Amor à venda. escrita por Nina Olli


Capítulo 34
Capítulo 30


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores! Dois meses sem postar... Não fiquem muito chateados comigo, ok? Eu me expliquei nas notas finais porque não quero fazer vocês esperarem nem um minuto a mais para lerem esse capítulo. Espero que gostem... ;)



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"Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil". (Clarice Lispector)

Vincent sentiu o cheiro familiar daquele emaranhado de cabelos roçando em seu nariz. Ouviu uma respiração ritmada e tranquila, mas não teve coragem de abrir os olhos. Não queria encarar o que havia acontecido na noite anterior. E tampouco queria interromper o calor que ardia em cada poro da sua pele.

Estar ali era tão errado. E ele sabia. Sabia desde o primeiro momento que jamais deveria ter tocado em Gilan.

Mas ali estavam.

Na mesma cama.

Com pernas entrelaçadas.

Juntos.

Aproximou-se um pouco mais e raspou o seu nariz na nuca da assistente, respirando o aroma de cereja que já havia gravado em sua memória. Precisava se levantar, se afastar daquela cama e enfrentar a realidade; a realidade que gritava o quanto Gilan era coisa demais para ele lidar. Num gesto inconsciente, massageou a cintura da assistente com o seu polegar. Se esforçou para conter um gemido. Tocá-la era tão bom. Melhor do que imaginava. 

E as lembranças da noite anterior formigaram na ponta de seus dedos. Era quase como reviver aquelas sensações e tê-la de novo ao seu alcance. Mas Gilan nunca esteve tão longe.

Vincent poderia facilmente acabar com a distância entre os dois e recomeçar. Cada toque, cada movimento. Ele poderia ter aquilo mais uma vez. Duas. Três. Quantas fossem possíveis. E ainda sim, continuaria sendo errado.

Notou a pele da jovem se arrepiar gradativamente. Gilan era tão sensível que o enlouquecia. E Deus! Ele sequer conseguia se controlar. Vincent a queria. De maneira tão necessitada que chegava a dar pena. Quando isso começou a acontecer? Em que momento Gilan se apoderou tanto dele? E por que era tão difícil simplesmente sair daqueles lençóis e deixá-la para trás? Vincent não tinha as respostas daquelas perguntas. Ou talvez, não quisesse tê-las. 

O som exageradamente agudo do interfone ecoou pelo quarto. O corpo de Gilan deu um salto, entregando-a. Será que a jovem estava acordada há muito tempo? Vincent se afastou imediatamente do corpo quente da assistente, e ainda confuso, levantou-se da cama e foi em direção ao aparelho acoplado na parede de seu quarto. Odiava lidar com barulhos logo pela manhã.

— Alô? — atendeu com voz de sono, olhando para todos os lados do quarto menos para onde Gilan ainda estava. — O que? — berrou, enquanto assimilava o que o porteiro lhe dizia. — Pode deixá-la subir. — dessa vez, os seus olhos inevitavelmente foram em direção a cama, pois o estrondo de Gilan pulando chamou a sua atenção.

— Quem vai subir? — a assistente se enrolou toda no lençol e Vincent teve vontade de puxá-la para perto. Sinceramente, nunca viu alguém acordar tão bonita.

— Minha mãe. — ele murmurou contido.

— Temos que arrumar essa bagunça. — Gilan começou a correr de um lado para o outro, pegando do chão todas as peças de roupas jogadas. — Elaine vai pensar que-

— Que eu dormi com a minha mulher? — ele quase sorriu. Se abaixou frente a assistente e segurou entre os dedos o que restou daquela calcinha.

— Mesmo assim, nós estamos horríveis, e-- — Gilan encarou as mãos de Vincent e ele poderia jurar que a jovem ficou um pouco mais corada do que antes. — Me devolve isso aqui! — tomou o pano estraçalhado das mãos dele e continuou a juntar o resto das roupas.

— Você quer se acalmar? — Vincent segurou os pulsos da assistente e ela o encarou brevemente. — Minha mãe jamais entraria no nosso quarto.

Nosso quarto.

O que ele estava dizendo?

Gilan o encarava como se ele fosse um alienígena de outra galáxia e Vincent só queria acabar com aquela manhã confusa.

Sem graça, ele soltou os pulsos da assistente e foi em direção ao banheiro. Lavou o rosto e escovou os dentes rapidamente, e quando retornou ao cômodo Gilan não estava mais lá. Provavelmente, a jovem tinha ido se arrumar em seu próprio quarto. Porque bem, aquele não era o quarto deles.

Nosso quarto. 

Não era.

O elevador do hall apitou e Vincent desceu as escadas com pressa, vestia uma calça de moletom e nenhuma camisa.

— Achei que não me deixariam subir nunca! — Elaine invadiu o apartamento usando um vestido florido, um chapéu imenso e um humor inapropriadamente animado para aquele horário da manhã. — Mas que belo chupão, hein? — ela apontou para o pescoço do filho, e Vincent tapou imediatamente o local com a mão. — Pelo visto a noite foi ótima. Vamos, segure isso para mim. — Elaine lhe deu uma cesta de palha bastante pesada, e em seguida, andou até a cozinha e abriu a geladeira sem nenhuma cerimônia. — Você tem geleia? Eu esqueci completamente de comprar geleia.

— A senhora quer me explicar o que está fazendo aqui às… — Vincent olhou o relógio na parede da cozinha. — … Sete e quarenta e cinco da manhã de um sábado? E por que está mexendo na minha geladeira? — ele colocou a cesta em cima do balcão. — E que coisa pesada é essa aqui?

— Essa coisa é o nosso café da manhã. — respondeu Elaine, ainda remexendo em toda a geladeira. — E eu vim convidá-los para um piquenique.

— Convidar não é bem a palavra. — Vincent resmungou. — Porque quando fazemos um convite, normalmente aguardamos a outra pessoa aceitá-lo ou não.

— Ora, deixe de ser rabugento! O dia está tão lindo e seria um crime desperdiçá-lo dentro de casa. — Elaine segurou um pequeno pote nas mãos e franziu o cenho. — Isso é geleia de pecã? Você detesta pecã.

— Agora eu gosto. — Vincent desconversou e Elaine pegou dois potes da tal geleia e colocou na cesta. — Quer fazer o favor de não levar toda a minha geleia?

Vincent fez uma careta de reprovação, pegando um dos potes do doce e guardando novamente na geladeira.

— Mãe… — ele murmurou, tentando manter a paciência. — Hoje não é um bom dia para um piquenique.

— Hoje é sempre um bom dia, não importa para quê. — Elaine o fitou com confiança. — Não existe nenhum dia melhor do que hoje, meu amor.

Vincent encarou os olhos da mãe, tão vibrantes, animados e…Vivos. Mais vivos do que qualquer outra criatura que perambulava por essa terra, e se rendeu num sorriso. Hoje é sempre um bom dia. Aquilo não era sobre o passeio. E Elaine não poderia estar mais certa.

— Vá acordar a sua esposa! — sua mãe disse de repente, desviando o olhar e o empurrando até as escadas. — E não demore, ou eu juro por Deus que comerei toda a geleia dessa casa.

xXx

O dia estava quente como o inferno e Elaine demorou cerca de quinze minutos para se decidir em qual porcaria de árvore eles teriam a sombra perfeita. Apesar de não suportar o verão, Vincent procurou não reclamar demais, pois se existia algo que o irritava mais do que sentir calor, eram as provocações de sua mãe. Ele não tinha culpa se odiava parques e isso não era nenhum crime. Quem em sã consciência gosta de um lugar cheio de pessoas suadas e crianças barulhentas correndo por todos os lados?  

Quando finalmente estenderam a toalha quadriculada no chão – óbvio que seria quadriculada – Vincent olhou discretamente para Gilan. A jovem não parecia se importar com aquele sol insuportável ou com a multidão escandalosa de turistas. Muito pelo contrário. 

Gilan usava um suéter roxo e calças legging pretas, prendeu o cabelo num rabo de cavalo e apesar de Vincent apostar que a assistente estava torrando naquela roupa, ela parecia genuinamente confortável. De qualquer maneira, aquele convite a deixou animada o suficiente para que eles conseguissem trocar algumas palavras sem pensar em todo o constrangimento daquela manhã.

Talvez fosse melhor assim. Vincent poderia evitar o assunto, fingir que nada havia acontecido e aceitar que a noite passada tinha sido apenas um momento irresponsável de carência. 

Era isso. Estavam necessitados, sozinhos e um tanto emotivos. 

E sexo casual nem é a coisa mais complexa do mundo, muita gente faz. Isso não significa que existe algo sério entre eles agora. 

Embora, o que poderia ser mais sério do que já estarem casados? Vincent balançou a cabeça negativamente. Ele só queria esquecer o tamanho da sua estupidez. Como pode permitir que as coisas chegassem tão longe?

— Essa geleia é maravilhosa. — Elaine gemeu ao morder outro pedaço de pão.

— Eu sei! É a minha favorita. — Gilan revelou, enquanto passava uma quantidade razoável em sua torrada.

— Agora tudo faz sentido. — Elaine lançou uma piscadela para o filho e Vincent apenas revirou os olhos. Francamente, isso era tão embaraçoso.

— Que horas são? Não vamos ficar muito tempo por aqui, não é? — Vincent perguntou aborrecido. Já estava sem paciência com aquele lugar abafado e calorento.

— Não seja estraga prazeres. — Elaine o repreendeu. — Você está muito mal humorado para alguém que teve sorte ontem a noite.

Gilan começou a tossir descontroladamente, precisando tomar um gole de suco para se acalmar.

— Oh, querida… Não tenha vergonha, eu sei que um jovem casal tem muita energia para gastar.

— Vamos apenas… fazer silêncio? — Vincent reclamou, enquanto massageava as têmporas.

— Como você está chato hoje. — Elaine revirou os olhos. — Gil, da próxima vez, coloque ele para dormir no sofá.

— Pode apostar que sim. — Gilan retrucou com os olhos fulminantes na direção de Vincent.

— Ontem foi tão ruim assim? — ele zombou. 

— Não sei. Por que você não me diz? — a assistente cruzou os braços. — Afinal, não sou eu quem está reclamando de tudo desde que chegamos aqui.

— Eu não estaria irritado se vocês não tivessem demorado tanto tempo para escolherem a porcaria de uma árvore.

Gilan fez uma careta e cutucou o peito de Vincent com força.

— Se você não tivesse perdido uma eternidade tentando estacionar o seu precioso carro na área VIP do parque, nós, com certeza, teríamos encontrado um lugar melhor. Custava estacionar em qualquer lugar?

Custava estacionar em qualquer lugar? — Vincent imitou a voz de Gilan. — Você tem ideia do valor do meu carro? — os seus olhos fitaram a assistente dos pés a cabeça. — E por que  diabos você ainda está usando esse suéter? Está um calor infernal aqui. — ele retrucou, enquanto Elaine mastigava um sanduíche de salame sem tirar os olhos do casal.

A assistente bufou irritada e puxou o suéter bruscamente, o arrancando do corpo. Vincent quis voltar a provocá-la mas não foi capaz. A sua voz simplesmente sumiu. A única coisa que conseguia pensar era na regata branca que a assistente usava por baixo do suéter. Justa. Minúscula. Um pouco indecente, até.

Notou também inúmeras marcas roxas espalhadas pela pele pálida da jovem e uma fisgada entre as suas pernas tornou aquele calor ainda mais insuportável. Vincent engoliu em seco. Não poderia ter uma ereção justo agora. Por Deus! Sua mãe estava logo ali.

Uma pequena camada de suor cobria os ombros e a clavícula de Gilan, e Vincent se perguntou qual gosto teriam. Se arrependeu por não ter feito todas as coisas possíveis na noite anterior. Sentiu como se ainda tivesse tanto para conhecer dela e que jamais poderia, pois não haveria uma segunda vez. Simplesmente não haveria.

Subiu os seus olhos e flagrou a assistente o encarando. Por quanto tempo ele ficou analisando? Talvez o suficiente para deixá-la um pouco constrangida.

— Olhem! — Vincent mudou o assunto drasticamente, ainda se sentindo inquieto e quente demais. — Bicicletas. Será que estão alugando? Mãe, você deveria tentar.

— É uma ótima ideia, Elaine, vamos? — Gilan se levantou parecendo exageradamente animada, e no fundo, Vincent agradeceu por isso, pois não sabia como continuaria olhando para todos aqueles chupões, e principalmente, para aquela regata apertada.

— Mas eu não sei andar. Nunca aprendi. — Elaine respondeu cabisbaixa.

— Mas eu posso ensiná-la. — Gilan estendeu a sua mão para a sogra. — Prometo que é mais fácil do que parece.

Vincent observou as feições da assistente e se perguntou se a jovem fazia aquilo por causa da lista de desejos. Será que ela ao menos se lembrava daqueles pedidos? De qualquer maneira, não parecia ser só por  isso. As ações de Gilan eram sempre muito honestas. Nunca ensaiadas ou com algum objetivo por trás. A assistente tinha isso nela, de ser interessada pelo bem-estar das pessoas da maneira mais genuína possível. Vincent queria ser um pouco assim. Se fosse, talvez as coisas tivessem sido menos complicadas, talvez não tivesse se sentido tão miserável a vida inteira.

Elaine ajeitou o seu vestido florido e o chapéu, e logo em seguida, a mãe e a assistente se afastaram até o local onde estavam as bicicletas. Teve vontade de se juntar a elas, mas não achou que devia. Toda essa manhã parecia uma sucessão de erros absurdos. 

Acordar ao lado de Gilan, sentir o calor dela contra o seu corpo, respirar aquele aroma que grudou em sua pele. E estarem ali, brincando de família feliz, quando definitivamente não existia nada para ser comemorado. Um casamento falso, uma mãe doente. Como poderia simplesmente ir atrás delas e passear em uma bicicleta? Parecia tão estúpido. Uma enorme perda de tempo.

Então, observou Elaine subir no veículo e tomar um leve impulso para frente. Gilan estava logo atrás e ainda a ajudava com a sua falta de equilíbrio. A mãe conseguiu andar alguns centímetros e cambaleou, quase indo ao chão. Vincent procurou com o olhar algo que indicasse se ela havia se machucado ou não, e foi então que ele viu. 

Elaine gargalhava. Muito. 

Não era um sorriso leve, nem mesmo aquela animação diária e inexplicável da mãe. Era uma gargalhada cheia de vontade, sonora, alta. Tão alta que ele podia escutar mesmo daquela distância. Há quantos anos não escutava Elaine gargalhar? Talvez nunca tivesse de fato. Ou então, a sua mente apenas não queria se lembrar de como eram antes… Antes do pai deixá-los.

Gilan também sorria, e era perturbador não conseguir se lembrar de qualquer som mais adorável que aquele. Vincent se sentiu pateticamente hipnotizado. Já havia admitido o seu desejo pela assistente, mas quando a via assim… Parecia algo maior.

Não queria apenas beijá-la ou tê-la em sua cama. Vincent queria escutá-la sorrir. Dessa maneira. Todos os dias. 

E isso era uma coisa esquisita de se pensar.

De repente, o barulho da bicicleta de Gilan caindo fez Vincent correr até elas. Se aproximou da assistente, que estava estirada no chão com as mãos na barriga e uma expressão de dor.

— Você se machucou? — Vincent se ajoelhou perto do corpo da jovem.

— Eu acho que perdi a prática. — ela murmurou sem graça, apertando os olhos em seguida.

— Mais fácil do que parece, uhn? — Vincent abafou um sorriso, estendendo a mão para ajudar a assistente. — Vem cá, eu vou ensiná-las como se anda de verdade.

xXx

Gil se lembrava de poucos momentos com a mãe, mas existia um em especial que ela não poderia esquecer.

Apesar de muito nova, ainda era capaz de sentir o gosto dos pecãs que enfeitavam a torta que Kerya fizera naquele Natal. Jamais ganhava presentes caros, mas, naquele ano, uma bicicleta novinha em folha inexplicavelmente aparecera debaixo da árvore enfeitada. 

Na manhã daquele Natal, sua mãe, Kerya e ela foram estrear o seu presente em frente ao skyline. Seria a sua primeira vez em cima de uma bicicleta, e apesar de todos os tombos e dos joelhos ralados, valeu muito à pena, porque assim que se equilibrou sozinha e sentiu o vento em seus cabelos, Gil soube que era capaz de fazer qualquer coisa. Até mesmo lidar com a ausência da mãe.

Gil jamais esqueceria daquele dia, pois, além de aprender a andar de bicicleta, foi o dia que sua mãe e sua irmã escolheram para contar sobre a doença. Contaram que talvez ela tivesse que cortar os cabelos para tomar todos os remédios, mas que depois eles cresceriam mais fortes e mais bonitos do que antes. E Gil achou aquilo bastante aceitável. Não parecia tão ruim. Nada parece tão ruim aos nove anos de idade. Mas agora, enquanto observava Vincent empurrar a bicicleta de Elaine, Gil sentiu um peso infinitamente maior.

O chefe não é mais uma criança. E sabe exatamente o que acontece dentro do corpo da mãe. E a cada segundo, um pouco de Elaine vai a deixando agressivamente para trás. Era desesperador pensar nisso, era dolorido demais pensar nisso. E Gil desejou tanto, que ao menos hoje, ela e Vincent fossem mais íntimos. Que fossem além dos beijos e sexo da noite passada, e tivessem uma intimidade real. Desejava que Vincent entendesse que ele não precisava sofrer sozinho. Mas infelizmente, Gil não era honesta em nenhum aspecto de seus sentimentos e até podia entender isso, afinal, se envolver nunca esteve nos planos. Mas talvez deveria ter previsto o quanto isso seria inevitável.

Que ingenuidade a sua, pensar que poderia viver essa mentira e simplesmente sair ilesa. Pois, mesmo que jamais descobrissem, mesmo que jamais encontrassem aquele contrato ou que duvidassem da legitimidade de seu casamento, ela já havia sido exposta. 

Exposta pelo o que escondia.

Porque Gil estava tão apaixonada que nem ao menos conseguia se arrepender da noite anterior. Porque mesmo que para o chefe não significasse o suficiente sequer para ser mencionado, Gil não se arrependia. Porque o mínimo de Vincent era mais do que ela jamais esperava ter.

— Andar de bicicleta é maravilhoso. — pouco depois, Elaine se aproximou com um sorriso enorme no rosto e limpando o suor de sua testa com as mãos. Vincent veio logo atrás.

— Você parece um pouco ofegante, Elaine. Talvez devesse se sentar. — Gil observou preocupada, não sabia ao certo o quanto de esforço a sogra estava autorizada a fazer.

— Eu estou melhor do que nunca, minha querida. Mas acho que aceito um pouco de água. — Elaine abriu a cesta do piquenique e bebeu uma garrafa inteira em poucos segundos.

— Não quero ser o estraga prazeres, como diz a minha mãe, mas o sol está muito forte. Devíamos ir. — Vincent sugeriu, com a voz mais suave do que das outras vezes e ambas concordaram.

— Minha querida… — Elaine a chamou, enquanto dobrava a toalha quadriculada e organizava a bagunça do piquenique. — Preciso conversar a sós com o meu filho. — a sogra a olhou com ternura. — Você se importaria se eu o roubasse por algumas horas?

— De maneira alguma, Elaine. — Gil respondeu sincera.

— O que a senhora tem a dizer que Gilan não possa escutar? — Vincent se intrometeu.

— Não se trata disso. — Elaine segurou as mãos de Gil. — Meu amor, você sabe que eu confio plenamente em você, eu só-

— Eu entendo… — Gil se aproximou da sogra e lhe deu um abraço de despedida. — É uma conversa de mãe e filho, não se preocupe comigo.

Elaine assentiu, mais séria do que de costume e Gil percebeu que o chefe, apesar de se esforçar em manter a sua expressão intimidadora, havia ficado um tanto preocupado.

Pouco depois de Vincent a deixar no apartamento, Gil tomou um banho gelado e vestiu uma roupa confortável. O calor não parecia dar sinais de que diminuiria, então, o seu plano era passar o dia todo no quarto na companhia do seu incrível ar-condicionado, algo que, definitivamente, ela deveria ter investido na época em que morava com a irmã. Depois de algum tempo, seu estômago roncou alto e Gil decidiu preparar o almoço. Vincent havia garantido que não demoraria e deixou o seu cartão disponível para que ela pedisse algo no delivery, mas Gil simplesmente amava cozinhar. Podia até não ser tão boa quanto Kerya, mas tinha sim os seus talentos culinários.

Estava prestes a vestir o avental quando o interfone tocou. Franziu o cenho e pensou em quem poderia ser. Não costumavam receber muitas visitas, com exceção de Elaine e Kerya, claro. 

E de todos os nomes que Gil pensou que pudesse ouvir, Margareth Lucy não era um deles.

Pensou se realmente deveria autorizar que a ex colega subisse, o tapa da noite anterior ainda parecia pinicar em seu rosto. Assim como toda a humilhação. Mas a sua curiosidade falou mais alto. 

O que aquela mulher queria, afinal? E não demorou muito para que a figura vestida com roupas de grife, surgisse em sua frente. Gil pensou em dizer tantas coisas, mas ao invés disso, simplesmente acertou o rosto da ex-colega.

Não saberia dizer se aquele tapa era pela noite anterior, pela audácia de Marlucy em aparecer no seu apartamento ou por todas as vezes que a ex-colega a fizera se sentir miserável. A única coisa que sabia era que a sua mão ardia como o inferno, mas ela não poderia se importar menos, era uma dor maravilhosa para falar a verdade e Gil se sentia aliviada e satisfeita.

— Se você já tiver terminado, eu gostaria realmente de entrar. — Marlucy massageou a pele vermelha de seu rosto, sem realmente mudar a expressão imponente de quando chegara.

— Fique à vontade. — Gil respondeu um tanto cínica, abrindo passagem para a ex-colega.

Marlucy explorou o apartamento com um olhar neutro, e sem rodeios, se acomodou no sofá da sala.

— É uma bela cobertura. — a ex-colega concluiu.

— O que você veio fazer aqui? — Gil a cortou rispidamente.

Marlucy fitou a sacada e se dirigiu até lá fora. Gil bufou irritada, mas preferiu não discutir e apenas a seguiu. Ficaram apoiadas na sacada olhando a movimentação dos carros na avenida. Gil queria que aquele silêncio acabasse, mas ela não tinha nada para dizer. Era Marlucy quem havia a procurado e ela não estava a fim de facilitar absolutamente nada para a ex-colega.

— Ele gostava de você. — Gil encarou o perfil de Marlucy, que ainda olhava fixamente para a paisagem. — Ryan. Ele estava realmente apaixonado por você, e eu sabia disso.

— Nós éramos apenas adolescentes. — Gil ficou em dúvida do que responder.

— Ele era um garoto tolo e eu me aproveitei disso. Fiz ele acreditar que a ideia do baile era minha. Mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde ele te convidaria. Eu nem ao menos sei dizer se eu gostava dele de verdade naquela época, ou se eu só estava tentando salvar o meu ego de vê-lo com você. — Marlucy riu fraco. — Talvez um pouco dos dois.

— Isso não tem mais importância. Ryan está com você agora.

Dessa vez Marlucy gargalhou, apoiando os cotovelos na sacada e abaixando a sua cabeça.

— Ele não irá se casar comigo, Gilan. Nunca. — Marlucy finalmente se virou na direção de Gil. — Por isso eu terminei com ele.

Gil deixou escapar um som de espanto e Marlucy ergueu a sobrancelha.

— Você ficou surpresa?

— Vocês pareciam bem ontem à noite.

— Está falando sério? — Marlucy gargalhou novamente. — Até o meu cabelo maravilhoso tem mais química que nós dois juntos.

Gil sorriu um pouco. Não poderia negar aquele comentário, mas não queria ser rude ao concordar com ela.

— Por mais que me doa admitir… — Marlucy continuou. — O seu marido está certo. Nenhuma mulher merece receber migalhas.

Gil se alterou com a menção de Vincent e a sua expressão deve ter ficado mais do que evidente, uma vez que Marlucy a encarou com confusão.

— Ele não te contou?

— O que Vincent teria para me contar? — a voz de Gil mal saiu de sua garganta.

— O seu marido nos encontrou no campo do colégio e... Ele só disse a verdade.

— Que verdade? — Gil estava quase sacudindo Marlucy para que ela falasse logo.

— Que Ryan não está apaixonado por mim. — Marlucy empinou o nariz. — Sabe, eu finalmente entendi o que é um homem apaixonado. E eu quero ter isso. Eu quero que alguém me ame assim.

Apaixonado? Gil sentiu como se as suas pernas fossem ceder a qualquer momento. Do que Marlucy estava falando?

— O que Vincent te disse exatamente? — ela quis saber.

— O suficiente para que eu fosse embora daqui sem Ryan. — Gil arregalou os olhos na direção da ex-colega. — Me ofereceram um trabalho em Nova Iorque. Como editora-chefe. — Marlucy sorriu sem humor. — Mas eu já havia decidido não aceitar, como eu poderia? Ryan está preso nesse lugar, preso naquele time maldito e nos seus sonhos de adolescente, e eu me conformei em acompanhá-lo nisso. Mas agora não mais. Agora eu aceitei. E eu vou embora, porque eu mereço essa vaga, porque eu sou a melhor de todas. A melhor.

Gil simplesmente assentiu e desviou o olhar novamente, encarando o pequeno trânsito que se formava no cruzamento da avenida. Não saberia dizer por quanto tempo ficaram assim, escutando a respiração uma da outra. Não tinham mais assunto, não eram mais amigas e talvez jamais tenham sido de verdade. Gil queria perguntar mais sobre o que Vincent dissera, mas não parecia o momento, então, apenas apreciou o silêncio.

— Me desculpe. — Marlucy murmurou, seu rosto contorcido em uma careta, como quem toma um remédio ruim.

Gil fitou a ex-colega mal acreditando nas palavras que acabara de ouvir, mas sem realmente duvidar da honestidade delas.

— Por ser uma vadia com você, e bem… Por todo o resto. — Marlucy finalizou.

— Acho que estamos quites. — Gil murmurou de volta.

— Sim, estamos quites, apesar de você ter uma mão muito mais pesada do que a minha. — Marlucy zombou, finalmente a encarando.

Gil deixou escapar um sorriso, talvez tivesse realmente colocado muita força naquele tapa, mas quem poderia culpá-la por isso?

— De qualquer maneira… — Marlucy estufou o peito e ajeitou o pano de seu vestido. — Caso você esteja em Nova Iorque… — a ex-colega abriu sua pequena bolsa e retirou um cartão de dentro, entregando para Gil. — Me ligue.

Gil segurou o cartão entre os dedos e ficou alguns segundos estática, antes de seguir Marlucy até o hall de entrada.

— Boa sorte. Espero que dê tudo certo em Nova Iorque. — Gil disse com sinceridade e apertou o botão para abrir o elevador.

— Eu não tenho dúvidas disso, Gigi. — Marlucy lançou uma piscadela.

Gil deu um grande sorriso, e então, abriu espaço para a ex-colega entrar no elevador. Mas antes de deixá-la ir embora, a chamou.

— Marlucy?

— Sim?

— Nunca mais me chame de Gigi.

Marlucy balançou a cabeça positivamente e soltou uma gargalhada enquanto a porta finalmente se fechava entre elas.

Gil andou pelo apartamento e pensou naquilo tudo que acabara de acontecer. O quanto Vincent havia escutado da discussão de ontem a noite? E o que ele dissera para Marlucy ao ponto de fazê-la se desculpar?

"Eu quero que alguém me ame assim".

Eu também. Gil pensou, antes de colocar o avental e começar a cozinhar.


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Notas finais do capítulo

Bem, vamos lá... Amor à venda é uma história que já está inteira escrita no rascunho, do primeiro capítulo ao último. E quando eu comecei a escreve-la eu estava numa fase muito boa da minha vida, com muita energia, disposição e criatividade. Mas devido a muitos acontecimentos nesses últimos meses, eu tenho enfrentado uma doença muito da desgraçada chamada depressão. É complicado admitir que você está depressiva, porque bem... Não me sinto fisicamente incapaz de nada, mas tem dias que sair da cama é uma luta. E me dava vergonha, sabe? Como se, sei lá... Eu fosse só uma preguiçosa sem objetivos. Bem, como eu disse, a historia já está pronta no rascunho, mas necessita que eu arrume os capítulos, insira algumas coisas, alguns detalhes... e claro, o revise. Porque eu gosto que saia o mais bem feito possível para vocês lerem. E como a minha mente estava bitolada de problemas, eu simplesmente travei. Bloqueio criativo mesmo, não conseguia concluir o capítulo para postá-lo. Esse fim de semana eu me senti um pouco melhor e finalmente consegui revisá-lo. Eu modifiquei algumas coisas na historia, e isso já faz um tempo, e por isso Amor à venda ficou mais longo do que eu havia planejado, mas não falta muito para acabar. Terá uns 40 cap. mais o epílogo. Ou seja, faltam cerca de 10 capítulos para a nossa história chegar ao fim, e eu prometo que darei o meu melhor para não demorar tanto da próxima vez. Obrigada por quem ainda tem paciência e continua por aqui. Muito obrigada de coração. Até semana que vem... o/ ( eu espero xD)



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