Twilight - a Magia do Amor escrita por Sol Swan Cullen


Capítulo 14
12º Capítulo - Teoria




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(Bella POV)

 

- Posso fazer apenas mais uma pergunta? – Pedi enquanto procurava, mentalmente, uma maneira de atrasar o momento derradeiro. Não sabia se estava realmente pronta para saber a reacção dele quando lhe revelasse que era uma bruxa.

Suspirou.

- Só uma. – Acedeu, com os lábios cerrados a formarem uma linha cautelosa.

- Bem… disseste que sabias que eu não entrara na livraria e que me dirigira para Sul. Estava apenas a interrogar-me como é que sabias isso.

Esta era uma óptima maneira de matar dois coelhos de uma cajadada só. Acabar com a minha curiosidade naquele assunto e ganhar tempo.

Desviou o olhar, deliberando.

- Pensei que já tínhamos superado todas as atitudes evasivas. – Resmunguei.

Ele quase sorriu.

- Então, muito bem. Segui o teu cheiro.

Olhou para a estrada, concedendo-me tempo para me recompor. Aquilo soava mesmo ao Tio Angel, teria que lhe perguntar mais tarde se conhecia o vampiro que era meu tio e padrinho. Não me ocorria uma réplica aceitável para aquela afirmação (nenhuma que não envolvesse revelar a natureza dos meus familiares super protectores), mas arquivei-a cuidadosamente para análise futura, talvez para lhe poder responder quando já estivessem todas as cartas em cima da mesa. Tentei voltar a concentrar-me. Não estava preparada para deixá-lo terminar, agora que estava finalmente a explicar os factos.

- E, então, não me respondeste a uma das minhas primeiras perguntas… - Empatei. Ganhar tempo… Só mais um pouquinho.

Ele olhou-me com um ar reprovador. Tal e qual o Tio Angel.

Nota para mim mesma: deixar de comparar o Edward com o Tio Angel.

- Qual?

- Como é que funciona a questão da adivinhação do pensamento? Consegues adivinhar os pensamentos de qualquer pessoa, em qualquer lugar? Como é que consegues? O resto da tua família também pode…?

Senti-me tola ao pedir esclarecimentos acerca de um faz-de-conta. No entanto, tinha que ter em conta tudo o que aprendera em relação a vampiros… Eles eram como nós, bruxas e feiticeiros, em certos aspectos… Tais como poderes “personalizados”, cada um tinha um poder único…

- Isso é mais do que uma pergunta. – Salientou ele.

Limitei-me a entrelaçar os dedos e a olhá-lo fixamente, aguardando uma resposta.

- Não, só eu é que posso. – Eu sabia! Pensei vitoriosa. - E não consigo auscultar qualquer pessoa, em qualquer lugar. Tenho de estar relativamente próximo. Quanto mais conhecida é a… “voz” de uma pessoa, maior é a distância a que consigo auscultá-la, mas, mesmo assim, a não mais do que a alguns quilómetros. – Deteve-se pensativamente. – Assemelha-se um pouco a estar num enorme salão cheio de pessoas, com toda a gente a falar ao mesmo tempo. É apenas um murmúrio, um burburinho de vozes ao fundo. Até me concentrar numa única voz e, então, o que essa pessoa estiver a pensar torna-se claro para mim. Durante a maior parte do tempo, desligo-me simplesmente de tudo isso, é muito perturbador. E, depois, é mais fácil parecer normal. - Franziu o sobrolho ao pronunciar a palavra. – Quando não estou acidentalmente a responder aos pensamentos de alguém em vez de responder às suas palavras.

- Por que motivo julgas que não consegues auscultar-me? – Perguntei com curiosidade.

Fitou-me com olhos enigmáticos.

- Não sei. – Murmurou. – O meu único palpite é que talvez a tua mente não funcione da mesma forma que a das restantes pessoas, como se os teus pensamentos estivessem na frequência AM e eu só conseguisse sintonizar em FM.

Lançou-me um sorriso rasgado, subitamente divertido.

A sua explicação tinha algum sentido… Visto da minha perspectiva. Eu era uma bruxa, logo, a minha mente não deveria ser igual ou sequer idêntica à mente dos humanos ou dos vampiros que ele devia estar habituado a auscultar. Fazia sentido… No entanto, duvidava que ele não fosse capaz de auscultar o meu pai ou, talvez, a minha irmã. Isso fez-me perceber uma coisa…

- A minha mente não funciona convenientemente? Sou uma aberração?

Tais palavras incomodavam-me mais do que deviam, especialmente por eu já saber que era diferente dos outros (como se uma bruxa pudesse alguma vez vir a ser igual aos humanos) e provavelmente devido ao facto de a sua especulação ter tocado no ponto sensível. Eu sempre tivera essa suspeita (que era diferente, mesmo das bruxas que eram a minha espécie) e envergonhava-me que a mesma fosse confirmada, ainda mais por um vampiro que nem sequer sabia a minha verdadeira identidade.

- Ouço vozes dentro da minha cabeça e tu é que estás preocupada com a possibilidade de seres uma aberração. – Riu-se. Claro que eu estava preocupada! Não era ele que seria posto de parte numa sociedade em que ser-se diferente era a mesma coisa que se ter uma deficiência no mundo Humano. – Não te preocupes; trata-se apenas de uma teoria… - O seu semblante cerrou-se. – O que nos leva novamente a ti.

Suspirei. Estava na hora. Por onde havia de começar?

- Não superámos já todas as evasivas? – Relembrou-me suavemente.

Desviei o olhar do rosto dele pela primeira vez, tentando encontrar as palavras certas. Reparei, por acaso, no velocímetro.

- Valha-me Deus! – Gritei. – Abranda!

- O que é que se passa? – Inquiriu ele sobressaltado, mas o carro não desacelerou.

- Vais a cento e sessenta quilómetros por hora!

Eu continuava a gritar. Lancei um olhar de pânico pelo vidro, vendo as sombras das árvores passarem por nós. A estrada só era mais facilmente perceptível na longa mancha azulada projectada pelos faróis. A floresta que se estendia de ambos os lados da estrada assemelhava-se a um muro negro – tão sólido como uma parede de aço se nós saíssemos da estrada àquela velocidade.

- Descontrai-te, Bella.

Revirou os olhos, continuando sem abrandar.

Eu, por mais que tentasse não compará-lo com o Tio Angel, não conseguia. Era demasiado difícil não o fazer quando ele fazia tantas coisas como o Tio. Ambos com a sua mania de vampiros…

- Estás a tentar fazer com que ambos morramos? – Interroguei. Embora soubesse que nunca iríamos bater.

- Não vamos bater. – Ele assegurou-me com a mesma firmeza que, eu tenho a certeza, o Tio Angel usaria.

Tentei modular a voz.

- Porque estás com tanta pressa?

Era uma boa maneira de ver esta sua velocidade sem revelar de maneira nenhuma o que eu sabia o que era viajar num carro com um louco ao volante.

- Conduzo sempre desta forma.

O Tio Angel também, pensei.

Virou-se para me sorrir de través. Por momentos, pensei que ele me tivesse ouvido.

- Não tires os olhos da estrada!

- Nunca me envolvi num acidente, Bella; nunca fui sequer autuado. – Esboçou um sorriso largo e bateu com a mão na testa. – Detector de radar incorporado.

- Muito engraçado! – Exclamei, irritada. – O Charlie é polícia, lembras-te? Fui educada para obedecer às regras de trânsito. Além disso, se nos transformares numa rosquilha de marca Volvo a envolver o tronco de uma árvore, podes provavelmente sair ileso. – Eu fora criada por toda uma família envolta com a lei! E para além disso, ainda não estava suficientemente desenvolvida para ser indestrutível.

- Provavelmente. – Concordou com uma breve e vigorosa gargalhada. – Mas tu não. – Suspirou e eu vi, com alívio, o ponteiro a baixar gradualmente para os cento e vinte quilómetros por hora. Deu-me vontade de rir. Ele julgava que eu poderia sair magoada de um acidente de carro e, de facto, podia, mas só com alguns arranhões que não demorariam sequer uma semana a sarar. – Satisfeita?

- Quase.

- Detesto conduzir devagar. – Murmurou ele por entre dentes.

- Isto é devagar?

- Já chega de comentários sobre a minha condução. – Disse ele com brusquidão. – Ainda estou à espera de ouvir a tua mais recente teoria.

Ainda estás à espera de ouvir a verdade, pensei. Mordi o lábio. Ele olhou-me de cima, com olhos cor de mel subitamente ternos.

- Eu não me rio. – Prometeu.

Eu não tinha medo disso. – Receio mais que fiques zangado comigo.

- É assim tão má?

É péssima. – Sim, bastante.

Ele aguardou. Eu olhava para as minhas mãos, de modo a não poder ver a expressão estampada no seu rosto.

- Continua.

A sua voz estava calma. Mas não por muito tempo, disso tinha eu a certeza.

- Não sei por onde começar. – Reconheci. Como é que eu iria contar-lhe que sabia o que ele era? Pior, como é que eu iria contar-lhe que eu era uma bruxa?

- Porque não começas pelo principio… disseste que não a elaboraste sozinha.

- Pois não.

- O que é que a desencadeou? Um livro? Um filme? – Sondou.

Oh! Vá lá! Não me consideras assim tão ingénua, pois não?

- Não, foi o dia de sábado, na praia.

Arrisquei um olhar de relance para o seu rosto. Ele parecia intrigado.

- Encontrei um velho amigo da família – o Jacob Black. – Prossegui. – O pai dele e o Charlie são amigos desde que eu era bebé.

Ele continuava com um ar confuso.

- O pai dele é um dos anciãos Quileutes. – Eu observava-o cuidadosamente. A sua expressão de confusão manteve-se inalterada. – Fomos dar uma volta. – Omiti todas as minhas maquinações da história. – E ele contou-me algumas lendas antigas – tentando assustar-me, creio eu. Contou-me uma… - Hesitei.

- Continua.

- Sobre vampiros.

Apercebi-me de que estava a sussurrar. Não conseguia agora olhá-lo no rosto, mas vi os nós dos seus dedos a contraírem-se compulsivamente no volante.

- E pensaste imediatamente em mim?

Continuava calmo.

- Não. Ele… mencionou a tua família.

Calou-se, olhando fixamente para a estrada. Fiquei subitamente preocupada, preocupada com a protecção do meu futuro cunhado.

- Ele pensava apenas que se tratava de uma superstição tola. – Disse eu rapidamente. – Não esperava que eu daí retirasse algumas conclusões.

Tal não pareceu ser suficiente; tinha de confessar.

- A culpa foi minha; obriguei-o a contar-me.

Isto era horrível! Estava a confessar ao meu vampiro que me tinha feito ao futuro namorado da minha irmã gémea.

- Porquê?

- A Lauren disse algo a teu respeito – estava a tentar provocar-me – e um rapaz mais velho da tribo referiu a tua família não ia à reserva, só que parecia que as suas palavras tinham um segundo sentido. Assim, fiz por ficar a sós com o Jacob e levei-o a fazer-me essas revelações. – Admiti, baixando a cabeça com vergonha. Agora, dizendo isto tudo a Edward, não conseguia acreditar que seduzira o meu futuro cunhado!

Ele assustou-me ao rir-se. Lancei-lhe um olhar irado. Estava a rir-se, mas os seus olhos estava ferozes, fixando-se no que se encontrava à sua frente.

- Como é que o levaste a fazê-lo? – Perguntou. Oh meu Deus!

- Tentei namoriscá-lo… foi mais eficaz do que eu pensava.

A incredulidade enrubesceu-me ao lembrar-me. Só tinha visto a minha irmã a fazê-lo umas vezes, nunca tentara! Mas pelos vistos… tenho mais jeito do que pensara.

- Gostava de ter assistido. – Soltou um sinistro riso abafado. – E acusaste-me a mim de deslumbrar as pessoas. Pobre Jacob Black!

Corei e olhei, pelo vidro do meu lado, para a noite. Não creio que ele pensasse realmente do mesmo modo como falava.

- O que fizeste então? – Perguntou um momento depois.

Suspirei. Era agora que o meu pai e o meu tio entravam na história.

- Falei com uns familiares…

Olhei para ele para ver o seu rosto contorcido em confusão, eu também estaria… Dizem-nos que o nosso colega de escola e amigo é um vampiro e a primeira coisa que fazemos é falarmos disso à nossa família? Definitivamente não!

- Como assim?

- O meu… tio. – Comecei, não me parecia nada bem começar logo por dizer que o meu tio era um vampiro! – Ele… Ele… - Inspirei fundo, tomando coragem para continuar. – Ele estuda lendas! E… ele ajudou-me a fazer a pesquisa.

- E isso convenceu-te?

O seu tom de voz revelava um escasso interesse, mas as suas mãos seguravam firmemente o volante.

- Não. Nada se encaixava. – Escusado era dizer que tinha o exemplar perfeito à minha frente depois de ler as informações retiradas da internet. – A maior parte da informação era bastante disparatada. Então… - Detive-me.

- O quê?

- Cheguei à conclusão de que não tinha importância. – Sussurrei.

- Não tinha importância?

O seu tom de voz fez-me voltar a erguer o olhar – consegui finalmente penetrar na sua máscara cuidadosamente composta. O rosto transmitia incredulidade, com apenas um laivo da raiva que eu temera.

- Não. – Disse brandamente, - Não me interessa o que tu és.

Uma ponta de escárnio e de dureza introduziu-se na sua voz.

- Não te importas que eu seja um monstro? Que eu não seja humano?

- Não.

Ficou calado, fixando de novo o olhar em frente. O seu rosto estava frio e austero.

Engoli em seco, tinha que lhe dizer… Não sabia como… Mas tinha!

- Não me importa porque… porque eu também não sou humana. – Murmurei, inspirando fundo para ganhar coragem. - Eu sou uma bruxa, Edward.

O seu riso encheu o carro. Obviamente, ele não acreditava em mim. O meu coração apertou-se no peito com este pensamento.

- Bella, quem quer que tenha sido o idiota que te disse isso, está enganado. – Ele disse olhando-me carinhosamente. – Tu és a rapariga mais querida e doce que eu já conheci em toda a minha existência. E estares a dizer isso só prova o que eu disse.

Mordi os meus lábios, ele julgava aquilo de mim e, no entanto, não acreditava em mim. Eu estava a falar a sério! Estava a revelar-lhe algo que eu estava proibida de revelar a quem quer que fosse e ele julgava que eu estava a brincar?

- Edward, eu não estou a brincar! Eu estou a falar a sério! – Exclamei, olhando-o levemente desesperada. – Tens que acreditar!

- Bella… Porque é que dizes isso? – Ele perguntou-me num tom de voz carinhoso mas obviamente preocupado. Eu sabia que ele agora estava a perguntar-se pela minha saúde mental.

- Porque é verdade! – Exclamei exasperada. – Eu vou provar-to!

A irritação que eu sentia tornava mais fácil a súbita necessidade de usar magia. Era fácil concentrar-me no que queria… e eu sabia exactamente o que era.

Senti o formigueiro que a magia me provocava nas pontas dos dedos, todo o meu corpo vibrava para a libertação de magia e essa vibração provocava um maior aquecimento do meu corpo. O meu coração batia mais depressa, bombeando o meu sangue repleto de magia para todo o meu corpo.

Antes que Edward se apercebesse do que eu estava a fazer, agarrei-lhe no rosto e fi-lo olhar-me nos olhos. Os seus dourados nos meus castanhos. Por debaixo das minhas mãos, a sua pele gelada e macia lançava arrepios de prazer pelo meu corpo, ajudando na aceleração do meu coração. Tudo isto tornou o processo muito mais rápido do que teria sido se eu estivesse em casa a praticar.

Tão de repente como quando eu lhe agarrei no rosto, Edward fez uma travagem brusca, visivelmente assustado pela minha repentina atitude. Nem eu nem ele nos mexemos enquanto eu continuava a olhá-lo nos seus profundos olhos, encontrando todo o caminho até à sua alma e sentindo a sua pele fria sob a minha quente. Quando acabei, deixei as minhas mãos caírem do seu rosto perfeito e recostei-me à porta do passageiro, ofegando cansada. Era esse o custo por usar magia, ficar um pouco cansada.

- Bella, o que é que…? – Ele começou mas eu interrompi-o.

- Olha-te ao espelho. – Respondi-lhe entre lufadas de ar.

Ele elevou uma das suas perfeitas sobrancelhas, confuso, mas obedeceu-me. Virou o seu rosto para o espelho retrovisor e então com um audível ofego, prendeu a respiração. No espelho, ambos tínhamos a perfeita vista de um par de esmeraldas no lugar dos anteriores olhos dourados. Ambos os seus olhos estavam agora do mais belo e profundo tom de verde. Não era um tom de verde como se via por aí, não. Aquele verde era vivo, ardente, misterioso.

Vi a mão de Edward levantar-se lentamente e tocar nas suas olheiras agora pouco perceptíveis, a incredulidade brilhava nas duas esmeraldas, o espanto preenchia os traços perfeitos do vampiro à minha frente. Os seus olhos dançavam ainda desorientados com a mudança. Foi então que caíram em mim, ainda com o espanto, a incredulidade e outro sentimento estampados neles.

- Como…

- Já acreditas em mim? – Perguntei com um fraco sorriso, tentando aliviar a tensão que se gerara no carro quando lhe toquei. – Ou ainda julgas que estava a brincar quando disse que era uma bruxa?

Tinha a certeza de que ele já não tinha dúvidas quanto à minha natureza… No entanto, parecia estar a custar-lhe imenso aceitar a ideia. Os seus olhos ainda estavam inquietos, o verde vivo das suas íris a brilhar com tantos sentimentos que me confundiam. Sentia os meus cabelos colados à testa devido a uma irritante camada de suor, também provocado pelo uso de magia. Precisava de tomar um banho quando chegasse a casa.

- Tu és uma bruxa? – Ele disse, mas soou como se se tratasse de uma pergunta.

- Sim… - Respondi-lhe, olhando-o seriamente. – E tu és um vampiro.

Ele olhou em frente com um olhar duro. Ligou o carro e retomou a condução.

- Estou errada? – Perguntei, embora já soubesse a resposta.

- Isso tem alguma importância?

Respirei fundo.

- Uma bruxa… - Ele disse muito baixinho, quase inaudível, e depois riu-se. – Uma bruxa.

- Sim. – Disse-lhe. – Uma bruxa que está sentada ao teu lado e consegue ouvir-te perfeitamente. Tens dúvidas?

Os cantos dos seus lábios elevaram-se levemente no começo de um sorriso.

- Na verdade… Tenho algumas. – Ele olhou-me pelo canto do olho como se pedisse permissão para as fazer. – Como é que vocês, se é que posso dizer isso, não sei, se transformam?

Olhei para ele, incrédula. Ele julgava que nós éramos tipo vampiros? Tive que me rir. Ele olhou para mim com as sobrancelhas franzidas, obviamente confuso pela minha reacção. Demorei um bocado até conseguir controlar o riso.

- Desculpa… - Disse entre lufadas de ar. – É só que… Nunca ninguém que eu tenha conhecido julgou que as bruxas sofressem uma transformação. Quer dizer, sim sofremos, mas não do modo como deves estar a sugerir. – Respirei fundo para me acalmar de uma nova onda de riso. – A magia é algo que nasce connosco. Não temos escolha, somos assim porque é assim que nascemos.

Ele acenou compreensivamente. Esperei um pouco mais, deixando que aquela informação assentasse no seu cérebro e que ele me fizesse outra pergunta.

- Vocês voam mesmo em vassouras?

A pergunta dele era totalmente justificável, no entanto, eu não podia deixar de gargalhar outra vez. Ele não tinha culpa que as informações reais existentes sobre bruxas fossem tão escassas como as que existiam sobre vampiros. Ele voltou a olhar-me mas desta vez o seu ar era ligeiramente aborrecido.

- Desculpa se sou ignorante no que toca à tua espécie! Mas nunca estive ao pé de uma bruxa! – Ele disse, tentando camuflar o riso também existente na sua voz. – Pelo menos que eu saiba.

- Isso é pura ficção! – Respondi-lhe. – Deves pensar em nós, não como aquelas coisas que mostram nos filmes… Somos praticamente humanas, só que no nosso sangue corre magia, é só.

- Varinhas?

- Ficção.

- Os gatos? A ausência de beleza? As verrugas?

Ri-me novamente.

- Temos afinidade com os gatos. A ausência de beleza… Não me parece, todas as bruxas que eu conheço, e devo dizer que são bastantes, são quase tão belas como vocês, vampiros, são. Creio que a beleza na nossa espécie também serve para atrair as nossas presas. As verrugas são pura ficção!

- Presas? Como assim?

Mordi os lábios. Não sabia responder bem a esta pergunta, sabia que éramos caçadoras, que em muitos casos, os vampiros eram as nossas presas, não por sangue, não. As bruxas sempre foram seres pacíficos.

- Não bebemos sangue… Mas… Temos “sede” de poder. – Tentei explicar-me de uma maneira compreensível, mas a tarefa mostrava-se mais complicada do que devia. – Nós temos um lado negro e um lado bom… O lado bom é o lado normal, o lado humano. O lado negro é o que nos faz desejar ter mais poder, é aquele que não se importa de matar para adquirir mais força. Em termos genéricos, a existência de bruxas más, que são cruéis e tudo mais, é devido a esse lado negro.

- Queres dizer que as ditas bruxas más são assim porque o escolheram?

- Não. – Respondi prontamente. Eu tinha a minha opinião formada em relação a essas bruxas. – É uma questão de força de vontade. Elas tornaram-se assim porque não foram fortes o suficiente para lutar contra esse lado negro!

Sentia-me estúpida a falar disto com ele, especialmente agora. A qualquer momento, eu poderia tornar-me fraca o suficiente para sucumbir ao monstro… Fraca o suficiente para deixar que o monstro voltasse a desejar os seus poderes, a sua magia… Fraca o suficiente para esquecer que o meu coração batia mais forte por ele e ele era a causa de eu querer me aguentar em Forks.

- Hum… - Ele tirou-me dos meus devaneios clareando a garganta. – E tu? – Por momentos julguei que ele estivesse a questionar a minha força de vontade. – Não tens dúvidas acerca da minha natureza?

Sim… Tinha… Só uma.

- Só uma. – Respondi-lhe.

- Só uma? – Ele parecia incrédulo.

- Que idade tens?

- Dezassete. – Respondeu prontamente.

- Há quanto tempo tens dezassete?

Ele olhou-me cuidadosamente pelo canto do olho. De certo deve-se ter deparado com o meu ar sério e isso fê-lo continuar.

- Há algum. – Confessou por fim.

- Muito bem.

Sorri satisfeita, já tínhamos chegado a algum lugar.

- Só isso? – Ele perguntou novamente incrédulo. – Só estás interessada em saber que idade tenho? Mais nada? Nem queres saber se me desfaço ao Sol? Se durmo em caixões? O meu tipo de alimentação?

- Sim, só estou interessada em saber que idade tens. Isso de se desfazerem ao Sol é mito, tal como dormirem em caixões! Sei perfeitamente que não dormem. E sei que bebes sangue! Mas não um sangue qualquer! Sangue de animal! – Enumerei as respostas pelos dedos, de maneira tão descontraída que até a mim me assustou. – Isso explica a cor dourada dos teus olhos.

- Como é que sabes isso tudo, Bella? – Ele agora olhava em frente, totalmente concentrado na estrada. – Como é que sabes que não durmo… Que bebo sangue de animal e que é por isso que os meus olhos ficam dourados?

- Hum… O tio que eu referi à pouco… Ele é um vampiro. – Esperei pela sua reacção, mas ele apenas franziu as sobrancelhas, espantado. – Não sei se já ouviste falar em Angelus?

- Angelus… Esse nome não me é estranho… - Ele divagou, talvez, procurando na sua mente de onde reconhecia o nome.

- Foi um vampiro que viveu em Volterra até há algum tempo atrás. – Disse-lhe, tentando ajudá-lo. – Pelo que ele me conta, era um dos chefes da guarda dos Volturi.

- Angelus… Sim… Já me recordo! O velho Angelus… Bebedor de sangue humano, chefe da guarda dos Volturi e braço direito de um dos chefes.

- Sim… O meu querido Tio Angel… Eu cresci rodeada de vampiros e bruxas… Quer dizer, quando passava férias com o meu pai, ambos íamos para Salem! – Vi-o lançar-me o olhar cheio de curiosidade. – Salem não fica muito longe do estado de Washington. Fica no estado de Oregon… Só as bruxas e alguns vampiros sabem da localização exacta da cidade. É aonde eu vou no próximo sábado. – Disse-lhe que ia a Salem, não querendo saber se ele estava disposto a vir comigo ou não.

- Aonde nós vamos! – Ele corrigiu-me, sorrindo para mim com aquele lindo sorriso enviesado. – Eu nem acredito que tu me vais levar ao lugar onde toda a tua família mora… Mesmo sabendo o que eu sou.

- A Avó vai ficar encantada em conhecer-te. – Disse-lhe imaginando a Avó a recebê-lo. – A Madrinha também… O Tio Angel é que é capaz de ficar um pouco aborrecido… Ele é muito protector.

Edward riu-se, o seu sentido de humor a regressar após o choque da minha revelação. Os seus olhos verdes transmitiam satisfação, contentamento, alegria.

- Posso fazer mais uma pergunta? – Perguntou-me, inseguro do que eu poderia dizer.

- Tantas quantas quiseres… - Disse-lhe. – Desde que me deixes perguntar o que eu quiser, também.

- Feito! – Concordou. – O que aconteceria se um vampiro mordesse uma de vocês?

- Hum… - Reflecti sobre a sua pergunta, nunca pensara muito nisso, mas sabia que não nos transformaríamos, pelo menos era o que eu pensava. – Não tenho bem a certeza… Não me lembro de me terem falado acerca de uma bruxa transformada em vampira pelo seu companheiro. – Ele olhou-me repentinamente surpreendido. – Oh, sim! Desculpa! Esqueci-me de dizer que algumas bruxas em Salem são companheiras de vampiros. Que eu saiba nenhum vampiro tentou transformar alguma bruxa numa deles… Acho que a Avó e o Avô descobriram que o vosso veneno não faz nenhum efeito em nós… Quer dizer, dizem que dói como um raio, mas que não acontece nenhuma alteração.

- Por isso é que a Alice não te viu como vampira… - Edward devaneou, mas foi tão baixo que eu perguntei-me se seria para eu ouvir. Resolvi ignorar. – Diz-me, o teu pai…

- Também é um feiticeiro! – Apressei-me a dizer. – Mas a minha mãe não. A Ana também é… E ela… Vê o futuro.

Ele olhou-me, curioso. – A sério?

- Sim… Ela, por vezes, diz-me o que se vai passar, quando ela olha para o meu futuro e vê coisas com pouco interesse… Nunca me diz tudo. E isso é tão frustrante.

- Isso soa exactamente à Alice. – Ele disse rindo-se. – Ela, às vezes, também não me deixa ver o que ela viu.

Bufei. Era diferente. Ele podia ver! Eu era obrigada a ter que me ficar pelo que Ana me decidisse contar, e ela podia sempre mentir.

- É diferente… Tu podes auscultar a mente dela e ver o que ela viu. Eu tenho que me ficar pelo que a minha irmã me conta, isto se ela não mentir.

Ele riu-se, abanando levemente a cabeça.

- Edward… - Senti um formigueiro nos meus lábios ao dizer o seu nome. – Foste caçar, no passado fim-de-semana, com o Emmett, não foi?

- Fui. – Deteve-se por um instante, como se estivesse a decidir se haveria ou não de dizer algo. – Não queria partir, mas era necessário. É um pouco mais fácil estar perto de ti quando não estou sedento.

- Porque é que não querias partir?

- Fico… ansioso… quando estou longe de ti. – Disse, com um olhar afável, mas intenso, parecendo estar a fazer com que os meus ossos amolecessem. Ora, tínhamos um sentimento em comum. – Não estava a brincar quando te pedi que tentasses não cair ao mar nem ser atropelada na passada quinta-feira. Passei todo o fim-de-semana com o espírito inquieto, preocupado contigo, e, depois do que aconteceu esta noite, estou surpreendido por teres conseguido escapar ilesa a um fim-de-semana inteiro. – Abanou a cabeça e, em seguida, pareceu lembrar-se de algo. – Bem, não totalmente ilesa.

- O quê?

- As tuas mãos. – Relembrou-me.

Olhei para as palmas das minhas mãos, para os risquinhos cor-de-rosa, resultantes das antigas feridas das quedas que dera no sábado, que marcavam a base das mesmas. Nada escapava aos seus olhos.

- Caí! – Exclamei, suspirando. – Mas eu saro muito depressa.

- Foi o que eu pensei. – Os seus lábios esboçaram um trejeito nos cantos. – Suponho que, tratando-se de ti, poderia ter sido muito pior, e essa possibilidade atormentou-me durante todo o tempo que passei fora. Foram três dias muito longos. Irritei o Emmett a sério.

Sorriu-me com um ar de arrependimento.

- Três dias? Não regressaram hoje?

- Não, regressámos no domingo.

- Ah! Não foram à escola por causa do sol… - Divaguei.

- Exacto.

Esperei um pouco, enquanto o meu cérebro imaginava a figura de Edward ao Sol.

- Podias ter-me telefonado. – Resolvi dizer.

Ele ficou perplexo.

- Mas eu sabia que estavas a salvo.

- Mas eu não sabia onde tu estavas. Eu… - Hesitei, baixando o olhar.

- O quê?

A sua voz aveludada era irresistível.

- Não gostei. De não te ver. Também me faz ficar ansiosa.

Ruborizei por estar a dizer isto em voz alta. Ele ficou calado. Olhei de relance, apreensiva, e vi que ele tinha uma expressão de dor estampada no rosto.

- Ah! – Lamentou-se calmamente. – Isto está errado.

Não consegui compreender a sua réplica.

- O que é que eu disse?

- Não vês, Bella? Fazer-me infeliz a mim mesmo é uma coisa, mas outra coisa completamente diferente é o facto de tu estares tão envolvida. – Virou os olhos subitamente angustiados para a estrada, com as palavras a fluírem demasiado depressa para que eu as compreendesse instantaneamente. – Não quero ouvir-te dizer que te sentes assim. – Falava em voz baixa, mas com insistência. As suas palavras trespassavam-me. – Está errado. Não é seguro. Eu sou perigoso. Bella, por favor, compreende isso.

- Não!

Esforçava-me arduamente por não parecer uma criança amuada.

- Estou a falar a sério. – Resmungou.

- Eu também. Já te disse que não me interessa o que tu és! Eu não sou nenhuma humana que saia magoada disto, Edward. Eu sou uma bruxa! Tanto tu como eu podemos sair magoados disto. – Disse-lhe, relembrando-lhe o que ele se esquecera, obviamente. – Não te esqueças disso. E também… Já é demasiado tarde.

A sua voz precipitou-se, grave e ríspida.

- Nunca digas isso.

Mordi o lábio e fiquei contente por ele não poder saber quanto aquilo me magoava. Fixei o olhar na estrada. Já devíamos estar perto. Ele conduzia com demasiada velocidade.

- Em que estás a pensar? – Perguntou-me, com a voz ainda rude.

Abanei a cabeça, não sabendo ao certo se conseguia falar. Sentia o seu olhar pregado em mim, mas continuei a olhar em frente. Odiava as emoções demasiado humanas que me trespassavam naquele momento.

- Estás a chorar?

Parecia estarrecido. Não me apercebera de que a humidade que me inundava os olhos transbordara. Apressei-me a passar a mão pela face e, de facto, ali se encontravam lágrimas traiçoeiras.

- Não! – Exclamei, mas a voz falhou-me.

Vi-o tentar alcançar-me, de forma hesitante, com a mão direita, mas, de repente, deteve-se e voltou a pousá-la lentamente no volante. O meu corpo estremeceu com a vontade de sentir o seu toque gelado na minha pele.

- Desculpa.

A sua voz queimava de arrependimento. Eu sabia que ele não estava a desculpar-se apenas pelas palavras que me haviam transtornado.

A escuridão passava por nós em silêncio.

- Diz-me uma coisa. – Pediu após um instante, esforçando-se por falar com um tom de voz mais brando.

- Sim?

- Em que é que estava a pensar esta noite, mesmo antes de eu contornar a esquina? Não consegui perceber a expressão estampada no teu rosto e não parecias assim tão assustada, mas parecias, sim, estar a concentrar-te profundamente em algo.

- Estava a pensar que aqueles homens tinham-se metido com a pessoa errada e que iam lamentá-lo. – Lembrei-me do homem de cabelo escuro com um acesso de ódio, o que despertou o monstrinho fazendo-o rosnar baixinho no meu peito.

- Ias lutar com eles? – Perguntou transtornado com o facto. – Não pensaste em fugir?

- Caio muitas vezes quando corro. – Confessei.

- E em gritar?

- Estava a chegar a essa parte. Mas o meu lado bruxo não me permitia agir apenas como uma humana indefesa.

Ele abanou a cabeça.

- Tinhas razão – estou decididamente a lutar contra o destino ao tentar manter-te viva.

Suspirei. Estávamos a abrandar, a entrar nos limites de Forks. Demorara menos de dez minutos.

- Vemo-nos amanhã? – Perguntei.

- Vemos, também tenho um trabalho a entregar. – Sorriu. – Guardo-te um lugar ao almoço.

Depois de tudo aquilo por que passáramos nesta noite, era disparatada a forma como aquela pequena promessa me provocou palpitações no coração e fez com que eu ficasse incapaz de falar.

Estávamos em frente da casa de Charlie. As luzes estavam acesas, a minha pick-up no seu devido lugar, tudo absolutamente normal. Era como se acordasse de um sonho. Ele parou o carro, mas eu não me mexi.

- Prometes estar lá amanhã?

- Prometo.

Pensei nestas palavras por um momento e, em seguida, acenei com a cabeça. Despi o casaco dele, sentindo o seu cheiro uma última vez.

- Podes ficar com ele – não tens casaco para vestir amanhã. – Relembrou-me.

Voltei a estender-lho.

- Não quero ter de dar explicações ao Charlie.

- Ah, pois! – Esboçou um sorriso largo.

Hesitei, com a mão no manípulo da porta, tentando prolongar o momento.

- Bella?! – Exclamou num tom de voz diferente, sério, mas hesitante.

- Sim? – Tornei a virar-me para ele com demasiada ansiedade.

- Prometes-me uma coisa?

- Prometo. – Disse eu, arrependendo-me imediatamente do meu assentimento incondicional. E se ele me pedisse para me manter afastada dele? Não conseguiria cumprir tal promessa.

- Não entres no bosque sozinha.

Olhei-o com confusa desorientação.

- Porquê?

Ele franziu o sobrolho e os seus olhos estavam cerrados enquanto ele lançava o olhar além de mim, pelo vidro.

- Nem sempre sou a criatura mais perigosa que por ali deambula. Fiquemos por aqui.

Estremeci ligeiramente perante a súbita soturnidade patente na sua voz, mas fiquei aliviada e levemente aborrecida. Esta, pelo menos, era uma promessa fácil de honrar e ele continuava a contar com a minha aparência para julgar a minha força.

- Como queiras.

- Até amanhã! – Exclamou ele com um suspiro e eu soube que ele queria que eu saísse naquele momento.

- Até manhã, então.

Abri a porta com relutância.

- Bella?

Virei-me e ele estava inclinado na minha direcção, com o rosto pálido e sublime a apenas alguns centímetros de distância do meu. O meu coração parou de bater.

- Dorme bem. – Disse.

Senti a respiração dele na minha cara, atordoando-me. Exalava o mesmo cheiro soberbo que se mantinha no seu casaco, mas de forma mais concentrada. Pisquei os olhos, completamente aturdida. Ele afastou-se ligeiramente. A sua respiração fresca tocou-me nos lábios, provocando um formigueiro de ansiedade neles.

Consegui recompor-me o suficiente para sorrir.

- Seja o que for que fazes à noite… Espero que te divirtas. – Disse-lhe, depois de pensar meio segundo, beijei-lhe a face fazendo com que ele ficasse com um ar surpreso.

Sai do carro e sorri vitoriosa. Ele não era o único a ter influência sobre alguém. Caminhei apressada até à porta, apercebendo-me de que ele esperou que eu lá chegasse e, em seguida, ouvi o motor do seu carro a embalar calmamente. Voltei-me para ver o automóvel prateado desaparecer ao contornar a esquina. Apercebi-me de que estava muito frio.

Alcancei a chave rapidamente, desejosa de entrar, abri a porta e entrei. Charlie chamou-me da sala de estar.

- Bella?

- Sim, pai, sou eu.

Fui até lá para vê-lo. Estava a assistir a um jogo de basebol.

- Chegaste cedo.

- Cheguei?

Estava surpreendida. Não tinha tido noção das horas até àquele momento.

- Ainda nem são oito horas. – Informou-me. – As meninas divertiram-se? – Percebi o duplo sentido das suas palavras. Sorri ao aperceber-me de que o meu pai devia ter me visto a sair do carro de Edward.

- Sim, foi muito divertido. Ambas encontraram vestidos.

O seu sorriso divertido desapareceu de repente e deu lugar a uma expressão preocupada.

- Estás bem?

- Estou apenas cansada. Caminhei muito.

- Bem, talvez devesses ir deitar-te. – Demonstrou ainda mais preocupação naquelas palavras.

Perguntei-me como estaria a minha cara.

- Vou só telefonar à Jessica primeiro. Deixei o meu casaco no carro dela. Quero certificar-me de que ela o leva amanhã.

O sorriso de divertimento voltou a surgir, mas os seus olhos continuavam preocupados.

- Vai lá.

Fui para a cozinha, deixei-me cair, exausta, numa cadeira. Agora, sentia-me realmente tonta. Perguntei-me se sempre iria entrar em estado de choque agora que deixara a companhia de Edward. Controla-te, disse para comigo mesma.

De repente, o telefone tocou, sobressaltando-me. Arranquei o auscultador do gancho.

- Está lá! – Exclamei de forma ofegante.

- Bella?

- Olá, Jess, ia mesmo agora ligar-te.

- Conseguiste chegar a casa?

A sua voz transmitia alívio… e surpresa. Reprimi o riso. O que julgara ela que Edward me poderia ter feito?

- Sim. Deixei o casaco no teu carro – podias levar-mo amanhã?

- Claro. Mas conta-me o que aconteceu! – Exigiu ela.

- Hum, amanhã, na aula de Trigonometria, está bem?

Ela depressa percebeu.

- Ah, o teu pai está aí?

- Sim, é isso mesmo.

- Muito bem, falamos amanhã, então. Adeus!

Eu detectava impaciência na voz dela.

- Adeus, Jess.

Subi as escadas vagarosamente, com um pesado torpor a toldar-me o espírito. Preparei-me para me deitar sem prestar atenção ao que estava a fazer. Só quando estava no duche – com a água demasiado quente a queimar-me a pele – é que me apercebi de que estava a enregelada. Tremi violentamente durante vários minutos até que o jacto de água fumegante relaxou os meus músculos rígidos. Então, permaneci de pé, no duche, demasiado cansada para me mover, até que a água quente começou a faltar.

Sai aos tropeções, envolvendo-me cuidadosamente numa toalha, tentando manter o calor da água no corpo, de modo a que os dolorosos arrepios não voltassem. Vesti agilmente a roupa de dormir e deitei-me sob a colcha, enroscando-me como uma bola, abraçando-me a mim mesma para me manter quente. Alguns pequenos tremores perpassaram-me.

A minha cabeça ainda rodopiava vertiginosamente, repleta de imagens que eu não conseguia compreender e de algumas que eu me esforçava por recalcar. A princípio, nada parecia claro, mas, à medida que o meu estado se aproximava mais da inconsciência, algumas certezas tornaram-se evidentes.

Em três pontos, eu estava absolutamente segura. Em primeiro lugar, Edward era um vampiro. Em segundo, uma parte dele – e eu não sabia qual era o poder dessa parte – ansiava pelo meu sangue. Por fim, em terceiro lugar, eu estava incondicional e irrevogavelmente apaixonada por ele.

 

 

(Edward POV)

 

- Posso fazer apenas mais uma pergunta? – Ela perguntou em vez de responder à minha pergunta.

Eu estava no limite, ansiando pelo pior. E ainda assim, quão tentador era prolongar este momento. Ter Bella comigo, voluntariamente, por apenas mais alguns segundos. Suspirei perante o dilema, e então disse. - Só uma.

- Bem… - Ela hesitou por um momento, como se decidisse que questão colocaria. - Disseste que sabias que eu não entrara na livraria e que me dirigira para Sul. Estava apenas a interrogar-me como é que sabias isso.

Olhei pelo vidro da frente. Aqui estava outra pergunta que nada revelava da sua parte, e muito da minha.

- Pensei que já tínhamos superado todas as atitudes evasivas. – Ela disse, o seu tom crítico e desapontado.

Que irónico. Ela era descuidadamente evasiva, sem sequer tentar.

Bem, ela queria que eu fosse directo. E esta conversa não ia a nenhum lugar bom, de qualquer maneira.

- Então, muito bem. – Disse. - Segui o teu cheiro.

Eu queria observar a sua cara, mas estava com medo do que eu poderia ver. Em vez disso, eu ouvi a sua respiração acelerar e então estabilizar. Ela falou outra vez depois de um momento, e a sua voz estava mais estável do que eu poderia ter esperado.

- E, então, não me respondeste a uma das minhas primeiras perguntas… - Ela disse.

- Qual?

- Como é que funciona a questão da adivinhação do pensamento? – Ela perguntou, refazendo a sua pergunta do restaurante. - Consegues adivinhar os pensamentos de qualquer pessoa, em qualquer lugar? Como é que consegues? O resto da tua família também pode…? – Ela continuou, corando outra vez.

- Isso é mais do que uma pergunta. – Disse-lhe.

E porque não contar-lhe? Ela já tinha adivinhado a maior parte, e era um assunto mais fácil do que aquele que estava para vir.

- Não, só eu é que posso. E não consigo auscultar qualquer pessoa, em qualquer lugar. Tenho de estar relativamente próximo. Quanto mais conhecida é a… “voz” de uma pessoa, maior é a distância a que consigo auscultá-la, mas, mesmo assim, a não mais do que a alguns quilómetros. – Tentei pensar num modo de descreve-lo para que ela pudesse compreender. Uma analogia a que ela pudesse relacionar. - Assemelha-se um pouco a estar num enorme salão cheio de pessoas, com toda a gente a falar ao mesmo tempo. É apenas um murmúrio, um burburinho de vozes ao fundo. Até me concentrar numa única voz e, então, o que essa pessoa estiver a pensar torna-se claro para mim. Durante a maior parte do tempo, desligo-me simplesmente de tudo isso, é muito perturbador. E, depois, é mais fácil parecer normal. – Fiz uma careta. - Quando não estou acidentalmente a responder aos pensamentos de alguém em vez de responder às suas palavras.

- Por que motivo julgas que não consegues auscultar-me? – Ela perguntou.

Dei-lhe outra verdade e outra analogia.

- Não sei. – Admiti. - O meu único palpite é que talvez a tua mente não funcione da mesma forma que a das restantes pessoas, como se os teus pensamentos estivessem na frequência AM e eu só conseguisse sintonizar em FM.

Apercebi-me de que ela poderia não gostar desta analogia. A antecipação da sua reacção fez-me sorrir. Ela não me desapontou.

- A minha mente não funciona convenientemente? – Ela perguntou, a sua voz elevando-se com amargura. - Sou uma aberração?

Ah, a ironia novamente.

- Ouço vozes dentro da minha cabeça e tu é que estás preocupada com a possibilidade de seres uma aberração. – Ri-me. Ela entendia todas as coisas pequenas, e, ainda assim, as coisas grandes ela ignorava. Sempre os instintos errados…

Bella estava a morder o seu lábio, e a ruga entre os seus olhos acentuou-se.

- Não te preocupes, - Confortei-a. - Trata-se apenas de uma teoria… - E havia uma teoria mais importante a ser discutida. Eu estava ansioso por acabar com isto. Cada segundo que passava começava a parecer-se com tempo emprestado.

- O que nos leva novamente a ti. – Disse, dividido em dois, ambos ansioso e relutante.

Ela suspirou, ainda mastigando o seu lábio – preocupei-me que ela pudesse magoar-se. Ela olhou-me nos olhos, a sua cara problemática.

- Não superámos já todas as evasivas? – Perguntei calmamente.

Ela olhou para baixo, lutando contra algum dilema interno. Subitamente, ela estremeceu e os seus olhos arregalaram-se. Medo cobriu o seu rosto pela primeira vez.

- Valha-me Deus! – Ela ofegou.

Entrei em pânico. O que é que ela tinha visto? Como é que eu a tinha assustado?

Então ela exclamou. - Abranda!

- O que é que se passa? – Não percebia de onde vinha o seu horror.

- Vais a cento e sessenta quilómetros por hora! – Ela gritou-me. Ela lançou um olhar pela janela, e olhou para as escuras árvores que passavam por nós.

Esta pequena coisa, apenas um pouco de velocidade, fazia-a gritar com medo?

Rolei os meus olhos. - Descontrai-te, Bella.

- Estás a tentar fazer com que ambos morramos? – Ela exigiu, a sua voz alta e dura.

- Não vamos bater. – Prometi-lhe.

- Não tires os olhos da estrada! – Ela exclamou.

Ela inspirou ruidosamente, e então falou num tom mais calmo. - Porque estás com tanta pressa?

Encontrei o seu olhar, divertido pela sua expressão chocada.

- Conduzo sempre desta forma.

- Nunca me envolvi num acidente, Bella; nunca fui sequer autuado. – Sorri-lhe e toquei na minha testa. Tornava ainda mais cómico – o absurdo de ser capaz de brincar com ela sobre algo tão secreto e estranho. - Detector de radar incorporado.

- Muito engraçado! – Ela disse sarcasticamente, a sua voz mais assustada do que zangada. - O Charlie é polícia, lembras-te? Fui educada para obedecer às regras de trânsito. Além disso, se nos transformares numa rosquilha de marca Volvo a envolver o tronco de uma árvore, podes provavelmente sair ileso.

- Provavelmente. – Repeti, e então ri-me sem humor. Sim, podíamos sair bastante diferentemente de um acidente de carro. Ela estava certa em ter medo, apesar das minhas capacidades de condução… - Mas tu não.

Com um suspiro, deixei o carro passar a uma marcha mais lenta. - Satisfeita?

Ela olhou para o velocímetro. - Quase.

Era isto ainda muito rápido para ela? - Detesto conduzir devagar. – Murmurei, mas deixei a agulha deslizar mais para baixo.

- Isto é devagar? – Ela perguntou.

- Já chega de comentários sobre a minha condução. – Disse impacientemente. Quantas vezes é que ela se tinha escapulido da minha pergunta agora? Três vezes? Quatro? Eram as suas especulações assim tão más? Eu tinha que saber – imediatamente. - Ainda estou à espera de ouvir a tua mais recente teoria.

Ela mordeu o seu lábio novamente, e a sua expressão tornou-se aborrecida, quase magoada.

- Eu não me rio. – Prometi, desejando que fosse apenas embaraço que a tornasse involuntária de me contar.

– Receio mais que fiques zangado comigo. – Ela sussurrou.

Forcei a minha voz a ficar estável. - É assim tão má?

– Sim, bastante.

Ela olhou para baixo, recusando-se a olhar-me nos olhos. Os segundos passavam.

- Continua. – Encorajei-a.

A sua voz estava baixa. - Não sei por onde começar.

- Porque não começas pelo principio… - Relembrei-me das suas palavras antes do jantar. - Disseste que não a elaboraste sozinha.

- Pois não. – Ela concordou, e então calou-se outra vez.

Pensei em coisas que a poderiam ter inspirado. - O que é que a desencadeou? Um livro? Um filme?

Eu devia ter olhado para as suas colecções quando ela estava fora de casa. Eu não fazia ideia se Bram Stoker ou Anne Rice estavam lá no seu monte de livros…

- Não. – Ela disse novamente, - Foi o dia de sábado, na praia.

Eu não esperava aquilo. Os rumores locais sobre nós nunca tinham progredido para nada de muito bizarro – ou muito preciso. Havia um rumor novo que eu tinha perdido? Bella levantou o olhar das suas mãos e viu a surpresa na minha face.

- Encontrei um velho amigo da família – o Jacob Black. – Ela continuou. - O pai dele e o Charlie são amigos desde que eu era bebé.

Jacob Black – o nome não era familiar, e ainda assim fazia-me lembrar de algo… há algum tempo, há muito tempo… Olhei para o vidro, saltando pelas memórias para encontrar a ligação.

- O pai dele é um dos anciãos Quileutes. – Ela disse.

Jacob Black. Ephraim Black. Um descendente, sem dúvida.

Só podia piorar.

Ela sabia a verdade.

A minha mente estava a voar pelas ramificações enquanto o carro deslizava pelas curvas escuras da estrada, o meu corpo rígido com raiva – imóvel excepto pelas pequenas e automáticas acções que levavam para controlar o carro.

Ela sabia a verdade.

Mas… se ela tinha descoberto a verdade no sábado… então ela tinha sabido por toda a tarde… e ainda assim…

- Fomos dar uma volta. – Ela continuou. - E ele contou-me algumas lendas antigas – tentando assustar-me, creio eu. Contou-me uma…

- Continua. – Disse.

- Sobre vampiros. – Ela respirou, a palavra saiu pouco mais que um sussurro.

De algum modo, era ainda pior que saber que ela sabia, ouvi-la dizer a palavra em voz alta. Estremeci ao ouvi-la, e então controlei-me outra vez.

- E pensaste imediatamente em mim? – Perguntei.

- Não. Ele… mencionou a tua família.

Quão irónico que seria o próprio descendente de Ephraim a violar o tratado que ele tinha votado cumprir. Um neto, ou bisneto talvez. Quantos anos se tinham passado? Setenta?

Eu devia ter percebido que não era o velho que acreditava nas lendas que seria o perigo. Claro, a geração mais nova – aqueles que teriam sido avisados, mas teriam julgado a velha superstição cómica – claro que seria aí onde estaria o perigo de exposição.

Supus que isto significava que eu agora era livre de chacinar a pequena e indefesa tribo na costa, estava eu tão inclinado. Ephraim e o seu bando de protectores já estavam mortos há muito…

- Ele pensava apenas que se tratava de uma superstição tola. – Bella disse subitamente, a sua voz com uma nova ansiedade. - Não esperava que eu daí retirasse algumas conclusões.

Pelo canto do meu olho, eu vi-a torcer as suas mãos desconfortavelmente.

- A culpa foi minha. – Ela disse após uma breve pausa, e então ela baixou a sua cabeça como se estivesse envergonhada. - Obriguei-o a contar-me.

- Porquê? – Não era tão difícil manter a minha voz calma agora. O pior já tinha passado. Enquanto falássemos dos detalhes da revelação, não tínhamos que avançar para as consequências disso.

- A Lauren disse algo a teu respeito – estava a tentar provocar-me. – Ela fez uma pequena careta perante a memória. Eu estava ligeiramente distraído, perguntando-me como poderia Bella ser provocada por alguém falar algo a meu respeito… - E um rapaz mais velho da tribo referiu a tua família não ia à reserva, só que parecia que as suas palavras tinham um segundo sentido. Assim, fiz por ficar a sós com o Jacob e levei-o a fazer-me essas revelações.

A sua cabeça baixou-se mais enquanto ela admitia isto, e a sua expressão parecia… culpada.

Desviei o meu olhar dela e ri-me. Ela sentia-se culpada? O que poderia ela possivelmente ter feito para merecer uma censura de qualquer género?

- Como é que o levaste a fazê-lo? – Perguntei.

- Tentei namoriscá-lo… foi mais eficaz do que eu pensava. – Ela explicou, e a sua voz tornou-se incrédula à memória daquele sucesso.

Eu podia apenas imaginar – considerando a atracção que ela parecia ter para todos os homens, totalmente inconsciente da sua parte – quão esmagadora ela poderia ser quando ela tentava ser atraente. Eu estava subitamente cheio de pena pelo insuspeito rapaz em que ela tinha depositado tamanha força.

- Gostava de ter assistido. – Disse, e então ri-me outra vez com humor negro. Eu desejava ter ouvido a reacção do rapaz, testemunhado a devastação por mim mesmo. - E acusaste-me a mim de deslumbrar as pessoas. Pobre Jacob Black!

Eu não estava tão zangado com a fonte da minha exposição como eu teria esperado estar. Ele não sabia melhor. E como poderia esperar eu que alguém negasse a esta rapariga o que quer que ela quisesse? Não, eu apenas sentia simpatia pelo estrago que ela poderia ter provocado à paz de espírito dele.

Eu senti o seu rubor aquecer o ar entre nós. Olhei para ela, e ela estava a olhar pela sua janela. Ela não falou novamente.

- O que fizeste então? – Perguntei. Tempo de voltar à história de terror.

- Falei com uns familiares…

Isto era inesperado. Falar com familiares. Mas que poderia eu esperar dela?

- Como assim? – Perguntei, expressando a minha confusão.

- O meu… tio. – Ela começou mas então hesitou escolhendo as suas palavras. - Ele… Ele… - Hesitou novamente para inspirar, como se lhe custasse a dizer aquilo que iria dizer. - Ele estuda lendas! E… ele ajudou-me a fazer a pesquisa.

Hum… Um tio que estudava lendas… A história da família dela deveria ser interessante.

Não, Edward! Exclamou a minha consciência, Foca-te neste assunto! Ela sabe a verdade.

- E isso convenceu-te?

- Não. – Ela disse. - Nada se encaixava. A maior parte da informação era bastante disparatada. Então…

Ela parou novamente, e eu ouvi os seus dentes cerrarem-se.

- O quê? – Exigi. O que tinha ela encontrado? O que tinha feito sentido do pesadelo para ela?

Houve uma pequena pausa, e então ela sussurrou. - Cheguei à conclusão de que não tinha importância.

Choque paralisou os meus pensamentos por meio segundo, e então tudo se encaixou. O porquê de ela tinha mandado as suas amigas embora em vez de fugir com elas. O porquê de ela ter entrado para o meu carro comigo novamente em vez de fugir, gritando pela polícia…

As suas reacções eram sempre erradas – sempre completamente erradas. Ela não atraía o perigo para si. Ela convidava-o.

- Não tinha importância? – Disse entre dentes, fúria enchendo-me. Como era suposto eu proteger alguém tão… tão… tão determinado a ser desprotegido?

- Não. – Ela disse em voz baixa que estava inexplicavelmente terna. - Não me interessa o que tu és.

Ela era impossível.

- Não te importas que eu seja um monstro? Que eu não seja humano?

- Não.

Comecei a perguntar-me se ela era inteiramente estável.

Supus que eu podia fazer com que ela recebesse os melhores tratamentos disponíveis… Carlisle teria as ligações para encontrar-lhe os médicos mais habilidosos, os mais talentosos terapeutas. Talvez algo pudesse ser feito para concertar o que quer que estivesse errado com ela, o que quer que a fizesse ficar contente em sentar-se ao lado de um vampiro com o seu coração a bater calmamente e estavelmente. Eu observaria o tratamento, naturalmente, e visitar tantas vezes quantas me fossem permitidas…

- Não me importa porque… porque eu também não sou humana. – Ela quebrou o silêncio subitamente. Tirando-me dos meus devaneios. Mas o que ela me disse a seguir… - Eu sou uma bruxa, Edward.

Ri-me. Não era possível que ela acreditasse nisso. Não conseguia acreditar que alguém tão inteligente como ela poderia acreditar naquilo.

- Bella, quem quer que tenha sido o idiota que te disse isso, está enganado. – Disse-lhe, quando consegui controlar o meu riso, olhando-a carinhosamente. - Tu és a rapariga mais querida e doce que eu já conheci em toda a minha existência. E estares a dizer isso só prova o que eu disse. – Não me importava de expressar a minha longevidade agora que as cartas estavam na mesa.

- Edward, eu não estou a brincar! Eu estou a falar a sério! – Ela exclamou. A sua voz estava alterada. Continha desespero no seu tom. Era óbvio que ela queria que eu acreditasse. - Tens que acreditar!

- Bella… Porque é que dizes isso? – Voltei a olhá-la, doía-me interiormente que ela pensasse tão pouco de si.

- Porque é verdade! – Ela voltou a exclamar. Ainda desesperada. - Eu vou provar-to!

Ela ficou silenciosa. Eu ouvia o seu coração bater mais depressa e a sua respiração acelerar. Queria olhar para ela, ver o que se estava a passar, mas lembrando-me da sua reacção mais cedo quando discutimos a minha condução, mantive o meu olhar preso na estrada.

Sem qualquer aviso prévio, as mãos de Bella agarraram-me o rosto, obrigando-me a olhá-la nos olhos, fazendo com que à minha frente estivessem aquelas profundezas castanhos-chocolate. Sentir o calor da sua pele na minha sem ela me tocar era bom, mas o seu toque a aquecer-me era uma maravilha.

Antes que me perdesse na maravilhosa sensação que o seu toque me provocava, travei o carro, fazendo-nos parar no meio da estrada deserta. No entanto, nem por um só momento, Bella desviou os seus olhos dos meus e nem eu me atrevi a fazê-lo. Não desejava de maneira nenhuma quebrar contacto com ela. Ficámos a olhar-nos mutuamente, até que ela deixou cair as suas mãos do meu rosto, deixando para trás o calor do contacto. Ela encostou-se à porta do passageiro, visivelmente cansada, ofegando por ar como se tivesse acabado de correr uma maratona.

- Bella, o que é que…? – Queria-lhe perguntar o que tinha sido aquilo, mas ela interrompeu-me antes de eu puder acabar a minha frase.

- Olha-te ao espelho. – Ela ordenou-me.

Obedeci, confuso e estranhamente curioso. Olhei-me ao espelho retrovisor, mas nada do que eu vivera até aquele momento me tinha preparado para aquilo que eu iria ver. No lugar onde deveriam estar os meus olhos dourados, a evidência de que fora recentemente à caça, estava um par de olhos verdes. Um verde vivo, brilhante, cativante. Um verde familiar. Era a cor dos meus olhos quando eu era humano.

Ergui a minha mão para lhes tocar, mas acabei apenas por tocar na pele abaixo dos meus olhos. Não estava certo do que estava realmente a ver. Não era possível. Os meus olhos dançavam com a confusão e a incredulidade, até caírem sobre a figura exausta de Bella encostada à porta.

- Como…

- Já acreditas em mim? – Ela perguntou-me. Um sorriso fraco a brincar nos seus lábios. - Ou ainda julgas que estava a brincar quando disse que era uma bruxa?

Se eu fosse humano, eu estaria prestes a desmaiar. Era demasiada informação para assimilar de uma só vez.

- Tu és uma bruxa? – Disse, mas estava tão inseguro das minhas próprias palavras que a frase não saiu como eu pretendia.

- Sim… - Ela assentiu, ficando subitamente séria. - E tu és um vampiro.

Não lhe respondi. Julgava que ela já tinha chegado à sua própria conclusão antes disto. Liguei o carro e voltei a conduzir.

- Estou errada? – Ela perguntou, ligeiramente ansiosa pelo meu silêncio.

- Isso tem alguma importância?

Ela respirou fundo. Relaxando no banco. Ficámos em silêncio, cada um perdido nos seus próprios pensamentos.

- Uma bruxa… - Disse baixinho, julgando que ela não me fosse ouvir. Então ri-me com a ironia da situação. Uma bruxa e um vampiro, sentados lado a lado no mesmo carro. - Uma bruxa.

- Sim. – Ela disse, dando a entender que me tinha ouvido. - Uma bruxa que está sentada ao teu lado e consegue ouvir-te perfeitamente. Tens dúvidas?

Sabia que ela não se referia ao género de dúvidas que se possam tirar, mas sim ao género de dúvidas de quem não acredita. Mas eu tinha algumas questões que precisavam de resposta.

- Na verdade… Tenho algumas. – Olhei para ela, esperando que ela me dissesse algo para me impedir, mas ao ver que ela não me impedia, continuei. - Como é que vocês, se é que posso dizer isso, não sei, se transformam?

Ela lançou-me um olhar incrédulo e, então, riu-se. O seu riso era contagiante, puro e satisfeito, repleto de incredulidade mas divertido. Não compreendia a sua reacção, não era nada que eu pudesse antecipar. Revi as minhas palavras na minha mente, procurando algo que ela pudesse achar engraçado.

- Desculpa… - Ela disse procurando controlar o riso. - É só que… Nunca ninguém que eu tenha conhecido julgou que as bruxas sofressem uma transformação. – A sua explicação fez-me perceber a sua incredulidade. - Quer dizer, sim sofremos, mas não do modo como deves estar a sugerir. – Voltou a inspirar fundo, certamente, tentando acalmar o riso novamente. - A magia é algo que nasce connosco. Não temos escolha, somos assim porque é assim que nascemos.

Acenei com a cabeça, mostrando-lhe que compreendia o que ela queria dizer. Não era difícil acreditar que elas não tinham escolha em relação ao que eram. Tal como nós, vampiros. Ela ficou em silêncio, esperando por mais perguntas da minha parte. Decidi perguntar algo que me intrigava.

- Vocês voam mesmo em vassouras?

Ela voltou-se a rir. Pelos vistos, a minha ignorância divertia-a. Esta perspectiva aborrecia-me ligeiramente, mas agradava-me profundamente que ela se sentisse à vontade para se rir junto de mim em vez de gritar e fugir de medo. Eu queria sorrir com este pensamento mas não podia.

- Desculpa se sou ignorante no que toca à tua espécie! Mas nunca estive ao pé de uma bruxa! – Disse, falhando rotundamente ao tentar não deixar que o meu sorriso se evidenciasse na minha voz. - Pelo menos que eu saiba.

- Isso é pura ficção! – Ela respondeu-me após parar de rir. - Deves pensar em nós, não como aquelas coisas que mostram nos filmes… Somos praticamente humanas, só que no nosso sangue corre magia, é só.

Aquilo era uma maneira simples de ver as coisas. Aceitei facilmente a sua perspectiva da sua espécie. No entanto, eu tinha mais perguntas e eu queria respostas.

- Varinhas? – Perguntei.

- Ficção. – Ela respondeu-me prontamente, como se já previsse aquilo que eu iria perguntar.

- Os gatos? A ausência de beleza? As verrugas?

Queria rir-me com a minha segunda pergunta. Era totalmente falsa, pelo menos, era isso que eu acreditava. Tinha uma bruxa ao meu lado e ela era belíssima, não conseguia acreditar que existissem bruxas horripilantes como as que exibiam nos filmes clássicos.

- Temos afinidade com os gatos. – Afinal, tinha acertado em algo que os humanos teimavam em demonstrar nas bruxas. - A ausência de beleza… Não me parece, todas as bruxas que eu conheço, e devo dizer que são bastantes, são quase tão belas como vocês, vampiros, são. Creio que a beleza na nossa espécie também serve para atrair as nossas presas. – Com que então ela conseguia comparar as nossas espécies. - As verrugas são pura ficção!

Deixei que a sua explicação acabasse para me aperceber de algo que ela tinha dito.

- Presas? Como assim?

Ela ficou subitamente pensativa, julgo eu, procurando uma maneira de me explicar aquilo que eu perguntara.

- Não bebemos sangue… Mas… Temos “sede” de poder. – Ela voltou a fazer uma pausa, ainda escolhendo as palavras que me explicariam bem a sua realidade. - Nós temos um lado negro e um lado bom… O lado bom é o lado normal, o lado humano. O lado negro é o que nos faz desejar ter mais poder, é aquele que não se importa de matar para adquirir mais força. Em termos genéricos, a existência de bruxas más, que são cruéis e tudo mais, é devido a esse lado negro.

O seu tom era tenso, como se não gostasse do que estava a dizer.

- Queres dizer que as ditas bruxas más são assim porque o escolheram?

- Não. – Ela respondeu-me prontamente, o seu tom decisivo e determinado. - É uma questão de força de vontade. Elas tornaram-se assim porque não foram fortes o suficiente para lutar contra esse lado negro!

- Hum… - Pensei sobre as suas palavras. Em muita coisa elas se pareciam connosco. Era uma questão de força de vontade eu conseguir ignorar o seu cheiro maravilhoso. - E tu? – Lembrara-me subitamente de que estávamos a falar dela, mas ela não parecia minimamente curiosa em relação ao facto de eu ser um vampiro. - Não tens dúvidas acerca da minha natureza?

Ela pareceu relaxar de algum pensamento.

- Só uma. – Ela disse-me.

- Só uma? – Isto surpreendeu-me. Como é que ela poderia ter apenas uma dúvida acerca da minha espécie? O que é que a sua pesquisa lhe teria revelado?

- Que idade tens? – Ela perguntou.

A minha resposta era automática e directa. - Dezassete.

- Há quanto tempo tens dezassete?

Tentei não sorrir para o seu tom de voz. - Há algum.

- Muito bem. – Ela disse, num tom de satisfação, abruptamente entusiasmada. Ela sorriu-me. Quando olhei para ela, espantado novamente pela sua saúde mental, ela sorriu-me ainda mais.

- Só isso? – Perguntei incrédulo. Não era possível. - Só estás interessada em saber que idade tenho? Mais nada? Nem queres saber se me desfaço ao Sol? Se durmo em caixões? O meu tipo de alimentação?

Ela parecia uma criança satisfeita por saber a resposta a uma pergunta que o professor lhe fizera.

- Sim, só estou interessada em saber que idade tens. Isso de se desfazerem ao Sol é mito, tal como dormirem em caixões! Sei perfeitamente que não dormem. – O meu peito apertou-se, manifestando o desejo antigo de poder dormir. Agora, um motivo totalmente diferente motivava-me a desejá-lo, eu desejava poder dormir para sonhar com ela, tal como ela sonhava comigo. Mas eu não podia sonhar com ela, nem ela devia sonhar comigo.

- E sei que bebes sangue! Mas não um sangue qualquer! Sangue de animal! Isso explica a cor dourada dos teus olhos. – A sua última afirmação chocou-me. Ela sabia tudo, sem excepção.

- Como é que sabes isso tudo, Bella? – Perguntei, olhando para a estrada, tentando evitar que ela se apercebesse da melancolia que me invadia. - Como é que sabes que não durmo… Que bebo sangue de animal e que é por isso que os meus olhos ficam dourados?

- Hum… O tio que eu referi à pouco… Ele é um vampiro. – Franzi as sobrancelhas, isto era novo. Eu bem sabia que a história da sua família devia ser interessante. Ela era sobrinha de um vampiro e era um bruxa… Que mais? - Não sei se já ouviste falar em Angelus?

- Angelus… Esse nome não me é estranho… - De facto, não me era estranho. Não me conseguia lembrar perfeitamente de onde o reconhecia.

- Foi um vampiro que viveu em Volterra até há algum tempo atrás. – Ela disse, como se me tentasse ajudar a lembrar-me do nome. - Pelo que ele me conta, era um dos chefes da guarda dos Volturi. – Fiquei ainda mais chocado quando ela referiu os Volturi, como era possível ela saber tanto sobre a nossa espécie, tendo só um vampiro por perto?

- Angelus… Sim… Já me recordo! O velho Angelus… Bebedor de sangue humano, chefe da guarda dos Volturi e braço direito de um dos chefes. – Recordei-me dele, perguntando-me como era possível ele ser tio dela sem ter mudado de dieta.

- Sim… O meu querido Tio Angel… Eu cresci rodeada de vampiros e bruxas… Quer dizer, quando passava férias com o meu pai, ambos íamos para Salem! – Salem? Olhei para ela pelo canto do olho, erguendo uma das minhas sobrancelhas, curioso. - Salem não fica muito longe do estado de Washington. Fica no estado de Oregon… Só as bruxas e alguns vampiros sabem da localização exacta da cidade. É aonde eu vou no próximo sábado. – Ela disse a última frase parecendo insegura do que estava a dizer.

Afinal ela julgava que eu a ia deixar mal depois de ter oferecido os meus serviços? Nem pensar! E agora que não tínhamos segredos um para o outro eu não iria perder a oportunidade de acompanhá-la.

- Aonde nós vamos! – Corrigi-a rapidamente. Queria deixar isto claro para ela, não a ia abandonar. - Eu nem acredito que tu me vais levar ao lugar onde toda a tua família mora… Mesmo sabendo o que eu sou.

- A Avó vai ficar encantada em conhecer-te. – Ela afirmou com um sorriso na voz. Parecia distante, também, como se estivesse a imaginar o que estava a dizer. - A Madrinha também… O Tio Angel é que é capaz de ficar um pouco aborrecido… Ele é muito protector.

Ri-me, simpatizava com o velho vampiro em relação a isso. Quem é que não se sentiria excessivamente protector em relação a ela? Não poderia culpar ninguém por se sentir assim, eu também me sentia.

- Posso fazer mais uma pergunta? – Perguntei-lhe, não estava certo se ela estava disposta a responder a mais alguma.

- Tantas quantas quiseres… - Ela prontificou-se a dizer, colocando uma condição a seguir. - Desde que me deixes perguntar o que eu quiser, também.

- Feito! – Concordei. Eu tinha várias perguntas para ela, tal como ela devia ter para mim. - O que aconteceria se um vampiro mordesse uma de vocês?

- Hum… - Ela hesitou pensativa. - Não tenho bem a certeza… Não me lembro de me terem falado acerca de uma bruxa transformada em vampira pelo seu companheiro. – Olhei para ela novamente surpreendido. Havia mais coisas em relação às bruxas que eu imaginara. - Oh, sim! Desculpa! Esqueci-me de dizer que algumas bruxas em Salem são companheiras de vampiros. Que eu saiba nenhum vampiro tentou transformar alguma bruxa numa deles… Acho que a Avó e o Avô descobriram que o vosso veneno não faz nenhum efeito em nós… Quer dizer, dizem que dói como um raio, mas que não acontece nenhuma alteração.

- Por isso é que a Alice não te viu como vampira… - Divaguei, dando um novo sentido aos dois futuros que Alice vira para Bella. - Diz-me, o teu pai…

- Também é um feiticeiro! – Ela disse-me rapidamente, como se já soubesse o que eu queria saber. - Mas a minha mãe não. A Ana também é… E ela… Vê o futuro.

– A sério? – Uma coisa em comum comigo. Uma irmã que via o futuro.

- Sim… Ela, por vezes, diz-me o que se vai passar, quando ela olha para o meu futuro e vê coisas com pouco interesse… Nunca me diz tudo. E isso é tão frustrante.

- Isso soa exactamente à Alice. – Ri-me com a comparação entre a minha irmã e a irmã dela, perguntei-me em que mais seriam parecidas. - Ela, às vezes, também não me deixa ver o que ela viu.

- É diferente… Tu podes auscultar a mente dela e ver o que ela viu. Eu tenho que me ficar pelo que a minha irmã me conta, isto se ela não mentir. – Bella parecia aborrecida por este facto, parecia uma criança a fazer birra por não ter as suas respostas.

Ri-me, era um pensamento engraçado, mas eu não a via em nada como uma criança. Abanei a cabeça para afastar os pensamentos que me invadiam a mente, nunca deixando de sorrir.

- Edward… - Ela chamou-me, despertando aquela sensação que eu sempre sentia quando ela dizia o meu nome. - Foste caçar, no passado fim-de-semana, com o Emmett, não foi? – Ela perguntou depois do meu riso cessar. O modo casual como ela falou era tão fascinante como frustrante. Poderia ela realmente aceitar tanta coisa de uma só vez? Eu estava mais perto de entrar em choque do que ela parecia.

- Fui. – Disse-lhe, e então, assim que eu estava para deixar aquilo por ali, senti a mesma necessidade que tinha sentido no restaurante: eu queria que ela me conhecesse. - Não queria partir, - Continuei lentamente, - mas era necessário. É um pouco mais fácil estar perto de ti quando não estou sedento.

- Porque é que não querias partir?

Respirei fundo, e então virei-me para encontrar o seu olhar. Este tipo de sinceridade era difícil de um modo muito diferente.

- Fico… ansioso… - Supus que a palavra serviria, embora não fosse forte o suficiente, - quando estou longe de ti. Não estava a brincar quando te pedi que tentasses não cair ao mar nem ser atropelada na passada quinta-feira. Passei todo o fim-de-semana com o espírito inquieto, preocupado contigo, e, depois do que aconteceu esta noite, estou surpreendido por teres conseguido escapar ilesa a um fim-de-semana inteiro. – Então lembrei-me dos arranhões nas suas palmas. - Bem, não totalmente ilesa.

- O quê?

- As tuas mãos. – Relembrei-a.

Ela suspirou e fez uma careta. - Caí! Mas eu saro muito depressa.

Tinha adivinhado bem. Mas aquela nova informação acerca dela deixou-me surpreendido interiormente. - Foi o que eu pensei. – Disse, incapaz de conter o meu sorriso. - Suponho que, tratando-se de ti, poderia ter sido muito pior, e essa possibilidade atormentou-me durante todo o tempo que passei fora. Foram três dias muito longos. Irritei o Emmett a sério. – Sinceramente, isso não pertencia ao passado. Eu provavelmente ainda estava a irritar Emmett, e todo o resto da minha família, também. Excepto Alice…

- Três dias? – Ela perguntou, a sua voz subitamente irritada. - Não regressaram hoje?

Não compreendi o seu tom de voz. - Não, regressámos no domingo.

- Ah! Não foram à escola por causa do sol… - Ela disse, acalmando-se.

- Exacto. – Confirmei a sua suspeita.

- Podias ter-me telefonado. – Ela disse.

Que estranha conclusão. - Mas eu sabia que estavas a salvo.

- Mas eu não sabia onde tu estavas. Eu… - Ela parou abruptamente, e olhou para as suas mãos.

- O quê?

- Não gostei. – Ela disse timidamente, a pele sobre as suas bochechas aquecendo. - De não te ver. Também me faz ficar ansiosa.

Estás feliz agora? A minha consciência perguntou-me. Bem, aqui estava a minha recompensa por esperar.

Eu estava assustado, deliciado, horripilado – mais horripilado – para aperceber-me que todas as minhas mais loucas ilusões não estavam tão longe da marca. Era por isto que não fazia importância para ela se eu era um monstro (tirando o facto de que ela era uma bruxa). Era exactamente o mesmo motivo pelo qual as regras já não importavam para mim. O porquê do certo e o errado já não terem influências apelativas. O porquê de todas as minhas prioridades terem descido de lugar para abrir espaço para esta rapariga no topo.

Bella importava-se comigo, também.

Eu sabia que seria nada em comparação a como eu a amava. Mas era o suficiente para ela arriscar a sua vida para se sentar aqui comigo. Para o fazer felizmente.

O suficiente para lhe causar dor se eu fizesse a coisa certa e a deixasse.

Havia alguma coisa que eu pudesse fazer agora que não a magoasse? Qualquer coisa?

Eu devia ter ficado longe. Eu nunca devia ter voltado para Forks. Eu só lhe causaria dor.

Iria isso impedir-me de ficar agora? De tornar a situação pior?

O modo como me sentia neste momento, sentindo o seu calor contra a minha pele…

Não. Nada me impediria.

- Ah! – Lamentei-me. - Isto está errado.

- O que é que eu disse? – Ela perguntou, rápida a tomar a culpa sobre si.

- Não vês, Bella? Fazer-me infeliz a mim mesmo é uma coisa, mas outra coisa completamente diferente é o facto de tu estares tão envolvida. Não quero ouvir-te dizer que te sentes assim. – Era a verdade, era uma mentira. A parte mais egoísta de mim estava a voar com o conhecimento de que ela me queria como eu a queria. - Está errado. Não é seguro. Eu sou perigoso. Bella, por favor, compreende isso.

- Não! – Ela fez beicinho.

- Estou a falar a sério. – Estava a lutar comigo tão fortemente – meio desesperado para ela aceitar, meio desesperado para prender os avisos – que as palavras saíram pelos meus dentes como um rugido.

- Eu também. – Ela insistiu e eu apercebi-me de que ela estava irritada. - Já te disse que não me interessa o que tu és! Eu não sou nenhuma humana que saia magoada disto, Edward. Eu sou uma bruxa! Tanto tu como eu podemos sair magoados disto. Não te esqueças disso. E também… Já é demasiado tarde.

Demasiado tarde? O mundo estava meramente preto e branco por um infinito segundo enquanto eu observei as sombras estenderem-se através do relvado soalheiro para a forma adormecida de Bella na minha memória. Inevitável, imparável. Elas roubavam a cor da sua pele, e traziam-na para a escuridão.

Não podia ser demasiado tarde

- Nunca digas isso. – Silvei.

Ela olhou pela sua janela, e os seus dentes morderam o seu lábio novamente. As suas mãos estavam cerradas em punhos apertados no seu colo. A sua respiração estava acelerada.

- Em que estás a pensar? – Eu tinha que saber.

Ela abanou a sua cabeça sem me olhar. Vi algo brilhar, como um cristal, na sua bochecha.

Agonia. - Estás a chorar? – Eu tinha a feito chorar. Eu tinha-a magoado assim tanto.

Ela limpou as lágrimas com as costas da sua mão.

- Não! – Ela mentiu, a sua voz falhando.

Algum instinto há muito enterrado fez-me tentar alcançá-la – naquele segundo eu senti-me mais humano do que alguma vez me tinha sentido. E então lembrei-me de que eu… não era. E baixei a minha mão.

- Desculpa. – Disse, o meu maxilar cerrado. Como lhe poderia dizer o quão arrependido estava? Arrependido por todos os erros estúpidos que eu tinha cometido. Arrependido pelo meu interminável egoísmo. Arrependido por ela ser tão desafortunada para ter inspirado este primeiro e trágico amor meu. Arrependido também pelas coisas além do meu controlo – que eu tinha sido o monstro escolhido pelo destino para acabar com a sua vida em primeiro lugar.

Inspirei fundo – ignorando a minha horrível reacção para o sabor no carro – e tentei recompor-me.

Eu queria mudar de assunto, para pensar noutra coisa. Sorte minha, a minha curiosidade sobre a rapariga era insaciável. Eu tinha sempre uma pergunta.

- Diz-me uma coisa. – Disse.

- Sim? – Ela perguntou roucamente, lágrimas ainda na sua voz.

- Em que é que estavas a pensar esta noite, mesmo antes de eu contornar a esquina? Não consegui perceber a expressão estampada no teu rosto e não parecias assim tão assustada, mas parecias, sim, estar a concentrar-te profundamente em algo. – Relembrei-me da sua face – forçando-me a esquecer por que olhos eu estava a olhar – o olhar de determinação lá.

- Estava a pensar que aqueles homens tinham-se metido com a pessoa errada e que iam lamentá-lo. – Ela disse, a sua voz mais composta. O seu tom mudou-se para um cheio de ódio. Isto não era uma hipérbole, e a sua fúria de gatinho não era engraçada agora. Eu podia ver a sua frágil figura – apenas seda sobre vidro – por baixo daqueles monstros humanos que a poderiam ter magoado. A fúria crescia no fundo da minha mente. Mas, então, lembrei-me que ela não era tão frágil quanto aparentava ser.

- Ias lutar com eles? – Eu queria rugir. Os seus instintos eram mortíferos – para ela mesma. Edward, lembra-te que ela tem os seus meios para se proteger, a minha consciência obrigou-me a lembrar. - Não pensaste em fugir?

- Caio muitas vezes quando corro. – Ela confessou.

- E em gritar?

- Estava a chegar a essa parte. – Ela disse calmamente para depois acrescentar. - Mas o meu lado bruxo não me permitia agir apenas como uma humana indefesa.

Abanei a minha cabeça em descrença. Como é que ela tinha conseguido sobreviver antes de vir para Forks?

- Tinhas razão. – Disse-lhe, com um tom de voz rouco. – Estou decididamente a lutar contra o destino ao tentar manter-te viva.

Ela suspirou, e olhou pela janela. Então olhou de novo para mim.

- Vemo-nos amanhã? – Ela perguntou abruptamente.

Enquanto estava no meu caminho para o inferno – eu poderia bem apreciar a viagem.

- Vemos, também tenho um trabalho a entregar. – Sorri-lhe, e soube-me bem fazê-lo. - Guardo-te um lugar ao almoço.

O seu coração palpitou; o meu coração morto subitamente aqueceu.

Parei o carro em frente à casa do seu pai. Ela não se mexeu para me deixar.

- Prometes estar lá amanhã? – Ela insistiu.

- Prometo.

Como fazer a coisa errada me podia dar tanta felicidade? Certamente havia algo errado nisto.

Ela acenou para si mesma, e começou a despir o meu casaco.

- Podes ficar com ele – Assegurei-lhe rapidamente. Eu queria deixar-lhe algo meu. Uma lembrança, como a tampa da garrafa que estava no meu bolso agora… - Não tens casaco para vestir amanhã.

Ela devolveu-mo, sorrindo fracamente. - Não quero ter de dar explicações ao Charlie. – Ela disse-me.

Eu podia imaginar que não. Sorri-lhe. - Ah, pois!

Ela pôs a sua mão no manípulo da porta, e então parou. Sem vontade para partir, tal como eu não tinha vontade de a deixar ir.

Para tê-la desprotegida, mesmo que por alguns momentos…

Peter e Charlotte já estavam bem no seu caminho agora, para lá de Seattle, sem dúvida. Mas havia sempre outros. Este mundo não era seguro para qualquer humano, e para ela parecia ser ainda mais perigoso do que era para o resto. Obriguei-me a recordar-me de que ela não era humana, mas isso não deixava de tornar este mundo demasiado perigoso para ela.

- Bella?! – Perguntei, surpreendido pelo prazer que me provocava dizer simplesmente o seu nome.

- Sim?

- Prometes-me uma coisa?

- Prometo. – Ela concordou facilmente, então os seus olhos apertaram-se como se ela tivesse pensado numa razão para se opor.

- Não entres no bosque, sozinha. – Avisei-a, perguntando-me se este pedido iria despertar a oposição nos seus olhos.

Ela piscou os olhos, sobressaltada. - Porquê?

Olhei para a escuridão não merecedora de confiança. A falta de luz não era problema para os meus olhos, mas também não iria dificultar a vida a outro caçador. Apenas cegava humanos.

- Nem sempre sou a criatura mais perigosa que por ali deambula. – Disse-lhe. - Fiquemos por aqui.

Ela arrepiou-se, mas recompôs-se rapidamente e até estava a sorrir quando me disse. - Como queiras.

A sua respiração tocou-me na cara, tão doce e cheirosa.

Eu podia ficar a noite toda assim, mas ela precisava de dormir. Os dois desejos pareciam igualmente fortes enquanto eles guerreavam continuamente dentro de mim: querê-la contra querer que ela estivesse segura.

Suspirei perante as impossibilidades. - Até amanhã! – Disse, sabendo que eu a veria muito mais cedo que isso. Ela não me veria até amanhã, contudo.

- Até manhã, então. – Ela concordou abrindo a sua porta.

Agonia novamente, observá-la partir.

Avancei para ela, querendo segurá-la aqui. - Bella?

Ela virou-se, e então paralisou, surpreendida por encontrar os nossos rostos tão próximos.

Eu, também, estava esmagado pela proximidade. O calor que emanava dela em ondas, acariciando a minha cara. Eu podia tudo menos sentir a seda da sua pele…

O bater do seu coração acelerou, e os seus lábios separaram-se.

- Dorme bem. – Sussurrei, e afastei-me antes que a urgência do meu corpo – quer a sede familiar ou a bastante nova e estranha fome que eu subitamente senti – me fizesse fazer algo que pudesse magoá-la.

Ela sentou-se imóvel por um momento, os seus olhos arregalados e maravilhados. Deslumbrada, supus.

Como eu estava.

Ela recuperou e os seus lábios abriram-se num sorriso carinhoso.

- Seja o que for que fazes à noite… Espero que te divirtas. – Ela disse, inclinando-se na minha direcção e fazendo os seus lábios encostarem-se ao meu rosto num beijo suave. Fiquei sem acção e tive a certeza que o meu rosto mostrava toda a surpresa que eu sentia.

Ela saiu do carro antes que eu conseguisse recompor-me o suficiente para lhe dizer qualquer coisa. Vi-a correr até à porta de casa e quando ela lá chegou, liguei o carro e comecei a afastar-me. Eu podia sentir os seus olhos a seguir-me enquanto conduzia pela rua escura. Uma sensação tão diferente a que eu estava acostumado a sentir. Normalmente, eu podia simplesmente observar-me através dos olhos de outra pessoa, por quem eu não me importasse. Isto era estranhamente excitante – esta intangível sensação de olhos observadores. Eu sabia que era apenas porque eram os olhos dela.

Um milhão de pensamentos perseguiram-se uns aos outros através da minha cabeça enquanto eu conduzia descuidadamente para a noite.

Por um longo momento eu circulei pelas ruas, sem rumo, pensando em Bella e a incrível liberdade de ter a verdade sabida. Ela sabia. Não tinha importância para ela. Ainda que isto fosse obviamente uma coisa má para ela, era incrivelmente libertador para mim.

Mais do que isso, eu pensei em Bella e em amor recompensado. Ela não podia amar-me do modo como eu a amava – um amor tão poderoso, consumidor e esmagador provavelmente quebraria o seu frágil corpo. Mas ela sentia-o com força o suficiente. Suficiente para vencer o medo instintivo. Suficiente para querer estar comigo. E estar com ela era a maior felicidade que eu tinha conhecido alguma vez.

Por um bocado – enquanto estava totalmente sozinho e sem magoar ninguém para variar – permiti-me sentir aquela felicidade sem pensar na tragédia. Apenas estar feliz por ela se importar comigo. Apenas para exultar no triunfo de ganhar o seu afecto. Apenas para imaginar dia após dia de sentar-me perto dela, ouvir a sua voz e ganhar os seus sorrisos.

Reproduzi aquele sorriso na minha cabeça, vendo os seus lábios cheios elevarem-se nos cantos, o vestígio de uma covinha que tocava o seu queixo definido, o modo como os seus olhos aqueciam e derretiam… Os seus dedos tinham parecido tão quentes e suaves na minha mão esta noite. Tal como os seus lábios na minha bochecha antes de sair do carro. Levei a mão ao lugar aonde eles se tinham encostado, sentindo ainda o calor que eles haviam deixado para trás. Sorri, aquilo havia significado o que ela se importava… e muito! Imaginei como seria sentir tocar a delicada pele que se esticava sobre as suas bochechas – sedosa, quente… tão frágil. Seda sobre vidro… assustadoramente quebrável.

Eu não vi para onde os meus pensamentos se encaminhavam até ser demasiado tarde. Enquanto pensava naquela devastante vulnerabilidade, novas imagens da sua cara intrometeram-se nas minhas fantasias.

Perdida nas sombras, pálida com medo – ainda assim o seu maxilar cerrado e determinado, os seus olhos ferozes, cheios de concentração, o seu elegante corpo preparado para atacar as enormes formas que se reuniam à sua volta, pesadelos no escuro…

- Ah. – Gemi assim que o horrendo ódio que eu tinha tudo menos esquecido na alegria de a amar ardeu outra vez numa onda infernal.

Eu estava sozinho. Bella estava, confiava eu, a salvo dentro da sua casa; por um momento eu estava ferozmente contente que Charlie Swan – chefe da local coação da lei, treinado e armado, para não esquecer do facto de ser um feiticeiro – ser pai dela. Isso devia significar algo, providenciar refúgio para ela.

Ela estava segura. Não me levaria muito tempo para vingar o insulto…

Não. Ela merecia melhor. Eu não permitiria que ela se importasse com um assassino.

Mas… então e as outras?

Bella estava segura, sim. Angela e Jessica também estavam, certamente, seguras nas suas camas.

Ainda assim o monstro estava à solta nas ruas de Port Angeles. Um monstro humano – tornava-o isso problema dos humanos? Cometer o assassinato que ansiava por cometer era errado. Eu sabia disso. Mas deixá-lo à solta para atacar novamente não seria a coisa certa a fazer-se também.

A anfitriã loira do restaurante. A empregada para quem eu nunca olhei realmente. Ambas me tinham irritado de um modo trivial, mas isso não queria dizer que elas merecessem estar em perigo.

Qualquer uma delas podia ser a Bella de alguém.

Essa realização fez-me decidir.

Virei o carro para Norte, acelerando agora que eu tinha um propósito. Em qualquer altura que eu tinha um problema para além de mim – algo tangível como isto – eu sabia aonde poderia ir para pedir ajuda.

Alice estava sentada no alpendre, à minha espera. Fiz uma paragem à frente da casa em vez de dar a volta para a garagem.

- O Carlisle está no escritório. – Alice disse-me antes de eu perguntar.

- Obrigado. – Disse, desarrumando os seus cabelos assim que passei.

Obrigada a ti por teres atendido a minha chamada, ela pensou sarcasticamente.

- Oh. – Parei à porta, puxando do meu telemóvel e abrindo-o. – Desculpa. Eu nem sequer verifiquei para ver quem era. Eu estava… ocupado.

- Sim, eu sei. Desculpa, também. Pelo tempo em que vi o que ia acontecer, tu já estavas a caminho.

- Foi por pouco. – Murmurei.

Desculpa, ela repetiu, com vergonha de si mesma.

Era fácil ser generoso, sabendo que Bella estava bem. – Não estejas. Eu sei que não podes apanhar tudo. Ninguém espera que sejas omnisciente, Alice.

- Obrigada.

- Eu quase te convidei para ir jantar fora esta noite – apanhaste essa antes de eu mudar de ideias?

Ela sorriu. – Não, perdi essa, também. Gostava de ter sabido. Eu teria ido.

- Em que te estavas a concentrar, para teres perdido tanto?

O Jasper tem pensado no nosso aniversário. Ela gargalhou. Ele tem tentado não fazer uma decisão do meu presente, mas julgo que tenho uma boa ideia…

- És uma desavergonhada.

- Yap.

Ela apertou os seus lábios, e olhou para mim, um vestígio de acusação na sua expressão. Prestei melhor atenção depois. Vais contar-lhes que ela sabe?

Suspirei. – Sim. Mais tarde.

Não vou dizer nada. Fazes-me o favor de dizer à Rosalie quando eu não estiver por perto, ok?

Estremeci. – Claro.

A Bella aceitou muito bem.

- Demasiado bem.

Alice sorriu-me. Não subestimes a Bella. Afinal de contas, ela é melhor do que nós pensávamos.

Tentei bloquear a imagem que eu não queria ver – Bella e Alice, melhores amigas.

Impaciente agora, suspirei pesadamente. Eu queria estar acabado com a próxima parte da tarde; eu queria isto acabado. Mas eu estava um pouco preocupado por deixar Forks…

- Alice… - Comecei. Ela viu o que eu planeava pedir.

Ela vai estar bem esta noite. Eu vou manter uma melhor vigilância agora. Ela tipo que precisa de supervisão vinte e quatro horas por dia, não é?

- Pelo menos.

- De qualquer maneira, vais estar com ela não tarda.

Inspirei fundo. As palavras eram lindas para mim.

- Vai lá… Faz o que tens a fazer para que possas estar aonde tu queres estar. – Ela disse-me.

Assenti, e apressei-me para o escritório de Carlisle.

Ele estava à minha espera, os seus olhos na porta em vez de no espesso livro na sua secretária.

- Eu ouvi a Alice a dizer-te aonde me encontrar. – Ele disse, e sorriu.

Era um alívio estar com ele, de ver a empatia e a profunda inteligência nos seus olhos. Carlisle saberia o que fazer.

- Preciso de ajuda.

- Qualquer coisa, Edward. – Ele prometeu.

- A Alice contou-te o que aconteceu com a Bella esta noite?

Quase aconteceu, ele corrigiu.

- Sim, quase. Eu tenho um dilema, Carlisle. Vês, eu quero… muito… matá-lo. – As palavras começaram a fluir rápidas e apaixonadas. – Tanto. Mas eu sei que isso seria errado, porque isso seria vingança, não justiça. Tudo raiva, não imparcialidade. Ainda, não é certo deixar um violador em série e assassino a vaguear por Port Angeles! Eu não conheço os humanos lá, mas eu não consigo deixar alguém assumir o lugar da Bella como sua vítima. Aquelas mulheres – alguém pode sentir por elas do modo como eu me sinto pela Bella. Pode sofrer o que eu teria sofrido se ela tivesse sido magoada. Não é certo…

O seu amplo e inesperado sorriso parou a minha rajada de palavras.

Ela é muito boa para ti, não é? Tanta compaixão, tanto controlo. Estou impressionado.

- Eu não venho à procura de elogios, Carlisle.

- Claro que não. Mas eu não consigo evitar os meus pensamentos, pois não? – Ele sorriu novamente. – Eu vou tratar disso. Podes ficar descansado. Ninguém será magoado no lugar da Bella.

Eu vi o plano na sua cabeça. Não era exactamente o que eu queria, não satisfazia o meu desejo por brutalidade, mas eu podia ver que era a coisa certa.

- Eu vou mostrar-te onde encontrá-lo. – Disse.

- Vamos.

Ele agarrou a sua mala preta no caminho. Eu teria preferido uma forma mais agressiva de sedá-lo – como um crânio esmagado. – mas eu deixaria Carlisle fazer do seu modo.

Levámos o meu carro. Alice ainda estava nos degraus. Ela sorriu e acenou enquanto nos afastávamos. Eu vi que ela tinha olhado mais à frente por mim; não teríamos dificuldades.

A viagem foi muito curta na escura e vazia estrada. Eu deixei os meus faróis desligados para evitar chamar à atenção. Fez-me sorrir ao pensar como Bella iria reagir a esta condução. Eu já tinha estado a conduzir mais devagar que o normal – para prolongar o meu tempo com ela – quando ela objectou.

Carlisle estava a pensar em Bella, também.

Não previ que ela pudesse ser tão boa para ele. Isso é inesperado. Pelos vistos a Marie tinha razão… Era só uma questão de tempo até que eles se voltassem a encontrar… Apenas se…

Na sua mente apareceu a imagem de uma mulher parecida com Bella mas muito mais velha, no colo da mulher estava uma criança com belíssimos olhos castanhos-chocolate e essa mulher falava com Carlisle.

Essa memória confundiu-me. Quem era Marie? O que queria ele dizer com “voltassem a encontrar”? Eu nunca conheci Bella antes de ela vir para Forks. E se eu a tivesse conhecido, eu tinha a certeza que era impossível tê-la esquecido.

O Edward merece ser feliz. Isso é lhe devido. A ferocidade dos pensamentos de Carlisle surpreendeu-me. Ele merece.

Eu desejava acreditar nos pensamentos dele. No entanto, eu não me podia esquecer da sede, do desejo pelo seu sangue. Não me podia esquecer que ela era perseguida por aquele cruel destino que me tinha colocado no seu caminho.

Não permaneci em Port Angeles. Levei Carlisle ao bar onde a criatura cujo nome era Lonnie estava a afogar o seu desapontamento com os seus amigos – dois dos quais já tinham desmaiado. Carlisle podia ver quão difícil era para mim estar tão perto – para mim ouvir os pensamentos do monstro e ver as suas memórias, memórias de Bella misturada com raparigas menos sortudas que não tinham ninguém que as salvasse agora.

A minha respiração acelerou. Apertei o volante.

Vai, Edward, ele disse-me gentilmente. Eu vou fazer com que o resto delas fique a salvo. Tu volta para a Bella.

Era exactamente a coisa certa a dizer-se. O seu nome era a única distracção que poderia significar algo para mim agora.

Deixei-o no carro, e corri de volta para Forks em linha recta pela floresta adormecida. Levou menos tempo do que a primeira viagem de carro. Eram apenas alguns minutos depois que eu escalei o lado da sua casa e deslizei a sua janela para fora do meu caminho.

Suspirei silenciosamente com alívio. Tudo estava como devia estar. Bella estava segura na sua cama, a sonhar, o seu cabelo molhado espalhado pela almofada.

Mas, ao contrário da maioria das noites, ela estava enrolada numa pequena bola com os cobertores apertados à volta dos seus ombros. Frio, adivinhei. Antes de me sentar no meu lugar habitual, ela arrepiou-se no seu sono, e os seus lábios tremeram.

Pensei por um breve momento, e então sai para o corredor, explorando outra parte da sua casa pela primeira vez.

Os roncos de Charlie eram altos e estáveis. Eu quase conseguia apanhar o teor dos seus sonhos. Algo com a corrente da água e espera paciente… pescar, talvez?

Ali, ao topo das escadas, estava um armário de aparência promissora. Abri-o expectante, e encontrei o que procurava. Escolhi o cobertor mais grosso do pequeno armário, e levei-o de volta para o quarto dela. Eu arrumá-lo-ia antes dela acordar, e ninguém seria o mais sábio.

Segurando a minha respiração, eu cuidadosamente estendi o cobertor sobre ela, ela não reagiu ao peso adicional. Voltei para a cadeira de baloiço.

Enquanto esperei ansiosamente que ela aquecesse, pensei em Carlisle, perguntando-me onde ele estava agora. Eu sabia que o seu plano decorreria perfeitamente – Alice tinha visto isso.

Pensar no meu pai fez-me suspirar – Carlisle dava-me demasiado crédito. Eu gostava de ser a pessoa que ele pensava que eu era. Aquela pessoa, aquela que merecia felicidades, pode ser merecedora desta rapariga adormecida. Quão diferentes as coisas podiam ser se eu fosse esse Edward.

Assim que ponderei isto, uma estranha e não pedida imagem encheu-me a cabeça.

Por um momento, o destino de face suspensa que eu tinha imaginado, aquele que desejava a destruição de Bella, foi reposto pelo mais tolo e descuidado dos anjos. Um anjo da guarda – algo que a versão de Carlisle de mim podia ter tido. Com um sorriso desobservador nos seus lábios, os seus olhos azul-céu cheios de mal, o anjo criou Bella de um modo que tornava impossível de não me chamar à atenção. Um cheiro ridiculamente potente que exigisse a minha atenção, uma mente silenciosa para inflamar a minha curiosidade, uma tal beleza para prender os meus olhos, uma alma altruísta para ganhar o meu espanto. Deixando de parte o natural sentido de auto-preservação – para que Bella suportasse estar perto de mim – e, finalmente, adicionou uma larga lista de aterradora má sorte.

Com uma gargalhada descuidada, o anjo irresponsável deitou a sua frágil criação directamente no meu caminho, confiando cegamente na minha imperfeita moralidade para manter Bella viva.

Nesta visão, eu não era a sentença de Bella; ela era a minha recompensa.

Abanei a minha cabeça perante a fantasia do anjo impensável. Ele era muito melhor que a hárpia. Eu não podia pensar bem num poder superior que pudesse comportar-se de uma maneira tão perigosa e estúpida. Pelo menos, eu podia lutar contra o horrendo destino.

E eu não tinha nenhum anjo. Eles eram reservados para os bons – para pessoas como Bella. Então onde estava o anjo dela no meio disto tudo? Quem estava a tomar conta dela?

Ri-me silenciosamente, espantado, enquanto me apercebi que, apenas agora, eu estava a ocupar aquele lugar.

Um anjo vampiro – havia uma tensão.

Após cerca de meia hora, Bella relaxou para fora da bola apertada. A sua respiração tornou-se mais profunda e ela começou a murmurar. Sorri, satisfeito. Era uma pequena coisa, mas pelo menos ela estava a dormir mais confortavelmente esta noite porque eu estava aqui.

- Edward. – Ela suspirou, e sorriu, também.

Afastei a tragédia por um momento, e deixei-me ser feliz novamente.


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