Passei três dias com Arghaus. Na maior parte do tempo treinava com ele minhas habilidades, principalmente me defender com os olhos e a invisibilidade. Nada era difícil, tudo uma questão de concentração. Nesses três dias apenas uma conversa me deixou intrigada:

—Você foi planejada para ser assim — Arghaus falou depois que eu havia treinado todas a habilidades — Eles queriam que você fosse a mistura de tudo, a mais poderosa das criaturas.

— Você sabe muito sobre a profecia, não é mesmo?

— Não tanto, não tive muito tempo de me aprofundar. A verdade é que o Chefe dos Anjos sempre repudiou essa profecia, ele queria que a esquecêssemos... Só que não dava, porque a guerra nunca chegava ao fim. Mesmo quando já estávamos lá, quase invadindo Sheol, não dava certo. Porque o Salvador deveria nascer para fazer isso... Aquele Chefe dos Anjos não deveria ser um anjo, posso te garantir que metade dos Caídos que estão na Fortaleza foram expulsos injustamente.

— Você, por exemplo? — sugeri. Porque depois de três dias treinando com Arghaus eu poderia dizer que ele não era um sádico. Ele era um ótimo estrategista e sabia muito bem o que queria. Logo, sua expulsão de Shamayim deve ter causado um grande prejuízo para o exército dos anjos.

— Eu não deveria ter sido expulso. Mas no fim me conformei, porque Shamayim nunca será segura enquanto aquele anjo estiver no poder. A profecia tem um propósito muito maior que acabar com um dos Reinos, ela serve para trazer a paz aos dois lados e você, Saraí, deve fazer isso. Lembre-se: não é o fim que trará a vitória, mas sim a libertação! Agora vá descansar... Acho que Irriel queria falar como você depois do treino.

Saí do terraço, onde treinávamos e entrei na mansão.

Era meu último treinamento. Eu estava pronta para lutar, salvar Merl e tirar o Chefe dos Anjos do Trono. Pensar em Merl me fazia ficar aflita na maior parte do tempo, eu nem dormia tanto, para que não fosse levada até ela inconscientemente. Apesar de estar louca para ir salvá-la, Arghaus me convenceu que eu não poderia me arriscar. Correr para salvar Merl sem estar preparada poderia me entregar de bandeja para os demônios e agora que sou imortal, isso significaria anos e mais anos de tortura. Por isso esperei com paciência o treinamento. Enquanto eu treinava, Irriel recrutava Caídos para lutarem na guerra.

ᴥ

Encontrei Irriel deitado em minha cama, lendo um dos livros que eu havia pegado na biblioteca da Fortaleza. Ele estava em uma pose muita chamativa que me fazia observá-lo com mais detalhes. Por sorte ele não havia percebido minha presença e se concentrava no livro. Seu rosto estava sereno, com um meio sorriso que marcava seu rosto, já que ele não era do tipo que sorria a qualquer hora. O que mais me encantava em Irriel eram seus olhos. Sei que as garotas sempre dizem preferir o corpo musculoso de um cara, mas eu sempre fui a que olhava os pequenos detalhes... Os olhos de Irriel me envolviam em sua escuridão, ele era o típico homem que parecia esconder um segredo. E eu ainda poderia descrever cada detalhe de sua personalidade que me fazia perder o controle: a inteligência, a força, a rapidez, a lealdade... Tudo que um cara só musculoso não teria.

— Você vai ficar parada aí? — ele perguntou sorrindo.

— Terminei o treinamento — eu me deitei ao lado dele na cama — Acho que sou outra pessoa...

— Você é a mesma — ele me abraçou — Você sempre foi assim!

O cheiro de Irriel sempre me lembrava a chuva. Aquele dia em que o ar está fresco e que o perfume das flores invade nossa casa. Ele me envolvia com um dos braços e com outro segurava o exemplar de Lira dos Vinte Anos do Álvares de Azevedo. O mesmo livro que eu lia quando conheci Diana e Jorge.

— Vou ler para você — Irriel falou e abriu em um dos poemas que compunha o livro — “Quand la mort est si belle, Il est doux de mourir – Victor Hugo” (quando a morte é tão bela, és doce morrer)

Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!

Irriel terminou de recitar o poema para mim. Enquanto ele fechava o livro eu sentia vontade de tê-lo apenas para mim. Porque um homem que recita Álvares de Azevedo não é qualquer homem.

Endireitei-me na cama e subi em Irriel para que eu tivesse uma vista privilegiada de seus olhos. Ele sorriu quando colocou as mãos nas minhas coxas que envolviam seu abdômen, aquele sorriso...

— Quero viver um momento, morrer contigo de amor... — falei recitando os versos finais da poesia.

Os lábios de Irriel estavam tão próximos, mas eu não queria beijá-lo tão rápido. Por isso beijei seu pescoço devagar, para que eu sempre me lembrasse de seu cheiro em mim. Ele subia suas mãos e acariciava minhas costas, tirando minha blusa de alça. Eu sabia aonde iríamos chegar com aquilo.

Ajudei-o a tirar a camisa e estávamos lá, seminus apreciando o corpo um do outro. Eu continuava a beijá-lo no pescoço, mas rapidamente já estava me embriagando em seus beijos avassaladores. Seus lábios eram ferozes e a cada segundo meu coração batia mais rápido, eu estava mais envolvida em nossa atmosfera romântica.

A verdade era que estávamos nos entregando um ao outro de corpo e alma. Nunca haveria volta para nós dois, porque o que sentíamos era amor. Um amor proibido e que já estava fadado ao fim. Por isso aquele era o nosso momento...