Logo que deitou, Maxon adormeceu. Foi um dia muito cheio, muito emocionante. Sabia que amanhã seria assim também.

Esperei por uma hora deitada ao seu lado, quando percebi que não conseguiria dormir. Levantei, caminhei até a escrivania e escrevi um novo bilhete:

Maxon

Fui caminhar pelo palácio. Não se preocupe. Quando acordar, vá para a sala de jantar. Terá muita gente te esperando lá. Leve um bloco e canetas.

Não precisa me procurar. Eu consigo te encontrar. Console minha família, principalmente May. Falo com você mais tarde.

Eu te amo.

Achei que estava bom. Atravessei a porta, sem saber para onde ir. Decidi ir para o meu quarto, e logo depois descer. Passei pela minha porta e adentrei aquele quarto praticamente vazio. Eu sempre dormia no quarto de Maxon, somente quando brigávamos, ocasiões raras, eu dormia ali. Então, a roupa de cama era a mesma havia tempos.

Saí do quarto rápido. Não tinha nada lá para ver e recordar. Quando saí, de de cara com um espelho. Não sei como, mas vi meu reflexo pela primeira vez desde a tragédia. Fiquei surpresa com dois fatos: um, eu podia ver meu reflexo, mesmo sem um corpo, e dois, eu estava muito bem. Na verdade, eu estava como viva. Se eu estivesse igual a como morri, certamente teria uma leve saliência na barriga. Meus cabelos estariam desgrenhados e meu rosto aparentaria cansaço. Além disso, eu estaria usando uma camisola branca de hospital, que certamente estaria toda ensanguentada.

Ao invés disso, eu usava um belo vestido azul, meu favorito, aliás. Meus cabelos estavam elegantemente presos em um coque alto. Estava sobre minha cabeça a mais linda coroa, enfeitada de pedras azuis como o vestido. Sapatos prateados em meus pés escondidos pela longa saia. Virei de lado para o espelho. Sem barriga, sem sangue. Nunca estivera mais bonita.

Depois de reparar em minha aparência, e superar o choque do reflexo, fiquei pensando. Se eu aparecia para mim, em um dos espelhos, será que apareceria para qualquer um, em qualquer espelho?

Para não assustar ninguém, resolvi passar longe de todos os espelhos no palácio.

Ouvi uma comoção no andar de baixo do palácio. Eram os visitantes para Maxon. Entrei no quarto dele, e reparei que a porta estava aberta e não tinha ninguém lá dentro. Ele devia ter descido, então.

Corri escada abaixo, e lá estava toda a minha família.Minha mãe tentava parecer durona. Gerard parecia confuso. Kota, só olhava ao redor, como se analisasse a decoração. Kenna abraçava James e May chorava muito, enquanto se lamentava. Achei Maxon na multidão e fiquei ao seu lado. Haviam vários fotógrafos e Gavril falava com a câmera na sua frente com uma expressão de tristeza.

Deixei Maxon e vaguei pelo salão, passando por trás de Gavril. Vi quase todas as Selecionadas, e elas também pareciam tristes. Vi Kriss falando com Maxon e tive raiva dela. Ela achava que Maxon ficaria com ela? Não enquanto eu vivesse. "Você está morta, America". Mas Maxon não ficaria com ela. Ela era uma mentirosa, uma rebelde praticamente infiltrada ali.

Logo, todos formaram uma comitiva liderada por Maxon até o cemitério, rezaram uma missa, e uma pequena recepção, para que todos se despedissem de mim. Fui até meu próprio caixão e me vi morta. Foi muito estranho. De repente notei uma coisa. Me limparam, me vestiram e arrumaram meus cabelos. Com um penteado igual ao do reflexo. Um vestido e sapatos iguais aos do espelho, assim como a tiara de pedras azuis.

No geral, passou muito rápido. Muito choro, muitas homenagens que me comoveram profundamente. Vi outros mortos. Nada disso me surpreendeu.

Eu fiquei surpresa naquela noite, quando o Jornal Oficial de Iléa começou.