Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 33
Solomon - O Gigante da Floresta




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Os passos firmes seguiam sobre o chão de terra coberto de folhas secas rumo ao sul. Na cintura, preso por uma espécie de gancho ao cinto de couro, o grande martelo de guerra balançava com o caminhar do guerreiro, e o olhar de Solomon mirava a trilha à frente.

Até pouco mais de uma hora estava na clareira de Vaalij, o ponto mais ao norte que havia ido até então em Thorrun. Provavelmente o ponto mais próximo que chegou dos tesouros que tanto almejava. E apesar de Solomon ter considerado partir rumo à Montanha do Rei Anão, a capital do reino, onde provavelmente estavam muitas das riquezas abandonadas prometidas, devido às circunstâncias do momento acabou não seguindo com a ideia, preferindo acompanhar seus companheiros de equipe até a Planície Roxa.

Não que o guerreiro sentisse uma estima excepcional por aquelas pessoas que há poucas semanas conhecia. Arlindo, por exemplo, simplesmente não lhe despertava o mínimo de interesse ou preocupação, mas  ao contrário do que parecia, Solomon se importava em algum nível com os outros três indivíduos, mesmo que em diferentes proporções.

Nipples havia se mostrado para ele uma pessoa de confiança e muita utilidade, e apesar do serviçal não poder oferecer nenhum apoio bruto em batalha, ainda poderia ajudar e surpreender, como fizera contra os Orcs na Planície Vermelha e com Vaalij. Solomon até mesmo considerava estar em dívida com o serviçal, por este ter resolvido a situação com o licantropo.

Já Dorothy era uma ótima combatente que poderia lhe oferecer suporte quando precisasse, além disso, a garota possuía boas intenções e apesar do guerreiro julgar que ainda era tola e provavelmente guiaria todos à morte, ele podia tentar mudar as ideias da jovem, que já começava a mostrar-se mais solicita a ele. Talvez conseguisse até mesmo convencê-la a ir atrás dos tesouros em algum momento, o que era mais fácil do que tentar fazê-lo sozinho.

Quanto a Charly, apesar de reconhecer que era um garoto inteligente e corajoso, ainda o via como uma criança inexperiente e fraca e por isso temia que algo de ruim lhe acontecesse, assim como fora com seu irmão. E se havia algo que Solomon realmente não queria naquela viagem, era ter o sangue do menino em suas mãos por deixá-lo fazer alguma estupidez que Dorothy provavelmente aprovaria.

E por isso o Guerreiro Renegado seguia em busca da paladina que mantinha àquelas pessoas unidas. Seja pela amizade, pelo interesse ou pela lealdade que tinham para com ela.

— Hey! Será que dá para esperar um pouco?! – gritou Arlindo alcançando-o, ofegante.

— Por que está demorando tanto? – perguntou Solomon olhando para o clérigo e caminhando normalmente.

— Eu fiz este caminho duas vezes ontem, está bem?! – disse mostrando dois dedos. – Além disso, se corrermos muito o vento vai estragar o meu cabelo e eu acabei de lavá-lo e desembaraçá-lo.

— Para que se importar tanto com isso? Cabelo é uma perda de tempo – virou para frente.

— Perda de tem-- – Arlindo se interrompeu em negação e puxou um elástico do bolso – Bom, é muito fácil pra você falar, – olhou para a careca do guerreiro – mas vai me dizer que você não ligava para o seu cabelo quando ainda o tinha – falou prendendo as madeixas num rabo de cavalo baixo, deixando uma mecha cair de forma charmosa pela lateral do rosto.

Solomon balançou a cabeça recusando-se a responder e continuou andando.

— Vamos lá, me diga – insistiu Arlindo. – Há quanto tempo está assim?

— Desde os dezessete, eu acho – forçou a memória.

— O que?! – exclamou o clérigo surpreso. – Achei que tinha perdido pela idade! Você irritou uma bruxa ou algo do tipo?

— Não.

— Tem certeza? Você não tem cara de quem tem muitos amigos, talvez alguém que te odeie muito tenha feito isso pelas suas costas. Você brigou com algum conjurador? Ou talvez um barbeiro?...Alguma ex-amante? – perguntou mexendo as sobrancelhas para cima com um sorriso malicioso.

— Não – franziu o cenho balançando a cabeça em negação. – Eu apenas fiquei careca, e não tem nada místico ou muito interessante sobre isso.

— Oh, seu pobre homem – Arlindo balançou a cabeça em condolências – E você nem é tão velho assim. Quero dizer, com quarenta anos…

— Trinta e um.

— Trinta e um anos e nenhum fio na cabeça… Não consigo imaginar como seria minha vida sem meus belos cabelos dourados. Quero dizer, minha cabeça ainda tem um ótimo formato, mas-–

— Pessoal, acho que vocês deveriam ver isso daqui – disse Charly, interrompendo o diálogo dos dois.

— O que é? – perguntou o guerreiro.

— Ali, meu senhor – disse Nipples apontando para uma abertura na trilha que seguia para oeste.

Era como se algo muito grande tivesse passado pelo local e destruído as árvores mais finas em seu caminho. Havia pelo menos dois troncos inclinados enquanto outro tinha duas flechas fincadas e uma mancha de sangue que levava para além do que conseguiam enxergar.

— Acha que pode ser ela, meu senhor? – perguntou Nipples enquanto Arlindo olhava atentamente para o caminho de destruição.

— Eu não sei... Não estávamos tão próximos do Bosque do Javali quando nos separamos – respondeu inclinando a cabeça.

— Mas ela pode ter tentado voltar, não é?! – disse Charly – E pode não ter chegado até nós porque estava sem o mapa – supôs.

— É possível – Arlindo levou a mão ao queixo fino – Vale a pena checar. De qualquer jeito, eu disse que iria ficar tudo bem. Obad-Hai me falou que iríamos encontra-la logo! – gesticulou sorrindo.

— Obad-Hai também te disse em como lidar com o problema dela? – perguntou Solomon – Não parece que ela fez esse estrago apenas com a espada.

Nipples e Charly encararam Arlindo e o clérigo desviou o olhar.

— Estou trabalhando nisso... – respondeu com certa insegurança na voz.

— Bom, não importa agora – disse Charly – Ainda é de dia, nós devíamos ir atrás dela e resolver isso depois. Além disso, ela pode estar em perigo. Aquelas flechas... – apontou para as setas fincadas nas árvores – Certeza que são de drows.

— Oh Pélor...  De novo não – lamentou Nipples.

— Vamos então – disse Solomon tomando à frente enquanto todos o seguiam.

Os quatro passaram por entre a trilha e seguiram o rastro de luta e destruição. Eles conseguiram ver um corpo de drow caído no chão sob uma grande pedra, e mais dois jogados por entre as árvores, com marcas de rasgos no corpo que também estavam no cenário. Presumiram ter sido feitas pelas garras de um licantropo. Viram então um fino fio de fumaça que vinha de uma fogueira apagada, antes de se aproximarem mais, Solomon reparou no brilho de um objeto no chão.

Ele abaixou e pegou a moeda de prata com uma montanha cravada em uma de suas superfícies. Estranhou encontrar aquilo naquele lugar e também pelo fato de Dorothy não possuir esse tipo de dinheiro para ter perdido, ou ao menos ele pensava que não. Guardou no bolso e então avançou de forma mais ou menos silenciosa atrás dos companheiros.

Entraram no que parecia um acampamento improvisado. Havia uma pedra com alguns pedaços de ossos e restos de carne animal em cima, uma fogueira desmanchada, um tronco podre coberto por musgo para sentar ou apoiar a cabeça para dormir, e uma sacola remendada com vários objetos reluzentes dentro. Charly se aproximou da sacola e a checou, arregalando os olhos para seus companheiros logo em seguida.

— Isso é possível? – perguntou boquiaberto olhando para a sacola de riquezas, peles e frascos com poções não identificadas.

— Ora, ora. Parece que alguém tem que se desculpar e agradecer ao deus da Natureza por essa dádiva, não é mesmo?! – disse Arlindo virando-se para Solomon – Eu te disse que tudo ia ficar bem.

— Isso não é suspeito para você? – perguntou Solomon.

— O que? – perguntou Arlindo – Ela encontrou alguns drows, lutou contra eles e ficou com os tesouros que eles tinham. Parece aceitável pra mim.

— Não acho que ela tenha ficado com isso – discordou Charly – Ela está atrás do tio, não de dinheiro. Ia ser apenas um peso a mais pra ela carregar. Deve apenas ter comido algo e ido embora.

— Faz sentido – concordou Solomon indo até o saco de feltro e pegando algumas moedas as comparando com a que achara há pouco.

— Então acho que podemos ficar com isso – disse o garoto com um meio sorriso – Eles meio que nos devem pelo que fizeram com a gente e por te sequestrar, não é Nipples?! – virou-se para o serviçal que caminhava pelo local atento.

— Não quero parecer rude, meu senhor, mas eu realmente não me importo com o dinheiro – respondeu o pequeno homem – E sim com a senhorita Leon. E ela não está aqui… – Nipples se calou por um momento mexendo o nariz e fungando.

— O que foi? – perguntou o garoto já guardando algumas moedas num saquinho de veludo que encontrou em meio aos tesouros.

— Um cheiro forte, meu senhor – respondeu Nipples olhando em volta.

— Certamente não sou eu. Eu cheiro a rosas silvestres – afirmou Arlindo para Charly, que apenas contraiu um lado do rosto numa careta.

— Estou sentindo também – disse Solomon, notando o forte odor de ferro no ar – É sangue.

— Que? – exclamou Charly largando o saco de tesouros e olhando em volta.

— Silêncio – disse o guerreiro – O que quer que seja deve estar perto.

— Oh céus! E se for a senhorita Leon? – temeu Nipples.

— Então é melhor ele estar preparado para curá-la – disse Solomon olhando para Arlindo.

O clérigo concordou com a cabeça e mudou a expressão descontraída para uma mais séria e focada. Todos ficaram quietos e imóveis, tentando descobrir de onde vinha o cheiro. Solomon puxou vagarosamente o martelo da cintura e preparou-se para o que quer que poderia vir. Fez sinal para que os outros esperassem e olhou para Nipples. O serviçal com sentidos aguçados para odores lhe apontou uma direção e o guerreiro seguiu.

Passou por algumas árvores e então ouviu um gemido feminino de dor. Solomon sentiu um frio na espinha de pensar que poderia ser Dorothy ferida ou transformada, então com cautela ele ergueu o martelo e caminhou até encontrar um rastro de sangue que dava diretamente a uma drow gravemente ferida.

Ela estava sentada no chão, encostada numa árvore segurando o pescoço, com rasgos enormes nos braços, rosto e tronco que faziam seu sangue vazar sem parar. Já quase sem forças, a elfa negra ergueu o sabre na direção de Solomon assim que o viu se aproximar, mas o guerreiro bateu em sua arma com o martelo, desarmando-a com facilidade.

Ele relaxou o braço aliviado por não ver a paladina ali e então se virou para seus companheiros:

— É uma drow! – exclamou para que os outros pudessem ouvi-lo.

Charly, Arlindo e Nipples foram de encontro ao guerreiro rapidamente e se depararam com a elfa negra caída, prestes a perder a consciência e talvez a vida.

— Cure-a – disse Solomon à Arlindo.

— Por que eu faria isso? – perguntou o clérigo franzindo o cenho.

— Porque ela vai morrer se não receber ajuda.

— Se estivéssemos no lugar dela, ela não nos ajudaria. Provavelmente iria nos matar de uma vez. Não vou gastar minha magia com essa elfa.

Solomon fez sinal para Arlindo se afastar com ele e cochichou para o clérigo:

— Precisamos saber o que fez isso com ela, mas ela tem um rasgo no pescoço e não consegue falar. Depois podemos desmaiá-la, mas agora precisamos da informação – explicou o guerreiro.

Arlindo encarou Solomon por alguns instantes e então concordou com o plano. Aproximou-se da mulher ferida conjurando uma magia de cura leve, mas antes que pudesse tocá-la Solomon fez sinal para que esperasse.

— Hey – disse o guerreiro para a drow – Nós vamos te ajudar com esse ferimento, mas terá que nos dizer o que fez isso em você, entendeu? – perguntou, mas a elfa não respondeu. – Eu perguntei se você entendeu… – enfatizou o guerreiro e após encarar a elfa negra por alguns instantes, ela balançou a cabeça positivamente.

Arlindo conjurou sua magia sobre o corte no pescoço da elfa, o que não foi o suficiente para deixá-la completamente restaurada, mas sim para manter sua consciência e parar aquele e mais um sangramento.

— Então… Agora que consegue falar. O que fez isso com você? – perguntou Solomon.

— Um gigante verde – ela respondeu com dificuldade olhando para o braço direito que quase não se movia devido a um osso quebrado.

— Gigante verde? – questionou Charly – Não foi um javali ou algo parecido?

— Por que eu chamaria um… – gemeu de dor – Um javali de gigante verde, filhote de humano? – perguntou ela com arrogância.

— Bom, então parece que não foi um rastro da Dorothy que encontramos – presumiu o garoto.

— Não sei se fico aliviado ou ainda mais preocupado com essa notícia – confessou Nipples.

— Mais aliviado – disse Solomon – Isso significa que ela não fez nada disso, talvez ainda esteja ciente de seus atos.

— Ótimo, será que podemos ir agora? Não quero encontrar mais drows no caminho – falou Arlindo.

— Podemos ir – concordou Solomon se levantando.

— Espera – pediu Charly – O que é esse gigante verde do qual ela está falando? E se o encontrarmos por aí?

— É sempre bom estar prevenido – disse Nipples concordando com a cabeça.

— Está bem – concordou o guerreiro – Como ele era? Que altura tinha esse gigante? – perguntou ele para a elfa.

— Acho que vocês estão prestes a descobrir – ela respondeu soprando uma mecha de cabelo branco da cara e mexendo sutilmente as orelhas pontudas.

Solomon a encarou alguns instantes tentando descobrir o que a elfa queria dizer com aquilo então ouviu um som abafado. Todos olharam em volta à procura da fonte do barulho ritmado que ia aumentando e logo ouviram as palavras em subterrâneo que a drow sussurrou. Assim que se viraram para ela, uma grande área foi completamente coberta por uma escuridão mágica, que Solomon não sabia, mas era um truque arcano que drows conjuravam naturalmente.

— O que foi isso?! – perguntou Charly confuso, ainda olhando em volta, agitado pelos sons que ficavam mais altos.

— Ela fugiu – disse Arlindo se virando para exata direção de onde vinha o som e observando o que o causava – Daquilo.

Todos rapidamente avistaram uma criatura se aproximando quase camuflada pela coloração do ambiente. A besta bípede com mais de 2,5m de altura se aproximava rapidamente com o corpo magro e cinza-esverdeado. Sua pele era grossa e emborrachada, com uma textura encaroçada. Seus braços eram compridos, fazendo as mãos com garras afiadas alcançarem a altura das panturrilhas, e as pernas terminavam em pés grandes de três dedos. Sua postura era curvada e desajeitada e a cabeça achatada carregava um rosto sem pelos, de testa avantajada e nariz anormalmente comprido e pontudo. O monstro não usava nenhuma vestimenta, deixando suas genitais à mostra.

— Que inferno é aquela coisa? – Arlindo fez uma cara de repulsa.

— É um troll – responderam em uníssono os três Theolinos que já conheciam a criatura, fosse por histórias, figuras ou pessoalmente – Vamos embora, rápido! – exclamou Solomon em seguida.

Os quatro começaram então a correr rumo à trilha da qual vieram, mas assim que o fizeram a criatura começou a persegui-los. Solomon olhou para trás e viu que, por carregar nada além do peso do corpo, o Troll chegava cada vez mais perto deles. Notando ser difícil com que eles mantivessem grande distância e ainda conseguissem despistar o gigante por entre as árvores, o guerreiro se virou para Charly:

— Vão na frente, vou tentar atrasá-lo.

— O que? Você enlouqueceu? – respondeu o garoto.

— Meu senhor, não é possível lutar contra um troll sozinho! É muito perigoso! – exclamou Nipples correndo pouco atrás deles.

— Não tenho muita escolha, ele não vai parar. Está faminto – justificou olhando rapidamente para a besta que continuava avançando com as pupilas dilatadas e saliva escorrendo de sua boca.

— Faminto? – perguntou Arlindo com os olhos arregalados.  – Essa coisa está pensando em nos comer?!

— Eu não diria que ele está pensando— respondeu o guerreiro – São burros, mas ferozes quando estão com fome. Ele não vai parar até conseguir o que quer.

— Que Pélor nos proteja… – orou Nipples.

— Então se ele não vai parar, vamos fazer ele parar! – disse Charly, fazendo Solomon concordar com a cabeça.

— Querem ajudar? – perguntou o guerreiro, Nipples e Charly responderam afirmativamente – Muito bem. Vocês fiquem de longe, pode usar o arco se quiser – falou para o mais jovem – Nipples, fique atento aos arredores, veja se não vão aparecer mais trolls ou drows.

— Sim, senhor – respondeu o serviçal.

— Arlindo! – Se virou para o clérigo. – Consegue lutar? – perguntou parando de correr e se virando para a criatura que os seguia desengonçada, com os braços quase sendo arrastados no chão.

— Consigo fazer mais do que apenas isso – disse o clérigo rapidamente conjurando uma de suas magias mais poderosas de cura no guerreiro, que o encarou feio.

— Nunca mais faça isso – disse Solomon seriamente, apesar de  sentir-se, depois de muito tempo, completamente revigorado.

— Só estava ajudando - disse Arlindo erguendo as mãos.

— Não quero e não preciso desse tipo de ajuda - falou - Agora se preparem. A coisa vai ficar feia. – Segurou o martelo com as duas mãos.

Dito isso o Troll partiu em uma investida contra o maior alvo. Sem perder a calma Solomon esperou até que ele o alcançasse e assim que o gigante se aproximou ele desviou das garras que o monstro tentara usar para lhe atingir e ergueu o martelo, acertando em cheio o queixo do troll.

Apenas com o primeiro contato com a pele da criatura, Solomon imediatamente se lembrou do outro combate que tivera contra um troll. Na época o guerreiro teve grande dificuldade em lidar com esse tipo de oponente, e não por ser mais fraco e inexperiente do que era agora, pois era fácil acertar o monstro, o problema é que trolls possuem uma habilidade que os permite regenerar quase que instantaneamente, recuperando-se de seus ferimentos a cada instante. Logo, assim que Solomon baixou a arma e viu o rasgo na pele do monstro que havia provocado, o ferimento começou a se regenerar, ficando bem menor do que estava inicialmente.

— Droga – resmungou olhando para cima, mirando a face do oponente – Temos que bater forte e rápido. Ele regenera! – exclamou para seus companheiros de batalha.

— Ele o que?!  – gritou Arlindo surpreso olhando para os lados esperando uma resposta, mas apenas viu Charly erguendo os ombros como se não soubesse daquilo.

Solomon se afastou alguns passos e então o troll começou a atacá-lo com as garras, tentando também abocanhar o guerreiro que se defendia com esmero. Charly começou a atirar as flechas na direção do gigante, tentando não acertar Solomon que estava perto e Arlindo pegou o elmo de sua bolsa tira colo junto de seu símbolo sagrado para iniciar sua conjuração.

— Obad-Hai, senhor de toda natureza, eu invoco sua arma de poder para nos ajudar a derrotar essa abominação. Eu invoco… O bastão do flautista! – exclamou estendendo a mão para frente e ajeitando o capacete na cabeça.

No mesmo instante uma bola de energia espiritual translúcida de tom esverdeado surgiu em frente à mão do clérigo. A energia começou a esticar-se e moldar-se no formato de um bastão flutuante. Arlindo sorriu agradecido ao seu deus e apontou para o troll dando a ordem:

— Ataque!

A arma espiritual rapidamente voou até o inimigo e acertou-lhe uma pancada na lateral da cabeça, fazendo seu ouvido zunir enquanto ele gritava de dor.

— Boa! – exclamou Charly após acertar uma flecha na perna do gigante atordoado.

— Obrigado – agradeceu o clérigo sorrindo.

— Por que nunca usou esse negócio antes? – puxou outra flecha da aljava.

— Não sabia se ia dar certo – respondeu já se preparando para fazer outra de suas magias.

— E como sabia que ia dar agora?

— Eu senti que sim – ele sorriu e Charly deu uma leve risada balançando a cabeça em negação.

Solomon viu seus companheiros lhe dando apoio e acertou um forte golpe no peito do troll. De maneira desengonçada, a criatura deu dois passos para trás equilibrando-se do impacto e em seguida avançou na direção do guerreiro novamente. Solomon protegeu-se do soco do gigante com o martelo, mas logo em seguida sentiu as garras afiadas perfurando sua armadura e seu braço.  O guerreiro franziu o cenho, mas sua resistência era imensa e ser atingido pelo oponente não fez de forma alguma recuar ou tremer, sendo assim, ele revidou o golpe acertando o ombro do monstro com bastante força.

O troll balançou os braços compridos tentando acertar o homem à sua frente, que já preparou a parte mais resistente de sua armadura para receber o golpe, mas antes que isso acontecesse, uma flecha cortou o ar atingindo em cheio o olho do gigante verde. Solomon olhou para trás e viu Charly com um sorriso obstinado, o troll gritou levando uma das mãos ao olho, mas antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, o bastão de energia acertou sua nuca, fazendo-o reclinar para frente e Arlindo correu em investida acertando a maça com as duas mãos nas costas do inimigo. Solomon viu um brilho sutil rodeando o clérigo e logo notou que ele estava com sua força aumentada, provavelmente pela mesma magia que usara quando enfrentou Vaalij. Sem se interessar mais pelo assunto, o guerreiro segurou seu martelo com as duas mãos e acertou um golpe devastador no queixo do inimigo, que o fez cair para trás.

Por um instante todos ficaram quietos com apenas o som da floresta e de suas respirações no ar, até Nipples sair detrás de seu esconderijo entre as árvores e perguntar:

— Já acabou?

— Eu acho que sim – respondeu Charly abaixando o arco curto – Foi mais fácil do que eu pensei.

— E vocês com medo dele – disse Arlindo virando-se de costas e caminhando até o garoto e o serviçal.

— De qualquer jeito, – disse Solomon se aproximando do corpo – é bom finalizar, só para garantir – falou erguendo o martelo.

Ele olhou para a criatura esverdeada e então desceu o golpe com a arma na direção da cabeça, mas antes que pudesse atingi-lo, o braço do troll segurou o do guerreiro e Solomon pode ver o olho com a flecha fincada em si, virando em sua direção. O troll rapidamente ergueu o tronco, ficando sentado, e abocanhou o braço do guerreiro, fazendo-o soltar um urro.

Arlindo se virou surpreso e deu o comando para o bastão de energia atacar. O objeto acertou uma pancada forte nas costas do troll que deu a oportunidade de Solomon socar o nariz da criatura e desvencilhar o braço dos dentes afiados. O gigante se levantou de maneira desengonçada e arrancou a flecha do olho, fazendo um líquido gosmento sair de sua órbita ocular enquanto ela se regenerava.

— Essa coisa não morre? – perguntou Arlindo assustado.

— Eu avisei. Ele regenera – respondeu Solomon afastando-se com cautela e observando alguns dos ferimentos que o gigante havia recebido se fechando.

— Inferno – exclamou o clérigo.

Charly rapidamente pegou o arco e preparou-se para atirar novamente, procurando por um bom ângulo de visão. Vendo isso, Nipples sentiu certa aflição por não conseguir ajudar seus companheiros. Já havia olhado os entornos e nada havia visto, queria fazer algo a mais pela sua equipe. Pensou nos pertences que carregava e lembrou-se do arco de Dorothy. Considerou pegar a arma, mas não sabia atirar e poderia acabar acertando algum de seus aliados no processo. Lembrou-se então de certo livro que folheou dois dias atrás e imediatamente tirou a mochila das costas. Com a movimentação do serviçal, o troll urrou e Charly soltou sua flecha.

Arlindo e Solomon avançaram e de forma sincronizada acertaram o inimigo com suas armas de concussão, quebrando o antebraço do troll. O bastão do clérigo também golpeou a criatura, mas não importava quantos golpes o gigante levava, assim que os ferimentos se abriam, começavam a se fechar novamente já que não eram graves o suficiente para o monstro gastar tempo se recuperando. E isso começava a se mostrar um grande problema, pois cada vez mais a criatura começava a acertar suas garras na equipe, que se desgastava a cada momento.

Notando a urgência de uma solução, Nipples folheou depressa O Livro dos Monstros até então encontrar uma página sobre trolls. Passando os olhos rapidamente pelas letras o serviçal repetiu baixinho:

— “Troll: humanoide do tipo gigante. Pele tons de verde à cinza, braços compridos…”.

— O que está fazendo? – perguntou Charly ouvindo os murmúrios atrás de si.

— Procurando por uma fraqueza, meu senhor – respondeu o homenzinho – Com sorte, o senhor Vaalij deve ter identificado e catalogado alguma.

— Boa ideia Nipples – respondeu agora olhando para o troll e atirando em sua direção, mas errando o alvo – Apenas tente fazer isso depressa, parece que eles estão precisando de mais ajuda.

Nipples olhou para o combate preocupado. Viu Arlindo sendo arremessado contra uma árvore, já sem o apoio de seu cajado espiritual que havia se dissipado, e Solomon lutando de igual para igual contra o gigante que continuava na vantagem pela sua habilidade extraordinária.

— Oh céus – disse o serviçal pulando a descrição física da criatura – “Visão no escuro, faro apurado, habilidade de rastreamento...”, por favor, que essa criatura tenha um ponto fraco – falou consigo e então arregalou os olhos – Isso! Obrigado, senhor Momeh! – exclamou fechando o livro e sistematicamente o organizando na mochila.  

— Nipples? – perguntou o garoto.

— Eu encontrei meu senhor! Eu encontrei! – exclamou satisfeito – Só preciso de alguns instantes.

— Certo… Só me avise o que é quando estiver pronto – disse o garoto mirando novamente, dessa vez cortando de raspão a perna do troll.

Solomon ergueu o martelo e o golpeou contra o inimigo. O gigante aparou o golpe com as mãos, e apesar de ainda sentir o impacto do ataque do guerreiro, revidou batendo com as garras na armadura do homem. Solomon deu um passo para trás, lembrando-se do primeiro troll que enfrentara fincando as garras compridas no peito de um dos homens que lutavam ao seu lado e rasgando sua carne até ele cair morto no chão. “Tenho que derrubar logo essa coisa” pensou consigo e olhou para  clérigo para saber se ainda estava consciente.

Arlindo se levantou com dificuldades e usou sua magia de cura para se estabilizar dos ferimentos e lesões que levara do inimigo. Olhou para si vendo que ainda tinha algum tempo com sua magia de aumento de força e voltou para o combate, mas assim que se aproximou o troll empurrou Solomon com força para o lado, passando pelo guerreiro e correndo em direção à Charly, a menor presa e talvez a mais fácil de conseguir.

O clérigo rapidamente estendeu a mão e conjurou uma névoa na área em que estava o garoto, para que ao menos a criatura tivesse dificuldade em encontrá-lo. Solomon sem pensar duas vezes arremessou seu martelo contra monstro, mas graças ao nevoeiro apenas acertou seu braço de raspão. “Não” pensou com raiva, mas antes que pudesse lamentar qualquer coisa, viu o gigante verde recuar. Repentinamente ouviu um grito seguido de uma luz alaranjada.

— Xô! – gritou Nipples – Vá embora – ordenou o serviçal destemido com uma tocha na mão.

O troll gritou algo em sua língua e bateu contra a tocha do serviçal. O objeto caiu no chão, mas no processo o gigante queimou um dos dedos e Solomon notou que aquele ferimento não se fechou como os outros.

— Oh, céus! – exclamou Nipples desarmado.

O monstro preparou-se para atacar o homenzinho, mas assim que desceu as garras em sua direção, Charly saiu de trás dele e aparou o ataque, cruzando sua lâmina curta e sua espada quebrada.

— Ele é vulnerável a fogo! – gritou o jovem fazendo dois cortes nas palmas das mãos do gigante. – Arlindo! Faça alguma magia!

— Eu sou um clérigo da água! – gritou correndo novamente em investida contra o oponente, atacando-o pelas costas e flanqueando-o com Charly – Será que alguém aqui ouve o que eu falo?!

— Eu escuto meu senhor! – disse Nipples correndo até a tocha, quase invisível pela neblina que cobria até o topo de sua cabeça.

O gigante verde vendo a movimentação atrás de si se virou para o clérigo e tentou lhe acertar um soco, mas sem conseguir saber a exata distância que estava do humano loiro, ele errou seu alvo. Arlindo ficou satisfeito pela proteção concedida pela magia que Obad-Hai lhe dava, mas logo sentiu uma forte pressão no peito, vinda das garras do monstro, o que lhe causou muita dor, embora as unhas não tenham perfurado sua armadura.

— Não se preocupem – disse Solomon passando por Arlindo e adentrando a área enevoada – Não precisamos de sua magia para ganhar essa luta.

Ao ver mais um inimigo se aproximar, o troll se viu cercado e descontrolado moveu uma das garras na direção de Arlindo e outra na direção de Solomon. O clérigo não precisou se mover muito para escapar da grande mão verde e o guerreiro virou-se de lado, dando a ombreira reforçada de sua armadura como alvo do monstro. Assim que recebeu o impacto Solomon prendeu o pulso do monstro com uma das mãos e o segurou com força.

— Nipples! A tocha! – gritou para o serviçal que rapidamente se esticou até ele e entregou o objeto em chamas.

Solomon, ainda segurando o braço do inimigo estendeu o fogo com a mão livre até o couro emborrachado da criatura. O troll gritou e tentou puxar o braço de volta, sem sucesso, então arranhou a cabeça do guerreiro, perto de sua orelha e tentou morder o braço que o segurava.

— Arlindo! Me ajude a segurá-lo! – gritou o guerreiro.

O troll, em desespero, começou a se debater ainda mais para se afastar das labaredas, acertando pancadas pesadas nas costas e ombros de Solomon, mas logo o clérigo segurou seus braços com sua força magicamente ampliada e guerreiro forçou suas pernas para fazê-lo ajoelhar no chão. Ele pegou a tocha e direcionou para a criatura, mas logo viu Charly e Nipples ao seu lado e considerou que talvez aquela fosse uma cena que eles não deveriam presenciar.

— Melhor se virarem, não vão querer ver isso – avisou.

Nipples se virou imediatamente, mas Charly continuou observando. Solomon então desceu o fogo sobre a face do troll. Gritando em agonia, a criatura contorceu-se, tentando morder o guerreiro e arranhando as pernas do clérigo no processo. Solomon segurou o gigante pela nuca e forçou ainda mais a tocha contra seu rosto, dando pancadas fortes contra a face que teve os ossos quebrados e derretidos, sobrando nada mais do que uma massa amorfa queimada.

Com o troll finalmente morto, o guerreiro largou a criatura que caiu sem mais se mover. Ele olhou em volta com um pouco de suor descendo-lhe o rosto e virou-se para a equipe.

— Vamos embora.

Nipples assentiu com a cabeça e adentrou a névoa novamente para pegar a mochila, o arco e o escudo de Dorothy. Charly o acompanhou, oferecendo ajuda. Arlindo observou a criatura morta por alguns instantes e balançou a cabeça negativamente, olhando para Solomon em seguida.

— Troll é troll – disse o guerreiro citando um famoso ditado de Theolen.

Sem entender o que aquilo significava, o clérigo deu de ombros e começou a arrumar seu cabelo e ajeitar suas vestes. Depois de alguns instantes Nipples retornou com a mochila e o escudo de Dorothy nas costas.

— Onde está o Charly? – perguntou o guerreiro para o serviçal, tentando enxergar por entre a espessa neblina branca.

— Ele se ofereceu para pegar o arco e a aljava da senhorita Dorothy, meu senhor – respondeu o pequeno homem olhando para trás.

— Arlindo – disse Solomon – Desfaça esse negócio, não dá pra ver nada direito com aquilo.

— Este é o propósito – respondeu o clérigo ajeitando o capacete.

— Só desfaz de uma vez, o garoto pode estar tentando sair dali.

Arlindo revirou os olhos então estendeu a mão sobre a névoa e cancelou a magia. Quando o vapor d’água se dissipou por completo Solomon abriu levemente a boca e franziu o cenho, apertando com força o cabo do martelo.

— Oh, eu não queria interromper o momento, – disse a voz feminina – apenas tinha que ver com meus próprios olhos – falou a drow que segurava a boca de Charly para que não gritasse enquanto apoiava o sabre na garganta do menino.

Solomon observou bem a mulher e depois de contar os oito aliados que ela trazia consigo,  incluindo a drow que a pouco fugira deles, reconheceu a fisionomia da elfa negra. Os cabelos longos trançados, presos na metade com um coque, o robe negro e comprido, o símbolo sagrado em formato de aranha no pescoço... Aquela era a sacerdotisa com quem havia duelado no acampamento dos drows. Ele deu um passo à frente com seu martelo em mãos e apontou para ela:

— Tire as mãos do garoto ou eu as tirarei de você – ameaçou.

A elfa então se virou para ele e soltou uma leve risada.

— Vejam se não é o mesmo brutamonte que me desafiou. – Ela o mirou com raiva passando a mão ao redor do tronco. – Baixe o martelo e engula tuas palavras e ameaças ridículas, pois não temo a você e pouco me importo com sua existência. Não passa de um verme, assim como este pequenino – ela soltou Charly o empurrando para frente.

O garoto correu para perto de seus amigos com o arco da paladina em mãos e se virou para também observar os drows.

— O que quer então? – perguntou sério, já imaginando que teriam voltando por vingança ou pelo interesse na caixa que Nipples carregava consigo.

— Eu vim confirmar boatos – ela começou a caminhar enquanto o guerreiro a acompanhava com os olhos, notando que ela mancava discretamente.

"Ainda não deve ter se recuperado da martelada" pensou lembrado-se de quando acertara a drow nas costelas há alguns dias.

— Vim ver se é verdade que um antigo regente, um ídolo fracassado, ainda vive – falou ofegando, parando depois de alguns passos.

Solomon observou perplexo enquanto a drow, parada em frente a Arlindo, erguia lentamente o olhar e encarava o clérigo há apenas poucos centímetros de sua face.

— Hoje venho ver se este é mesmo aquele que, um dia, foi o Líder Supremo de Null.


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Notas finais do capítulo

Olá pessoas! Tudo bem com vocês?
E ae, o que acharam do novo capítulo? Comentem aqui :)