Contraposição escrita por Blue Butterfly


Capítulo 8
Capítulo VIII




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Maura sentiu as gotas quentes de água abraçarem seu corpo. Ela inclinou a cabeça para trás e enxaguou o shampoo do cabelo, e em seguida apoiou a cabeça no braço que estava na parede. Ela respirou fundo diversas vezes tentando se convencer de que toda a sujeira de sua pele tinha sido limpa no primeiro banho que tomara quando fora resgatada, mas ela tinha aquela sensação inquietante de que seu corpo carregava vestígios do lugar. Ela abriu os olhos e se afastou da parede, esticando os braços para frente, checando que neles, em suas pernas, barriga, aonde seus olhos podiam alcançar, só tinha pele limpa, branca e macia, as únicas manchas mais escuras sendo as sardas espalhadas aleatoriamente. Ela estava limpa, mas ela se esfregou mais uma vez, apenas para se certificar.

Poderia ser culpa de sua obsessão, sua mania por limpeza e organização, ela não saberia dizer. Ela não se importava com a lama nos joelhos e no nariz, porque não era esse tipo de sujeira que a aterrorizava. Talvez nem fosse a sujeira em si, de qualquer forma. Parecia mais o fato de ela ter sido exposta à uma situação crítica, tratada como um pedaço de carne pendurado num azol para atrair uma presa.

Era isso.

Agora ela tinha uma forte desconfiança de que se Jane não tivesse encontrado ela, ela teria apodrecido. Ela sentia fisicamente também - seu corpo parecia dolorido e sensível, e em alguns pontos do dia ela se sentia exausta, pronta para cair na cama e dormir. Era uma sensação muito parecida com aquela de quando se fica gripado, mas a causa daquilo era o estresse que ela tinha passado e que agora refletia em cada centímetro de sua pele. Ela tentava resistir àquilo, mas as vezes ela só não conseguia - como agora.

Ela se secou com uma toalha macia e morna, depois checou seu reflexo no espelho. Ela não parecia cansada, mas ela se sentia. Respirando fundo, ela esticou os braços e encolheu lentamente, sentindo a familiar e discreta dor percorrer cada nervo. Talvez fosse psicológico? Nesse ponto ela não conseguia distinguir exatamente. Ela não andava dormindo bem, e isso poderia ser o acréscimo à causa. Mesmo dividindo a cama com Jane, ela tinha dificuldades em relaxar completamente. É verdade que ela se sentia melhor quando a morena a abraçava durante a noite, mas ela não conseguia se entregar ao sono profundo, à um sono que a deixaria completamente vulnerável porque, e se alguém entrasse na casa e atacasse ela e a detetive?

Era paranoia, isso ela tinha certeza. Ela estava sendo paranoica por causa do trauma que sofrera, o que era normal e compreensível, um transtorno ocorrente depois de uma experiência traumática. Iria diminuir gradativamente até sumir, era só uma questão de tempo. E de insistência e paciência, mas sua racionalidade nada acrescentava ao requisitado bem-estar.

Maura odiava aquilo. Ela odiava se sentir dependente de alguém e ela era o resultado, agora, de alguém que ela jamais tinha sido. Ela tinha medo de ficar sozinha. Ela se assustava facilmente com qualquer barulho. Ela chorava frequentemente e, por Deus, aonde Jane arrumava tanta paciência com ela? Ela se sentia culpada, terrivelmente culpada por ter feito com que a morena se afastasse da delegacia, a acompanhasse para esse lugar isolado. Ela sabia que Jane era definitivamente alguém da cidade, que não conseguia diminuir o ritmo, que precisava sempre estar envolvida com algo, e que dez minutos sem nada para fazer era sinônimo de tortura. E em contraponto, Maura se sentia tão bem por tê-la por perto. Surpreendentemente a morena estava lidando da melhor forma possível com a situação. Maura nem sabia que Jane poderia ser tão paciente assim, cuidadosa e... carinhosa.

Ela deslizou o vestido para o corpo e colocou um casaco leve por cima. Não estava necessariamente frio, mas ela queria evitar qualquer friagem, considerando que já pegara uma chuva gelada e que adoecer agora - mesmo uma leve gripe - não seria a melhor coisa para o momento. Ela deixou o banheiro e ouviu o barulho contínuo e hipnotizante da chuva batendo no telhado. Passando pela cozinha e depois pela sala, sem encontrar Jane, ela sentiu o coração acelerar consideravelmente - e ela se odiou por isso, porque tão logo ela chamou pela morena, a resposta veio imediatamente lá da varanda.

Jane estava sentada na rede branca pendurada por ganchos, enrolada numa manta fina. Aos seus pés estava Marley, parecendo bastante feliz em estar fazendo companhia para a morena. Maura poderia jurar que o cachorro estava até sorrindo contentemente.

'Se junte a nós.' Jane disse e esticou um braço, levando a manta com ele.

Maura aceitou o convite e se sentou ao lado dela, e imediatamente o braço de Jane pousou em seus ombros, cobrindo suas costas com a manta quente. Maura se remexeu para se acomodar, juntou os joelhos e apoiou os pés no tecido. Marley observou cada movimento, e Maura levou a mão para acariciar a orelha do animal quando seus olhos de cachorro sem dono imploraram pela atenção dela.

'Você tá quentinha.' Jane disse e apertou carinhosamente o braço nela.

'É porque acabei de sair do banho.' Ela disse como se fosse óbvio. 'Como está sua canela?' Ela olhou para a morena enquanto esperava a resposta.

'Sem dor.' Jane ofereceu com um sorriso.

'Ótimo.' Ela sorriu de volta e encostou a cabeça no ombro da detetive. Ainda com o pensamento em Jane, ela respirou fundo e se debateu internamente. Estaria sendo muito de uma tortura para ela estar ali? Nessa hora do dia ela provavelmente estaria correndo atrás de alguém, pronta para socar ou chutar e xingar, ou então estaria em uma de suas rondas ao necrotério, pressionando Maura para qualquer resultado novo. Em vez disso, ela permanecia ali, quieta, prestativa. Maura mordeu o lábio inferior e ergueu a cabeça para encará-la. 'Como tem sido para você, ficar aqui?'

Jane pareceu se sobressaltar um pouco com a pergunta, mas depois ela relaxou e disse lentamente, como se ainda considerando a resposta. 'Bem... dada a situação... Eu não consigo pensar em uma solução melhor.' Ela deu de ombros, mas quando a loira não reagiu, ela adicionou. 'A não ser que a gente mudasse de país... Mas aí já seria exagero, eu suponho.' Ela riu levemente.

Maura balançou a cabeça, insatisfeita. 'Isso não responde minha pergunta, Jane.' E seus olhos se demoraram nos da detetive, insistentes.

'Olha, Maura...' Ela suspirou e desviou o olhar por um instante, e depois disse seriamente. 'Eu fico tranquila aqui. Eu sei que você está a salvo, e que eu também. Eu não gosto de fugir, você me conhece. Mas nessa situação? Depois de... Depois de...' Ela respirou fundo e apertou os dentes. Ela fez uma pausa para se recompor e começou de novo. 'Depois de ele ter levado você? Maura, ele tirou tudo de mim. Ele quase tirou tudo de mim. Ele sequestrou você de baixo do nariz da delegacia inteira. Eu não quero medir forças com ele, eu não posso. Eu não fujo de uma briga, mas Maura, eu sei quando eu devo me afastar, eu sei quando algo se torna perigoso demais para eu encarar. Então se é isso que você tá me perguntando... Ficar aqui com você é o que eu mais preciso agora. É a paz no meio da tormenta.' Ela encolheu os ombros.

Maura piscou os olhos para ela e inclinou a cabeça enquanto refletia. 'Você não gostaria... de estar lá agora? Procurando pelo responsável?'

Jane balançou a cabeça sem hesitar. 'Não. Não sabendo o que pode acontecer.' Ela murmurou, a voz mais grave do que antes.

'Isso é medo?' Maura sussurrou a pergunta, tentando entender o motivo da escolha da morena de se esconder; fugir não era do feitio de Jane. 'Você não tinha medo de Hoyt, e ele parecia muito mais assustador sob certa perspectiva.'

Jane suspirou e seus olhos negros se perderam em algum lugar a sua frente. 'Eu não temo por mim.'

A loira piscou os olhos e franziu o cenho. 'O que é diferente daquela vez?'

Jane virou o rosto para ela, a incredulidade estampada em cada ponto de expressão. 'Você, Maura!' Ela exclamou, perplexa. 'Você não entende? Você virou alvo dele por minha culpa. Eu não... Eu posso tomar conta de mim estando lá, Maur. Mas olha o que aconteceu com você!' A voz saiu um tanto quanto alterada e falhada.

'Jane, não foi sua culpa.' A loira murmurou no tom mais convincente que podia.

'Foi para me atingir, o que se resume no mesmo.' Maura tentou falar algo, mas ela não permitiu. 'Com Hoyt, eu sabia no que eu estava me metendo. E ele estava atrás de mim. Toda a loucura dele era dirigida apenas para mim. Quem quer que esteja fazendo isso... Maura, ele está disposto a machucar pessoas que eu amo para me ver sofrendo. Eu não posso permitir isso.' Ela levou a mão no rosto da loira e segurou seu olhar. 'Eu não vou admitir que ele te machuque, que tire você de mim. Se estar lá significa correr esse risco, dane-se. Nós ficamos aqui o resto da vida se for preciso. Mas ele não encosta um dedo em você, Maura. Me ouviu?'

Então era isso: puro instinto de proteção. Maura já deveria saber. Se tinha algo que se sobrepunha ao lado guerreiro da morena, era a superproteção que ela tinha com sua família, com ela. A médica expressou sua compreensão com um balançar de cabeça, e depois abraçou a detetive. Ela teve a impressão de que Jane estava tremendo, e as duas ficaram abraçadas em silêncio por um bom tempo, cada uma perdida em seus próprios pensamentos.

A chuva continuava caindo lá fora, tão forte quanto antes, e Jane empurrara a rede novamente com os pés e agora elas se balançavam com força renovada - mas ainda suavemente. Maura assistia enquanto o mensageiro dos ventos pendurado a poucos metros de distância no teto se movia com o sopro do vento e tocava uma canção suave. Ela sentiu os olhos pesando, hipnotizada ambos pelo som da chuva e dele. Ela se remexeu no lugar, mas ainda não estava suficientemente confortável.

'Jane, nós podemos nos deitar?' Ela perguntou, encontrando seus olhos claros com os da morena.

'Claro, Maur.' Ela disse sem hesitar e inclinou o corpo para o lado, trazendo Maura com ela. Elas se ajeitaram de modo que Maura se apoiou em um lado, mas tinha metade do corpo em cima de Jane. A morena tinha deixado uma perna pendurada para fora da rede, e com as pontas do pé dava leves impulsos para balançar. Seus dedos se encontraram com a cabeça da loira - que estava apoiada em seu ombro - e ela brincava com mechas de cabelo dourado.

'Nós poderíamos ter ido para outro país, você sabe.' Maura murmurou e riu em seguida, baixinho.

'Oh, é mesmo? Não me venha com França, nem mesmo Itália!' Jane resmungou num falso mau humor.

Maura mexeu um ombro com indiferença. 'México é lindo. As praias são maravilhosas.' Ela disse e suspirou, levando uma mão ao peito da morena para deixar descansando ali.

'Credo! Eu e praia? Não, obrigada. Não gosto muito do clima verão, todos felizes e tudo mais.' Ela riu consigo mesma e a risada cessou ao mesmo tempo que ela desenrolou um cacho loiro de seu dedo.

'Jane, o que você tá fazendo?' A médica perguntou, seus olhos ainda mais pesados.

Ela sentiu enquanto a morena enrolava mais uma vez seu cabelo, e depois soltava. 'Seu cabelo ainda tá meio úmido.' Ela disse depois, do nada, enquanto separava outra mecha.

'Você vai me fazer dormir.' E como se para reafirmar sua observação, ela abriu a boca num bocejo.

'Então durma.' Jane disse e teve o cuidado de ajeitar a manta nas costas dela. 'Imagino que nossas atividades estejam um tanto limitadas com essa chuva.' Ela deslizou a mão para cima e para baixo nas costas da médica. 'Ei, o que você acha de pescar?'

Maura estalou a língua em reprovação. 'Como se você tivesse paciência para isso.'

'Eu sou uma ótima pescadora, tome nota.' Jane rebateu com sarcasmo.

Maura mexeu a cabeça quase que imperceptivelmente em não. 'Você fala o tempo todo, é preciso de silêncio para pescar.'

'Maura, você acabou de me chamar de tagarela?' Ela perguntou com indignação.

'Se você quer interpretar assim.' Ela riu uma risada sem som, mas que chacoalhou seu corpo.

'Eu sou muito boa, só para você saber. Eu posso te provar mais tarde. Mas se eu pescar, é você quem cozinha.' Ela disse tudo de uma vez, em auto-defesa.

'Combinado.' Maura rebateu sem muita credibilidade. E então os dedos da detetive voltaram para o seu cabelo, tornando-a consciente mais uma vez de seu estado de sono. 'Jane.' Ela advertiu, levantando a cabeça para encarar a morena. 'Você vai me fazer dormir.' Ela disse num tom demandante, insistindo para que ela parasse.

'E por que você tá resistindo, Maur?' Ela colocou uma mecha atrás da orelha da loira, e acariciou seu rosto com o polegar. 'Por que?' Ela perguntou de novo, mas os olhos cansados da médica não se demoraram muito nos seus. Ela abaixou a cabeça mais uma vez para o peito dela, em silêncio. Jane abraçou sua cintura e encostou o queixo no topo da cabeça da médica. 'Eu sei que você não tem dormido bem, que você tem pesadelos.' Ela inclinou a cabeça para o lado para ter uma visão melhor do rosto de Maura, mas a loira se recusava a falar, sequer encará-la. 'Você quer me contar o que é?' Ela pressionou de novo e Maura piscou os olhos, mordeu o lábio inferior e depois balançou a cabeça em não. 'Ok.' Jane suspirou. 'Ok.' Ela correu a mão pelas costas da mulher e beijou sua cabeça. 'Você está segura aqui, você sabe disso, certo?' Ela murmurou.

Os lábios de Maura tremeram numa ameaça de choro, e então a voz dela veio com um pedido. 'Jane, você pode me fazer dormir?' Ela soltou um suspiro tremido e Jane a abraçou com apenas um braço, a outra mão voando rapidamente para seu cabelo.

'É claro, querida. Durma. Eu cuido de você.' Ela beijou demoradamente a cabeça dela. 'Eu e Marley. Certo, intrometido?' Ela disse para o cão agora.

Ao ouvir seu nome, ele se levantou e enfiou o rosto na rede, o focinho bem perto do braço da morena. Seu rabo abanava de um lado para outro, e quando não recebeu carinho nenhum, ele grunhiu e voltou a se deitar no chão.

Longos minutos se passaram até que Jane teve certeza de que Maura tinha finalmente adormecido. A respiração quente da médica batia contra sua pele e levantava arrepios vez ou outra, e em cada uma delas Jane se via plantando um leve beijo na cabeça dela.


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Notas finais do capítulo

Jane = boba apaixonada.