho que ela seguiu Drew até o cemitério, mas quando chegou lá, ela viu a mãe e... outras pessoas de quem gostava, aí o espírito dela mudou. Eu nunca tinha visto isso acontecer. Nem sabia que era possível.

– O espírito dela é o quê agora então?

– O espírito normal de uma suicida...

Will continuou a olha-lo interrogativo. Nico olhou para as próprias mãos que ele estava apertando sem perceber, lembrando da sensação de estar no lugar de Amanda se afogando eternamente.

– Ela está presa ao momento de sua morte, tipo, pra sempre. Não é a maneira mais agradável de passar a eternidade...

Silêncio.

– Você tem certeza que não dá pra... sei lá... – Will parecia estar queimando os miolos pensando numa solução. Nico riu, amargo. – Eu sei o que você disse antes, mas deve haver uma maneira de ajuda-la...

– Você acha que eu sou um egoísta insensível, não é? – Nico perguntou num sussurro feroz, voltando a encará-lo, a raiva começava a voltar. – Acha que eu fico resmungando porque adoro me fazer coitado. Pensa que só porque eu enxergo essas coisas, sou obrigado a bancar o paranormal altruísta. Você não tem ideia de como é. Quando não era muito mais que um bebê, você não era obrigado a ver criaturas deformadas o encarando no berço. Ter pesadelos com sua dor, seu desejo de vingança. – Esfregou a costa da mão no canto de um olho para impedir uma lágrima idiota de cair. – Saiba que ser egoísta e insensível é a única maneira que eu encontrei de manter o mínimo que seja de sanidade.

Nico virou o rosto para a janela. As coisas que acabara de dizer eram algumas das que tinha escrito no email para Bianca mais cedo. Ele estava lutando contra uma vontade terrível de cair no choro.

– Você tem razão – Will começou a dizer. - Eu não...

Nesse momento, Nico, olhando para fora, se deu conta de uma coisa e levantou de súbito, praguejando.

– Que foi? – perguntou Will.

– Você me fez perder a maldita parada.

Já fora do ônibus, Nico começou a andar rápido e soltou um muxoxo vendo que Will tinha voltado a segui-lo.

– Você não tem nada para fazer?

– Nós ainda não terminamos de conversar.

– Eu não quero mais falar.

– Ótimo. Então fique calado e me ouça um pouco. – Ele se colocou ao lado de Nico e pôs uma mão em seu ombro para fazê-lo encara-lo. Estava bastante sério. – Você tem razão. Eu não sei como é. Eu sei que você está me contando coisas muito importantes e difíceis. Não deveria julga-lo.

Nico o encarou por alguns segundos. Ele ainda enxergava sinceridade nos olhos de Will e se odiou por estar sendo levado a tentar confiar no garoto de novo.

Nico se afastou, mas já não se sentia tão irritado.

– Olhe, se você vai mesmo me seguir, tente não ficar muito perto. Não quero que acabe afastando quem eu vou encontrar.

E se virou para seguir em frente. Talvez Will Solace pudesse ser útil para o que Nico pretendia fazer.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigada pelos comentários do último capítulo!! Sejam bem-vindos, novos leitores ^^
Continuem a dizer o que estão achando!
Bjsss



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