Sons of Theolen escrita por Live Gabriela


Capítulo 20
Dorothy - A Planície Roxa




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/642142/chapter/20

— Solomon! – Dorothy chamou o guerreiro desacordado, mas ele não respondeu.

A paladina começou a procurar por sangramentos e machucados que ela pudesse curar, mas não achou nada aparente na armadura. Nipples parou ao seu lado preocupado:

— Há algo que eu possa fazer, minha senhora? – perguntou.

— Eu não sei... Ele não parece machucado, mas como pode ter desmaiado sem ferimento nenhum?! – indagou a garota.

— A foice da Aparição... – disse Charly se aproximando – Ela era diferente. Ela atravessava armaduras, na verdade acho que atravessava qualquer coisa. E ela não me machucou fisicamente, eu só senti frio quando me atravessou, mas talvez tenha cortado Solomon por dentro.

Dorothy arregalou os olhos e imediatamente começou a tirar a armadura do guerreiro. Ela viu as cicatrizes das lutas contra o Bugbear, o Ogro e o lobo gigante, mas pareciam já estar quase completamente fechadas. Começou então a tatear seus braços, costas, peito e abdômen à procura de ferimentos internos, hematomas ou ossos quebrados, mas a paladina nada encontrou. Era difícil sentir o que havia por debaixo de tantos músculos. Ela então encostou a orelha no peito de Solomon e começou a ouvir seus batimentos cardíacos que estavam anormalmente lentos.

— Charly, cadê o Arlindo? – perguntou Dorothy.

— Eu o vi indo atrás de uma árvore, acho que ele estava apertado.

— Busque-o pra mim, por favor. – disse ela.

Charly saiu de lá enquanto Dorothy concentrou sua energia benigna nas palmas das mãos. Ela tocou o peito forte e alto de Solomon e o brilho azulado começou a fazer seu efeito de cura, o que fez com que os ferimentos mais recentes do guerreiro cicatrizassem por completo sem deixar vestígios, mas ainda assim, isso não foi o suficiente para acordá-lo. A jovem então esperou Charly e Arlindo voltarem e perguntou ao clérigo porque Solomon não acordava mesmo ela tendo curado ele dos ferimentos.

— Bom, eu ainda não tenho certeza de que aquela criatura era uma aparição. Era grande e poderosa demais para ser uma, mas supondo que fosse. – disse o clérigo lavando as mãos com uma ânfora – Esse tipo de morto-vivo não fere fisicamente, até porque eles nem conseguem já que são incorpóreos.

— O que ele fez com o Solomon então? – perguntou a paladina confusa.

— Provavelmente drenou sua energia. Como se tivesse pegado sua vitalidade, seu vigor, entende? – disse sacudindo as mãos, tirando excesso de água – Se aquela aparição tivesse tocado nele mais uma vez, provavelmente estaria morto.

Dorothy olhou para o guerreiro e Arlindo notou sua preocupação para com ele, então pôs a mão em seu ombro:

— Mas não se preocupe. Ele só precisa descansar pra se recuperar. Vai levar alguns dias até que ele volte a sua forma normal, mas ele ficará bem. Só estará mais frágil por um tempo.

— Nós não podemos fazer nada além de esperar? – perguntou ela.

— Hum... Eu acho que tenho uma magia no meu livro que pode ajudar ele se recuperar mais rápido, mas eu tenho que dormir e descansar, só amanhã vou conseguir prepará-la.

— Tudo bem – disse Dorothy suspirando um tanto aliviada. – Então é melhor nos acomodarmos aqui, fazermos um acampamento.

— Pode deixar que eu faço isso, minha senhora – falou Nipples prontamente.

Dorothy assentiu com a cabeça e sorriu para o serviçal. Nos últimos dias Nipples havia se esforçado em seus serviços, deixando a viagem mais agradável. Além disso, ele havia se provado essencial para equipe depois de ter salvado a vida de Dorothy ao recuperar sua espada caída na luta contra o Ogro e isso fazia com que a paladina criasse grande estima pelo serviçal. Assim como havia criado por Charly.

O garoto sentou ao seu lado, ainda um tanto ofegante. Dorothy então olhou para ele balançando a cabeça negativamente.

— O que foi? – perguntou ele.

— Você é completamente maluco... – disse ela. – Você sabe que não deveria ter ido pra ponte, não é?!

— Eu sei... – respondeu Charly olhando para o chão.

— Que bom, assim eu posso dizer que fico feliz que tenha ido. – Ela sorriu.

Charly franziu o cenho confuso.

— Do contrário eu teria caído assim como Solomon. – esclareceu a paladina.

— E foi por isso que eu fui! – justificou o garoto. – Eu achei que você iria tentar lutar com a Aparição, mas ia ter o mesmo destino dele... – disse olhando para o guerreiro inconsciente. – Eu não podia deixar isso acontecer.

— Eu realmente não estava pensando direito naquele momento, felizmente tem alguém inteligente nesse grupo... Obrigada Charly. – agradeceu ela sorrindo orgulhosa para o garoto que ficou envergonhado – Mas como você sabia que ela não viria atrás da gente quando saíssemos da ponte?

— Bom, pra ser sincero, eu não sabia... – disse Charly coçando a parte detrás da cabeça. – Só achei que era menos perigoso se saíssemos de lá.

— Realmente. – concordou Dorothy – Mas, você está bem? Eu vi que ela o acertou algumas vezes.

— Me sinto cansado, mas eu acho que estou bem.

— Você deveria descansar, a Aparição deve ter drenado suas energias também.

— Vou fazer isso depois de comer alguma coisa. – disse o garoto se levantando e indo na direção de Nipples, que estava preparando as rações.

Dorothy sorriu então se voltou novamente para Solomon desmaiado. Apesar de muitas vezes suas opiniões divergirem ela nunca lhe desejou mal algum. Na verdade carregava grande admiração por suas proezas em combate e agora que o via caído não conseguia parar de pensar no perigo em que estava colocando aquelas pessoas. “Se até o Solomon caiu em combate, qualquer um de nós pode...” ela interrompeu tais pensamentos em sua mente e soltou um suspiro enquanto olhava para o céu.

“Onde você está Steve?”, pensou enquanto seus olhos azuis se perdiam em meio às estrelas. Ela passou a mão pelos próprios braços tentando se reconfortar enquanto desejava receber o abraço de Steve. Fechou os olhos por alguns instantes então sentiu uma mão em seu ombro. Dorothy abriu os olhos e rapidamente olhou para o lado, vendo os cabelos loiros caindo sobre os ombros de Arlindo.

— Você está bem? – perguntou o clérigo sentando-se ao seu lado.

— Eu só... Estou pensativa. – respondeu a paladina um tanto desapontada.

— Está preocupada com Solomon? Eu já disse, ele vai ficar bem.

— Não é isso... Quero dizer, não isso.

— O que foi então?

Dorothy olhou para o clérigo, ela não costumava dividir esse tipo de preocupação com as pessoas daquele grupo. Primeiro por não os conhecer tempo o suficiente e não ter tanta intimidade para compartilhar suas inseguranças, segundo porque considerava que estava liderando àquela missão, então deveria agir como um líder de verdade, mas por algum motivo, ela sentia que podia confiar em Arlindo e por isso lhe contou:

— É que eu acabei de me dar conta que essa viagem... Ela não é como nas histórias dos livros que eu lia ou nos contos que eu ouvia do meu pai e do Steve. Eu não sou como os heróis que conseguem encarar toda situação difícil que encontram e derrotam todos os inimigos. Eu não pude ajudar o Solomon lá trás, eu não pude ajudar o Charly quando o Bugbear nos atacou. Eu não pude nem mesmo te ajudar fazendo a magia contra a Aparição. Na minha idade Steve já conseguia fazer tantas coisas...

— Hey, graças à Obad-Hai você não é o Steve, e não tem que fazer tudo o que ele faz.

— Sim, eu tenho! Se não... Que tipo de Escolhida eu seria? – disse a garota abaixando o olhar, encarando o chão.

— Do tipo diferente? – disse o clérigo de modo amigável. – Além disso, você só falou das coisas que não deram completamente certo na viagem, mas esqueceu de tudo de bom que fez até agora. Salvou o Charly de uma surra memorável em Theolen, carregou o Solomon nas costas praticamente sozinha, você até mesmo sabe o nome do serviçal...

Dorothy deu uma leve risada.

— Tá vendo? E olha que eu nem mencionei sobre a Ninfa... – continuou Arlindo – Você é uma boa pessoa Dorothy. E daí que você ainda não sabe fazer umas magias?!

— Mas elas ajudariam muito nessa nossa jornada.

— Jornada?! – ele deu uma pequena risada – Você fala coisas muito bregas.

— Hum... – Dorothy resmungou sorrindo e empurrou levemente Arlindo para o lado com o ombro.

— Bom, mas se está tão preocupada com esse tipo de coisa. Me diz tudo o que seu tio consegue fazer. De repente eu posso te ajudar. – disse o clérigo.

— Você já tentou me ajudar.

— Eu tento de novo, oras. Não sou do tipo que desiste fácil de algo - sorriu maliciosamente.

Dorothy soltou um suspiro então olhou para cima se lembrando das habilidades de Steve.

— Tá bom... A primeira coisa que um paladino tem e a mais importante é sua aura. Eu consegui a minha aos oito anos. Depois de um tempo ganhei minha habilidade de detectar auras malignas e com algum treino eu consegui canalizar a energia da minha aura para curar usando minhas mãos e para ferir criaturas do mal.

— Hum... Como fez com o Ogro, certo? - perguntou Arlindo.

— Isso. Nós também nunca ficamos doentes... – Dorothy disse inclinando a cabeça e apoiando o queixo sobre a mão – E embora eu nunca tenha visto acontecer, meu tio disse que às vezes, quando um paladino está lutando em grupo e algo muito assustador amedronta nossos aliados, nossa simples presença pode fazer a coragem deles voltar... Tem algo a ver com a nossa aura que nos deixa meio que imunes a medo.

Arlindo ergueu uma das sobrancelhas achando aquilo meio estranho, mas não comentou nada.

— Além disso, Steve consegue fazer magias, embora tenha dito que nosso potencial pra fazer esse tipo de coisa é bem limitado, ele pode conjurar algumas de aprimoramento físico e de armas. Ele também consegue espantar mortos-vivos como você e pode invocar uma montaria, que no caso era o Floco de Neve. – disse ela sorrindo nostálgica.

— Floco de Neve? Que isso? Um coelho? – falou o clérigo debochando.

— Não, é um cavalo! Na verdade o Rei dos Cavalos. O Steve o chama de Rei Cavalo, mas quando eu o conheci eu era pequena e como ele é todo branco, bom, eu o “batizei” de Floco de Neve. Ele nunca gostou muito de mim... – disse lembrando-se do animal a ignorando e não deixando Steve montá-la em seu torso, uma memória triste da paladina que sempre gostara de cavalgar.

— Certo... De qualquer modo, eu posso te ensinar tudo isso. Se bem que eu tenho quase certeza que essa montaria que você está falando deve ser invocada com algum dom de paladino e não magia, que é como eu faria.

— Pode me ensinar tudo? Tem certeza? – perguntou Dorothy com uma das sobrancelhas erguidas.

— Sim, não são coisas tão complexas como você imagina. Só precisa de um pouco mais de treino.

A garota sorriu e olhou o clérigo nos olhos, muito feliz por tê-lo naquela viagem, afinal ele havia a ajudado muito desde ela o conhecera. “É, acho que eu o julguei mal...”, pensou lembrando-se de não ter ficado nada contente ao saber que “o bêbado da cidade” iria a acompanhar no resgate de seu tio.

— Obrigada Arlindo... – disse ela.

— Não há de que. – respondeu ele sorrindo.

Os dois ficaram se entreolhando por alguns instantes, então Dorothy se lembrou de algo importante e quebrou o silêncio:

— Bom, falando de magia... Eu queria que você desse uma olhada em uma coisa.

— E o que seria? – perguntou Arlindo.

— É uma caixa... – disse Dorothy se levantando e indo até sua mochila – Eu a ganhei do mago do castelo, na verdade ele falou pra eu pegá-la numa sala dentro do escritório do rei. – falou enquanto pegava a pequena caixa e a levava até o clérigo. – Enfim, ele disse que ela me ajudaria em um momento importante. Eu não sei o que ele quis dizer com isso, mas eu tentei abrir e ela está trancada.

— Me deixa ver. – falou ele pegando a caixinha de madeira.

Arlindo analisou o objeto por alguns instantes e notou que havia um tipo de runa inscrita em volta de sua tampa. Tentou abrir a caixa, mas não conseguiu. Então estendeu a mão e fez uma prece, que revelou que havia magia na caixa.

— É, definitivamente há alguma magia aqui.

— Mas que tipo de magia? – perguntou Dorothy.

— Eu não sei... Não conheço muito de magia arcana, mas parece algo muito poderoso. Ele só disse que iria te ajudar?

— Uhum — concordou com a cabeça.

— Bom, então eu manteria isso perto se fosse você. Afinal não é todo dia que se recebe um presente de um dos Doze... Se bem que você é sobrinha de um e—

— Como assim um dos Doze? – interrompeu Dorothy com o cenho franzido e os olhos bem abertos.

— Han... Ele é O Mago, dos Doze de Theolen. Achei que soubesse já que é gosta tanto deles...

— O Mago? Você diz Malekith Abigail Gold Orb?! Esse Mago?

— É... Eu acho. Não sei o nome dele, eu o chamava de “o coroa esquisito da torre”, mas todos se referiam a ele como O Mago, então...

— Por Heirôneous, o que eu fiz? – disse Dorothy e em seguida se encolheu e tapou o rosto com as mãos – Como eu pude não reconhecê-lo?! Eu o tratei de forma tão... Comum! – murmurou a garota - Oh, céus! - ela ergueu a cabeça rapidamente - Eu tenho um presente dO Mago! - sorriu - Oh... Isso deve significar alguma coisa. Você sabia que ele é o maior adivinho de todos os tempos?! Ele deve ter visto algo sobre essa viagem... E se for mais problema? E se...

Arlindo revirou os olhos então puxou as mãos da paladina.

— Vamos não pensar muito nisso agora, tudo bem? Olha a comida já está quase pronta. Vamos quebrar uns galhos daquela árvore e ajudar o menino ali a fazer uma fogueira decente. – disse o clérigo olhando para Charly, enquanto ele tentava fazer sua pequena fogueira crescer.

Arlindo então ficou de pé e ajudou Dorothy a se levantar. Os dois se juntaram a Charly enquanto Nipples separava o prato de ração de cada um. Logo os quatro comeram suas refeições enquanto discutiam qual teria sido inimigo mais terrível que teriam enfrentado até então. Nipples dizia ter sido o Bugbear, enquanto Arlindo afirmava ser a Ninfa. Charly afirmava que com certeza era a Aparição, uma vez que aquela criatura era muito mais poderosa do que deveria ser. Dorothy acabou não escolhendo um, acreditava que todos tinham sido incrivelmente difíceis de derrotar ou escapar com vida.

O tempo passou e Charly dormiu, estava muito cansado da luta contra a Aparição. Arlindo ficou lendo seu livro de orações, estudando a magia que iria fazer no dia seguinte para ajudar Solomon e Nipples ficou organizando o novo acampamento. Deixando-o mais confortável.

Dorothy ficou ao lado de Solomon, esperando pelo guerreiro se levantar. De tempos em tempos ela sentia seu pulso e escutava seus batimentos cardíacos através de seu peito, para saber se ele estava tendo alguma melhora. Até que depois de horas ao lado do homem ela se levantou e Nipples olhou em sua direção.

— Vou dar uma volta Nipples. – disse ela para o serviçal enquanto pegava uma tocha – Não irei longe, mas se ouvir algo estranho acorde os outros e grite por mim, tudo bem?

— Sim, minha senhora. – concordou o serviçal.

— Não deveria sair sozinha. – disse Arlindo abrindo os olhos, acordando da soneca que havia tirado enquanto lia.

— Não vou muito longe. – disse a garota.

Arlindo se levantou e se espreguiçou então parou ao lado dela e fez um sinal com a cabeça para eles irem andando. Os dois então começaram a caminhar pelo breu da noite. O lugar em que estavam era uma grande planície roxa coberta por névoa, com algumas colinas distantes e árvores secas. Um cenário digno de uma história de terror, apesar disso, a paladina não sentia qualquer temor. Suas preocupações estavam em seu tio desaparecido.

— O que foi agora? – perguntou o clérigo esfregando os olhos sonolentos.

— O que?

— Você está com aquele olhar de preocupação. No que está pensando?

— Steve. – respondeu ela olhando para o chão.

— Você realmente se importa muito com seu tio, hein.

— Ele não é apenas o meu tio. Ele também é meu mestre e meu melhor amigo. Não tem um termo pro que ele realmente é pra mim...

Arlindo ergueu as sobrancelhas e ficou quieto por alguns instantes, mas não resistiu a não comentar:

— Você o ama, não é mesmo? – perguntou a olhando de canto de olho.

— É claro que eu o amo, eu já te disse o que –-

— Não, você sabe o que eu quis dizer... – falou o clérigo provocando uma curta pausa na conversa.

— Ah... Não... – respondeu Dorothy um tanto envergonhada.

“Não mais...”, pensou em seguida. A verdade era que Dorothy não pensava mais em Steve dessa maneira desde o final do alvorecer de sua juventude, época na qual garotas costumeiramente começavam a sentir seus primeiros desejos. Principalmente por homens charmosos como Steve Leon.

— Bom de qualquer jeito, você não deveria se preocupar tanto. Ele é um dos Doze de Theolen, com certeza está melhor do que a gente!

— Se ele está tão bem, por que não voltou para Theolen? – perguntou a garota, mas o clérigo não tinha respostas para isso.

— Você acha que ele está...? – disse Arlindo e mesmo sem ele terminar a frase Dorothy já sabia o que ele queria dizer.

— Não. Ele não está morto! – exclamou a garota. – Não pode estar... Eu sei que ele ainda está vivo, posso sentir. Ele só precisa da nossa ajuda.

— Então nós vamos ajudá-lo – falou o clérigo sorrindo para Dorothy, que retribuiu o gesto. – Você tem alguma ideia de onde ele possa estar?

— Não... – Ela negou com a cabeça. – O Rei me disse que ele estava em Thorrun para acabar com o mal da região.

— Então talvez estejamos perto. – disse Arlindo. – Já que acabamos de encontrar uma aparição...

— É talvez. Mas, eu não sei... Tem algo muito estranho em tudo isso.

— Como assim?

— Eu tenho a impressão e que o Rei está escondendo algo sobre a missão do Steve. – confessou a paladina.

— Por que acha isso?

— Porque Steve foi sozinho. Ele nunca vai sozinho. Está sempre com o Xino, assim como deveria ser com toda dupla dos Doze e, além disso, Xino também nunca mais apareceu ou foi visto.

— E você acha que o rei sabe onde ele está?

— Não sei, mas acho que ele sabe muito mais do que me falou. E meu pai tinha dito pra eu ter cuidado com Hammel...

— Seu pai é um dos cidadãos que não gostam do novo rei?

— Eu não diria isso, meu pai é extremamente leal ao trono e a Theolen, mas ele e Hammel já foram do mesmo grupo de amigos no passado. Papai disse que ele é um homem perigoso e imprevisível, principalmente depois de ele ter subido ao trono. Sabe, o rei Campbell era melhor amigo do meu pai.

— Sério? – Arlindo arqueou as sobrancelhas – Você chegou a conhecê-lo?

— Sim. Visitei o castelo algumas vezes com Steve quando eu era pequena e me lembro de pelo menos duas vezes em que o Rei Campbell apareceu em casa de surpresa, apenas querendo conversar com meu pai, como em um dos aniversários dele.

— Pelo que você fala eles pareciam bem próximos...

— Eles eram. Papai me conta que eles eram quase como irmãos, mas quando Sir Isaac Kyle não quis tomar o trono e pediu pro Ryan Campbell fazer isso no lugar dele, o grupo se distanciou um pouco.

— Não conheço essa história...

— Bom, eu não sei detalhes, mas sei que Theolen foi governada por muito tempo pela família Kyle, mas como o Sir Isaac era um dos Doze de Theolen, disse que iria fazer mais pelo mundo com a espada na mão do que com a coroa na cabeça. Inclusive ele era parceiro do Mago, sabia?! E seu título era O Nobre. Ele foi provavelmente um dos melhores guerreiros da história... - ela sorriu rapidamente ao contar as curiosidades à Arlindo que já a encarava com tom de deboche por sua histeria com os Doze - Mas continuando... Foi por isso ele pediu pro Campbell assumir, era um de seus melhores amigos. Mas depois de alguns anos Hammel matou o rei Ryan e assumiu o trono... Como você não sabia dessa história?! Você trabalha no castelo!

— Eu entrei lá faz quase dois anos, pouco depois de o Hammel ter se tornado rei, e acredito que ele não fique falando pras pessoas de seus antecessores que tinham direito de sangue ao trono ou algo do tipo. Seria uma péssima estratégia de propaganda para um regicida. Além disso, há conversas mais interessantes no castelo.

Dorothy ergueu uma das sobrancelhas então ouviu um barulho. A paladina olhou surpresa para o clérigo e os dois ficaram em silêncio por alguns instantes. Ouviram novamente o som do que parecia ser de terra sendo escavada, então resolveram se aproximar silenciosamente para descobrir a fonte do barulho.

Subiram até o topo de uma colina e se esconderam atrás de uma árvore, de lá observaram um enorme buraco sendo cavado na terra por cerca de seis esqueletos.

“O que é aquilo?” Dorothy moveu os lábios sem emitir som se referindo ao buraco na terra.

“Parece uma cova... Tem ossos ali dentro! Ossos gigantes...” respondeu Arlindo também em silêncio.

Os dois continuaram observando à distância até que notaram outra presença além da dos esqueletos abaixo da colina. Uma criatura que eles nunca haviam visto antes andou por entre os mortos-vivos enquanto cravava seu cajado de madeira com um cristal na ponta, no chão.

O humanoide da altura de um humano comum possuía a cabeça de um tigre, pelos espalhados no pescoço e as mãos perturbadoramente diferentes de uma mão comum. Elas eram invertidas, com a palma onde deveria ser as costas da mão. Ele usava vestes largas de tom azulado, cobertas por um robe de tecido fino com um colar dourado no pescoço e anéis nos dedos.

Dorothy franziu o cenho sem conseguir identificar que criatura era aquela. A paladina então esticou a mão para frente e fechou os olhos. Começou então a sentir várias auras malignas no local. Todo o chão possuía uma forte energia negativa, o que tornava difícil identificar cada esqueleto que estava ali, mas mesmo assim, ao voltar sua mão para a criatura que parecia estar no comando ela conseguiu senti-la com nitidez.

Uma aura tão poderosa, tão densa e sombria que Dorothy sentiu uma grande dor de cabeça ao detectá-la. Tão forte que a paladina colocou a mão no rosto e cambaleou para o lado, soltando um gemido de dor.

A criatura de rosto felino rodou as orelhas na direção de garota e olhou para o topo da colina, vendo a árvore em que a paladina e o clérigo estavam escondidos.

“Você está bem?” perguntou Arlindo silenciosamente.

Dorothy ainda com a mão sobre os olhos fez que sim com a cabeça e parou de usar sua habilidade. Ela olhou para o clérigo e fez sinal com as mãos para que eles saírem dali. Os dois então se viraram para voltar para o acampamento, mas antes que pudessem dar um passo eles ouviram uma voz áspera dizer:

— Vai tão cedo, Dorothy Leon?

A garota sentiu um frio na espinha ao ouvir seu nome, Arlindo balançou a cabeça negativamente, fazendo sinal para ela não responder.

— Não fuja assim tão depressa. Deixe-me vê-la mais uma vez... – disse a criatura e algumas de suas palavras saíram como um rugido de sua boca.

Dorothy se virou de volta para árvore e Arlindo segurou seu braço:

“Não vai...” disse ele ainda sem emitir som.

— Vamos, se não vier eu vou queimá-la junto de seu amigo... – ameaçou a criatura impaciente.

Dorothy arregalou os olhos, não sabia se aquilo era um blefe, mas pelo que havia sentido da aura do monstro sabia que ele era muito poderoso e talvez tivesse poder para isso. “Não posso deixar Arlindo se machucar...” pensou lembrando-se de Solomon que estava caído e de Charly que também já fora tirado de combate violentamente. Então saiu detrás da árvore enquanto Arlindo ainda insistia para que ela não o fizesse.

A paladina observou de cima da colina a criatura andando em sua direção que ao vê-la abriu um sorriso assustador, mostrando seus dentes afiados de tigre.

— Quem é você? – perguntou Dorothy com o semblante sério.

— Possuo muitos nomes... – respondeu ele de forma misteriosa olhando diretamente para ela com seus olhos felinos.

— O que você quer comigo? Como sabe meu nome? – perguntou a garota.

— Eu sei de muitas coisas... Mas não há quanto tempo você está aqui na Planície Roxa. – respondeu subindo a colina com a ajuda de seu cajado.

— Por que eu lhe diria isso? Você não respondeu nenhuma de minhas perguntas.

— Eu respondi. Você apenas não entendeu o significado de nenhuma delas.

Dorothy franziu o cenho e considerou que se o respondesse talvez pudesse descobrir mais coisas da criatura de aura poderosa, gerando uma conversa com ela por um pouco mais de tempo.

— Muito bem, – disse a paladina – cheguei nesse continente há apenas algumas horas. Agora me responda o que quer comigo. Como me conhece? – perguntou ela curiosa.

— Algumas horas? – indagou passando as mãos invertidas com as garras afiadas por entre os pelos de sua barba – Hum... Não posso responder suas perguntas agora.

— Porque não?

— O javali ainda não foi controlado, os irmãos não foram encurralados, a caixa ainda não foi aberta e o sangue não foi tomado. As terras separadas ainda hão de se juntar, mas só depois de muito tempo essas respostas você terá... – disse o homem com cabeça de tigre parando à sua frente – Tudo que posso lhe dizer agora paladina, é que não há finais felizes.

Dorothy o ficou encarando em silêncio por alguns instantes tentando entender do que ele falara até que ouviu Arlindo gritar:

— Dorothy! Tem esqueletos se aproximando!

A paladina olhou para o clérigo e em seguida para o homem com cabeça de tigre, que apenas a encarava. Então correu até Arlindo e viu que ao longe alguns mortos-vivos se aproximavam dali.

— Vamos embora. – disse ela.

Os dois então viraram de costas e correram de volta para o acampamento. Dorothy ainda olhou para trás e viu a criatura misteriosa a observar de longe parada sobre a colina, mas logo sua atenção se voltou para as silhuetas esqueléticas vagando sobre a planície arroxeada.

A paladina e o clérigo avançaram e em alguns poucos minutos chegaram ao acampamento, mas ainda viram os mortos-vivos se aproximando, os seguindo lentamente.

— Rápido! Temos que sair daqui! – gritou a paladina ao chegar na fogueira do centro de seu acampamento.

Nipples levantou depressa e começou a juntar as coisas sem questionar.

— O que tá acontecendo? – perguntou Charly esfregando os olhos acordando sonolento.

— Mortos-vivos! – respondeu Arlindo indo até Solomon – Agora levanta logo que a gente tem que ir embora!

Dorothy foi até o guerreiro e viu que ele ainda não estava acordado. Apoiou então um de seus braços sobre suas costas e o ergueu enquanto Arlindo segurava do outro lado.

O grupo começou a avançar rapidamente enquanto via mais e mais esqueletos se levantando do chão e se aproximando. Dorothy começou a procurar por cobertura então viu várias pedras distantes e algumas pequenas construções.

Apontou para o local e todos seguiram na direção, ao chegar lá notaram que o número de esqueletos cada vez aumentava. Então se esconderam atrás das pedras em silêncio até que Charly encostou-se a uma e reparou no que ela era. Uma lápide.

O garoto levou um susto e se voltou para a paladina, assustado.

— Estamos em um cemitério! - disse ele.

Dorothy olhou em volta então viu mãos esqueléticas saindo dos túmulos enquanto alguns outros mortos se aproximavam em um ritmo lento. Todos se reuniram próximos a um mausoléu, Dorothy colocou Solomon no chão e sacou sua espada, Charly e Arlindo fizeram o mesmo com suas armas.

Os três combatentes apontaram as armas para os esqueletos errantes enquanto se viam, aos poucos, completamente cercados.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Olá pessoas!
Aqui está mais um capítulo de Sons of Theolen! Agora um da Dorothy :3
O que acharam? Comentem ^^