Olhei para o livro de Hayim e não acreditei. Sorri como um maluco. Era o rosto de Saraí. Era o mesmo rosto pequeno e desafiador que sempre aparecia em meus sonhos. Nos últimos dois dias eu pensei que nunca mais a veria, mas agora ela também estava em Eretz. Pensei que os anjos a manteria em segurança no Palácio do Trono, no entanto preferiram mantê-la aqui, onde qualquer demônio a encontraria. Fechei o livro de Hayim, aquele livro era perigoso demais caso caísse nas mãos de um demônio, nunca imaginei isso. Desde o dia em que Merl o jogara para mim, eu só pensava em como seria bom saber tudo que acontecia com o meu antigo lar, só que agora eu não poderia arriscar a segurança de Sara.

Peguei um balde, joguei o livro dentro e despejei álcool. O fogo consumia as páginas daquele livro que me ajudou tanto nos últimos séculos, sem ele eu nunca encontraria Saraí. Nunca vou esquecer o dia em que seu rosto apareceu em uma das páginas, ela era apenas um bebê. Eu queria mata-la, mas preferi esperar até que ela crescesse, não mataria uma criança. Se eu soubesse o que aconteceria anos depois...

Agora eu estava me livrando de meus objetos, não poderia mais morar em meu pequeno apartamento no litoral. Eu precisava fugir dos demônios, eles acreditavam que eu era o culpado por Saraí ter escolhido o lado oposto ao deles e por isso eu precisava ser capturado. Assim, eu iria para qualquer outro lugar. Usaria meu dinheiro para me esconder sem deixar vestígios, talvez criar outra identidade e o mais importante: esquecer-me da Salvadora!

ᴥ

Antes de partir eu precisava falar com uma pessoa. Scarlet era a garota que fez eu me sentir humano por um tempo, não como Saraí me faz sentir, mas foi o melhor que me aconteceu naquela época. Eu era um ser amargo e quando Scarlet apareceu com seus sorrisos no museu em Paris, comecei a me sentir menos monstro e mais humano. Parei em frente à casa dela e esperei até que a garota aparecesse. Seu cabelo louro estava preso em um rabo frouxo e seus olhos azuis praticamente me fuzilavam, ela não era nada parecida com Saraí, mas mesmo assim me fazia recordar dela. Scarlet cruzou os braços e esperou que eu falasse algo.

— Estou partindo — falei sem rodeios.

— Você o quê? — ela falou com o tom de voz um pouco alto — Por que você está tão esquisito, Marco? Primeiro você para de me visitar, depois aparece com aquela garota em minha festa e para piorar bate em meu irmão. João me falou que você o bateu por causa daquela Sara... — ela parecia desprezar Saraí, na cabeça dela Sara era o motivo por eu ter me afastado. E isso não deixava de ser verdade.

— Sara não tem nada a ver com isso — expliquei — Eu só não gostei da forma com que seu irmão a abordou.

— Desde quando você liga para as garotas que meu irmão namora? — ela perguntou, seus olhos estavam molhados.

— Scarlet, você é muito importante para mim, mas eu te disse que não dava mais. Eu te falei que nunca daríamos certo, você deve procurar um homem melhor para você! — falei e as lágrimas saíram dela como uma bomba.

— Eu pensei que você quisesse um tempo! Não que você estivesse apaixonado por outra... — ela gritou.

— Eu nunca te amei, você sempre soube — eu tentei falar de uma forma mansa — Você aceitou isso!

— Sempre acreditei que eu fosse capaz de te conquistar — ela secou o rosto —Mas vejo que não deu certo. Você vai para onde? Vai morar com ela? Fiquei sabendo que ela voltou para a capital.

— Não — falei e a expressão dela se amenizou — Estou partindo a negócios, talvez demore muito para voltar. Queria que você soubesse...

— Tudo bem — ela sorriu fracamente — Obrigada por me avisar.

Aproximei-me dela e a abracei. Ela me envolveu com o braço e sorriu com mais vontade.

— Peça desculpas ao seu irmão em meu nome, mas diga que não se deve tratar uma garota daquela forma — Scarlet assentiu — E, você, tente encontrar alguém que te ame como uma mulher, mas saiba que eu sempre serei seu amigo.

Scarlet deixou mais algumas lágrimas caírem, mas logo já sorria. Entrei no carro e fui para minha jornada. Uma jornada não para fugir dos demônios, mas para fugir de meus próprios sentimentos.