Lukiel estava na minha frente e pela primeira vez desde que o conheço posso afirmar que ele concorda com uma das minhas ideias. Passei horas formulando um plano para salvar Merl e tirar o Chefe dos Anjos do poder. Eu só poderia cumprir minha missão quando assumisse meu posto nessa guerra.

— O Chefe não vai aceitar tudo com tanta facilidade, ele não vai largar seu lugar para que você tome conta de tudo — Lukiel me ajudava a alterar pontos importantes do meu plano.

— Então vamos prendê-lo nas masmorras, até que eu termine meu trabalho. Depois vocês se viram com ele...

— Isso é mais coerente, podemos atacar o quarto dele. A maioria dos soldados vai concordar com isso — ele parecia acreditar que tudo daria certo.

— E depois que o Chefe não estiver mais no controle, convenço os soldados a salvarem a Merl — eu falava como se fosse ser fácil convencer aqueles soldados fortões.

Tudo iria acontece durante a noite. Lukiel e os soldados iriam levar Chefe dos Anjos para as masmorras e eu assumiria seu posto — provisoriamente — até que Merl fosse salva. Depois... Bom, depois não sabia mais o que fazer.

—Quanto a Irriel? —o anjo me perguntou.

— Eu falei com ele —Lukiel voltou com sua carranca — Nos acertamos.

— Ele sempre consegue o que quer... Me admira você cair nessa história, considerando que foi ele quem te colocou nessa situação.

—Eu sou apaixonada por ele — falei e Lukiel parecia magoado —Lukiel, qual o problema? Você não está apaixonado por mim, não é?

Aquilo não podia ser verdade, claro que não. Ele era muito diferente de mim.

— Não, claro que não! — ele respondeu — Sou apaixonado por Merl.

Ele falou rapidamente e eu sorri, de alívio e de alegria, mas rapidamente me lembrei de que Merl não estava ali junto a ele.

— Eu fico preocupado com você porque Merl deu a vida para te proteger, várias vezes. Ela nunca se esquivou de sua função como anjo da guarda. Ela e eu te protegemos desde antes de você nascer... Você acha mesmo que vou deixar Irriel chegar e estragar tudo? — ele continuou a dizer.

— Merl está viva. E não, Irriel não vai estragar tudo — falei — Sinto muito por tudo isso. Nós vamos salvar Merl. Lukiel, você a ama, sabe o que é sofrer por alguém. Você sabe o que passei, eu amo Irriel assim como você ama Merl. Por favor, não me impeça de viver isso... Você sabe que minha expectativa de vida pode ser mais curta do que pensamos.

— Tudo bem — ele disse assim que percebeu que nada iria mudar dentro de mim — Prepare-se para subir ao Trono de Shamayim esta noite.

Meus pelos arrepiaram, aquilo era responsabilidade demais para mim.

— Espere — chamei Lukiel antes de ele sair — Preciso que mande soltar Irriel.

Ele concordou e foi embora.

ᴥ

A noite chegou e com ela o meu nervosismo. Estava esperando Lukiel ir me buscar, depois eu iria para o Salão do Trono, onde vi o Chefe dos Anjos pela primeira vez. Ada estava apreensiva também... Alguém bateu na porta. A anjo correu para abrir, para minha surpresa quem entrou foi Irriel. Eu sorri como uma criança e Ada tomou um susto que me fez rir mais.

— O que esse traidor faz aqui? — ela estava com raiva.

— Ada, saia por favor! — falei mantendo a calma.

Ada saiu intrigada. Os anjos não gostavam mesmo de Irriel, e esse seria meu maior problema.

— Eles nunca vão esquecer — Irriel falou ao fechar a porta.

— Nós daremos um jeito nisso — falei o abraçando — Lukiel te soltou?

— Sim. E pediu para que eu te levasse ao Salão do Trono. Assim que eles prenderem o Chefe você estará livre para tomar seu lugar.

— Quando eu me sentar naquele Trono, vou poder te ver? — perguntei imaginando qual seria a resposta.

— Acho que não — ele respondeu se afastando — Quando você tomar posse, vou passar a ser seu inimigo.

—Claro que não! — eu balanço a cabeça em negação — Você sabe disso, não é?

— A reação daquela anjo foi só a demonstração. Você ouviu o que o Chefe dos Anjos disse nas masmorras... Ele está certo! Sou um anjo caído, fui expulso de Shamayim. Nunca te respeitarão se souberem do que tivemos.

Ele estava certo. Meu destino era sempre o mais cruel possível.

—Podemos passar por isso — eu podia ser otimista — Eu prometo.

Beijei-o. Bem lentamente, com amor e carinho. E era assim que ficaríamos para sempre...

Um tiro ecoou pelo Palácio. Irriel segurou minha mão e me puxou para fora do quarto. Saímos correndo pelos corredores labirínticos do Palácio. A cada corredor, mais soldados corriam em direções que eu não sabia para onde levava. Por sorte eles não reparam em mim ou em Irriel, mesmo que sejam a favor da retirada do Chefe, eles não aceitariam ver a futura Chefe correndo com um traidor.

Paramos em frente a grande porta que levava ao Salão. Eu estava cansada de tanto correr, mas nada era pior que a sensação que invadia meu corpo. Era algo incomum em Shamayim.

— Invasão —um soldado passou gritando por Irriel e eu. Olhei para ele aflita.

— Os demônios estão aqui — Irriel falou.

— O que faremos?

— Vamos entrar ai. Você vai sentar no Trono e acabar com esses invasores!

Abrimos a porta e andamos pelo Salão. Irriel ficou atrás de mim e eu admirava o Trono gigantesco. Ouvi um barulho de espada e vi que Irriel havia pego uma em uma das armaduras que enfeitavam o Salão.

—Você lembra como usar? — ele me ofereceu a espada e eu concordei a segurando.

Não deu tempo de eu chegar perto do Trono. Não deu tempo nem para Irriel pegar uma espada para ele. Os demônios já estavam correndo em minha direção, com desejo de matar em seus olhos vermelhos. Irriel me puxou para frente, mas os demônios eram rápidos.

Irriel lutava com um demônio. Eles eram tão bons que eu pensei que não conseguiria lutar. Contudo, fui atacada. Um demônio da minha altura me atacou, segurei minha espada como havia aprendido nos treinamentos e consegui derrubar a criatura. Podia até me sentir poderosa, só que não houve tempo. Mais demônios estraram no Salão.

—A encontramos — um demônio soltou uma gargalhada estridente.

Irriel e eu atacamos com mais habilidade. Eu era uma boa lutadora, afinal. Anjos entraram para lutar, aquele salão majestoso parecia um campo de batalha. Desviei-me de um soco e consegui derrubar meu agressor com a espada que se encaixava perfeitamente em minha mão. Irriel lutava com um demônio bem mais alto que ele. Corri para ajuda-lo.

—Precisa sair daqui —ele gritou assim que nenhum demônio nos atacava.

— Me dê à mão — falei e ele me segurou.

Fechei o olho e imaginei qualquer lugar onde estaria segura. O frio invadiu meu corpo e pensei que não fosse capaz de levar Irriel comigo. Ainda estávamos no salão e os demônios se aproximavam. Percebi quando um atirou uma faca em nossa direção, Irriel me abraçou para impedir que eu fosse atingida... E, finalmente, meus pés não tocavam mais o chão do Salão do Trono. Não estávamos mais em Shamayim.