Contraposição escrita por Blue Butterfly


Capítulo 5
Capítulo V




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Não era de se esperar que a noite fosse calma. Não. Maura, com seu histórico trabalhando ao lado da homicídios, sabia melhor do que ninguém que uma noite completa de sono depois de um caso angustiante, de situações de riscos, de sequestros e ameaças, era uma realização impossível. Ela carregava aquela sensação agonizante que o episódio do sequestro deixara em si. Era como se a morte tivesse arranhado sua pele, e a ferida continuasse ardendo por horas seguintes, apenas para lembrá-la de que ela estava exposta, de que tinha sido tocada pela entidade que acreditava estar tão familiarizada - e que lhe lembrara de que não era por isso que estava imune à ela.

Durante a noite ela se confortou com o fato de ter Jane deitada ao seu lado. Por motivos óbvios - a confiança em Jane, a lealdade da morena e o fato de ela estar a um palmo de distância - ela se sentia segura o suficiente para fechar os olhos, mas não para abaixar a guarda totalmente e se entregar a inconsciência. Cada vez que o vento soprava lá fora. Cada quebrar de galho fino. Cada vez que folhas farfalhavam... Seus olhos se abriam em espanto e ela estudava todo o lugar à sua volta. Quando o relógio marcou meia noite, Maura tinha os olhos ardendo e cansados, e o corpo doía por causa de tamanho esforço para ficar acordada. Se Jane tinha dormido até então, ela não sabia, mas foi quando ela se remexeu na cama pela centésima vez que a detetive passou seus braços em volta de seu corpo, a abraçou com força até que seus corpos se colaram, e encaixou o queixo em seu ombro.

'Durma, Maura.' Ela murmurou e acariciou seu braço. 'Nós estamos seguras.'

E apenas a voz da morena a desarmou. Ela virou o corpo para ficar de frente com Jane, e quando a outra a recolheu nos braços de novo, Maura escondeu a cabeça em seu peito. Era o abrigo perfeito. Era o esconderijo que permitiria que a médica descansasse por algumas horas, até acordar de novo e repetir todo o processo.

O dia amanhecera num completo contraste como seu humor. O céu estava totalmente claro e sem nuvens. Elas levantaram cedo da cama, tão cedo a ponto de poderem observar o sol nascendo. Jane a convencera de assistir o espetáculo na beira do lago. Elas caminharam até a beira e se sentaram na grama ainda úmida pelo orvalho. Um tom delicado de dourado de diluía num azul tão delicado quanto, como se saudando com respeito a beleza de um dia novo, e o sol surgia no horizonte, refletindo seus raios nas águas do lago que imitavam sua beleza.

O ar da manhã era frio, dando um toque de frescor, enfatizando o início do novo.

'É lindo.' Jane disse em voz baixa, quase como se falar durante a contemplação fosse o sinônimo de profanar.

'Merece a devida atenção.' Maura concordou e enrolou no dedo o caule de um trevo que crescia ao seu lado, sem prestar muita atenção no gesto.

'E só dura alguns minutos.' A morena acrescentou, observando quão rápido o sol parecia desgrudar do horizonte.

Assim como a vida. Maura pensou mas não disse nada. Ela deveria ter se perdido em pensamentos, porque só depois notou a mão quente de Jane sobre a sua. Ela lançou os olhos em direção aos da morena e inspirou lentamente. Eu sou assim sempre tão fria? Ela pensou porque os dedos de Jane pareciam quentes em contraste com os seus. Eu carrego algo semelhante ao da morte?

Ela trincou os dentes com o pesamento. A rainha dos mortos. O título ecoou na sua cabeça. Será que se alguma forma os companheiros de trabalho tinham a percepção afiada ao ponto de lhe rotularem um título tão assertivo? Ela abaixou os olhos e mordeu os lábios. O sol recém-nascido acariciava seu rosto com raios mornos, parecendo uma tentativa de lhe mostrar algo, mas ela não sabia o quê.

'Maura, você tá com frio? Você tá meio que tremendo.' A voz preocupada de Jane soou tão distante, mas ao mesmo tempo a atingiu com força bruta.

Ela estava tremendo. Em seu pijama de seda verde, ela estava tremendo sob o sol da manhã. Ela continuava fria mesmo recebendo o calor do astro. Estaria ela carregando realmente a marca da morte? Em seu estado de meditação ela não percebeu o aperto em seu peito se tornar tão insuportável a ponto de terminar em uma explosão. Os braços de Jane estavam ao seu redor antes mesmo das primeiras lágrimas pingarem de seu rosto. Tremendo incontrolavelmente - e agora não só por conta do frio - os braços de Jane se apertaram em si para tentar contê-la.

Jane não disse nada - não adiantaria de qualquer forma. Era uma energia a qual ela tinha que se ver livre. Nenhuma palavra de consolo reverteria a situação. Nenhuma promessa de que tudo ficaria bem faria diferença alguma. Quando ela se deu conta de que ela poderia ter morrido no dia anterior, o medo a atingiu por completo, tirando o ar de seus pulmões. Ela poderia não estar ali para ver o nascer daquele sol, sentada à beira do lago que copiava o mestre das estrelas. Ela poderia nunca mais ter sentido o toque de Jane, um simples toque de mãos. O que soava mais curioso, entretanto, é que ela se sentia exatamente assim: morta. Como se algo precioso fosse tirado de dentro de si. Como se a ameaça de morte tivesse acarretado um efeito mais intenso do que o propósito inicial.

Ela tinha sido marcada. Ela andava tão familiarizada com a morte.

'Vamos te levar para dentro.' Jane murmurou, deslizando suas mãos nas costas dela, numa tentativa de aquecê-la.

Ela apenas balançou a cabeça em não, se sentindo fraca demais para andar por conta da crise de choro.

'Maura, você precisa conversar comigo. Acumular isso dentro de você vai te esgotar.' A morena sussurrou quando a respiração dela pareceu acalmar.

Ela apertou os dentes e permaneceu quieta por uns minutos, tentando controlar a si mesma. Sua cabeça descansava no ombro da morena, e Jane nunca deixara de acariciar suas costas enquanto aguardava.

'É só que agora me dei conta de que eu poderia ter morrido.' Ela fungou e apertou os braços na morena. 'Ele me aterrorizou tanto com a idéia de que lhe faria mal que eu não considerei que ele me pudesse machucar.' Sua voz tremeu e ela respirou fundo, sentindo o beijo de Jane em sua cabeça. 'E agora parece mais claro o risco que eu corri. E que ele poderia ter me tirado você, ou apenas me matado, e então eu iria estar deitada na mesma mesa que eu examino cadáveres, Jane! E você teria me visto, e seria tão cruel e horroroso se você me visse daquele jeito.' Suas lágrimas caiam livremente, e ela sentiu o corpo de Jane tensionar ao escutá-la.

'Eu sei. Isso seria... Deus, é o meu pior pesadelo.' A morena concordou e Maura se encolheu mais. 'Maura, você não sabe o quanto eu odeio que você tenha passado por isso.' Ela murmurou instantes depois e deslizou a mão para a cintura da médica como se para trazê-la mais para perto.

Minutos se passaram e Maura continuava lá, seu rosto parcialmente escondido no peito de Jane enquanto ela observava o céu azul. 'Me desculpa por ter estragado nossa manhã. Eu odeio me sentir assim.' Ela resmungou.

Quando sua respiração se igualou, Jane se afastou e limpou o restante de lágrimas de seu rosto. Num gesto carinhoso, ela beijou docemente sua bochecha. 'Você não estragou nada, Maura.' E depois de beijar sua testa, Jane se desenroscou dela e se levantou. 'Venha, quero te mostrar algo.'

Maura franziu o cenho e estava se levantando também quando Jane, com um sorriso quase imperceptível, se virou e começou a andar a passos rápidos.

'Venha, Maura!' Ela a apressou, e a loira se levantou de uma vez, seguindo-a. Olhando para trás antes de começar a correr, Jane gritou. 'Venha logo!'

E Maura sentiu o sangue gelar. Ela temia perder a morena de vista, ser deixada para trás sozinha. 'Jane!' Ela advertiu, correndo atrás dela para alcançá-la, os passos na grama fofa dificultando a corrida.

'Você precisa vir mais depressa!' Ela devolveu em voz alta, e Maura poderia estar enganada, mas por um momento ela pensou que Jane estava se divertindo.

As pernas da morena eram mais longas que as dela, de modo que ela ficou naturalmente para trás. E agora ela estava ficando irritada. Por que Jane não poderia simplesmente esperá-la? Por que tinha que sair em disparada sem considerá-la? O que era assim tão importante que não podia ser mencionado antes? 'Jane!' Ela gritou atrás da morena, parecendo uma ordem para pará-la.

'É só mais um pouco, vem!' A morena rebateu simplesmente, correndo ainda mais rápido.

E então Maura realmente largou todas as perguntas e decidida ao alcançá-la, correu o mais rápido que pôde. Tão rápido que quando Jane parou, ela quase trombou na morena.

'O que você acha que tá fazendo?' Ela resmungou entre arfadas.

Jane sorriu e se sentou no chão, segurando sua mão e puxando-a para baixo também. A morena se deitou e indicou para que ela fizesse também. Intrigada, a loira obedeceu e virou a cabeça para olhá-la. Seu peito subia e descia rapidamente, o ar frio queimava em seus pulmões. Antes que ela pudesse perguntar algo, Jane segurou sua mão e sorriu. 'Você consegue sentir isso?' Ela perguntou enquanto colocava a mão de Maura sobre o peito da mesma, acima do coração.

Maura balançou a cabeça em sim. Ela conseguia sentir seu próprio coração batendo fortemente contra o peito, resultado do esforço da corrida. Jane abriu um sorriso satisfeito e apertou gentilmente seus dedos. 'É uma droga que você tenha experimentado aquilo, Maur. Mas você continua bem viva. Essa é a prova física que você precisa, certo?' Jane esperou pacientemente por sua resposta. Ela concordou com a cabeça, impressionada pelo fato da morena ter elaborado algo assim. 'Ótimo. Tem mais vida em você do que você pode achar que tem agora. Nós vamos continuar trabalhando nisso.' Jane se inclinou e deu um beijo em sua bochecha, e Maura não conseguia dizer nada. Num ato inocente, ela levou a mão para o peito de Jane, acima do coração da morena e sentiu-o bater tão rápido e forte quanto o dela. Elas se encaram por longos segundos, até que Jane balançou a cabeça em concordância. Ela sabia muito bem o que aquele gesto significava: Maura checando com suas próprias mãos se ela estava viva.

'Eu sei que leva tempo para apagar essa sensação. Mas quando você precisar se lembrar disso,' ela bateu os dedos gentilmente no peito da médica, 'me convide a correr com você.'


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