Em uma das muitas salas do palácio de Shamayim um anjo imponente se fazia uma pergunta:

— Como ela veio parar aqui? — ele falava bravo — Ela deveria estar no refúgio em Eretz!

— Não sabemos Senhor! Ela apareceu no meio da Praça Principal desmaiada! — Um anjo menor tentou se explicar.

—Chame Lukiel — O outro ordenou.

— Não seria melhor falar com o Chefe?

—Me obedeça!

ᴥ

Eu já havia acordado há uns vinte minutos. Agora estava sob a guarda de um anjo mal humorado, nunca pensei que pudesse existir um anjo de mau humor. Mas aquele era a prova de que eu estava errada. Estávamos esperando Lukiel.

— Saraí — Lukiel veio em alerta — Como você veio parar aqui?

—Vim atrás de Merl! Ela me deixou sozinha naquela casa. Vocês não tinham um acordo de me proteger?

— Do que você está falando? Merl não está aqui! — Ele só podia estar brincando.

—Como não? Ela não está na casa, eu olhei em todos os cômodos...

— Impossível! — Lukiel saiu da sala e gritou no corredor — Saulus vá até o livro de Hayim e encontre Merl! Se não a encontrar solte o alerta para os outros soldados!

— Lukiel, o que está acontecendo. Onde está Merl? — perguntei aflita.

— Você percebeu algo de estranho na casa, um cheiro diferente talvez? — ele parecia muito preocupado para o anjo que eu conhecia.

—Não! Passei o dia todo no quarto... — eu não podia contar que sai de casa e Lukiel não podia ouvir a minha mente.

—Miles, continue cuidando dela! Não permita que cheguem perto desta sala! Isso é uma ordem — Lukiel parecia tão autoritário que Miles, o anjo durão, quase se curvou para ele.

— Devo fala com o Chefe? — Miles perguntou mantendo a pose.

— Não, essa é a minha responsabilidade! — Lukiel falou e depois olhou para mim com aqueles olhos quase assustadores — Não se meta em encrenca, eu sei que você está mentindo para mim.

Fiquei olhando aquele anjo sair da sala e me deixar confusa. Como ele sabia que eu estava mentindo?

ᴥ

Fui colocada em um quarto que parecia nunca ter sido usado. Meu relógio biológico me falava que era a hora de dormir e foi isso que fiz...

A sala estava mais suja que o normal, havia tanto sangue espalhado pelo chão que qualquer um diria que aquele lugar era um açougue clandestino. Em uma cadeira, de costas para a porta, estava um homem, cujo corpo estava banhado em seu próprio sangue. Seu rosto pendia para um dos lados, ele estava sentido muita dor, isso era notável. Ao seu lado, encontrava-se um demônio, seu cheiro se misturava com o odor do sangue coagulado.

— É uma pena que você não possa morrer, Irriel. Eu juro que preferia te matar a ficar aqui te torturando...

O anjo caído não reagiu ao que ouviu. Ao mesmo tempo em que era machucado, seu corpo se recuperava, era algo incrível de ver.

— Apenas me diga onde posso encontrar a linda Saraí... Vamos! Apenas me diga e eu te solto. Juro que não encostarei um dedo na sua protegida.

Mas Irriel continuou em seu silêncio. E o demônio continuava com a sua tortura cansativa, não era fácil ficar dois dias tirando sangue de alguém.

— Eu... Vou... Sair daqui! — Irriel falou aos tropeços.

— Sua voz deu o ar da graça! Finalmente — um demônio entrou na sala aos gritos —Mas não precisamos mais de você! Temos um anjo em nossa posse!

Irriel atentou os ouvidos. Que anjo estaria ali, quem havia traído Shamayim. Ele levantou a cabeça e ficou olhando para a parede mofada a sua frente, enquanto alguém era arrastado para a sala de tortura, certamente não era um traidor.

— Vire-o — um demônio gritou e de imediato Irriel estava de frente para Merl.

Ela estava intacta. Ainda não haviam tocado nela. Seu rosto estava sério, mas isso era normal para ela. Suas mãos e pés estavam presos com uma corda grossa demais para prender alguém com o porte físico dela. Merl olhou para Irriel e sua expressão era de preocupação, a anjo sempre cuidara dele.

— Acho que temos o que precisávamos — o demônio que segurava Merl falava alegre — A Salvadora virá correndo quando descobri que estamos com a anjo da guarda dela. E você dará o recado Irriel, você trará a Salvadora de um jeito ou de outro. Ou essa aqui morrerá... Anjos da guarda são tão patéticos, não são imortais, não se regeneram, não possuem poderes de defesa!

O demônio empurrou Merl com força para o chão e voltou a falar:

— Prendam-na a parede, não quero que ela se transporte, usem a corrente mais forte! — depois virou para Irriel — E você, será solto!

Merl estava presa à parede. Os demônios saíram da sala por alguns minutos, tempo suficiente para que Irriel conversasse com ela.

— Você está bem? — ele perguntou.

—Sim — ela respondeu — Não ajude eles! Saraí deve estar segura, há essa hora já me viram no livro de Hayim.

— Por que não pegaram ela? Pensei que você estivesse com ela!

— Eu não sei! Sara não estava na casa, ela desapareceu — Merl estava confusa.

— Eles não devem saber mesmo onde ela está, ou não estaríamos aqui!

— Me prometa! Faça com que minha morte tenha sentido! Não permita que cheguem perto de Saraí e a mantenha longe do Chefe dos Anjos... O inimigo está mais perto do que imaginávamos.

— Você não vai morrer... — Irriel queria dizer mais a Merl, mas os demônios voltaram.

— Chega de papo! — um deles disse — Vou te soltar!

Irriel foi arrastado da cadeira e levado embora. Merl estava sozinha naquele lugar imundo...

ᴥ

Um pesadelo. Só podia ser um pesadelo horrível. Um em que Irriel era torturado para me proteger e que minha anjo da guarda estava correndo perigo. Nada fazia sentido, como Irriel poderia querer me manter a salvo se ele praticamente matara meus pais. Eu não conseguia entender...

— Licença, trouxe um lanche para você! — uma anjo entrou no quarto com uma bandeja cheia de comida.

— Não estou com fome — falei, apesar de meu estômago implorar por um pedaço de bolo que enfeitava a bandeja.

— Está sim... Coma! — a anjo colocou a bandeja na cama e eu ataquei o que vi pela frente — Sabia! Você está faminta!

Comi metade da comida que compunha a bandeja. A anjo me observava paciente.

— Preciso falar com Lukiel — falei me lembrando do que sonhei.

— Ele não pode agora, está muito ocupado.

— Qual seu nome? — perguntei tentando confiar a confiança dela.

— Ada, anjo da guarda! — ela disse orgulhosa — Acabei de ser designada!

— Ada, então, preciso muito ver Lukiel. Tenho certeza que suas habilidades podem convencê-lo a me ver imediatamente.

— Eu tenho que cuidar de você! E isso implica em não deixar você se meter em confusão — Ada falou.

— Você não é minha anjo da guarda. A minha anjo da guarda se chama Merl e está correndo perigo por minha causa. Então, você irá chamar o idiota do Lukiel aqui e agora! Eu exijo... — gritei para Ada que se esquivou.

— Já estou aqui — a voz grave de Lukiel tomou conta do quarto — Ada, pode ir!

A anjo saiu correndo, levando consigo a bandeja. Eu teria que me desculpar depois...

— Lukiel! Merl, ela corre perigo! — falei ficando de pé e indo para perto dele.

— Eu sei! Vimos no livro de Hayim.

— Nós temos que resgatá-la! — falei tentando pensar em um plano.

— Você vai ficar aqui! Os soldados vão cuidar disso.

Olhei para Lukiel querendo entender o que se passava na cabeça dura dele. Eu poderia ajudar, não era uma garota inocente e indefesa.

— Irriel, ele também está em perigo — falei sentido meu coração se apertar.

— Ele foi solto e quer falar com você! — ele disse como se estivesse com um gosto amargo na boca.

— Eu sei — respondi voltando para a cama e me sentando.

— Ele não vai se acalmar enquanto não te ver...

— Onde ele está? — perguntei por curiosidade, mas não poderia vê-lo.

— Nas masmorras — Lukiel analisou minha expressão. Eu não pensei que ele estaria tão perto de mim — E eu juro que acabaria com ele, mas se você quiser vê-lo não irei impedir!

— Não — falei devagar — Não quero vê-lo. Diga a ele que já sei qual é o recado...

No fundo eu me sentia ingrata, mas ver Irriel seria como reviver o dia em que meus pais morreram.

— Você quem sabe... — Lukiel saiu do quarto e menos de cinco minutos depois Ada estava de volta.