Bestas de Mármore escrita por Filipe


Capítulo 30
Café




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Eu tenho tempo para criar monólogos sobre mim mesmo, enquanto ligo o chuveiro ou vou dormir com a cabeça cheia. Na maior parte das vezes uso uma grande variedade de palavras da forma mais sutil que posso, para falar a mim mesmo coisas absurdamente cruéis. É como destruir alguém sem usar qualquer violência, tanto verbal quanto física, apenas ideias subtendidas e separadas por um fino lapso em algum lugar do cérebro.

Enquanto minhas mãos tremem inutilmente, posso observar a xicara de café e seu vapor subindo pelo ar. Na realidade, essa é a sensação de se sentir desnecessário. Não gosto de ingerir grandes quantidades de cafeína, minhas pupilas dilatam, fico confuso, com frio e o medo se torna constante, seja em um refrigerante ou vindo do próprio café. A paranoia se torna crescente, tudo por um maldito líquido. Fraco e inútil, se ele me impedir de dormir, será minha ruína, afinal quanto mais tempo acordado eu ficar, mais poderei pensar.

Coragem é uma mentira tão bem formulada, igual a aquele cheiro de café emana por meu nariz. A lembrança de estar com folhas de caderno amassado a minha frente e o frio conforto que vem da janela, e eu não posso escrever, seria interrompido facilmente. Estou isolado mesmo com tantas pessoas a minha volta. Um ser detestável se movendo enquanto coberto por um casaco azul, ele sou eu. O estranho. Incógnito. As pessoas o mostram seus piores defeitos, e você logo aprende a odiá-los. A solução que você tem é gastando dinheiro com psicólogos, se entupindo com livros de autoajuda ou conselhos de pessoas que nunca te entenderão. Para mim, sou outro ser arrogante na terra, que deveria ter sido eliminado.

Tudo está descendo pela minha garganta, o café e a verdade, enquanto agonizo em minha cama nas madrugadas mal dormidas. Acordando de hora em hora para descontar toda minha ira contra a parede. Eles te tiram tudo, e a pressão é esmagadora. As coisas a sua volta parecem se relacionar a cada instante, porém, ainda assim sente que nada se relaciona a nada, você não pertence a lugar nenhum. A verdade é que você foi destinado a estar sozinho. Todos nós estamos. A partir do momento que você vai em direção a alguém, você deixa outra sozinha. Na exata hora em que tentar os segurar todos ao mesmo tempo, ainda assim alguém ficará sozinho. Quanto mais egoísta se tornar e não deixar alguém partir, você matará aos poucos as pessoas a sua volta. Alguns não notam e nem ligam para isso, contudo, isso poderá ser uma pressão enorme contra outros. Você não pode ter todo mundo.

Mesmo incontrolável diante de qualquer situação, mesmo frustrado e com a mente quebrada, paralisado diante de seu medo. Com o sol te congelando. O vapor congelando. Um conjunto de impossibilidades realísticas. É assim que se sente inútil e vazio. A noite toda chorando, na manhã seguinte se sente melhor, mais solto e leve, mas nada mudou foi apenas você que se conformou. Jogando seu medo e ganância no líquido negro e borbulhante entre suas mãos, toda aquela culpa se enganando como vício, finalmente achou algo para se irritar e botar todo o peso que sente. Mas a verdade está diante de seus olhos, tudo o que você fez é exclusivamente direcionado a você, e no fim, aquilo é apenas café.


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