Lisa Belfort foi a primeira a descer do carro, seus olhos caramelos admiraram a mansão Hill que parecia intacta e a mesma de séculos atrás. Os pequenos muros de pedra ao redor da casa como uma muralha estava cobertas com uma planta que insistia em continuar a crescer, uma grama verde contrastava com algumas flores azuis, o caminho de terra ia ate a varanda que tinha o piso de madeira escuro, a porta da mesma tinha uma argola de ferro que parecia nova, mas a garota sabia que não. Entrou na casa sem pedir licença, colocou as bolsas que carregava próximo a mesinha da ante-sala que tinha um espelho gigante à esquerda com moldura dourada, logo na sua frente uma escada de dois degraus para a grande sala. A lareira estava acesa deixando tudo agradavelmente quente. Caminhou ate o fogo olhando-o de perto.

– Jack! – Iris gritou da porta – Shane!

– Eles não estão aqui – Lisa comentou chutando o ar, colocou as mãos na cintura e inspecionou o ambiente – Tem algo de errado aqui.

– O que é? – Iris caminhou ate a irmã.

– Não consigo descobrir – Franziu a testa.

– Bom…

– Eu vou chamá-los.

– Sabe onde estão?

– Você não? – Lisa riu. Saiu da casa dando a volta indo para os fundos. O lago estava parado, refletia como um espelho a grande floresta. Ela entrou em uma trilha que ninguém notava, caminhava silenciosa como um gato ate que viu o circulo onde sempre encontrava os rapazes. Os pinheiros circundavam um pequeno pedaço, a luz que entrava ali era dourada e verde, dava a tudo um ar mágico. Três metros acima da cabeça de Lisa estavam os dois prestes a atacarem. Ela riu e gritou quase histérica. O sorriso travesso estava nos lábios quando os rapazes se aproximaram e a abraçaram forte.

– Lisa! – Shane quase gritou seu nome. Os cabelos castanhos da garota pareciam emanar energia, os olhos faiscavam em um brilho contagiante, ela bateu palmas animada. Lisa era extrovertida e tinha um senso de humor maravilhoso, isso a transformou na preferida dos dois.

– Meninos! Vocês não mudam… – Colocou a mão na cintura olhando os dois como se os repreendesse – Que tal irmos tomar um café naquela velha enquanto vocês me atualizam de tudo? – Se pôs a caminhar na frente sabendo que os dois a seguiriam – Minhas irmãs resolveram passar na mansão Hill, mas eu sabia que encontraria vocês aqui.

– Elas vieram… – Shane comentou desanimado – Tem mesmo que andar com elas o tempo todo?

– Infelizmente – Os três riram indo em direção a mansão Hill.

Lar doce lar.

Os cidadãos de Hillstone tinham certeza que mansão Hill não passava de um passatempo para Shane Brook e Jack Hill, graças ao véu feito pela magia dos dois que apareciam na cidade uma vez no ano para manter as aparências. Quando entraram na casa, a primeira imagem foi a certeza que algo estava para mudar.

Iris Belfort com seus longos cabelos negros estava parada em frente a lareira, os olhos que lembravam uma descendência indígena estavam confusos, pele morena e um sorriso cativante quando lhe via a ser necessário, seu corpo estava petrificado com expressão assustada, sua voz se tornou um sussurro:

– Ela virá logo. Em breve a vida não será mais a mesma.

– Iris? – Lisa perguntou apreensiva

– O fim – Iris falou com clareza – O começo e o fim andam lado a lado. Eles…

– Essa não – Lisa coçou a cabeça, olhou para os lados como se procurasse alguém, foi ate a irmã e a segurou pelos ombros levando ate o sofá – Iris, olha para mim! – Segurou com força suas bochechas. Não obteve resposta. Bateu em seu rosto fazendo a irmã acorda de um transe.

– O que diabos aconteceu aqui? – Jack perguntou

– Nos precisamos conversar – Disse olhando para os dois rapazes que assistiram a cena de segundos muito confusos.

– De novo? – Iris perguntou tristonha

Karina Belfort veio da cozinha inspecionando todos, mas a preocupação maior foi dada a Iris. A terceira irmã era a mais diferente de todas. Sensível e temperamental tinha feições angelicais, uma voz doce e um sorriso gentil, o cabelo escuro caia em cachos leves emoldurando seu rosto, o maxilar largo dava um ar de elegância e os olhos castanhos quase caramelos encantavam todos.

– Ela anda tendo mais visões do que antes, repetidas vezes, mas é sempre a mesma fala – Karina disse doce e compreensiva – Estou começando a me preocupar.

– Foi dita mais uma profecia, parece caber no que ela disse há pouco…

– Profecia?

– Noite passada.

– Haverá uma quarta senhora que chegara em breve – Shane disse pela primeira vez desde que entrou na casa

– Preciso de um café! – Lisa disse rápido – É uma informação muito pesada.

Shane caminhava ao lado de Lisa pela calçada da cidade, todos os encaravam boquiabertos. A garota sorria mostrando todos os dentes, gostava de atenção. Obrigou Shane Brook a tirar o véu da cidade para que todos os vissem. Quando entraram na cafeteria rosa e amarela das irmãs Gil e Gina, a vitrine tinha as rosquinhas mais coloridas e gostosas que Lisa poderia se lembrar de ter visto alguma vez, por ser a única cafeteria da cidade, todas as cabines e mesas estavam ocupadas. Gil, uma senhora gorda e baixinha de cabelo tingido de loiro e batom rosa apareceu.

– Se-senhor Shane – A velha senhora gaguejou ao vê-lo, obviamente não esperava encontrá-lo tão cedo – Em Hillstone, nessa temporada?

– Eu o convenci a vir para cá – Lisa respondeu antes que Shane pensasse em uma resposta – O interior é tão mais calmo do que a capital… Shane tem ficado muito estressado e resolvemos passar uma longa temporada por aqui.

– Resolvemos? – Shane a encarou com a testa franzida, seus olhos faiscavam raiva. Lisa ignorou.

– Sim querido – Passou o braço em volta de Shane e apoiou a cabeça em seu ombro por alguns segundos – Vamos querer dois cafés fortes – Riu alegre como se tivesse acabado de ter uma conversa cotidiana. Em poucos minutos pegaram seus cafés e saíram da cafeteria, deram alguns passos e Shane a fuzilou com um olhar insano.

– Você ficou louca?

– Aparentemente as respostas para o fim das alucinações de Iris esta aqui. Vamos ficar e não irei ficar em um lugar que ninguém me vê.

Shane ficou encarando-a parado por um longo tempo incrédulo. Por um pequeno instante, Lisa sentiu um arrepio tomar conta de seu corpo, os olhos verdes de Shane ficaram alaranjados.

– Jack vai te matar – Ele disse por fim, voltou a andar na frente tomando seu café normalmente

– Ele irá me agradecer…

– As coisas mudam Lisa.

Jack havia quebrado mais cadeiras do que dito palavras, desde a revelação do plano de Lisa, o rapaz enlouqueceu. Shane tentou de inúmeras formas acalmá-lo, mas não foi possível. E como seria possível, ninguém o compreendia. A profecia havia dito bem claro que deveria ficar longe, o véu mantinha tudo afastado e facilitava, mas agora, isso não poderia acontecer. Ela ia vê-lo todos os dias, a aproximação um dia iria ocorrer.

Isso não pode estar acontecendo. Pensou enquanto jogava o pedaço da cadeira no fogo.

– Por que não me falou dessa parte? – Lisa disse irritada, Jack sussurrou a palavra fazendo pedaços de madeira voar em direção a garota que mal pronunciou uma palavra fazendo os pedaços pararem a um centímetro de seu rosto, seus olhos se tornaram vermelho e seu cabelo entrou em chama – Não vai querer brigar comigo.

Ele não a respondeu, seus olhos faiscaram maldade, voltou a jogar mais pedaços de madeira na garota que desviava tudo com a mão direita como se abanasse um mosquito. Caminhou em direção a Jack que não se intimidou, ela fez o sinal de “pare”, o corpo do amigo foi arremessado contra a parede, ela fechou a mão ao instante em que o ar parou de correr nos pulmões de Jack.

– Eu não tinha idéia.

O céu estava cinzento, uma fina garoa caia, a janela do quarto estava embaçada e ninguém havia dito uma palavra desde que Jack caiu inconsciente. A casa estava silenciosa, como se estivesse vazia. Em seu quarto ele olhava o jardim enquanto tentava encaixar os pensamentos, quando acordara de manha indo treinar com Shane, não imaginava que tudo isso podia acontecer.

HORAS ANTES.

Shane Brook olhou Jack que estava em sua frente rindo debochado, as íris azuis quase prata do amigo olhava-o concentrado esperando a próxima ação. Shane puxou o cabelo que insistia em cair no rosto respirando ofegante, a floresta estava em perfeito silencio como se assistisse a cena com respeito ou talvez medo. A lateral do seu rosto escorria um fio fino de sangue, os braços sujos de terra igualmente como o de Jack que tinha o lábio cortado, mas ainda sim, não perdia a pose de superior.

– Vamos lá Shane! Sei que você esta louco para soltar algo! Esse silencio deve estar matando você!

– Estou esperando…

– Esperando o que? Eu te dar mais uma surra? – Jack debochou mais uma vez, passou a mão como se varresse o chão e sussurrou – Glaciem.

– Volant – Shane disse dando impulso com o pé direito indo parar três metros acima de Jack que repetiu a palavra ficando a mesma altura – Vamos colocar um fim nisso! – Ignis – Sussurrou quase inaudível, seus olhos ficaram vermelhos, seus lábios ficaram numa linha fina de vitória enquanto uma chama ardente dançava em suas mãos.

– Quem ganha, gelo ou fogo? – Jack disse com uma confiança maior – Glaciem – Seus olhos ficaram dessa vez pratas mesmo, sua mão ficou petrificada em gelo. Antes que pudessem atacar, uma voz feminina e quase histérica gritou embaixo de seus pés.

***********

Seria uma manha perfeita, pensou Abigail olhando o céu azulado sem nuvem alguma. Era um dia claro e ensolarado raro de ser ver em Hillstone, concordava agora com que sua avó disse logo que se sentou à mesa para tomar café: depois da tempestade vem a calmaria.

Na parte da arquibancada mais alta, olhava a copa das arvores balançarem de um lado para o outro, ao seu olhar, tudo estava mais intenso. No campo a sua frente, tinha a visão perfeita do treino de futebol do seu amigo Lucas que intercalava o olhar no jogo e na amiga que não estava bem pela dor de cabeça desde que acordara.

Enquanto tentava terminar a lição de física, percebeu a vinda de uma pessoa. Ergueu o olhar, deparando-se com uma figura loiríssima e com lábios brilhantes. A garota sentou do seu lado, cruzou as pernas, apoiou a mão no queixo e fixou o olhar no campo, Abigail baixou o olhar para sua lição tentando ignorar Belinda Sea do seu lado.

– Oi Abi… – Sussurrou com sua voz doce

– Oi Bel – Disse num murmúrio ainda olhando para a atividade.

– Sabe Abi, eu sinto sua falta – Ela falou baixo, suspirando com pesar.

– Belinda, eu…

– Eu sou uma pessoa horrível, miserável e eu não mereço seu perdão.

– Não, não merece.

– Mas eu sinto sua falta… Sinto falta de nos – Belinda olhou chorosa por um milésimo de segundo para a morena de seu lado, depois voltou o olhar para o Lucas jogar bola.

– Você ainda o tem – Abigail respondeu sussurrando olhando para o amigo também.

– Não é o mesmo. Sem você nada é o mesmo.

Levantou-se indo embora com o cabelo ao vento, caminhava com a autoconfiança de uma modelo profissional. Nada parecia abalá-la, mas Abigail sabia que não era verdade. Tudo abalava Belinda, a pessoa mais sensível do mundo. Quando amigas, se divertiam muito, eram quase inseparáveis. Porém, um ano depois a amizade abalou por um ciúme doentio, repentino e de certa forma sem razão vinda da parte de Belinda. Abigail ficou tão magoada com a amiga por seus atos que nunca foi capaz de perdoá-la. Ficou observando a loira ate sumir de vista. Queria evitar todo sentimento que acumulava em seu peito a deixando melancólica, tentava ao máximo associar tudo a TPM.

– Tudo bem? – Lucas disse sentando-se ao seu lado com a respiração rápida e ensopado de suor.

– Tudo…

– O que a Bel queria?

– Nada. Só veio te ver.

– Abigail?

– Já te falei Lucas, não foi nada.

– Eu sei que você sente falta dela… Mas o que ela fez…

– Eu sei, não tem perdão – Abigail guardou os livros se preparando para ir embora.

– Vai me esperar?

– Vou pegar um suco na cantina e te espero na saída.

Quando apareceu na saída viu Lucas rodeado dos amigos, se aproximou sorrindo e todos eles interagiram com ela colocando o papo em dia. A noticia que não paravam de falar era da volta de Shane Brook a cidade na primeira temporada do ano, coisa que nunca aconteceu – disse um dos garotos. A mansão Hill ia dar uma festa a noite para todos da cidade e Lucas ficou animado com a idéia de ir ate lá.

A noticia da festa se espalhou tão rápido quanto a volta de Shane desde que foi visto na cafeteria. Abigail ficou um pouco animada, apesar de não estar em clima de festa, prometeu ao amigo que iria. Não contava que seria uma noite de dar arrepios.