Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 34
Arlindo - Marcas do Passado




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Arlindo engoliu um pouco de saliva observando os olhos de íris vermelha da drow à sua frente. A achava uma elfa muito bonita, tinha os lábios finos assim como o nariz, seu maxilar era bem desenhado e as maçãs do rosto eram altas. Seu cabelo branco, preso pela metade com algumas mechas trançadas, contrastava com a pele negra arroxeada e a roupa de couro escuro. Não fosse o caso dele ter invadido o acampamento dela e de ela acusá-lo de coisas gravíssimas, provavelmente estaria sentindo-se atraído pela mulher, mesmo que ela fosse muito mais velha do que ele, afinal para ter aquela aparência equivalente a de uma humana com 35 anos, a elfa deveria ter mais de 280.

— Tire o elmo — ela ordenou com a voz levemente rouca.

— O que? Por quê? – perguntou o clérigo franzindo o cenho.

— Para que eu possa vê-lo melhor, é claro – ela respondeu seriamente.

— O que vocês querem com o Arlindo? – perguntou Charly olhando para todos os drows.

— Arlindo? Que nome estranho você escolheu – disse a mulher para o clérigo.

— Responda a pergunta – exigiu Solomon.

— Eu já lhes disse, criaturas estúpidas. Não irei repetir – retrucou a elfa negra.

— Então seja mais clara – disse o guerreiro com firmeza. – Do contrário, é melhor irem embora. Você não está em condições de me enfrentar novamente, não é mesmo? – falou apontando o martelo para a mulher.

Arlindo achou estranho o comentário do guerreiro, mas supôs que Solomon havia já havia a enfrentado em algum momento e ela ainda tinha sequelas do encontro, afinal ele já vira o que o guerreiro era capaz de fazer em combate. Ainda assim, ao olhar para a elfa, ela se mostrava perfeitamente bem, não tinha sequer um arranhão e não se dando por vencida a sacerdotisa da deusa aranha negou com a cabeça mirando o homem mais alto.

— Você é quem não está em condições de me enfrentar, seu monstro estúpido – retrucou vendo os ferimentos de Solomon causados pelo troll.

— Quer descobrir quem está certo? Garanto que o resultado será o mesmo que o da ultima vez – falou avançando na direção dela.

— Dê mais um único passo e seus infantes morrem! – Ela ameaçou aumentando o volume da voz.

Imediatamente, seis dos oito drows que a acompanhavam se viraram para Charly e Nipples, apontando suas bestas e mãos para eles. O serviçal ainda reconheceu o rosto de Syum, a elfa que havia o sequestrado dias antes. Ela olhava para o homenzinho com raiva e ainda tinha algumas marcas no rosto dos ferrões das abelhas atrozes que a atacaram por causa do serviçal.

— Oh Pélor, eles irão nos matar… – sussurrou Nipples amedrontado.

— Hey, vamos com calma – Arlindo interveio fazendo sinal para que tanto os drows quanto Solomon parassem – Tenho certeza de que podemos resolver as coisas de outra maneira, não é mesmo? – disse tentando apaziguar a situação, afinal ele sabia que não aguentariam enfrentar os elfos logo após terem lutado contra o troll.

— Eu concordo – disse uma voz masculina sobressaindo do grupo de elfos negros – Por isso lhes digo que não haverá violência a menos que a iniciem – continuou o homem de forma tranquila, porém severa.

Arlindo olhou na direção do som e então avistou um drow careca com um tapa-olho saindo detrás da comitiva particular da sacerdotisa. Observou ele se aproximando e notou que o tapa-olho visivelmente cobria um ferimento recente, ainda inchado, assim como as faixas que ele tinha manchadas de vermelho nas mãos. Ele carregava uma lança com o cabo de ferro adornado nas costas e um broquel de metal preso ao antebraço esquerdo. Sua armadura de couro e ferro parecia de ótima qualidade, ainda que estivesse com algumas poucas marcas de batalha no peitoral de aço e ombreiras. O homem tinha o corpo pouco mais esguio que o do clérigo e um olhar sério, rígido, que fazia Arlindo achá-lo extremamente familiar.

— Muito bem – concordou o humano baixando os braços.

— Então, o que querem? – perguntou Solomon desconfiado, ainda encarando a elfa negra.

— Apenas confirmar um boato, como Zayla lhes disse – respondeu o drow com sua voz grossa – Queremos uma informação... – Ele falou se virando para Arlindo – Sobre sua identidade.

— Como assim? Querem saber o meu nome? – perguntou o clérigo confuso e com um mau pressentimento sobre a situação.

— Eu já sei o seu nome – afirmou o elfo – Já fomos apresentados antes, não se lembra? Sou o General Yakoon Dorbaillo, nos conhecemos no Salão Vermelho, há exatos 11 anos na ilha de Null.

Arlindo encarou o homem com o cenho franzido por alguns instantes e notou que ele parecia estar falando a verdade, apensar de ter alguma incerteza na voz. Mirou então os olhos verdes nos drows armados ao fundo ainda apontando suas armas e magias para Charly e Nipples.

— Me desculpe, acho que deve ter me confundido com outra pessoa – disse sério – Eu não sei onde é Null e tenho certeza que nunca o vi antes. Agora que já esclarecemos isso, será que eles podem baixar as armas, por favor? – perguntou educadamente.

— Não – recusou a elfa negra – Eu não acredito em você – falou analisando a face do clérigo com os olhos semicerrados – Você de fato mudou desde sua cerimônia de coroação, afinal era apenas uma criança naquele momento e nós não nos falamos no dia, mas ainda reconheço seus olhos maliciosos – afirmou.

— O que? – ele deu uma risada confusa – Sinto muito senhorita, mas acho que vocês realmente devem estar falando de outra pessoa. Talvez alguém parecido comigo, pois eu nunca vi nenhum dos dois antes, e eu tenho certeza de que me lembraria de uma drow tão bela quanto você – flertou com um sorriso galante – Aliás, deixem-me me apresentar. Meu nome é Arlindo, o Clérigo Lindo – se abaixou levemente em sinal de cortesia estendendo a mão para beijar a da elfa, mas ela se afastou olhando–o com repulsa.

Yakoon colocou a mão sobre a boca e começou observar o humano de elmo. Não conseguia ler as feições dele para saber se de fato estava mentindo, como afirmava Zayla, então tirou um círculo achatado do bolso e mostrou à ele na esperança de que aquilo lhe despertasse algo.

— Reconhece este símbolo? – perguntou focado nas reações do clérigo.

Arlindo sentiu um frio correr-lhe a espinha quando fitou a moeda de bronze gravada com o rosto de um deus. Metade de sua face era como a de um javali, enquanto a outra metade era a de um demônio. Reconhecia a divindade, era um deus maligno ligado à massacres, feiura, maldade e ódio que conseguia tomar várias formas horrendas e por isso levava o título de “O Diverso”.

— É um símbolo sagrado de Erythnull, certo? – respondeu para Yakoon.

— Sim, está correto. Como o conhece? – perguntou baixando a mão com o objeto.

— Eu sou um clérigo. Conheço todos os deuses – afirmou gesticulando com uma das mãos, como se aquilo fosse óbvio.

— Conhece o culto de Erythnull que há na ilha de Null?

— Não – negou aproximando as sobrancelhas finas – Não conheço todas as variações de todas as religiões, apenas o básico, afinal sou um clérigo de Obad-Hai, não desse deus – esclareceu.

— Obad-Hai? Este é o seu deus agora?– perguntou o elfo com desgosto.

— Ele sempre foi meu deus – afirmou encarando o único olho visível de Yakoon.

— Por Lolth, ele continuará mentindo independente do que pergunte a ele – afirmou Zayla de forma enfática encostando-se a uma árvore.

O elfo negro olhou para o humano em dúvida por um momento e cruzou os braços analisando-o. Arlindo, por sua vez, olhou para a sacerdotisa que tanto o acusava enquanto ela o encarava severamente. “Quem é essa mulher?” pensou consigo, então notou um pouco de areia impregnada no couro das vestes dela. “Curioso” pensou observando atentamente a moça, reparando que ela usava um colar com um pingente de vidro com areia e uma pétala de jasmim dentro. O clérigo considerou que talvez aquilo não fosse simplesmente um adorno ou acessório e sim o componente para alguma magia, por isso se dirigiu à elfa a passos lentos para fazer um teste.

— Me desculpem, mas não estou entendendo – Entortou a cabeça. – Vocês chegaram aqui, nos cercaram, ameaçaram e me acusaram de coisas que não faço ideia do que sejam e agora ainda tenho que ouvir que sou um mentiroso? – Apontou para si mesmo. – Por acaso isso é algum tipo de vingança pelo que fizemos ao acampamento de vocês? Se for, eu posso pagar pelos estragos – disse tirando uma moeda do bolso e jogando na direção da mulher.

— Acredite, eu adoraria fazê-los pagar por isso, mas não com dinheiro. – Ela disse sem se mover para pegar a moeda.

— Isso é uma ameaça? – perguntou observando a moeda caindo na barra do robe dela e atravessando o tecido como se ele não existisse.

— Interprete como quiser. – Ela desviou o olhar para sua comitiva.

Arlindo fixou os olhos na roupa da sacerdotisa e imediatamente a imagem da elfa tremulou para sua visão, como uma miragem desaparecendo no deserto. “Uma ilusão? ” pensou levemente impressionado enquanto a verdadeira forma da drow se revelava para ele. Ela de fato estava ali encostada na árvore, mas tinha o rosto cansado e respirava com muita dificuldade. Sua postura não era ereta como ela fazia todos acreditarem e possuia talas nas laterais de seu tronco para manter aquela parte do corpo imóvel. Era muito menos imponente do que queria que pensassem.

— Bom… – disse Arlindo olhando para baixo com as sobrancelhas erguidas – Sei que não acreditam em mim, mas eu já lhes disse quem eu sou, e fui sincero em minha resposta, diferente de você, é claro… – falou com um sorriso provocativo para a sacerdotisa.

— O que disse? – ela se impulsionou desencostando-se da árvore, mas contraindo–se de dor imediatamente.

— Fique calma – ele ergueu as mãos em frente ao peito – Pode se machucar assim.

— O que? – perguntou Yakoon com o cenho franzindo, enxergando Zayla como todos os outros: perfeitamente bem em uma pose de autoridade.

— Nada… – Ela respondeu enraivecida, sem admitir estar usando uma magia de ilusão – Apenas encontre logo um jeito de provar que é ele.

— [Devemos aplicar tortura para que confesse?] – perguntou Yakoon usando a língua de sinais.

— Não… E nem recomendo que o faça – ela respondeu na língua comum – Apesar de ainda ser uma criatura nojenta da superfície que merece sofrer... – Olhou de cima para baixo para o humano loiro que carregava um meio sorriso. – Talvez ele continue mentindo e se ele for de fato o rei de Null, isso pode implicar em enormes consequências.

— Rei? – Nipples sussurrou em dúvida, olhando para Charly.

— Entendo seu ponto – concordou o general. – Ainda que ele não possua autoridade alguma no momento, a vida deste homem é isso um assunto para o Supremo resolver.

— Achei que tinham dito que Arlindo era o líder de vocês. – Charly se intrometeu rapidamente olhando para Nipples

— Não meu – disse a drow alfinetando o clérigo com os olhos.

— Ele foi Líder do povo de Null, anos atrás, mas achamos que estava morto. Agora temos outra pessoa em seu lugar – explicou Yakoon.

— Quem? – perguntou Arlindo.

— Isso faz alguma diferença? Você não o conheceria, não é mesmo?! – provocou o elfo negro.

— Está correto – respondeu o clérigo sem se abalar – Eu apenas gostaria de saber quem é o maluco que está me perseguindo sem motivo – justificou.

— Ah, por favor… – disse a mulher revirando os olhos – Ainda acha que consegue nos enganar com esse teatrinho? Sabemos que está escondendo algo.

— Sabem é? – ele a fitou com os olhos semicerrados – Um bom mentiroso conhece outro, eu suponho – provocou.

— Está brincando com algo muito além do que pode lidar garoto – ela pronunciou negando com a cabeça.

— Bem… – disse Yakoon – Se não podemos confiar em sua palavra, que o corpo dele nos diga a verdade então.

— Oh, céus, o que vão fazer com o senhor Arlindo? – perguntou Nipples já imaginando o pior.

— Não se preocupem, não haverá violência como eu disse… – continuou o general se aproximando do clérigo – Em Null, quando alguém aceita servir à Erythnull, uma marca é feita nesta pessoa. A única cicatriz que alguém pode carregar com orgulho, já que foi feita por nosso deus através das mãos do Alto Sacerdote. Sendo ele uma pessoa da nobreza, provavelmente a possui na nuca – disse Yakoon tirando a atenção de Arlindo das provocações de Zayla.

— O que?! – exclamou ele confuso – Olha, essa obsessão de vocês já está passando dos limites. Eu já respondi suas perguntas, agora me deixem em paz! As únicas marcas que eu tenho são daquele troll maldito que nos atacou! – falou exaltado apontando para o cadáver do gigante verde – Além disso, eu não sirvo à Erythnull. Sirvo à Obad-Hai!

— Ótimo, então nos mostre sua nuca – falou o elfo de forma calma.

— Não! – Arlindo respondeu impaciente – Já chega disso. Não há nada para verem.

— Prove, se não tem nada a esconder – retrucou Yakoon – Então deixaremos você e seus amigos em paz.

— Eu...

— Apenas mostre para eles de uma vez e acabe logo com isso – esbravejou Solomon para o clérigo – Mas esta será a última coisa que ele fará – pronunciou para os elfos negros – Depois disso, vocês irão embora ou eu vou esmagá-los como fiz com o crânio dele – apontou o martelo para os restos do troll – Entenderam?

— Muito bem – concordou Zayla encarando o humano careca – Isto já está levando tempo demais mesmo – Ela se virou para o general – Tenho coisas mais importantes a resolver do que dar atenção a estes seres inferiores, Yakoon. Você já me deu muito prejuízo em sua incursão ao Observatório e sabe que o Messias não pode esperar. Não faça-me perder ainda mais do meu tempo.

— Sim, senhora – assentiu Yakoon de forma mais submissa.

Ele então avançou sobre Arlindo puxando um de seus braços para trás das costas e o batendo contra uma árvore com força.

— Hey! – gritou o clérigo – O que acha que está fazendo?

— Será rápido – falou o drow pressionando o homem para que não se movesse mais – Confira se é a marca como a minha, por favor – falou para a sacerdotisa – Na parte de trás do meu ombro direito.

Zayla se aproximou dos dois e logo Solomon a seguiu. A drow o encarou por alguns instantes, mas não falou nada, apenas puxou a armadura do elfo negro levemente para baixo, expondo uma marca circular profunda. Dentro do círculo havia símbolos ritualísticos desconhecidos por ela, que formavam desenhos abstratos na pele roxa escura do elfo. Zayla então separou o cabelo comprido e bem cuidado de Arlindo em duas mechas, exibindo sua nuca. Arlindo sentiu seu coração acelerar enquanto a mulher e Solomon olhavam para seu pescoço. Os dois avistaram um estigma cravado em sua pele, ou pelo menos o que restara dele. Era circular e possuía uma forma indistinguível no centro, ainda assim, muito familiar ao de Yakoon.

— Mas o que… – Solomon balbuciou.

— Ele possui a marca – confirmou a elfa se afastando.

— Isso é apenas uma cicatriz de briga de bar! – exclamou o clérigo imobilizado.

— Estou vendo... – disse o drow incrédulo observando a marca do humano – Parece que tentou apagá-la… O que usou? Algumas sessões de cura? – perguntou retoricamente se aproximando do ouvido de Arlindo – Não importa. Pode continuar tentando se livrar disso, mas a marca de Erythnull não é algo do qual uma pessoa pode se livrar, assim como seu passado – falou soltando-o em seguida.

O humano loiro cambaleou para o lado e encarou o elfo por alguns instantes um tanto ofegante, enquanto passava a mão na cicatriz que tanto odiava.

— Devemos ir agora – afirmou o general drow se afastando – Reportarei à Null em breve, sugiro que faça o mesmo para a Matriarca de Acna.

— Sim. Agora vamos embora – concordou a sacerdotisa sorrindo de forma sádica para o clérigo.

— Ministra Zayla – disse uma das drows dando um passo à frente – Antes de partirmos, devo informá-la que a caixa de poder que estávamos atrás está na posse daquele pequeno humano – disse apontando para Nipples.

— Obrigada Syum, eu havia me esquecido disso – disse a mulher encarando o serviçal.

Nipples engoliu um pouco de saliva e deu um passo para trás. Charly entrou em sua frente e puxou a espada curta da bainha.

— Vocês não iam embora? – falou o garoto destemido.

— Yakoon disse isso e apesar de sermos aliados no momento, eu não sirvo a ele, criança – respondeu ríspida – Posso ficar se eu quiser.

— Isso seria uma péssima ideia – disse Solomon com a cara fechada apertando o cabo do martelo.

— Uma péssima ideia foi ter me desafiado – ela pronunciou apontando para o guerreiro.

— Vai mesmo querer lutar nesse estado? – perguntou Arlindo.

— Eu sou mais forte do que imagina, humano – ela se virou para o clérigo rangendo os dentes.

— Pode até ser, mas você sabe o que o grandão ali sabe fazer.

— Consigo lidar com ele – Ela encarou o guerreiro.

— Consegue lidar também com o garoto que derrotou uma conjuradora sua sem usar nenhuma arma? – Arlindo olhou para Charly – E com o serviçal que tem metade do seu tamanho e ainda assim escapou do seus sequestradores sem muitos problemas?

— Está tentando me assustar? Eu não temo vocês! – A elfa olhou para os quatro um tanto nervosa.

— Deveria… – Arlindo a encarou de forma intimidadora dando um passo à frente – Porque se eles já não te deram motivo suficiente para ir embora, imagine então que você está certa e eu sou realmente quem você diz que sou. Consegue ter uma ideia do que eu posso fazer, não é?!

A drow encarou o homem louro por alguns instantes com as narinas dilatadas de raiva e então viu Solomon ao fundo a mirando. Olhou para sua comitiva e comparou os dois lados do conflito. Por mais que Solomon e Arlindo estivessem feridos, não tinha a certeza de que poderia derrotá-los sem o apoio de Yakoon, que já havia ido embora. Além disso, uma de suas batedoras estava mais ferida do que ela mesma e ainda não conhecia as capacidades de Charly e Nipples. Por mais que Zayla acreditasse que pudesse derrotar a todos, não o faria sem muitas baixas, algo que ela não podia suportar no momento.

— Vocês não valem o meu tempo – ela disse preferindo não arriscar um combate – Talvez outro dia acertemos as contas – falou olhando para Solomon.

— Estarei esperando – disse o guerreiro.

A elfa negra se virou de costas e saiu de lá seguida de seus besteiros e conjuradores. Nipples e Charly suspiraram mais aliviados por estarem fora da mira de seus inimigos e então se aproximaram do clérigo.

— Essa foi por pouco – disse o garoto guardando a espada curta.

— Nem me fale, nunca menti tanto na vida! – Admitiu o clérigo dando uma risada curta apoiando uma das mãos no tronco atrás de si.

— Como assim? – Charly entornou a cabeça confuso.

— Eu gastei todas as minhas magias com aquela coisa! – Olhou para o corpo do troll. – Se eles viessem pra cima da gente, com certeza ganhariam.

— O que?! – exclamou o jovem – Eu achei que você tinha algum truque secreto, ou uma magia superforte que ia usar e acabar com todos eles de uma vez pra falar daquele jeito.

— Não – Arlindo balançou a cabeça dando risada – A única coisa que eu tinha era minha boca e minha imaginação, aliás, isso já me salvou em várias situações, inclusive com as moças se é que me entendem – falou sorrindo, acenando com a cabeça e movendo as sobrancelhas para cima algumas vezes.

— Mas que inapropriado... – Nipples negou com a cabeça.

— Han? – perguntou Charly.

— Quando for mais velho eu explico garoto – afirmou o clérigo dando uma piscadela.

— Ta... – disse o jovem confuso – Mas achei que eles iam matar a gente quando chegaram nos cercando – falou olhando para Nipples e Solomon.

— Eu imaginei que iriam tentar roubar a caixinha da senhorita Leon de novo, ainda bem que isso não aconteceu – disse o serviçal apertando a alça da mochila – Obrigado senhor Arlindo.

— Ah, foi bom fazê-los de bobos. – Ergueu os ombros como se não fosse nada demais. — Mas deveríamos ir embora agora.

— Espera – disse Solomon – Está esquecendo-se de uma coisa.

— O que? Ah, é… – Arlindo deu um tapinha na própria testa – Esquecemos o saco com ouro lá trás.

— Estou falando da sua marca – disse o guerreiro serio.

— O que tem? – perguntou olhando o homem.

— Por que é igual à do drow? – perguntou fazendo Nipples e Charly se entre–olharem tensos.

— Sei lá, deve ser apenas uma coincidência… – explicou endireitando as costas.

— Não acredito em coincidências – falou o guerreiro cruzando os braços.

— Ah, Obad-Hai… – soltou os ombros – Não é nada com que devam se preocupar, está bem?! Apenas esqueçam tudo o que aconteceu aqui, será mais simples assim – falou mostrando as mãos.

— Espera – disse Charly piscando algumas vezes. – Está dizendo que eles não estavam mentindo?

— Anh... – Arlindo suspirou – Talvez…?! – contraiu um lado da face.

— Oh céus – Nipples levou a mão à boca, preocupado – Senhor Arlindo, por que não nos disse nada?

— Você era o rei deles? – perguntou Charly chocado.

— Eu não diria rei… – Arlindo olhou para o lado gesticulando – Eu apenas fui alguém importante para o povo de Null.

— Por Pélor – Nipples segurou a mão do homem – Por favor, meu senhor, me perdoe por tanto desrespeito! Eu nunca o trataria como um simples nobre com dependência alcoólica se soubesse que era o líder de um povo.

— O que? Sai! – o clérigo puxou a mão de volta estranhando o comportamento do serviçal – Olha, não começa com isso não, hein. Eu não sou mais aquele cara. Entendam isso: Aquela pessoa que Yakoon e a maluca vieram atrás, não sou mais eu. Aquela pessoa está morta e sem chances de ressurreição.

— Mas… – falou Charly passando as mãos nos cabelos – Por quê?

— Porque... – Arlindo olhou para cima vendo além da copa das árvores – Null é um lugar horrível. As pessoas de lá, os costumes, o deus… Tudo é ruim – falou engolindo em seco e olhando para o chão – Eu deixei essa vida pra trás e comecei outra. É tudo o que precisam saber sobre o assunto e, por favor, não contem para a Dorothy.

— Por que não? – perguntou Charly desconfiado.

— Olha, eu fiz coisas ruins no passado, mas eu mudei e não quero que ela me veja por quem eu era antes, mas por quem sou agora, está bem?

— Bom, eu não acho que ela te julgaria por isso – disse o garoto tentando reconfortá-lo.

— Por favor… – pediu Arlindo passando a mão na sobrancelha – Eu realmente não quero mais falar sobre isso.

— Não vamos dizer nada – disse Solomon o encarando – Todos temos algo que não gostamos de falar sobre – disse o guerreiro enquanto Charly concordava sutilmente com cabeça e Nipples olhava para baixo entortando os lábios – Mas acha que eles voltarão?

— Os drows? Eu não sei – disse o clérigo balançando a cabeça.

— É bom ficarmos atentos então – falou o homem careca. – Eles já têm algo contra pelo menos metade de nós e acho que não vão se esquecer do que aconteceu. Agora vamos embora, não aguento mais essa floresta.

— Nós vamos pegar o ouro antes de irmos embora, né?! – perguntou Charly enquanto caminhavam.

— Claro que sim – assentiu o guerreiro franzindo o cenho – Acha que eu vim pra Thorrun pra fazer o que? Ficar aturando vocês?! – negou com a cabeça.

Charly deu risada e os quatro começaram a se direcionar para o local onde haviam encontrado o troll e a sacola com riquezas. Arlindo respirou fundo depois de todo o conflito e olhou para o chão mais aliviado. Viu um objeto reluzente e abaixou para pegar imaginando ser sua moeda, mas quando o pegou notou ser o símbolo sagrado de Erythnull, provavelmente deixado ali de forma proposital por Yakoon.

Ele largou rapidamente o objeto com o coração acelerado e a boca entreaberta, então encarou o desenho encravado no bronze lembrando-se de dias mais sombrios, que lhe marcaram como a cicatriz em seu pescoço. Ele sentiu uma dor lhe afligir a nuca e levou a mão até a marca, percebendo um pouco de sangue passar para seus dedos.

Arlindo olhou o vermelho em sua mão e fechou o punho com raiva, negando com a cabeça. Levantou-se e pegou uma cerveja de sua bolsa transversal, tragando alguns goles de sua bebida sagrada com os olhos fechados. Saboreou o líquido gelado e o sentiu descer pela garganta fazendo seu coração se acalmar. Ele sorriu para o vidro em suas mãos sentindo-se mais próximo do deus da natureza e caminhou para frente, pisando sobre o símbolo do deus da matança e seguindo seu caminho com seus companheiros, deixando tudo aquilo para trás mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

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