Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 19
Charly - O Caminho do Guerreiro pt.2




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O calor fazia com que o ar de dentro da carroça ficasse pesado e mesmo com as janelas abertas o mau cheiro ainda predominava o local. Mas nada disso incomodava Charly naquele momento, ele só queria um lugar para ficar só e digerir o que havia acontecido há alguns minutos.

O garoto de 14 anos com grandes sonhos agora aceitava a dura realidade. Ele não era um guerreiro, não tinha as habilidades nem o treinamento necessário para se tornar um e por pouco não havia morrido por pensar o contrário.

Charly enxugou os olhos castanhos e molhados e encostou novamente a cabeça sobre os joelhos juntos. Lembrou-se de Theolen, do dia em que havia visto dois cavaleiros da cidade voltar de uma missão de reconhecimento e proteção. Charly tinha apenas nove anos naquela época, mas já sabia o que gostaria de se tornar.

O garoto e seus amigos de mesma idade correram para perto da entrada sul da cidade, por onde os dois cavaleiros entravam montados em seus cavalos de guerra. As pessoas olhavam curiosas, algumas começaram a acompanhar os bravos guerreiros pelas ruas e uma pequena multidão começou a se formar. Charly nunca fora muito alto era na verdade pequeno e esguio. Seus amigos conseguiram escalar algumas casas e assistir tudo de cima dos telhados, mas Charly infelizmente não tinha força para subir pelas paredes. Tinha que fazer as coisas à sua maneira. Aproveitava seu tamanho e conseguia se espremer por entre as pessoas e se o fluxo seguia para onde ele não queria, desviava com facilidade e seguia seu próprio caminho. E foi assim que ele conseguiu parar a menos de dois metros dos cavaleiros que todos sabiam que já haviam lutado ao lado do Rei Campbell e seu Cavaleiro Negro, Hammel.

Charly não falou com eles naquele dia, apenas observou enquanto passavam. Mas foi por ter chegado tão perto de guerreiros tão poderosos que ele decidiu que estaria no lugar deles um dia. Lutando por Theolen, trazendo glorias para a cidade e acima de tudo protegendo os inocentes dos perigos do mundo.

“Como pude ser tão idiota?”, pensou o garoto frustrado. “É claro que eu nunca vou ser um guerreiro, eu sou filho de alfaiates e é isso que eu deveria me tornar...”.

— Charly? – ouviu Dorothy o chamando e entrando na carroça, então olhou na direção da paladina que logo se acomodou ao seu lado. – Você está bem?

— Eu to bem. – respondeu cabisbaixo, escondendo o rosto vermelho.

— Escuta, Charly, sobre o que houve lá fora... Eu sinto muito. Eu não deveria ter deixado o Solomon fazer aquilo, eu...

— Está tudo bem Dorothy. – disse o garoto – Você não me deve desculpas de nada, Solomon só fez o que deveria ser feito.

— Como assim “o que deveria ser feito”? Ele bateu em você!

— É, mas ele só tava tentando me avisar, avisar todos nós de que eu não deveria estar aqui. Meu lugar é em Theolen, em casa. – disse agora olhando para a garota.

— Ele não precisava ter te batido pra isso, mas espera... Você não está pensando em voltar, não é? É muito perigoso. – afirmou Dorothy.

— Não, eu sei que não sobreviveria o caminho de volta sozinho. Eu só to dizendo que... Ele tava certo. Eu não sou um guerreiro e quase morri por pensar que era.

— Charly...

— E por mais que isso seja difícil de admitir eu não posso mais simplesmente correr pra brigas. Eu não aguento, não sou que nem vocês... – continuou o garoto.

Dorothy ficou em silêncio por alguns instantes então voltou a falar:

— Talvez você realmente não esteja pronto agora, mas quando voltarmos pra Theolen podemos continuar seu treinamento e--

— Não. – interrompeu – Obrigado por acreditar em mim Dorothy, mas eu não sou um guerreiro e nunca vou ser. Eu já aceitei isso.

Charly soltou um suspiro enquanto olhava a madeira manchada de vinho do chão da carroça. Dorothy foi a única pessoa que realmente acreditou nele desde que perdera sua mãe e dizer essas coisas a ela, não era fácil.

— Mas não se preocupe – continuou o garoto – Eu ainda vou te ajudar a procurar o seu tio e vou estar lá quando o encontrarmos, só não vou mais me meter no meio dos combates.

— Então você está bem com isso? – perguntou Dorothy um tanto preocupada.

— Eu vou ficar melhor, sabe, posso ser útil fazendo outras coisas, tipo consertando as roupas que vocês usam. – disse olhando para os cortes feitos pelos inimigos na calça da paladina.

— É, acho que seria bom ter um costureiro, eu não trouxe tantas mudas de roupas pra ficar jogando fora toda vez que rasgar... – disse ela sorrindo.

— Sim e, além disso, mesmo que eu não derrote nenhum ogro ainda vou ter bem mais histórias pra contar do que muita gente em Theolen.

— Isso é verdade. – sorriu a paladina. – Bom, se você está bem então acho que eu vou lá pra fora, o cheiro daqui é muito ruim... Você vem?

— Eu vou daqui a pouco.

— Tudo bem. – disse Dorothy se levantando e indo em direção à porta da carroça – Charly... – disse olhando para o garoto antes de sair – Isso tudo que disse... Foi bem maduro da sua parte.

— Obrigado. – disse ele sorrindo – Sabe, eu posso ser teimoso às vezes, mas diferente do que o Solomon acha, eu não sou um idiota.

— Eu sei que não. – disse ela retribuindo o sorriso. Então saiu da carroça.

A noite caiu e todos descansaram. Dormiram sentindo-se mais seguros e confortáveis dentro da carroça e pouco antes do sol aparecer no dia seguinte levantaram e seguiram viagem por mais um dia e meio.

As pausas eram silenciosas, Dorothy treinava sua magia, Arlindo bebia para passar o tempo e o calor, Solomon isolava-se de todos e Nipples limpava tudo. Charly os acompanhava e de tempos em tempos ajudava o serviçal com os afazeres.

Pouco antes do crepúsculo do terceiro dia em que estavam na Planície Vermelha, eles avistaram o fim do chão seco e rachado e o início de uma grande fenda que dividia o continente e todo o vasto território do antigo reino de Thorrun.

— Uaaaau... – disse Arlindo ao ver o tamanho da fenda e a distancia a que estava o outro lado. – Isso é grande mesmo, né?

— Sim... Eu já tinha escutado histórias, mas é bem mais grandioso quando vemos de perto! – falou Dorothy.

— Pelo grande Sol... – sussurrou Nipples. – Como vamos chegar do outro lado, minha senhora? – perguntou olhando para Dorothy.

— Boa pergunta. – falou Arlindo – É uma bela duma queda...

Charly observava tudo enquanto eles se aproximavam da beira então avistou ao longe o que parecia muito ser uma ponte e mostrou para os outros. Eles caminharam até lá então conseguiram ver que ela se estendia por metros e metros, talvez pouco mais de um quilômetro.

—Minha senhora, com todo o respeito, mas isso não parece muito seguro. – falou Nipples observando a comprida ponte de madeira e corda.

— Tem razão Nipples, será que tem outro caminho? – perguntou Dorothy. Então todos olharam para os lados, procurando por um pedaço de terra que ligasse os continentes, mas não havia um, a ponte parecia o único jeito de chegar ao outro lado.

— Acho que ela aguenta. Já ouvi falar que é uma ponte mágica. – disse Arlindo.

— Ouviu falar? – perguntou Dorothy.

— É. E bom, se ela tá aqui deve ter sido feita por anões. Então com certeza é resistente! – afirmou o clérigo.

— Achei que não tinham mais anões por aqui. – disse Charly.

— E não tem... Desde a Era passada. – confirmou Arlindo com um sorriso torto no rosto, visivelmente alterado pela quantidade de cerveja que havia tomado naquele dia.

Dorothy, Charly e Nipples se entreolharam e depois se viraram para a ponte velha. Solomon, que estava andando atrás, apenas passou por eles e avançou para a travessia.

— Espera! Será que não tem outro jeito mesmo? – falou Dorothy.

— Não tem outro caminho. – disse Solomon – Agora parem choramingar.

— Não estou choramingando... Só me preocupo com a nossa segurança. – afirmou a paladina.

— Ah, então agora você se preocupa com a segurança dos outros? – ironizou Solomon.

Dorothy constrangida olhou para o chão e seguiu em silêncio. Arlindo, Nipples e Charly foram logo atrás. A ponte não era muito estreita, podiam andar de dois em dois sem problemas, então assim seguiram, com Solomon na frente, Dorothy e Arlindo no meio e Charly e Nipples atrás enquanto o sol lentamente se punha.

Ao caminhar Charly pode sentir que a ponte era bem mais estável do que parecia, mas ainda assim estava nervoso ao atravessá-la. Olhou curioso para baixo e viu a fenda. Ela era enorme e extremamente profunda, tanto que o garoto não conseguia ver seu fim, pois luz do sol que havia não o alcançava. Engoliu saliva pensando no que aconteceria se alguém caísse lá embaixo. “Com certeza morte...”, pensou, então segurou com mais força nas cordas grossas que seguiam na lateral da ponte e faziam uma espécie de corrimão.

Depois de alguns bons minutos caminhando o garoto ouviu a voz da paladina:

— Olhem, o Norte não é de todo ruim. Esse é o por do sol mais bonito que eu já vi. – disse Dorothy observando o belo crepúsculo nortenho com uma expressão serena no rosto.

— É, realmente muito bonito... Mas nada comparado à sua beleza. – disse Arlindo sorrindo piscando para ela enquanto segurava sua cerveja.

Charly deu uma leve risada com a cantada do clérigo sendo friamente ignorada pela paladina então admirou com certa felicidade o céu mudando de cor enquanto caminhava, pode até mesmo ver a lua crescente que logo se destacou no escuro da noite. O garoto sentia-se tranquilo naquele momento, até que subitamente um calafrio correu por sua espinha.

Charly olhou para trás instintivamente então viu na exata metade da ponte uma figura horripilante parada flutuando no ar. Uma silhueta vagamente humanoide mais de dois metros de altura feita do que parecia ser as próprias trevas. Tinha a forma de um manto em farrapos com braços e o que poderia ser uma cabeça, da cintura para baixo ela se desfazia em vapor. Carregava consigo uma grande foice feita de escuridão e névoa e tinha dois pontos vermelhos e brilhantes como seus olhos aterradores.

O garoto boquiaberto se assustou com a presença da criatura então segurou firmemente na corda ao seu lado:

— Dorothy... – chamou pela paladina.

Nipples olhou para a direção em que Charly observava e tapou a boca com as mãos para não gritar. Dorothy e Arlindo se viraram para Charly e logo viram a criatura.

— O que é aquilo? – perguntou a garota estreitando os olhos, tentando enxergar melhor naquela escuridão.

— Eu não tenho certeza, é grande demais, mas...– respondeu o clérigo visivelmente assustado enquanto segurava o pulso da paladina e a puxava para frente – Parece uma Aparição... Corre!!!! – gritou Arlindo.

A criatura até então estática subitamente começou a voar em alta velocidade na direção deles enquanto sussurrava algo em uma entonação próxima à draconiana.

Solomon olhou para trás então viu o monstro se aproximando e puxou o martelo das costas. Dorothy deu espaço e fez com que Nipples e Charly passassem e corressem na frente, ela seguiu os dois e Arlindo foi atrás, todos passaram por Solomon que correu por ultimo.

Charly acelerou, se movendo o mais rápido que podia e logo pegou uma boa distância dos outros, que tinham que lidar com o peso de suas armaduras no corpo ou no caso de Nipples, com as pernas curtas. Preocupado, o garoto olhou para trás e viu a criatura já a menos de cinco metros de seus companheiros de equipe, ela logo os alcançaria. Solomon notou o risco de continuar de costas para o inimigo, por isso parou na ponte se virando para a criatura com o martelo em mãos e gritou para os outros:

— Vão! Eu seguro ele!

A Aparição voou arrastando sua foice no ar e a rodou mirando o peito do guerreiro. Solomon ergueu martelo e virou a parte mais protegida da armadura, pronto para bloquear o golpe, mas a arma da criatura atravessou seu braço e o martelo tal qual um fantasma atravessando uma parede. Um rastro de névoa seguiu o movimento do golpe e Solomon pode sentir não uma lâmina o cortando, mas um frio sobrenatural que ao contato com sua pele parecia congelar até a alma.

O guerreiro passou a mão sobre o braço atingido tentando entender o que havia acontecido, então olhou para a Aparição e desferiu um golpe em diagonal em sua direção. O martelo passou por entre a criatura desmanchando-a por onde passava, mas logo em seguida ela se recompôs com grande fluidez, era como se ela fosse feita de fumaça. Solomon a olhou surpreso.

— Solomon! Corre daí! – gritou Arlindo para o guerreiro enquanto avançava para fora da ponte – Não dá pra lutar contra isso, é intangível!

— Eu o acertei uma vez e ele se desmanchou, posso fazer isso de novo e destruí-lo! – exclamou Solomon decidido.

Charly parou na ponte por alguns instantes observando a situação, queria poder ajudar, deu um passo para voltar o caminho, mas logo Nipples parou ao seu lado:

— Meu senhor, vamos! Nós devemos sair daqui!

Charly respirou fundo e espremeu os lábios. Olhou para Nipples, em seguida viu Dorothy e Arlindo avançando em sua direção, pouco distantes de Solomon. Segurou no cabo de sua espada curta na cintura então olhou para a fenda. Mesmo que ele quisesse não teria espaço pra poder passar e tentar ajudar, talvez até caísse de lá de cima. Charly se voltou novamente para Nipples e fez um sinal positivo com a cabeça. Os dois voltaram a correr para longe da luta.

Solomon impulsionou seu martelo verticalmente atravessando o pescoço da Aparição e dissolvendo-o no ar, mas em apenas alguns míseros segundos ela se recuperou novamente. O guerreiro viu a foice sombria vir em sua direção e preparou sua ombreira e seu martelo para que pudessem defender o golpe. A criatura então incidiu a foice no tronco de Solomon, ultrapassando suas defesas e fazendo-o sentir o frio, mas dessa vez uma fraqueza repentina o fez dobrar levemente os joelhos ao ser atacado, como se suas forças fossem sugadas de maneira inexplicável.

Dorothy parou de correr e puxou a espada da bainha se preparando para ir de encontro com a criatura, mas Arlindo segurou seu braço antes que ela pudesse sair do lugar.

— Nós temos que ajudá-lo! – exclamou a garota.

— Sua espada não vai adiantar nada! A gente tem é que sair daqui! – alertou Arlindo.

— Não vou deixar ele sozinho! – insistiu a paladina.

— Arhg... – Arlindo passou a mão no rosto, recobrando um pouco mais sua lucidez roubada pelo álcool. – Tudo bem, eu vou tentar algo. – disse pegando rapidamente de sua bolsa um colar com um pingente de Obad-Hai.

Apressado, Arlindo colocou o colar no pescoço e estendeu a mão para frente enquanto gritava para a criatura ir embora. Sua mão começou a emitir um forte brilho branco que iluminou toda a área a sua volta.

— O que é isso? – perguntou Dorothy cobrindo os olhos com o braço.

— Isso afasta os mortos-vivos, talvez funcione se isso for mesmo uma Aparição! – exclamou Arlindo, então se voltou para o inimigo concentrando toda sua fé e energia no símbolo sagrado.

Ao contato com a luz divina a Aparição se contorceu e se encolheu, tentando se proteger do efeito que criava pequenas bolhas em seu corpo, como se estivesse queimando a criatura.

Charly olhou para trás ao ver a claridade enquanto corria e viu Solomon em frente à Aparição que parecia levemente enfraquecida perante a luz do clérigo. O guerreiro aproveitou o momento de vulnerabilidade do monstro e bateu com o martelo em um movimento em diagonal de cima para baixo, desmanchando do ombro até a cintura do inimigo, separando-o brevemente em duas partes e fazendo-o soltar um grito sinistro.

— Steve me disse que já fez isso antes. Talvez eu consiga também! – disse Dorothy para o clérigo ao ver a reação da Aparição para com a luz.

— Então faz logo! – exclamou Arlindo em pleno desespero enquanto se esforçava ao máximo para manter a concentração no que estava fazendo.

Dorothy estendeu a mão e puxou do pescoço seu colar com o desenho da mão segurando o raio, o símbolo de seu deus, Heirôneous. Pediu para que ele a ajudasse a se livrar da figura maligna que os perseguia, mas nada aconteceu.

A Aparição então abriu os braços e gritou em uma voz rouca e assustadora ignorando a luz que Arlindo emitia. Em seguida enfiou a mão esquerda através do peito de Solomon, cuja armadura e técnicas clássicas de defesa não mais protegiam.

O guerreiro urrou ao ver o braço da criatura o atravessando e enquanto ela ainda o atacava ele ergueu seu martelo e partiu o membro do monstro ao meio, fazendo com que sua mão se desmanchasse e desaparecesse. Solomon sentiu o frio novamente e sua armadura pareceu ficar mais pesada, como se ele não mais a aguentasse no corpo. Ainda assim ele ergueu a cabeça bravamente e olhou nos olhos rubros do inimigo. Não importava se estava ficando mais fraco, ele estava conseguindo afetar a criatura. Solomon sabia que poderia derrotar a Aparição.

Charly chegou ao outro lado da ponte e observou em volta. Uma névoa baixa cobria o chão de cor roxa do local. Era tudo cinzento e com o ar morto, as arvores ali perto não tinham folhas e eram retorcidas, uma paisagem assustadora, mas que estava vazia. Sendo assim, não tinha nada para ameaçá-los.

Nipples correu até Charly parado logo em frente à ponte e apoiou as mãos nos joelhos, recuperando o fôlego.

— Tudo bem Nipples? – perguntou o garoto.

— Está tudo bem, meu senhor, não se preocupe comigo. – respondeu o serviçal.

Charly foi até a beira da ponte, ao lado de uma das duas colunas de pedra que seguravam as cordas e vigas de madeira que a sustentavam. De lá ficou observando enquanto seus companheiros travavam uma terrível luta contra o misterioso inimigo. Agoniado por não poder fazer nada, o garoto apertava com força a coluna enquanto tentava pensar em algo para ajudar que não o botasse em perigo.

Solomon continuava com sucessivos golpes desmanchando partes do corpo da Aparição. Sua técnica de combate era perfeita, mas infelizmente não era suficiente para lidar com aquele oponente, pois logo ele se recompunha e revidava os ataques.

Arlindo abaixou o braço cansado e o seu efeito contra mortos-vivos passou. Ele respirou fundo, se concentrou e fez novamente, não podia parar, achava que era a única chance que eles tinham contra aquela criatura. Dorothy ao seu lado tentava fazer o mesmo, mas aparentemente ela não estava pronta para fazer esse tipo de coisa.

O guerreiro cansado e ansioso pelo fim da luta segurou o martelo com as duas mãos e num movimento de baixo pra cima, como o que havia usado para derrotar o Bugbear, ele desmanchou desde o peito da criatura até sua cabeça. Aparição começou a se espalhar, se dissolver em pleno ar, até que finalmente não possuía mais forma.

Solomon, ofegante ficou parado por alguns instantes segurando o martelo para baixo ainda com as duas mãos (não conseguia mais com apenas uma), ele olhou em volta e não viu mais a criatura. Satisfeito virou-se para sair da ponte e se apoiou nas cordas laterais dela enquanto tentava seguir em frente, mas antes mesmo que pudesse dar um passo a Aparição surgiu atrás dele e ergueu sua foice descendo- a num movimento preciso que atravessou o robusto ombro de sua armadura e penetrou o corpo do guerreiro até sair perto de sua cintura.

Solomon urrou de dor enquanto sentia o frio por entre suas entranhas. Sentiu-se fraco, fraco demais para prosseguir. Ele ajoelhou sobre a ponte apoiando-se na corda lateral. A Aparição então estendeu a mão e tocou em sua cabeça consumindo todas suas forças, o guerreiro gritou enquanto sentia sua energia se esvair e tudo a sua volta apagar.

— Solomon! – gritou Dorothy enquanto via o grande guerreiro cair ao chão.

Arlindo arregalou os olhos e apertou seu símbolo sagrado. Nipples juntou as mãos ao peito e Charly ficou boquiaberto. Solomon havia caído em combate, algo que eles nunca imaginariam presenciar.

Charly olhou para Dorothy, a garota agora puxava o escudo e a espada e se preparava para partir para cima do terrível inimigo. “Não! Ela vai tentar a mesma coisa que Solomon e vai cair como ele.”, pensou o garoto. “Não posso deixar isso acontecer!”. Charly então correu o mais rápido que podia enquanto puxava sua espada quebrada e a espada curta da cintura.

— Meu senhor! Não faça isso! – exclamou Nipples, mas já era tarde, o garoto já havia partido.

Arlindo ergueu a mão novamente e soltou a luz divina sobre a Aparição. A criatura avançou sobre ele e Dorothy enquanto murmurava algo, surpreendendo o clérigo por ter simplesmente ignorado sua magia.

— Ele é muito forte! – gritou Arlindo para a paladina, vendo que os efeitos de sua habilidade não o afetavam como deveriam.

A Aparição então ergueu sua foice e Dorothy pegou seu escudo para interceptar o golpe, a lâmina da criatura cortou o ar e perfurou o escudo da garota. Ela o esticou para frente alguns milímetros e com muita sorte conseguiu com que a arma da criatura não tocasse em seu corpo. Ela então puxou sua espada para o alto, pronta para dar acertar o inimigo, mas antes que pudesse fazer isso ouviu Charly gritando:

— Dorothy!

A paladina olhou para trás preocupada e o viu correndo na direção da Aparição.

— Charly! Não! – ela gritou.

O garoto então passou por ela e rolou por debaixo do inimigo que flutuava a meio metro do chão, parando atrás dele. A Aparição se virou para Charly com sua foice pronta para o ataque, ele então apertou os lábios e respirou fundo.

— Vá embora! – gritou Arlindo se aproximando da criatura, concentrando-se o máximo que conseguia para tentar expulsá-la daquele lugar com a luz divina. Felizmente, dessa vez ele conseguiu algum efeito. O monstro feito de trevas começou a se contorcer enquanto soltava um grito estridente e sentia sua pele sombria queimar com a luz.

— Dorothy! Agora! Você tem que tirar o Solomon daqui! – gritou Charly para a paladina.

— Você tá maluco?! Você não devia estar aqui! – exclamou ela.

— Rápido! Nós temos que sair dessa ponte, é muito arriscado lutar nela! – disse o garoto. – E não se preocupe, eu não pretendo ficar lutando com esse bicho! Só vou ganhar tempo pra você e o Arlindo tirarem o Solomon daqui, vocês são os únicos com força o suficiente pra fazer isso! – esclareceu.

— Eu não--

— Escuta logo o garoto! Eu não vou aguentar por muito tempo! – gritou Arlindo interrompendo a paladina, vendo que Aparição aos poucos se recobrava do efeito de sua luz.

Dorothy guardou a espada e o escudo e foi até o corpo caído de Solomon enquanto o clérigo lhe dava o pouco de apoio que conseguia. Os dois começaram a arrastar o guerreiro caído para fora da zona de perigo, enquanto a paladina olhava preocupada para Charly. Alguns segundos depois disso, a Aparição saiu completamente do efeito do clérigo.

Charly então pulou na frente da criatura e passou suas duas pequenas lâminas por entre seu corpo. Ele a viu tremular levemente onde havia sido atingida e então o encarar como próximo alvo. “Droga...” pensou o garoto e em seguida olhou rapidamente para Solomon sendo arrastado para fora da ponte “Se nem ele conseguiu, ninguém mais consegue matar esse bicho...”, pensou apreensivo.

A Aparição ergueu a foice para golpear Charly, que colocou as duas espadas a sua frente em forma de “X” para se proteger do golpe, mas apenas um instante depois se lembrou de Solomon se protegendo com o martelo e a armadura e não obtendo sucesso com isso.

“Não dá pra bloquear, ela atravessa qualquer coisa...”, considerou, então subitamente abaixou as lâminas e agachou enquanto dava um passo para o lado. A foice da criatura desceu reta e passou pelo chão da ponte, errando o garoto.

“É isso! Tenho que desviar dos golpes! O caminho do guerreiro não vai adiantar contra esse oponente, eu preciso fazer diferente. Preciso fazer do meu jeito...”, concluiu Charly lembrando-se do dia em que vira os cavaleiros de Theolen. Ele não era o mais forte nem o mais resistente de seus amigos, mas era o mais rápido e esperto e por isso foi o que conseguiu chegar mais perto de seus ídolos. “Se força e resistência não funcionam vou ter que usar minha destreza e inteligência”.

O garoto então olhou para seu inimigo, analisando-o por alguns instantes e notou que sua foice era feita da mesma coisa que ele, o que quer que fosse. “Se ele tremula com um golpe, talvez sua arma também...”, presumiu. Charly segurou firme suas duas espadas e as golpeou contra a foice da Aparição que já vinha em sua direção. O garoto fez com que a arma desmanchasse sua ponta, o que foi essencial para que ele conseguisse escapar do golpe sem se ferir. “Meio segundo de vantagem se eu acertar a arma dele... Posso usar isso pra desviar de novo” calculou atento aos movimentos de seu inimigo.

Charly rodou suas espadas no ar e as movimentou de baixo pra cima, separando a lâmina da foice de seu oponente em duas partes. Aparição embalou a foice como um pêndulo, Charly encolheu a barriga, prendendo a respiração e por muito pouco conseguiu passar por entre a falha que havia feito na lâmina da foice que ainda não estava totalmente reconstituída.

A criatura então virou sua foice em um movimento vertical que Charly infelizmente não conseguiu evitar. O garoto foi para trás, batendo as costas na corda da ponte, sentindo o terrível frio infligido em seu peito e o medo da queda e da morte.

Ele então se abaixou e passou rapidamente para o meio da ponte, ficando longe das bordas. Deu dois passos para trás e olhou para ver se seus amigos já haviam saído daquela armadilha mortal, mas eles precisavam de mais tempo pra isso.

Charly então preparou suas espadas e quando a Aparição o atacou , ele passou suas armas novamente na foice, desfazendo-a por curtos instantes, suficientes para ele dar outro passo e desviar do corte iminente.

O espectro de trevas esticou a mão e atravessou o braço do garoto, que gritou de dor e novamente olhou para trás. Dorothy e Arlindo olharam para ele, os dois estavam com Solomon há apenas cinco metros de sair da ponte. “Não posso cair agora, eles teriam que voltar pra me buscar... Tenho que correr...”, pensou o garoto e em seguida virou para seu oponente e passou as lâminas em seu braço, fazendo ele se dissolver temporariamente enquanto ele virava de costas para fugir.

A Aparição aproveitou o momento usou a foice para atravessar as costas do garoto enquanto ele tentava correr para longe. Charly gritou de dor e se sentiu levemente mais fraco, mas não parou de correr. Dorothy e Arlindo chegaram à terra firme e colocaram Solomon no solo a uma distância segura da fenda e olharam para Charly que se aproximava correndo, fugindo desesperadamente da criatura que o seguia.

A Aparição esticou a foice e passou nas pernas do garoto. Charly tropeçou na ponte sentindo suas pernas cambalearem, mas recobrou o equilíbrio e continuou correndo, sem olhar para trás ou parar em qualquer momento. A Aparição ergueu sua foice pronta para dar um golpe fatal no garoto, Charly então viu a terra se aproximar e se jogou no chão, dando uma cambalhota para frente, desviando com sucesso da foice negra da criatura.

Dorothy se aproximou com o escudo em mãos e parou em frente à ponte, pronta para dar cobertura para Charly e seus amigos, mas isso não foi necessário. Charly levantou do chão e olhou para trás. A Aparição que vinha em alta velocidade com seu olhar amedrontador e sua arma mística em mãos parou de repente antes de passar para a planície. Ela não avançou e não atacou a paladina a sua frente, apenas abaixou os braços e ficou a encarando sem se mover.

Dorothy ficou estática por alguns instantes, mas Charly logo foi até ela e puxou seu braço. Rapidamente eles se afastaram da criatura e correram até Solomon, Dorothy e Arlindo o pegaram e levaram para mais longe enquanto Nipples e Charly corriam e a Aparição os acompanhava silenciosa com o olhar parada sobre a ponte.

Cansados, ofegantes e assustados eles pararam de fugir depois de alguns minutos. Sentaram em meio à névoa no chão roxo e cinzento ao lado de uma árvore velha e retorcida e olharam para trás. Ainda podiam ver dois pequenos brilhos vermelhos e estáticos na direção em que estava a ponte. E apesar de tudo o que havia acontecido Charly carregava um sorriso discreto no rosto. O garoto estava feliz não só por ter saído vivo da situação, mas por ter finalmente ajudado seus amigos.

“Eu consegui...”, pensou ele encostando-se a árvore e olhando para o céu “Eu finalmente consegui. Eu os salvei! Meu plano contra a Aparição deu certo e agora eu sei que ser forte e resistente não é o caminho que todos que querem lutar devem seguir. Eu posso ser um guerreiro como eu sempre sonhei, seguindo meu próprio caminho: o caminho da inteligência e da agilidade... Eu posso recuperar minha honra”, concluiu olhando para as estrelas, pensando em sua mãe. Então teve seus devaneios interrompidos ao ouvir a voz preocupada de Dorothy e se deparar com um problema que não havia considerado.

— Solomon! Solomon! Acorda! Por favor! – exclamava a paladina ajoelhada no chão enquanto tentava a todo custo fazer com o que o Guerreiro Renegado abrisse os olhos novamente.


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Notas finais do capítulo

Olá leitores queridos!
Espero que tenham gostado da parte 2 do capítulo do Charly!
Mas independente disso comentem sobre... Vocês sabem que eu adoro ler e responder os reviews de vocês ^^