Abigail e a Fera de Hillstone escrita por amarf


Capítulo 3
Capitulo um




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Hillstone, 2015

O crepúsculo começava a surgir na noite fria que abraçava a população da pacata cidade de Hillstone, Abigail Lincoln olhava o céu ganhar o tom de azul pálido enquanto o som da casa diminuía consideravelmente a cada minuto, o telhado da casa não era o lugar mais confortável, mas a garota se sentia estranhamente em paz, o efeito do álcool começava a se dissipar em seu organismo causando um efeito de sonolência, ela passou a mão pela nuca tentando evitar dormir ali e ignorando o frio que atravessava sua blusa de lã. A cidade não era grande, com pouco mais de sete mil habitantes o seu passa tempo preferido era as festas que seus colegas de classe costumavam oferecer vez ou outra, quando não, visita o velho cinema que repetia filmes que a faziam dormir na maioria das vezes. Seus olhos estavam baixos quando os primeiros raios do sol começaram a surgir na colina à frente iluminando aos poucos o bosque fazendo a nevoa que dominava o lugar sumir. Dois anos atrás quando chegou costumava chamar o bosque de assombrado, já que tinha mesmo a aparência um pouco macabra. Mas agora, admirava a cor verde-escuro que divida a cidade das colinas. Do lado oposto, o mar bem ao longe se estendia escuro, frio e imperdoável; o Oceano Atlântico naquele pedaço não era convidativo, mas tão lindo quanto os outros, encantava todos os cidadãos.

–Te achei – Lucas, seu melhor amigo desde que chegara a cidade falou com a voz embargada, um pouco tonto conseguiu ir ate onde a amiga estava, com os olhos baixos e meio tortos, ofereceu um sorriso grande e divertido. Abigail ofereceu um sorriso pequeno, meio sonolento, meio irritado.

– Hoje você não esta divertida.

A garota suspirou concordando com o amigo ao lado, esse era um dia especificamente ruim, não conseguira aproveitar nada daquela festa e sabia bem o motivo, dias como esse a faziam voltar a um passado doloroso. O cheiro de álcool vindo do seu amigo torcia seu estomago, ela se levantou rápido ficando por alguns segundos tonta, entrou novamente no quarto tropeçando no próprio pé caindo ao chão. Lucas a seguiu com mais dificuldade, a levantou do chão rindo.

– Vamos, esta na hora de ir para casa.

Casa.

Estava aí uma palavra que não reconhecia no momento. A nova casa de Abigail era bem diferente. Sua avó tinha um senso estranho para decoração, apesar de estar lutando para mudar desde que chegara, não tinha surtido muito efeito. As fotos amareladas ainda estavam espalhadas pela casa, a TV pequena que ainda transmitia em preto e branco e a geladeira de 1,50m azul clara na cozinha rústica. Naquele cômodo não mexia, mas já se considerava vitoriosa por ter conseguido levar o velho sofá de couro marrom e com alguns furos para o sótão.

Seguiram para o carro do amigo que mal conseguia colocar a chave na ignição do carro. Ele apoiou a testa no volante respirando fundo, tentou mais uma vez semicerrando os olhos forçando a visão. Sua mão ia para um lado e outro. Abigail suspirou pesarosa.

– Vamos de pé.

– Eu não consigo colocar uma chave, imagina caminhar ate minha casa.

– E o que você sugere?

– Dormimos aqui.

– Você esta brincando comigo não é?

– Não… Alias… – Ele abaixou o banco do carro – Quer ajuda no seu banco?

– Eu não vou dormir aqui, Lucas! – Falou quase histérica

– Qual o problema?

– Quero a minha casa… O meu quarto… – Passou a mão com força nos olhos impedindo que as lagrimas caíssem

– Não esta se referindo a Hillstone, não é? – O tom de sua voz era suave e gentil, ele passou o dedo no seu rosto enxugando uma lagrima – Eu sinto muito, Abigail.

Ela se levantou indo ate o banco de trás, dobrou bem a blusa que o amigo usava formando um travesseiro improvisado, fechou os olhos e desejou que acordasse em outra vida. Quando chegou em casa, as três da tarde, pôde ouvir os gritos histéricos e irritantes da sua avó Diana junto com a cara feia do seu avô Tom, os dois estavam bem irritados. Não deu nenhuma explicação aceitável, só disse a verdade, o que pareceu bem pior.

*************

Naquela noite a janela do seu quarto estava embaçada, o frio congelou seus ossos quando foi jogar o lixo fora. Já estava acostumada com a imprevisibilidade da cidade, uma hora frio outra hora quente. Formava-se uma grande tempestade no céu que dizia que se manter abrigado era o melhor. Ouviu a campainha tocar, desceu metade da escada para ver quem era.

– Poxa vida, esta um frio e tanto lá fora! – Lucas entrou sem pedir licença balançando os ombros tirando os respingos de uma leve garoa que começava a cair

– Não devia estar em casa? Quando a tempestade cair não tem quem pise lá fora.

– Achei que fosse querer companhia.

– Eu sou uma ótima companhia, não acha? – A avó Diana disse olhando-o da cabeça aos pés

– Uma companhia jovem, Sra. Diana – Disse o mais amigável que pôde, mas os dois sabiam que ele não tinha menor afeto por ela. Lucas sentia arrepios só de ouvir Diana falar, seu pesadelo em pessoa era aquela mulher. De fato, a avó de Abigail era uma mulher um tanto quanto estranha. Tinha bugigangas para certas mandigas, usava amuletos – diferentes dos pais de Olivia Pardo. E acreditava em certas superstições que ate Abigail duvida – Passei pela garagem, o Sr. Lincoln deveria entrar logo…

– O tonto do Tom ainda esta lá fora? – Diana comentou indo ate a garagem, os dois adolescentes riram. Subiram as escadas indo ate o quarto que era o único cômodo que não era um museu. Lucas se sentou no baú perto da janela observando o céu escurecer mais a cada segundo, soltou um longo suspiro e disse:

– Abigail… Eu…

– Não veio aqui me fazer companhia e sim fugir da Alice e sua mãe? – Ela comentou

– Mais ou menos…

– Como assim?

– Tive uma briga feia com minha mãe – Ele disse desviando os olhos da amiga – Não queria ficar lá.

– Foi tão ruim assim? – Se sentou ao lado dele preocupada

– Eu fui falar do… – Lucas ficou calado por um tempo sem dizer nada, o queixo estava travado e Abigail sabia que aquele assunto o irritava. Soltou um grande suspiro e voltou a dizer: – Eu vi meu trair a minha mãe com aquela menina que agora ajuda ele na loja.

– Uau… – Comentou baixo, não sabia o que dizer naquele momento. Só tinha certeza de uma coisa: Agora mais que nunca Lucas acreditava que o amor não existia e que tudo deveria ser à base da razão. De alguma forma, o que ele dissera assustou Abigail que segurou sua mão com força como um sinal de que não sairia do seu lado.

– Então tomei coragem de contar a minha mãe e ela já sabia! Sabia desde o começo!

– Eu não sei o que dizer Lucas.

– Não tem que dizer nada… – Ele a olhou por alguns segundos – Mais do que nunca eu sinto que aquela família é uma farsa

– A Alice…

– Eu vou protegê-la. De tudo.

Disse convicto. Enquanto o silencio se prolongava, Abigail fazia carinho na sua mão com o dedo, ele relaxava um pouco ate que o Tom Lincoln, avô da garota, entrou no quarto. Pigarreou encarando a mão dos dois.

– Sim, vovô? – Abigail segurou o riso se afastando do amigo, tinha certeza que o avô desconfiava dos dois mesmo que só fossem amigos.

– O jantar esta na mesa. Vai dormir aqui esta noite, Sr. Miller?

– A tempestade que vai decidir…

Mesmo que Lucas não gostasse de Diana, ele não podia negar que sua comida era deliciosa. Como o esperado a tempestade caiu antes que Lucas terminasse seu jantar, para sua alegria Diana já havia arrumado seu canto na sala. Os dois ficaram no quarto conversando ate que Abigail caiu no sono e ele a deixou sozinha no quarto.

Em uma noite de tempestade como aquela ninguém ousava sair de casa, exceto aqueles que não tinham medo de nada, que eram o próprio medo. Shane e Jack caminhavam pelo bosque sem fazer barulho, como gatos. Os olhos dos dois brilhavam como uma lua cheia, seus corpos eram imagens claras na escuridão. Pareciam predadores, o que de fato, eram mesmo. Quando chegaram no seu destino, olharam ao redor, as arvores formavam um circulo deixando aquela parte espaçosa, a copa das arvores balançavam com violência, vez ou outra podiam ver o céu cinzento.

– Está tudo pronto – Uma vez feminina disse saindo das sombras das arvores, podiam reconhecer aquela voz de longe, os olhos verdes brilhavam como esmeraldas. No meio da floresta velas brancas estavam acesas, os rapazes se aproximaram – Não cheguem perto – Disse quando viu que se aproximavam demais.

– Francamente, ainda tem medo de nos? – Jack riu, mas seu olhar tinha um leve brilho de maldade.

– Não é medo Sr. Hill, é precaução.

Ela ergueu as mãos para o céu, seus lábios se movimentavam rápido, mas não saia som algum. Ate que aos poucos, podia se ouvir vozes agudas, graves, baixas e altas, tudo ao mesmo tempo, seu corpo foi erguido no ar, a cabeça tombada para trás. O vento ficou mais forte levando as folhas, Diana parecia ser o centro do furacão, o vento girava ao seu redor, quando retornou ao chão, ficou de joelhos pelo que pareceu muito tempo.

“Ibi quartum erit

Unum quod salvabo

qui disperdunt”

– Só isso? – Shane perguntou decepcionado.

– Ela será a quarta senhora? – Jack perguntou dessa vez

– Não pode ser… Deve ser a quarta… – Shane começou, mas foi interrompido por Diana que falou erguendo o olhar assustado para os rapazes.

– É a quarta senhora. Ela chegará em breve.

– Não pode ser… – Os dois falaram juntos temendo.

– A profecia será…

– NÃO! – Diana gritou, a orbita dos seus olhos ficaram vazias e sua boca ficou aberta mais uma vez pronunciando um milhão de vozes que não pertencia a ela, apontou o dedo em direção a Jack e disse:

“Maledictus eris in caritate

Vos oportet ponere ordinem

Aut veniet mors”

– Shane… – Jack o olhou suplicante, pela primeira vez sentiu algo semelhante a medo.

– Eu sinto muito.


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