Contraposição escrita por Blue Butterfly


Capítulo 4
Capítulo IV




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Maura abriu os olhos para o mesmo dia - ele parecia inacreditavelmente longo, interminável. Sua mão estava pousada sobre a barriga de Jane e quando a médica ergueu a cabeça para checá-la, descobriu que ela estava dormindo. Ela se lembrou da detetive dizendo sobre as noites perdidas de sono e sorriu em simpatia para a forma adormecida da mulher.

Maura deslizou deliberadamente a mão sobre a barriga da morena, pressionando levemente os dedos no abdômen definido. Se ela deveria se sentir de alguma forma culpada pelo gesto um tanto invasivo, qualquer culpa fora diluída pelo desejo quase imensurável de tocá-la, e o resultado da ação tinha sido algo prazeroso borbulhando dentro de si. Ela sorriu, porque a mulher estava ali apenas por causa de sua súplica - feita por puro medo.

Se lembrando pelo real motivo pelo qual tinha acordado, ela se desenroscou cuidadosamente de Jane, fazendo o possível para não despertá-la do sono. Ela precisava ir ao banheiro, sua bexiga estava doendo. Com a saída bem sucedida da cama, num gesto de pura rebeldia, interrompeu o fluxo do soro e com um único puxão tirou a agulha de si. Ela não precisava mais daquilo, de qualquer forma. Ela se dirigiu até o banheiro e fechou a porta atrás de si. Minutos depois - de rosto lavado, e aliviada - ela se observou no espelho. Seu rosto entregava o quão abatida ela estava, ainda que tivesse dormido consideravelmente bem. O cabelo estava bagunçado e sujo, e nos braços - isso ela já tinha notado antes - alguns hematomas se espalhavam aleatoriamente. Não era a imagem de si que ela estava acostumada a ver, e isso de certa forma a atingiu com força total.

Ela queria ir para casa. Queria tomar banho e se limpar, usar roupas limpas e confortáveis. Sabendo que provavelmente levaria algum tempo para conseguir a sensação de segurança e bem-estar novamente, ela suspirou e correu mais uma vez água pelas mãos e pelo rosto. Ela precisaria de uma dose de paciência.

Ao se secar, ela deixou o pequeno cômodo apagando a luz. Ao reentrar no quarto, Maura encontrou Jane sentada na beira da cama, os olhos sonolentos e - sempre - carinhosos esperando por ela.

'Oi.' Ela disse docemente.

'Oi.' Maura respondeu e não conseguiu deixar de esboçar um sorriso. O sorriso de Jane tinha se transformado, então, em outro tipo de sorriso que Maura conhecia bem.

'Bem, Doutora Isles. Esse não é o seu melhor modelito de vestido, não é mesmo?' Ela perguntou em tom de brincadeira, se referindo à veste do hospital que Maura estava usando.

Ela fez um bico e decidiu entrar na brincadeira. 'Oh, você não acha?' Ela passou a mão na camisola. 'Eu achei que era discreto e sexy.'

Jane riu deliciada com a capacidade que Maura tinha de se recuperar dos acontecimentos. É claro, ela ainda estava abalada e com medo, mas nunca fora de seu feitio ficar reclamando ou se escondendo em situações familiares à essa.

Enquanto Jane se perdia em pensamento, a loira andou até ela e parou em frente aos seus joelhos. Suas mãos descansaram ali em cima, e Jane as segurou com as suas próprias instantes depois.

'Você dormiu bem?' Ela perguntou, acariciando com os polegares da mão da loira.

'O melhor que pude.' Maura respondeu com um sorriso dedicado ao gesto de carinho vindo de Jane.

'Bem, nós trocamos de lugar.' A morena murmurou.

'Perdão?' Maura se sentiu confusa com a afirmação da outra, e só quando a detetive desceu da cama e gesticulou para ela subisse foi que ela compreendeu. 'Oh.' Ela disse simplesmente, arqueando as sobrancelhas e se virando, dando um pequeno pulo para se sentar no colchão.

'Maura, o que você fez?' Jane perguntou com incredulidade, encarando seu braço. 'Você... Você tirou o - você é inacreditável.' Ela resmungou ao apontar o soro para Maura.

'Eu já tive o suficiente disso, Jane. Eu nem estou desidratada, e considerando a ausência de sintomas eu diria que a toxina foi, bem, não completamente ainda, mas grande parte foi eliminada.' Ela se defendeu.

'Jesus, você acabou de acordar e já está falando assim.' Jane revirou os olhos, e quando o tempo passou e Maura parecia inabalada por suas palavras - parecendo de fato muito serena - ela riu.

'Eu quero ir embora.' A loira verbalizou sua vontade em voz alta. Como se seu pedido fosse atendido, uma batida na porta anunciava a chegada de alguém.

O médico de Maura - alto, encorpado e de boa aparência - entrara em seguida, oferecendo um sorriso conquistado com anos de prática.

'Boa tarde.' Ele cumprimentou as duas, e elas responderam com a mesma empolgação - que era pouca, na verdade. 'Sou Connan, e estou responsável por você.' Ele se dirigiu a Maura e suspirou ao notar que ela tinha retirado o soro. 'Bem... Você está melhor, eu suponho.'

'Muito.' Ela disse, calculando a melhor forma de se tirar dali com uma boa conversa.

'Certo. Seus exames me dizem o mesmo.' Ele dizia ao analisar a ficha dela. 'Uma intoxicação. Nada sério. Nenhum dano grave.'

'Você acha que nós podemos ir para casa?' Jane perguntou com ansiedade, tendo em mente algo em que trabalhar.

'Creio que sim. Você tem se sentido enjoada?' Ele direcionou para Maura.

'Não mais.' Ela devolveu.

'Bom sinal, significa que seu organismo tem de quase nada a realmente nada do clorofórmio nele.' Ele sorriu de novo, como se aprovasse a situação.

'Ela precisa ficar em observação? Quer dizer... Se ela for para casa, você acha que os sintomas podem reaparecer ou, não sei...' Jane perguntou de novo, e cruzou os braços na frente do peito ao notar o olhar de Maura sobre ela.

'Não. Uma vez que o organismo se livrou da substância, o corpo volta a funcionar normalmente. Quanto mais tempo tiver se passado depois de entrado em contato com ela, melhor a pessoa vai se sentir, eu te garanto.'

'Oh, certo.' Jane balançou a cabeça em compreensão, e deixou que o médico conversasse com Maura, enquanto ela arquitetava seus planos para as próximas horas. Maura queria voltar para casa, mas isso não era algo seguro para se fazer agora - para nenhuma delas.

No momento em que ela ouviu o médico dizer 'Assinaremos os papéis da alta', Jane já tinha traçado todas as ações seguintes. Elas se despediram com sorrisos educados, e tão logo a porta fechou, ela se colocou perto dos joelhos da loira.

'Maura, escuta. Eu não posso deixar que você volte para casa agora.' Ela disse sem ensaios, e quando a médica estava prestes a protestar, Jane segurou em sua cintura. 'Escuta. Pode ser que você esteja correndo perigo, e eu também. Você já sabe disso.'

Maura meneu a cabeça.

'Certo. Eis o que pensei: vamos sair da cidade. Eu tenho um amigo que é dono de uma casa em uma pequena vila, a uma hora e meia daqui. Eu confio nele, o lugar é discreto, quase escondido do mundo. Ele não mora lá, passa apenas os finais de semana.' Ela disse rapidamente, esperando que Maura entendesse o quão desesperada ela se sentia por saber que a partir do momento que deixassem o hospital, estariam expostas ao mundo de novo.

A loira ficou em quieta, impressionada pelo fato de Jane ter encontrado uma solução tão rápida para o problema, e principalmente porque desde que era Jane, as chances de ela renunciar a um caso eram quase nulas. E ela estava fazendo isso - por Maura.

'Você tem certeza?' Ela piscou os olhos, ainda num estado de transe.

Jane balançou a cabeça vigorosamente. 'Absoluta.' Ela afastou com uma mão o cabelo de Maura para trás do ombro. 'Olha, Maur... As coisas saíram do controle no último dia. Embora eu queira, e Deus sabe como eu quero, pegar esse desgraçado, meu principal objetivo se transformou em proteger você.'

'E você.' Maura adicionou.

'E eu.' Ela concordou e acariciou o braço de loira. 'Você tá dentro?'

A médica mordeu o lábio inferior e concordou com a cabeça, tentando precipitar o que poderia dar errado, mas honestamente ela não encontrava problema. 'Jane', ela murmurou, entretanto, 'o que acontece se... se eles nunca descobrirem quem está por trás disso? Nós não podemos nos esconder para sempre.' Era uma pergunta justa, considerando todo o estresse que tinham passado no último dia. Até quando isso se repetiria? E quantas vezes?

'Maura, acredite: eles vão encontrar. Essa pessoa ameaçou uma detetive e ordenou o sequestro da médica legista do estado de Massachusetts. Ninguém sai impune disso. A divisão inteira tá trabalhando nesse caso, sem descanso.' Ela disse com convicção.

'Tudo bem.' Maura pareceu relaxar um pouco, confiando no julgamento de Jane.

'Eu preciso fazer umas ligações. Vou pedir para minha mãe fazer uma mala para nós duas. Não quero correr o risco de passar em casa. Vou avisar sobre nosso plano, e pedir para que ela também sai daqui, que vá para casa da irmã dela. Vou avisar Cavanaugh também, tenho certeza de que ele vai entender - ele nem me queria no caso, de qualquer jeito.' Ela expôs com mais clareza o que pretendia fazer, e repassou tudo na cabeça, se certificando de que não tinha se esquecido de nada.

'Jane...' Maura segurou a mão da morena que estava em sua perna. 'É como Hoyt, de novo.' Ela suspirou, se sentindo de repente cansada ao se recordar do tanto de estragos que o homem tinha causado à Jane e até mesmo ela.

'Não.' A morena disse com firmeza. 'Dessa vez é pior, porque ele se meteu com você antes de chegar diretamente em mim. E ele vai pagar por isso.' Jane disse enraivecida. 'Maura, quando Korsak chegar aqui você precisa contar para ele tudo o que se lembrar desde o momento que foi levada, ok?'

'Ok.' Ela murmurou, sabendo que seria uma tortura mas que não havia outro jeito de fazer isso. Quanto mais detalhes ela oferecesse, mais material os detetives teriam para trabalhar, aumentando as chances de chegarem a uma conclusão logo.

'Ótimo.' Jane sorriu para ela. 'Vai ficar tudo bem, Maur. Vamos começar com as ligações, ok? E logo nós saímos daqui.'

...

E tudo tinha se tornado em uma fuga - uma bem planejada. Duas horas depois, Maura e Jane estavam dirigindo para o pequeno vilarejo longe de Boston. O carro era alugado, as compras seriam feitas apenas por dinheiro - nada de cartão. Korsak havia recolhido o depoimento de Maura - o que tinha sido difícil para ela - e Angela aparecera meia hora depois, malas no carro, todas as orientações de Jane seguidas. Parecia tão simples fugir, seguro. E teria que ser pelo menos por alguns dias - até que capturassem o responsável por aquilo tudo.

A tarde estava se transformando em noite quando Jane checou o relógio. Eram quase sete horas. A estrada estava vazia e a paisagem ao redor era de uma de pinheiros que se erguiam nas alturas. Quando a noite finalmente caiu, a única luz que penetrava a escuridão eram a dos faróis do carro e a das estrelas lá de cima. Elas dirigiram em silêncio pela maior parte do tempo, ambas exaustas por conta das últimas 48 horas. Em certa altura, Jane jogou uma mão na coxa de Maura e apertou levemente - a loira tinha o rosto encostado no vidro os olhos cansados.

'Você tá com frio? A temperatura é mais baixa aqui.' Jane disse enquanto parava para um cruzamento.

'Não muito. Eu estou com fome.' Ela murmurou, parecendo cansada demais até mesmo para falar.

'Olha, tem uma loja de conveniência alguns metros daqui. Que tal se fizermos uma parada?' Jane ofereceu, tomando a direita agora.

'Seria ótimo.' Maura pareceu mais animada com a sugestão.

E assim fizeram. O vento frio da estrada abraçou-as com intensidade, balançando o cabelo das duas.

'Oh.' Maura disse enquanto se permitia uma risada. 'Está mais frio aqui fora do que pensei.' Seu engano sendo justificado pelo ar quente do carro.

'Vamos dar um jeito nisso também.' Jane esticou a mão para ela, e as duas andaram para a porta de entrada da loja.

A estrutura era localizada no meio do nada. Árvores gigantes quase engoliam a instalação, e apenas dois postes de luz iluminavam, de cado lado, a entrada. Era um pouco tenebroso, se elas fossem sinceras, analisando pela circunstância em que estavam. Entretanto, Jane se sentia segura o suficiente para entrar ali. Parecia deserto.

A única atendente da loja mal reconheceu a presença delas. Ela caminharam pelo corredores selecionando algo comestível, de acordo com Maura. Na ala de vestimenta, Jane parou para estudar um moletom bordô com um cisne preto estampado nele. Em baixo se lia 'Swen'.

'Está soletrado errado.' Maura indicou com o dedo, se referindo ao 'e' usado na palavra inglesa em vez de 'a'.

'Nós vamos levar dois desse.' Jane disse, a princípio para provocá-la, mas quando Maura não pareceu se importar muito, ela abandonou a idéia, mas selecionou outro do mesmo modelo, na cor preta com o cisne branco. 'Está frio', ela alegou, 'e nós podemos usá-lo até chegar lá.

Maura, por outro lado, parecia mais interessada na comida do que em outra coisa. Ela provavelmente estava morta de fome, considerando que mal comera a comida horrível do hospital. 'Acho que é suficiente.' Ela lançou um olhar para Jane que segurava um cesto nas mãos.

'Vamos pagar por tudo e sair daqui.' Ela começou a andar em direção ao caixa.

A garota - morena com os olhos verdes - a cumprimentou com um sorriso fraco e pegou os primeiros itens do cesto, sendo esses os enlatados e pacotes que Maura tinha escolhido. No momento em que ela agarrou as blusas, ela olhou admirada para Maura e Jane.

'Swen, hum?' Ela disse mais animada, lançando um olhar de Maura para Jane.

'Isso tem algum significado especial?' Maura perguntou curiosa.

'Você não assiste muita TV, assiste?' A garota perguntou com um sorriso divertido nos lábios.

'Temo que não.' Maura murmurou.

'Bem, é algo especial, sim.' A moça disse e em seguida acrescentou o total.

Jane entregou o dinheiro. ' Não é algo que eu deva me preocupar, certo?' Ela disse brincando.

'Só se você for homofóbica.' A garota riu enquanto guardava as notas no caixa.

'Nada com o que se preocupar então.' A detetive disse e pegou os sacos com as novas aquisições.

'Até mais.' Elas disseram na despedida, saindo para o vento frio mais uma vez e entrando no carro.

As blusas foram colocadas e só depois Jane voltou a dirigir pela estrada escura. Elas não demoraram muito para alcançar o destino, e Jane sorriu orgulhosa quando Maura virou o rosto para ela, espantada.

'Você disse que era uma pequena vila.' A médica disse em espanto.

'E é! Bem pequena, a propósito. As casas ficam bem distantes uma da outra.' Bem distantes, de fato. O lugar parecia mais um tipo de subúrbio, com a diferença de que havia muitas árvores em volta, e a construção da casa parecia muito mais num estilo rural do que da cidade. A casa era construída com madeira e pedras escuras, e metros adiante de sua parte traseira havia um lago, Maura fora informada. A casa mais próxima ficava a trezentos metros, de modo que a presença delas ali mal seria notada. Elas saíram do carro, e Jane encontrou a chave em baixo do tapete da porta de frente - como sabia que iria estar. Depois de descarregarem o carro, Elas se trancaram dentro da casa e começaram a explorar.

A sala era grande, espaçosa. A decoração era simples, mas despertava a sensação de serem bem acolhidas. A cozinha era pequena, mas organizada. A casa tinha apenas dois quartos, ambos com uma cama de casal um banheiro conectado em cada um.

'É aconchegante.' Maura murmurou enquanto entrava em um dos quartos.

'É bastante. Amanhã podemos explorar por aí, você vai gostar.' Jane ofereceu enquanto se sentava na cama. 'Sabe o que cairia bem agora?'

'Hum?' Maura perguntou, se sentando ao lado dela.

'Banho. Cama.' Ela suspirou cansada.

'Eu não poderia concordar mais.' Maura sorriu e apertou sua mão.

Num acordo silencioso, as duas se levantaram e abriram as malas, apenas para tirarem o que usariam na parte da noite. Maura foi a primeira a entrar no banho, e Jane seguiu usando o outro banheiro. Depois de limpas e relaxadas, as duas deitaram lado a lado na cama, e puxaram a coberta até o queixo. Elas não iriam dormir separadas naquela noite, e bem, nem nas próximas. Uma precisa da presença da outra para se sentir segura, e embora estivessem partido do cenário de terror e angústia, o medo tinha seguido-as até lá. O fato de estarem distante de tudo agora não anulava o acontecido - apenas borrava-o ligeiramente, mas a sua marca forte e berrante ainda era visível.


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