Acordo de manhã cedo ao som de meu despertador. Olho para o lado e vejo James acordando também. Começo a me lembrar da última noite. A festa com as meninas... Viajei para meu próprio mundo com o LSD. Dragões e duendes surgiram, além de eu ver todas elas como princesas de verdade. Juro que pude ver uma roca de fiar para eu espetar meu dedo. Mas tudo isso acabou ao eu chegar em casa e encontrar James preocupado querendo saber aonde eu estava. Mas ele deduziu logo que eu estava drogada, por isso nem brigou comigo. Mas isso não será impedido agora de manhã.

Olho para seus olhos deitada na cama e ele olha para os meus. Ficamos nos encarando por um tempo, ambos muito bem acordados.

– Oi. – falo, desconfiada.

– Oi, Emily. – fala ele.

– Bem... É agora que nós brigamos? – pergunto, olhando para James com olhos tristes.

Ele olha para mim com olhos de pena. Percebo que ele está realmente muito preocupado comigo, mas somente não quer demonstrar. Conheço muito bem meu marido. Anos de convivência valeram de alguma coisa.

– Não. – fala ele, enfim.

– Não? – falo, sentando-me na cama.

– Não, Emily. Eu não sou seu pai. – fala ele, calmamente levantando-se da cama e indo em direção ao banheiro de nossa suíte em nosso apartamento novo. E enquanto lava o rosto ele diz: - Não posso fazê-la deixar de fazer algo. Eu só posso aconselhá-la. E você sabe do certo e errado, afinal você é uma mulher adulta. Não cabe a mim isso. Você se conhece, Emily. Eu não vou simplesmente lhe proibir de fazer algo. – agora ele sai do banheiro e fica em pé olhando-me para baixo, enquanto estou sentada na cama. – Só queria lhe fazer refletir sobre quem você se tornou. Essa não foi a mulher por quem me apaixonei. Ela não queria sempre ser perfeita, ela não colocava um papel químico na língua para dar uma felicidade simulada. Ela odiava ser reconhecida como Bela Adormecida, e o fato dela se apaixonar por mim foi que, depois de três encontros, eu nem toquei no fato de você ser a cara da princesa Aurora. Essa mulher de agora só quer saber de trabalho, drogas e felicidade simulada. Para mim, você não é feliz. Mas quem sou eu para discutir isso com você? Você sabe muito bem o que faz de sua vida, Emily.

Olho para ele, enquanto sinto meus olhos encherem de lágrimas. Levanto-me da cama e vou abraça-lo, mas ele coloca as duas mãos na minha frente antes de eu chegar a fazer o ato.

– Desculpe. – fala ele. –Simplesmente não posso. Não ache que o fato de não brigarmos significa que está tudo bem. Preciso de um tempo até voltar a ser o que era antes.

Vejo-o sair do quarto lentamente enquanto eu fico parada no mesmo local onde ele me dera um fora. Não acredito que isso aconteceu comigo. Quer dizer, eu tenho tudo que eu queria, todos meus sonhos se realizaram. Derrotei a Malévola, tenho meu príncipe, meu reino e tudo mais...

– Phillip. – chego para o amor de minha vida. – Por favor. Vamos resolver isso?

– “Phillip”? – pergunta meu marido.

– Sim, Phillip. Deixe de se fazer de doido, eu... – nesse momento, percebo o que falo. Percebo com quem estou falando, e não sei por que isso aconteceu.

– Emily, você está louca! – fala James, e vejo-o preocupado comigo. – Você está fora de si!

– Não, James. Não estou. – falo, chorando. – Só um pouco confusa. Só isso.

– Não, Emily. Você está louca, no mais puro sentido da palavra. – fala James para mim.

Olho para ele e vejo que ele está certo. Tudo o que ele fala, tudo o que ele vê em mim não passa de uma verdade. Eu estou louca. Eu não estou bem. Mas eu tenho que tentar ser mais forte que isso, afinal, é o que uma verdadeira princesa faria.

– Com licença. – falo, fazendo uma curta reverência e saindo, como uma verdadeira princesa deve fazer. Abro a porta do banheiro do corredor e fecho-a. Olho ao redor daquele banheiro enorme e me vejo no espelho.

Olho cada detalhe daquela mulher. Perfeita. Sem nenhum defeito de beleza. Não serei hipócrita de não me achar bonita, pois se afinal eu não fosse, ninguém me confundiria com uma princesa da Disney. Mas olho bem nos olhos dessa mulher, e vejo um interior podre. Alguém que eu não conheço. Alguém que me transformei, mas que acabei com essa transformação ferindo todos que importam á minha volta. Choro na frente do espelho, choro até me acabar. Ligo o chuveiro e fico aos prantos na frente do espelho me vendo, e vendo aquela mulher que eu não conheço. Tomo banho, e acho que James nunca soube dos meus prantos, pois quando eu saí do banheiro, estava radiante como sempre.

Naquele mesmo dia eu fui para o complexo Disney e fiquei no Animal Kingdom, cheio de criancinhas querendo tirar fotos comigo, a princesa Aurora. Sempre com o sorriso no rosto, nunca me deixo abater. Afinal, este é meu trabalho como princesa Aurora, não é? Sinto-me livre no meio daquilo, pois eu posso assumir meu verdadeiro eu sem ser taxada de louca por meu marido.

Vejo uma pessoa correndo no meio do parque enquanto estou vendo uma criancinha, uma linda menininha que está fantasiada de Branca de Neve, mas que ficou muito feliz em me encontrar. Vejo essa pessoa chegar mais perto e vejo o rosto de meu lindo príncipe encantado, furando fila.

– Emily! – fala James, chegando mais perto de mim, e percebo os seguranças perto de mim o afastarem.

– Quem? – pergunto, me desconcentrando da minha personagem.

– Parem com isso! Eu sou o marido dela! – grita James, enquanto os seguranças o pegam pelos braços.

– Desculpe, senhor, mas você terá que pegar a fila. E, aliás, meu marido é o príncipe Phillip.

– Não, Emily, pare com isso. – fala James, ainda se debatendo. – Temos que conversar. É importante.

– Desculpe, senhor, mas não conheço nenhuma Emily. – falo, agora autografando para uma menina.

– Emily, sua mãe morreu! – grita James, no meio do parque, chamando atenção de todos.

Olho bem para ele. Vejo que não está mentindo. Lembro-me agora de minha mãe. Em coma desde seu acidente de carro a três anos, ela foi a mulher que sempre me apoiou. Sempre me fês ser uma pessoa melhor. Sempre me fez ser uma verdadeira princesa, apesar de não ter coroa ou vestido bonito. Ali eu era uma princesa, e não aqui na frente de todos, interpretando um papel. Isso é ser uma rainha. Minha rainha. Morta.

Sinto as lágrimas escorrerem de meus olhos. Olho para todos na fila. Criancinhas olhando para mim com curiosidade e adultos olhando com pena. Dá para ver os seguranças com pena de mim.

– Nossa, que triste, até chorei. Sinto muito pela pobre mulher que morreu, bom senhor. – falo, olhando para James, que está com lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto ele é segurando pelos seguranças. – Mas, todos morrem um dia, não? Então, para quem devo assinar, querida?

– Deixe pra lá. – fala uma mãe, se colocando na frente de sua filha. – Saia desse personagem, Emily. Deixe.

– Senhora, desculpe, mas não entendo o que a senhora diz. – falo, pendendo a cabeça para um lado e sentindo ainda mais a tristeza se apossar de meu corpo, enquanto eu borro a maquiagem com minhas lágrimas.

– Saia disso. – fala um pai, lá atrás. – Volte, Emily.

– Não seja isso. Chore. Sua mãe morreu. – fala a mesma mãe, á minha frente.

Todos começam a gritar meu nome em coro, e sinto as lágrimas pesarem ainda mais em meu rosto, enquanto vejo alguns adolescentes filmarem com seus celulares a cena. Choro mais, e fico aos prantos ali onde estou. Não aguento.

Ajoelho-me no chão, e coloco as duas mãos sobre meus olhos. Choro graciosamente como uma princesa. Sinto um flash de câmera á altura de onde estou ajoelhada, mas não ligo. Só ligo para minha mãe, e em como eu a amava. Choro até me acabar, enquanto os visitantes batem palmas e meu marido me consola.