Contraposição escrita por Blue Butterfly


Capítulo 7
Capítulo VII


Notas iniciais do capítulo

Curtinho, mas bonitinho.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/644989/chapter/7

Maura tinha tido um pesadelo, era isso que atormentava Jane. Ela acordara com a médica murmurando algo incompreensível, o rosto molhado de lágrimas, agitada. A visão quebrou o coração de Jane em um milhão de pedaços, e ela só conseguiu voltar a dormir muito depois de ter segurado a loira em seus braços e sussurrado para ela que era apenas um pesadelo, que aquilo não era real. O que mais a entristecia, porém, era o fato de que a loira nem mesmo ter acordado - ela parecia tão presa àquele terror que não conseguia encontrar seu caminho de volta para a realidade. Maura não se lembraria do sonho quando acordasse, Jane, entretanto, se lembraria perfeitamente da sensação de segurá-la em seus braços enquanto seu corpo tremia, das lágrimas quentes caindo em sua pele no momento em que a mulher escondera o rosto em seu peito.

Era por isso que Jane queria que ela lhe contasse sobre o acontecido - se libertasse de uma vez da sensação que estava sufocando-a por dentro. Ela imaginou, porém, que era algo delicado que poderia ser realizado com o passar do tempo, sem pressões, para não adicionar estresse ao estado já delicado da loira.

Agora Jane acordara para um dia nublado de nuvens carregadas, Maura encolhida em seus braços na mesma posição que dormira depois do pesadelo. Ao mesmo tempo que ela precisava sair da cama, ela não queria. As razões contrapesavam: por um lado, ela queria levantar e preparar um café da manhã para a loira, animá-la e mimá-la, surpreendê-la com flores recém-recolhidas colocadas num copo que estaria na bandeja que ela traria para o quarto; por outro lado, ela temia que Maura acordasse ao deixar a cama, ou que a médica tivesse outro pesadelo enquanto ela estivesse fora do quarto e não pudesse ampará-la.

Ela ponderou suas opções e concluiu que não estaria tão longe assim caso ela viesse a acordar por conta de um pesadelo. Com todo o cuidado, ela transferiu a cabeça da loira de seu braço para o travesseiro, a cobriu até o queixo e esperou um tempo considerável até finalmente sair da cama, apenas para se certificar de que a outra estivesse num sono profundo.

Com maestria, ela preparou o café sem fazer sequer o mínimo de barulho. Um suco de laranja, torradas e geléia de amora estavam dispostas numa bandeja. Ela pegou um copo e o encheu até a metade com água. Estudou as flores já murchas do dia anterior em cima da mesa e concluiu que aquelas não serviriam mesmo. Hesitante, ela abriu a porta da sala e lançou um olhar ao redor. Ela só tinha que contornar a casa para alcançar os fundos, dar alguns passos na direção ao lago para alcançar o primeiro arbusto florido. Não vendo sinal de perigo, ela fez o caminho até o local, e recolheu pacientemente as flores mais bonitas - não muitas, apenas três ou quatro. Quando decidiu-se satisfeita, sorriu ao observar a planta. As pétalas era de um laranjado forte e o miolo quase vermelho. Era uma variação das margaridas, e Jane pensou que a cor alegre iria contrastar com o dia cinzento.

Ela estava a um passo de entrar em casa quando escutou Maura gritar.

'Não!' O grito carregado de medo cortou o ar, e Jane sentiu o sangue congelar em suas veias.

Copiando o pavor da outra e completamente em estado de alerta, ela entrou correndo na casa, jogando as flores no chão e buscando pela arma que mantinha na gaveta do armário da cozinha. Com os olhos estalados e o coração batendo com força no peito, ela entrou no quarto com a arma em punhos, apontando e procurando pelo invasor. A primeira coisa que notou foi Maura encolhida na cama, sentada, a coberta puxada contra o peito. A segunda, era um cachorro da raça labrador, grande e bege nos pés da cama. Jane quase derrubou a arma no chão ao sentir o alívio tomar conta de si. Maura estava assustada apenas com o cachorro - ela soube pelo modo que a loira encarava o animal. Ele não parecia nada ofensivo, e a detetive depositou a arma na mesa de cabeceira antes de se ajoelhar na cama.

'Maura?' Ela tentou alcançá-la. 'Você tá bem?' Ela colocou os braços ao redor da mulher que estava tremendo.

'O que é isso?' Ela perguntou aterrorizada, à beira das lágrimas.

'Maur, eu sinto muito. Eu sai para recolher algumas flores e deixei a porta aberta. Eu não... Eu não sabia, eu não pensei que...' Jane se perdeu nas palavras. 'Eu não imaginei que isso pudesse acontecer.' Ela disse com honestidade. Ela não se lembrava de ter avistado cachorros ou de sequer ter ouvido latidos no dia anterior.

'Ele pulou em cima de mim!' Maura exclamou em total perplexidade.

'Shh... Tá tudo bem agora.' Jane tentou acalmá-la.

'Eu achei que alguém estava me atacando!' Ela quase gritou, irritada com o cachorro, irritada porque Jane não estava lá antes. Ela sentiu os olhos se enxerem de lágrimas e piscou para se livrar delas. Seu coração estava acelerado e a respiração curta.

O cachorro latiu.

Jane apertou os braços na sua cintura e Maura apertou os dentes.

'É culpa minha, me desculpa. Eu não deveria ter saído.' Jane murmurou.

'Não.' Maura murmurou de volta, lançando um olhar magoado para o cão.

Ele continuava lá, sentado no chão, parecendo alheio ao susto que lhe dera. Seu rabo abanava lentamente de um lado para o outro, mas fora isso ele não se mexia.

'Não acho que ele seja perigoso.' Jane disse, estudando o bicho.

'Ele quase me matou do coração.' Maura resmungou em discórdia.

Jane mordeu os lábios para não rir. Depois do susto ter passado, ela só podia pensar em como a situação era ridícula. 'Bom, eu acho que ele só queria te beijar e dar bom dia. Quem pode culpá-lo?' Ela brincou e Maura lançou um olhar afiado para ela, mas quando a detetive deu de ombros a médica suavizou o olhar. 'Vem aqui, você, intrometido.' Jane esticou a mão para o cão e ele avançou alegremente, enfiando seu focinho em sua palma, cheirando e lambendo o dorso.

Maura se encolheu contra a mulher, como se ainda estivesse com medo.

'Ah, qual é, Maura. Ele é até bonitinho.' Ela olhou para a loira e sorriu, mas a médica parecia um tanto mau-humorada e não disposta a compartilhar de sua opinião. Então Jane pegou sua mão e colocou em cima da cabeça do cão. Primeiro Maura tentou retirá-la, mas Jane insistiu para que ela acariciasse o animal. Depois, se rendendo ao pelo fofo, ela se inclinou para frente e coçou a orelha do cão.

'Oh.' Ela exclamou baixinho quando ele virou a cabeça para receber o carinho. Maura olhou para Jane e se inclinou ainda mais sobre ela, para alcançar mais território. Quando o cachorro se remexeu, ela se afastou ligeiramente, assustada, mas então ele lambeu sua mão e ela sorriu.

E Jane sorriu também.

'Ele é fofo, até.' Maura disse enquanto apoiava a mão na coxa de Jane para voltar à posição anterior.

'Viu? Você tá perdoado.' Jane disse para o cão que latiu, e contentemente pulou de novo na cama. 'Ei!' Ela disse rindo, mas protestando. O animal era energético demais e quando ela se deu conta, ele estava lambendo seu rosto - ou tentando. Ela o afastou com as mãos, e ele parecendo empolgado demais, voltou sua atenção para Maura, pegando-a desprevenida e acertando em cheio seu queixo numa lambida que dizia o quão feliz ele estava em agradá-la.

Ela riu.

Ela riu e Jane adorou o cachorro por isso. Quando a segunda lambida atingiu o pescoço da médica, ela se inclinou contra a detetive, sua mão parando sobre seu peito. A risada ecoou pelo corpo enquanto Maura tentava desesperadamente se esconder dele, mas o cachorro era insistente e por um motivo parecia gostar dela, e quanto mais ele insistia em lambê-la, mais seu corpo era pressionado contra o de Jane, mais ela ria, e mais a morena gostava do animal apenas pelo fato de estar arrancando gargalhadas da loira agora. Quando ele finalmente deu um tempo com as lambidas, Maura virou o rosto para encará-lo, mas tão logo ela se revelou de novo, ele investiu contra ela, balançando o rabo e latindo, tentando lamber seu rosto de novo. 'Ok.' Ela disse entre risadas, suas mãos tentando esconder o rosto. 'Eu já gosto de você.' As palavras quase sumiram no riso, mas o cão pareceu entender porque ele passou apenas a cutucá-la com o nariz, seu corpo pesado sobre o dela, magro.

'Ele não parece tão mal, não é?' Jane perguntou para ela, deliciada com o fato de que a médica ainda tinha um sorriso divertido no rosto.

'Ele é incontrolável!' Maura exclamou enquanto tinha o focinho do animal pressionado na sua garganta.

'Nem deu pra notar. Ok, Romeo. Acho que você já conquistou a moça.' Jane disse enquanto empurrava o cachorro de Maura. 'Vamos ver se você tem um nome.' Ela procurou pela coleira e achou a plaquinha metálica com o nome do cão. 'Marley? Sério?' Ela levantou um sobrancelha e olhou para Maura.

'Marley?' A médica perguntou confusa.

'Marley e eu.' Jane revirou os olhos. É claro que Maura não entenderia a referência. 'É um filme. Deixa pra lá.' Ela disse dando um leve tapinha no ombro da médica e se levantando. 'Vou terminar o café e volto logo.'

'Jane, e o cachorro?' Maura perguntou apontando para ele, o cão parecia bem feliz ali em cima da cama.

'Deve ser de alguém aqui perto. Quando ele sentir vontade de ir embora, ele volta para casa, eu imagino.'

E foi assim que o animal passou o dia todo com elas.

Logo depois do café da manhã elas decidiram caminhar pelo lago e contra expectativas o cachorro continuava seguindo-as. Embora a caminha matinal tivesse se tornado de certa forma parte da rotina - não é como se tivesse muita coisa para se fazer ali - as nuvens carregadas ameaçavam a cair a qualquer momento, e quando elas se tornaram mais escuras e o vento começou a soprar, elas fizeram meia volta e se apressaram para retornar à casa. Infelizmente, elas foram pegas pelo primeiro minuto da chuva - menos Marley, que saiu disparado na frente como se tivesse previsto muito antes dela o que iria acontecer. Elas correram o quanto puderam e quando estavam bem próximas da casa, Jane derrapou na grama molhada e caiu de bunda no chão.

'Jane!' Maura gritou atrás dela, mas a morena nem precisou de virar para saber que a outra estava rindo. 'Oh, meu Deus, você se machucou?' Maura tinha se ajoelhado ao seu lado, o cabelo escorrido por conta da chuva grossa.

'Não... Eu acho.' Ela disse ainda sentada no chão, o rosto torcido em irritação.

'Ok, deixa eu te ajudar.' Maura disse e esticou a mão, ainda rindo.

'Não é engraçado, Maura.' Ela disse mal humorada.

'Não é.' A loira devolveu apenas para não discordar, mas de nada adiantou morder os lábios para esconder o sorriso.

Jane pegou sua mão e por pura vingança - e um pouco de diversão - puxou com força a loira para frente. Ela se desequilibrou, escorregou, tentou segurar no ombro de Jane para evitar o tombo, estabeleceu o equilíbrio de novo apenas para tropeçar no próprio pé e cair no chão de quatro. A morena soltou uma gargalhada e jogou a cabeça para trás. A cena tinha sido impagável, o tombo em câmera lenta mais engraçado que ela tinha visto na vida. Maura bufou e ergueu os olhos para ela, irritada.

'Não foi legal de sua parte, Jane. Eu poderia ter me machucado.' Ela disse secamente.

'Oh...' O sorriso de Jane tinha desaparecido imediatamente, fugindo da irritação da outra. E então Maura riu, e Jane suspirou de alívio.

'Você não é a única que sabe pregar peças.' A médica disse e sentou em cima dos pés, satisfeita com a reação da morena.

'Ok, você me pegou.' Jane riu e passou o dedo sujo de barro no nariz da outra, e Maura deu um tapa em sua mão.

'Jane, eu já estou suja o suficiente! E você também. Vamos entrar para dentro, por favor. Essa chuva está tão gelada!' Ela disse se levantando, esticando mais uma vez as mãos para a morena.

Quando Jane se levantou, ela fez uma careta e as duas olharam para a perna que agora estava levantada do chão. 'Ok, acho que eu bati em alguma coisa.'

'Me deixa ver.' Maura disse se agachando, servindo como apoio para a detetive. 'Oh... Uma esfoliação.' Ela disse deslizando o dedo pela parte externa da canela da morena. 'Está roxo, Jane! Vamos colocar gelo para evitar um hematoma maior, ok?' Ela se levantou e passou o braço na cintura da morena para ajudá-la na caminhada. 'Se apoie em mim se precisar.'

E embora Jane quisesse dizer que não, a pancada estava extremamente dolorida e ela sentia a dor pulsar em cada passo que dava. Já dentro da casa, Maura a guiou até o banheiro e a instruiu para que tomasse um banho quente e depois trocar a roupa, e então ela faria um curativo apropriado. A morena não protestou, sabendo que a médica insistira até que a fizesse mudar de idéia. Enquanto Jane estava no banheiro, Maura procurava pelo kit de primeiro socorros. Ela o encontrou no armário ali do quarto mesmo, e separou o que precisaria para limpar o arranhão e colocar o curativo. Marley, claro, estava colado aos seus pés, completamente seco. Ela sorriu quando o cachorro cutucou com o focinho sua mão, e se agachou para acariciá-lo.

'Você precisa voltar para sua casa.' Ela murmurou. 'Alguém deve estar procurando por você.'

O cão balançou o rabo e lambeu sua mão. E Maura se lembrou de que há dois dias atrás era ela quem estava sendo procurada por Jane. Ela suspirou e lançou um olhar para a porta do banheiro. Lá dentro a morena tomava banho, uma perna machucada - nada grave. Maura tinha temido tanto pela vida da detetive. Ser a responsável pela morte dela, assim como o sequestrador tinha lhe dito, arrancaria parte de sua alma. Perder Jane destruiria todo o seu ser. Ela trincou os dentes e abraçou o cachorro.

'Eu não quero que ele esteja procurando por nós.' Ela sussurrou para o cão, perdida em seus pensamentos. Ela já sabia que o homem tinha sido pego, mas ela não conseguia deixar de temê-lo, temer suas palavras... Ter medo da pessoa por trás daquilo tudo. Ela se perguntou se lá na delegacia tinham tido algum avanço com a investigação. Ela rezava para que sim. Por mais que estivesse gostando de passar um tempo a sós com Jane, ela sentia falta da própria casa, da liberdade de andar nas ruas de Boston sem temer nada. Ela soltou o cachorro e ele lhe lambeu a bochecha, como se tentando confortá-la. Em seguida, Jane abriu a porta do banheiro, já em suas roupas secas e limpas.

'Não está assim tão ruim.' Ela olhou para Maura agachada no chão, mas decidiu não perguntar nada sobre a interação dela com Marley.

'Não é ruim. Vamos apenas passar algo para não ficar dolorido.' Ela se virou no chão porque Jane tinha se sentado na cama, e o seu próximo movimento foi para analisar a esfoliação. Ela limpou a pele e passou um gel para dor, e depois decidiu que enfaixar a canela não seria a melhor decisão.

'Qual é, Maura, isso não é nada.' Jane disse impaciente mas cautelosa.

'Eu sei. Eu só... Me deixa cuidar de você um pouquinho.' Ela disse timidamente e mal olhou para Jane.

'Bem, se é isso que você quer, eu ficaria muito mais feliz se você me fizesse um bolo de chocolate.'

'Mesmo?' Maura abriu bem os olhos e a encarou agora.

Jane sorriu. 'Não, Maur. Eu tô brincando.' Ela segurou as mãos da loira, se levantou e a puxou para cima. 'Vá tomar um banho também, tá bem? Você tá fria e também precisa se esquentar.' Ela se inclinou e beijou o rosto da médica, depois se desviou e acariciou a cabeça de Marley. 'Vem, intrometido. Vamos descobrir se tem algo para você nessa cozinha.' Ela disse enquanto saia do quarto.

'Você quer dizer para você, Jane?' Maura disse provocando com um sorriso nos lábios.

'Você acha mesmo que eu usaria o cachorro como desculpa?' Jane rebateu.

Maura achou melhor não responder.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!