Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 36
Rakshasa - O trabalho de Khwarizmi


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito em conjunto com Mateus de Fraga Rodarte.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/642142/chapter/36

“Odeio este lugar” pensou o necromante com cabeça de tigre ao esbarrar na quina de um dos balcões fixos daquele antigo laboratório alquímico construído pelos anões de Thorrun. As mesas esculpidas em rochas com suas linhas perfeitas e detalhes simétricos em três dimensões, poderiam ser belíssimas peças de arquitetura para a maior parte das pessoas, mas para ele, apenas dificultavam a passagem e seriam muito mais úteis se dispostas de outra maneira. O fato de tudo ser mal iluminado e possuir a altura apropriada para a utilização de um anão só lhe fazia aumentar a antipatia para com o local.

Fazendo um simples gesto com as mãos, o Rakshasa ativou o encantamento que fazia algumas tochas mágicas presas às paredes se acenderem sozinhas. Não que ele precisasse de luz para enxergar no escuro, mas sua visão era melhorada quando tinha alguma iluminação no ambiente. Ele caminhou por entre os armários, mesas e estantes, alcançando por fim sua escrivaninha.

Ainda que reclamasse em silêncio, ele sentia que aquele lugar era adequado para descrever a forma com que se sentia ali no norte. Talvez por isso nunca tivesse realmente se empenhado em mudar o seu local de trabalho e buscado por algum mais adequado. A verdade é que, por mais que odiasse aquele muquifo, se sentia muito mais confortável ali do que nos salões abertos que eram comuns por aquele castelo. Ali era a sua prisão particular, ou pelo menos a mais notável delas.

Mexendo nos materiais sobre a escrivaninha, observou um livro aberto com sua assinatura. Khwarizmi era seu nome, ou pelo menos o que havia adotado desde que havia chegado até o reino nortenho.

Podia se lembrar de flashes de sua outra vida, das terras que havia visitado, dos tesouros, das aventuras, das pessoas... Essas eram as que mais lhe faziam falta. Com exceção de alguns encontros com tropas drows que adentravam o seu território, poucos eram os contatos que tinha com outros serem civilizados. O enorme réptil que quase por todo o dia dormia sobre uma coleção de tesouros há dois salões de distância dali estava longe de ser uma companhia agradável. Além dele, é claro, havia Dorothy. Mas a cada encontro com a garota ele sentia que a chance de trabalharem juntos era menor.

Um dia inteiro havia se passado desde a última vez que vira a garota de cabelos negros, e o Rakshasa tentava ignorar a monstruosa teimosia da jovem ao escutá-lo. Já imaginava que não poderia contar com ela para seus planos e por isso Khwarizmi trabalhava sem descanso.

Ele pegou algumas anotações na gaveta e equipamentos em um armário, então passou cerca de uma hora costurando, enrijecendo o couro e espalhando amplificadores de quartzo sobre o cadáver de dois metros e meio de altura deitado sobre a mesa central da sala.

O necromante havia desenterrado aquele corpo no dia em que a jovem paladina chegara à Planície Roxa e considerava que isso era um sinal. Para ele, cada elemento existia na tessitura do tempo por um motivo, logo, o destino daquele defunto já estava selado e algo grande deveria ser feito com ele.

A criatura sobre a mesa era nada mais que um minotauro, um ser bípede com pernas e cabeça semelhantes às de um touro gigante, mas com o dorso e braços mais próximos aos de um humanoide. Segundo os estudos de Khwarizmi, a criatura havia morrido há cerca de 850 anos, mas ainda assim, seus músculos e pelos estavam muito bem conservados, provavelmente como resultado da maldição de Thorrun.

O Rakshasa pegou então, com suas mãos invertidas, duas joias negras, que havia negociado há alguns dias com um elfo, e as observou por um instante. De acordo com as lendas, espíritos mercadores de alma tinham preferência por aquelas pedras, por isso deveriam ser colocadas entre os globos oculares e as pálpebras do cadáver antes do início do procedimento de reanimação.

Khwarizmi posicionou as rochas negras no lugar dos olhos do minotauro e então acendeu incensos e velas em volta do corpo. Em seguida, cortou a parte interna da própria mão que, por ser semelhante ao dorso de uma mão humana, teve duas veias rompidas junto do músculo. O sangue vazou pelo corte e escorreu até boca bovina do cadáver.

Um longo tempo se passou até que o ferimento parasse de sangrar, e o necromante sentido os efeitos da perda de sangue no corpo se sentou em um banco de madeira ao lado das mesas de pedra.

Estava tentando parar a tontura olhando fixamente para o chão quando o som de passos se aproximando o fez erguer a cabeça. Logo viu em sua frente uma figura com rosto encoberto pelas sombras trajando um manto azul com detalhes dourados nas mangas cumpridas. 

Khwarizmi levantou uma das metades de sua boca felina num misto de desconfiança e surpresa, revelando parcialmente seus caninos avantajados. Não esperava por aquela visita tão cedo, seus encontros com a figura de manto azul possuíam, em geral, meses de diferença e ele havia visto o sujeito há menos de 48 horas.

—O que tem para mim mensageiro? – perguntou ainda com um tom surpreso na voz.

— Você precisa confrontá-la – respondeu a figura encapuzada.

— Você sabe que eu tentei – disse o Rakshasa se levantando e caminhando até um armário esculpido na rocha, abrindo a porta de vidro em seguida – A garota não me escuta.

— Você deve tentar novamente – insistiu com a voz rouca e grave.

Khwarizmi não respondeu. Havia esperado Dorothy por anos, pensava nela todos os dias desde que chegara a Thorrun, mas seus encontros com a paladina haviam se mostrado grandes decepções até aquele momento.

A garota deveria ser uma líder de exércitos. Alguém que despertaria o ímpeto de combate mesmo nos mais temerosos, não apenas por sua beleza ou linhagem, mas pela presença e força de caráter. Sentia que por mais que a técnica de combate da jovem fosse aceitável, ainda faltava muito para ela atingir o que estava destinada a ser, tanto como combatente quanto como líder e pessoa.

Pegando um cantil cheio de álcool e uma bandagem dentro do armário, o Rakshasa começou a limpar e cobrir o corte na palma da mão. Preocupava-se que a garota Leon não estava preparada, ainda era frágil demais, e se ele continuasse confrontando-a, uma hora ou outra, acabaria matando-a. Apesar disso, o mensageiro havia lhe dito que ele deveria enfrentá-la novamente, logo, isso era inevitável e ele haveria de fazê-lo.

— Quando devo encontrá-la? – perguntou o conjurador com um tom sério, já tendo aceitado a inevitabilidade de sua missão.

— Hoje – respondeu a figura.

— Durante a noite?

— Não. – O mensageiro balançou a cabeça negativamente.

Khwarizmi ficou em silêncio por um instante enquanto pensava e terminava seu curativo. O que ouvira era uma notícia ruim. Sem poder usar o apoio dos mortos-vivos locais de Thorrun, o necromante teria que utilizar os próprios recursos para lidar com a paladina, e entre os lacaios que havia conjurado ou construído ao longo daqueles anos, nenhum era tão frágil quanto os esqueletos com os quais Dorothy havia lidado até ali.

— Eu destruí a espada dela – disse com a voz embargada o homem com rosto de fera.

— Eu sei - replicou o mensageiro olhando com desinteresse para o lado.

— É claro que sabe – respondeu com certo descontentamento – Deve saber também que ela não terá chance de sobreviver sem uma espada.

— Então deveria levar uma para ela, não é mesmo?

— Ela irá aceitar?

— Apenas se não souber que é um presente – falou agora encarando o Rakshasa.

— Muito bem – disse endireitando a coluna e o manto verde-escuro que usava – Devo partir agora?

— Sim.

Khwarizmi afirmou com a cabeça e então passou a mão por cima do ferimento enfaixado. Conjurando um feitiço gestual, ele transformou a bandagem que cobria seu ferimento em pele, ao menos visualmente, pois o corte continuava ali, apesar de ninguém além dele mesmo saber disso. Um truque simples de ilusão, mas que lhe era útil vez ou outra.

Ele se aproximou de seu interlocutor e então encarou os olhos amarelos e pequenos da criatura.

— Obrigado mensageiro – disse por fim.

O homem não o respondeu, apenas permaneceu ali mais alguns instantes e então, como fazia costumeiramente, desapareceu no ar, deixando para trás nada mais do que seus avisos e conselhos.

Sem se surpreender com o desaparecimento de seu leal informante, o necromante se voltou para a bancada central da sala observando a cera das velas e o pó dos incensos inteiramente queimados. Ele estendeu a mão sobre o peito da criatura e começou a recitar palavras arcanas enquanto fazia os gestos exatos para concluir sua conjuração complexa. Alguns momentos depois, terminando seu ritual, ele observou a face de boi do corpo sobre a mesa. Agora que havia recebido outra visita do mensageiro, tinha certeza que aquela criatura havia de lhe servir para algo importante.

— Desperte – ordenou.

Com um urro gutural seguido de um salto animalesco, o minotauro se levantou da bancada exalando um cheiro de carne podre e chorume. Em um rápido movimento ele virou seu braço de quase 60kg de músculo contra o rosto do Rakshasa. Antes que fosse atingido, o necromante aparou o golpe da criatura com uma das mãos, olhando diretamente nos ônix negros que agora eram seus olhos.

— Pare – ordenou de forma firme.

O desmorto recém-animado parou imediatamente de se mover. Seu corpo tremia sutilmente como se estivesse num estado de choque. Um monstro como aquele, mal conseguia pensar por si próprio, era como um autômato com alguns poucos instintos e um tipo de inteligência responsiva proveniente de seu tempo de vida. O minotauro estava e sempre estaria à total mercê de Khwarizmi, que era mestre na arte da ressurreição dos mortos e do controle deles.

— Siga-me – falou o conjurador virando-se e saindo do laboratório.

Escoltado por seu novo lacaio, o homem com rosto felino caminhou pelos enormes salões e corredores do castelo que habitava. As paredes dos corredores eram feitas de mármore claro, enquanto o chão era como uma estrada de berílio, uma rocha verde esbranquiçada na qual era possível ver pequenas incrustações de esmeraldas.

Esse caminho esverdeado levava a um salão lateral onde o Rakshasa havia tido uma reunião sangrenta com o General Yakoon e sua antiga equipe de drows. Khwarizmi ponderou por um momento sobre quando os elfos negros lhe visitariam novamente, fosse para uma vingança pessoal ou para negociação com o líder deles. “Não importa. Não agora, pelo menos”, pensou consigo focando-se na tarefa que deveria realizar no momento: encontrar uma espada para Dorothy Leon.

Continuando o corredor, ele adentrou um átrio com duas escadas localizadas nas extremidades opostas do recinto, havia também uma enorme porta de madeira e bronze, que conectava o salão a uma torre. Diferente do restante do castelo, esses espaços mais utilizados pelo necromante não apresentavam a enorme camada de poeira que era comum aos outros recintos, estando quase tão exuberantes como quando foram originalmente utilizados.

Não que isso impressionasse o conjurador, ele considerava demasiadamente caricata a proporção daquele ambiente, aliás, de todas as construções de Thorrun. Lhe incomodava o fato de que criaturas de estatura inferior a outros humanoides precisassem construir coisas tão suntuosas. Enxergava como uma necessidade de compensar algo. Egos de pessoas pequenas que se enxergavam como grandes, mas no fundo tentavam esconder sua verdadeira pequenez diante do grande esquema da vida e do universo. Tal perspectiva não se restringia apenas aos anões, mas também a humanos e elfos e seus enormes castelos, tumbas e fortalezas.

Khwarizmi parou em frente à porta com mais de oito metros de altura e entalhes geométricos e então esticou suas mãos contra a superfície da madeira fazendo com que uma antiga magia abrisse-a.

— Espere aqui – ordenou ao lacaio antes de adentrar o local.

Aquela era uma torre muito antiga. Há mais de 300 anos uma batalha naquele castelo fez com que esferas de fogo e pedra se chocassem contra a lateral do prédio, deixando ali um enorme buraco que permanecera aberto até aqueles tempos. O que não se sabia na época, é que aquela fissura colossal seria um dia a porta de entrada e saída de uma enorme criatura escamada, que passaria a morar naquela estrutura.

Era um monstro grande, ao ponto de fazer o cadáver de minotauro parado na porta parecer não mais do que um pequenino cão. Do focinho até a ponta da cauda possuía mais de 20 metros de comprimento. Sua pele era de um couro escuro, cuja superfície parecia estar sempre coberta de fuligem. Com quatro patas e garras do tamanho de foices grossas, aquele imenso lagarto tinha próximo aos ombros duas enormes asas que, quando abertas, poderiam superar os 25 metros de envergadura. Sua cabeça tinha o formato de um crânio magro, cuja pele parecia estar diretamente ligada a uma ossada comprida e pontuda que se localizava na extremidade de um pescoço de mais de um metro de comprimento.

O temível dragão negro costumava ficar aninhado ali sobre uma enorme pedra de jade que servia como superfície do centro da sala quadrada de proporções impressionantes. Naquele momento, ele parecia estar cochilando.

Ainda sem entrar no recinto, o Rakshasa observou o local vendo através do buraco na parede a cidade abandonada que rodeava seu castelo. Olhando para cima ele viu as escadas laterais que levavam ao topo da torre, mas que já não mais se conectavam devido à destruição do local. Agora elas serviam como prateleiras para a galeria de tesouros do grande réptil, tendo diversos artigos raros sobre elas. O nível térreo da torre continha diversas armas e armaduras, além de pergaminhos e diferentes filactérias de conjuradores que haviam perecido em missões naquele reino.

Há anos o necromante vinha trazendo mais itens para aquela sala a fim de manter uma boa relação com a enorme criatura alada que residia ali, afinal, não seria sábio para ele contrariá-lo. Era senso comum que dragões possuíam pouca condescendência para com aqueles que se opusessem a eles.

Khwarizmi adentrou no local de forma silenciosa e fechou a porta atrás de si. Em seguida, ele abriu a mão e soltou discretamente um pequeno prisma de rubi preso por um fio de metal. Aquele aparato mágico possuía a habilidade de encontrar, em curto alcance, o objeto mais útil para quem o utilizasse e para o ele, naquele momento, seria a melhor arma possível para se levar para Dorothy.

Ao ouvir o barulho da porta, o dragão vagarosamente abriu os olhos, revelando esferas cintilantes de um vermelho muito vivo com uma pupila fendida no centro. Seu pescoço relativamente comprido foi aos poucos se esticando e ficando ereto, tal qual uma serpente desconfiada antes de preparar o bote.

Khwarizmi observou o prisma pendurado em sua mão e então o viu se esticar em direção em uma lateral da sala, onde havia uma estante com pergaminhos e uma escrivaninha com algumas poções e uma espada velha de metal na cor de chumbo. Já sabendo a arma que precisava pegar escondeu seu artefato de forma sutil e ajeitou sua postura enquanto o dragão despertava.

O pêndulo de rubi havia de fato facilitado seu trabalho escolhendo a melhor espada possível para a paladina, mas retirar o objeto da sala era um grande problema. Cada item daquele local era como uma prova de poder e magnificência do dragão que os guardava. Para a criatura, permitir que qualquer uma daquelas peças saísse de lá seria como admitir que seu poder pudesse diminuir de alguma forma.

“Mostre-me algo para distrair o dragão” pensou consigo soltando novamente a gema vermelha. Mirando o armário com pergaminhos ao lado de onde estava a espada e sendo vigiado de perto pelos olhos atentos da criatura alada, o necromante caminhou com o semblante desinteressado na direção que o rubi apontava.

— Algo lhe chama a atenção, Rakshasa? – disse o monstro sem mexer os lábios.

Khwarizmi ouviu a voz rouca e animalesca ecoando pela sala. O som saia diretamente da cabeça do dragão. Para outras pessoas poderia ser perturbador ouvir as palavras se propagarem mesmo sem o seu emissor abrir a boca, mas o necromante já havia se acostumado com a habilidade dracônica. A garganta daquele tipo de criatura não podia criar vocalizações semelhantes à dos humanos, elfos ou anões, mas isso não impedia que criassem com magia, ondulações sonoras que se assemelhavam a uma voz, assim podiam se comunicar com outros seres. Alguns até mesmo utilizavam tal habilidade para enganar presas em ambientes naturais, simulando o som de um aliado em perigo.

— Ah sim, meu mestre – respondeu com sua voz rosnada, mas com toda a polidez possível – Fiquei curioso quanto à coleção de pergaminhos nessa estante, gostaria de dar uma olhada neles se possível.

O dragão não o respondeu, apenas observou então Khwarizmi se aproximou do móvel.

— Gostaria de saber se posso levar algum dos itens de sua majestosa coleção para um estudo mais aprofundado - prosseguiu o necromante com cortesia.

— Não me provoque irritações Rakshasa. – O dragão respondeu com seu som alto e ecoado. – Sabes que não pode retirar a propriedade de seu senhor, lembre-se que apenas vive em meu domínio porque eu lhe permito.

— É claro – respondeu o conjurador inclinando-se em agradecimento, controlando seu aborrecimento.

Cada um daqueles itens poderia adiantar em vários meses os seus projetos, mas os luxos daquela criatura pútrida e mimada o atrapalhavam. Muitas vezes, ao recuperar algum item valioso, Khwarizmi o mantinha para si por vários meses antes de entregar ao dragão, mas sabia que não podia acumular muita coisa. Aquele ser tinha faro para tesouros e uma necessidade de acumulá-los, mesmo que fosse incapaz de usufruir da maioria.

Contudo, aquele não era um bom dia para ceder aos luxos daquela besta. Segundo o mensageiro, Dorothy haveria de ganhar uma espada e o rubi do artefato do necromante havia direcionado para uma especificamente. Era indubitável para ele que o destino indicava que aquela seria a futura posse da paladina e ele deveria garantir que isso se realizaria.

— De qualquer forma – continuou Khwarizmi. – Eu lhe trouxe esse item – disse parando entre o armário e a escrivaninha, virando de costas para a espada, mostrando o rubi para o dragão.

— Uma gema? – ecoou o monstro com descontentamento. – Não tenho interesse neste tipo de supérfluo.

— Mas é claro, mestre - disse o Rakshasa gesticulando de forma educada enquanto puxava discretamente um lenço translúcido de dentro da manga larga de seu manto - Sei que seu interesse é em objetos mais úteis do que simples pedras nas quais sociedades impõe valor, sei que se interessa pelo verdadeiro poder.

O dragão mexeu a cabeça de forma sinuosa, revelando algum interesse.

— Tal objeto preso ao meu pulso é na verdade um localizador – prosseguiu o conjurador esticando o aparato para que o dragão enxergasse a pedra contrariar a gravidade e apontar para os pergaminhos na estante ao lado do Rakshasa.

Aproveitando que a pedra indicava naquela direção, Khwarizmi aproximou-se ainda mais da escrivaninha e de maneira imperceptível ao monstro, soltou o lenço sobre a espada. O lagarto gigante permaneceu observando o rubi com ganância.

— O objeto me trouxe até esses pergaminhos, acredito que podem ser úteis para mim, o que acha de uma troca, mestre? Estes velhos pergaminhos por esse item de busca?

— O que falei sobre me irritar, Rakshasa? Aonde encontrou essa joia? Em meu reino! – exclamou erguendo a cabeça. – Não preciso negociar com você, tal item já se encontra em minhas posses, deixe-o sobre a bancada antes de sair.

— Está certo – respondeu Khwarizmi com a voz embargada.

Ele se virou para a mesa atrás de si e apoiou uma das mãos sobre o lenço translucido que cobria a espada e mexeu rapidamente os dedos, enquanto que com a outra mão, mostrava para o dragão que deixava ali seu localizador.

— Aqui está meu lorde – disse voltando-se novamente para a criatura. 

O dragão olhou sua nova aquisição à distância e então observou enquanto o homem com cabeça de tigre saia cabisbaixo da torre. A porta se fechou sozinha assim que Khwarizmi deixou o recinto e logo depois o dragão voltou a dormir.

Assim que a porta se fechou, o necromante deu um comando para que o minotauro, que ainda estava parado ali, o seguisse, e então se dirigiu apressadamente para longe daquele lugar.

Enquanto caminhava enxugou os pelos molhados de suor da testa. Mal conseguia crer no risco que havia se colocado há pouco. Sabia que havia de cumprir tudo que o mensageiro lhe dissesse, mas seu plano era arriscado.

Conseguir se aproximar da espada para teleportá-la de lá enquanto transformava o lenço que jogara sobre ela numa cópia ilusória, lhe custou muita energia e concentração. Poderia simplesmente não conseguir conjurar tantas magias em tão pouco tempo sem chamar atenção, afinal nunca havia feito aquilo. Sempre estava preparado para tudo.

Felizmente seu plano havia funcionado. Colocando a mão por dentro de seu robe de veludo, Khwarizmi sentiu a espada cor de chumbo presa ao seu cinto, enquanto subia as escadas para o andar de cima do castelo.

Sabia que se um dia o dragão tentasse mover a “espada” sobre a escrivaninha acabaria descobrindo que era um truque de ilusão, e provavelmente saberia que o necromante havia lhe roubado. Perder seu rastreador de rubi também foi um grande inconveniente para o conjurador, entretanto, ele sabia que poderia valer a pena. Havia feito sua parte, agora cabia à Dorothy fazer a dela.

Seguindo com os passos acelerados e o coração batendo forte pela tensão de ser descoberto pelo dragão, o necromante olhou para seu lacaio que vinha logo atrás de si, enquanto caminhava pelos corredores superiores. Considerava que confrontar a paladina não era uma ameaça ou um perigo para si, mas utilizar um servo como aquele minotauro poderia causar sérios problemas para a garota, o que não colaborava para acalmá-lo.

Chegando em seu quarto apenas entrou com seu servo sem se dar o trabalho de iluminar o ambiente. O recinto era escuro estando permanentemente com as janelas lacradas e cortinas fechadas. Havia um carpete cor de vinho e uma grande cama de madeira próxima ao chão, além de uma cômoda com um espelho e um armário embutido.

Aos pés da cama, havia um grande baú sobre o qual seu cajado estava apoiado. O conjurador se ajoelhou na frente do objeto e deixou seu cajado ao seu lado. Utilizando um pequeno encantamento abriu o cadeado e a tampa do baú, revelando uma miscelânea de artefatos, cuja aura mágica ficava contida dentro da arca para não ser detectada pelo dragão. Entre eles, viu um cubo verde translúcido que usava para se teleportar até outros locais dentro do reino.

Ele se levantou pegando o objeto brilhante e ergueu seu cajado do chão deixando-o de pé próximo a si, então olhou para o cadáver de minotauro ao seu lado. Khwarizmi respirou fundo acalmando-se por um instante. O momento que viria a seguir iria revelar se Dorothy era de fato a pessoa certa para lidar com a situação de Thorrun, como afirmava o mensageiro. Ele deveria estar concentrado e disposto a pressionar a jovem o máximo possível, mesmo que isso a pusesse em risco fatal, afinal, por mais que ele quisesse que a paladina atingisse seu potencial, se ela não conseguisse vencer seu lacaio, com certeza não derrotaria os males daquele reino amaldiçoado.

O Rakshasa puxou de seu manto um pequeno globo de cristal e olhou fixamente para ele, enxergando sobre uma colina, a escolhida de Theolen admirando um escudo na companhia de um de seus seguidores.

— Se ao menos soubesse o que destino reservou para nós, senhorita Leon... – rosnou guardando o globo de volta a suas vestes – Bem, já é hora - disse segurando o cajado, enquanto a luz esverdeada do cubo translúcido refletia em seu rosto – Faça meu esforço valer a pena, paladina.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E aos poucos vamos conhecendo mais o Rakshasa.
O que estão achando do personagem e suas motivações? O cenário onde ele vive, etc...

Comentem ♥