Escape escrita por Miaka


Capítulo 11
Imperdoável


Notas iniciais do capítulo

Demorou a sair esse capítulo e ficou enorme - me desculpem! Acabei me empolgando! Espero que estejam gostando! ♥



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— Se você não fugir com o Hakuryuu do país, da família dele, vão matá-lo! Eu tenho certeza! Eu sei que pode protegê-lo! Por favor… salve o Hakuryuu!

Não podia acreditar no que estava ouvindo.

Alibaba parecia muito tenso. As mãos firmemente apertando o jeans grosso sobre seus joelhos enquanto ele encarava os próprios pés. Sentia-se envergonhado em implorar, daquela forma, para alguém. Mas não havia outra saída. Tudo o que ele mais desejava era a felicidade de seu melhor amigo. E Judal parecia um único raio de esperança que havia surgido. Uma pessoa em quem poderiam confiar.

— D-do que está falando? - ainda chocado, Judal gaguejou.

— Não é a primeira vez que algo assim acontece. - o loiro o encarou. - Você sabe… as cicatrizes do Hakuryuu. - Alibaba pausou. - Ele sobreviveu por sorte daquela vez. Mesmo sendo uma criança ainda, Hakuryuu lutou muito para viver! Sua mãe planejou sua morte, mas… graças aos seus irmãos ele escapou! Mas desde aquela época, a vida do Hakuryuu é só sofrimento! Por favor, leve-o para longe!

Ele permanecia atônito. Alibaba estava, realmente, muito emocionado ao falar aquilo. Era nítido como tinha um forte afeto por Hakuryuu e, mais uma vez, diante daquele sentimento tão grandioso, Judal se sentia pequeno.

— Ha! - ele riu. - E o que acha que um traficante barato como eu pode fazer?

A pergunta foi bastante direta. Alibaba mordiscou o lábio inferior e desviou o olhar.

— Não me importa o que você faz. O Hakuryuu gostou de você e, para isso acontecer, com certeza você é uma boa pessoa!

Judal gargalhou e aquilo fez com que o loiro corasse. Sentia-se patético diante daquele escárnio.

— Olha, cara, eu pretendo dar o fora da vida do Hakuryuu o mais rápido que puder! 

O moreno mentiu e proferir aquelas palavras foi doloroso até para ele mesmo, que sabia o cunho do que dizia.

— Quê? - Alibaba se surpreendeu.

— Eu só não meti o pé ainda porque o Hakuryuu está internado, mas pode ficar de boa que eu logo vou sair da vida dele e aí você manda ele fazer o que quiser!

— É mentira. - o loiro o confrontou. - Se estivesse mesmo querendo descartar o Hakuryuu, não estaria tão preocupado como estava no hospital!

Tsc, cala a boca! Eu vi o Hakuryuu levar aqueles tiros. Eu estava preocupado porque, mesmo não me importando com a vida dele, não quero que ele morra, idiota!

— Pode mentir pra si mesmo… Mas eu já percebi quem você é de verdade.

Judal encarou aqueles olhos cor-de-mel que lembravam tanto os de dourados de Sinbad. Até mesmo a forma que o desafiava, como se estivesse vendo o próprio delegado diante de si.

E apesar de se sentir irritado ao ter suas convicções contestadas, Judal apenas suspirou e destravou as portas do carro.

— Como eu disse, já entregue. - ele disse, encarando o painel do carro.

 Alibaba compreendia que Judal estava praticamente ordenando que saísse dali.

— Muito obrigado por me trazer, Judal. - Alibaba meneou a cabeça para agradecê-lo antes de soltar o cinto de segurança. - Não abandone o Hakuryuu. Você é a primeira pessoa que faz ele se sentir assim.

Alibaba saiu e Judal ficou com os lábios entreabertos. Desejava questionar o porquê daquele rapaz ter lhe dito aquilo. De que forma ele fazia Hakuryuu se sentir? - ele se perguntava ao ver Alibaba se afastar enquanto caminhava até a portaria do luxuoso condomínio.

Batendo as pontas dos dedos ao volante, Judal balançou a cabeça enquanto tentava se livrar daquelas dúvidas. Não tinha como perder tempo com asneiras. Afinal, precisava voltar para casa, fazer algumas entregas que estavam atrasadas para poder descansar. Seu celular já estava lotado de ligações perdidas de clientes. Precisava passar na faculdade ao menos no turno da noite, para entregar algumas “especiarias” que já haviam sido pagas.

Como gostaria de poder ficar ao lado de Hakuryuu!

Se ele saísse da UTI até amanhã, provavelmente poderia ficar mais tempo com ele, então era melhor não ter nenhuma pendência e resolver tudo durante aquele tempo no qual estaria privado de sua companhia.

Foi quando sentiu, no bolso de sua calça, o celular vibrar. A bateria já estava quase acabando quando viu quem era. Pensou em não atender quando bufou, colocando o aparelho entre o rosto e o ombro, sem desviar a atenção do trânsito.

Fala! - ele foi direto.

— Está livre a noite?

— Não… - Judal suspirou.

— Queria convidá-lo para jantar… - a pausa era proposital. - na minha casa.

— Sinbad, pelo amor de Deus, pára de convidar traficante para comer na casa de um delegado! - vociferou. - Não força, por favor!

— Eu estou convidando um amigo, Judal! - ratificou Sinbad. - Antes de eu ser um delegado e você… assumir qualquer atividade ilícita, eu sou seu amigo.

Tsc, conta outra! E quem vai fazer a janta? Tua secretariazinha? A Ja’farzinha vai ficar satisfeita comigo aí?

— Ja’far vai chegar mais tarde hoje - foi a vez do delegado suspirar. -  Pode vir tranquilo.

— Vou ver como ficam as coisas, Sinbad. Tenho que trabalhar...

O silêncio se instaurou após aquela afirmativa. O delegado jamais se conformaria com o tipo de “trabalho” que Judal havia escolhido ter após abandonar seu cargo como seu assistente. Mas ele tinha seus motivos…

— Estou te esperando às sete.

— Não me espere.

Judal desligou o celular, sem dar tempo de Sinbad dizer mais nada.

Ele se sentia péssimo agindo daquela forma. Mas como agiria? Não suportava o fato de Sinbad não ter aceitado que eles jamais poderiam voltar a ser amigos, ou melhor, ter a relação que tinham antes. Judal simplesmente não podia se perdoar e, dessa forma, ele não permitiria que Sinbad, por sua vez, o perdoasse.

Porém, sentia-se grato por toda a ajuda que ele estava dando no caso de Hakuryuu. Talvez não fosse uma má ideia ir vê-lo.

Estacionou o carro do lado de fora do condomínio e, sem nem ao menos cumprimentar o porteiro, Judal adentrou o prédio. Já fazia três dias que não voltava ali e ele só constatou aquilo quando abriu a porta de seu apartamento e, sem querer, pisoteou as inúmeras contas que haviam sido passadas por debaixo dela.

Parecia que tudo colaborava para que se atrasasse mais.

 - Mais do que nunca hoje tenho que receber algum dinheiro. - ele suspirou, trancando a porta.

Assim que se virou para trás, os olhos rubros se surpreenderam com aquela presença.

— Kougyoku? - como ela havia entrado ali? Ele se questionava, porém logo se lembrou da chave extra que a jovem tinha.

Kougyoku estava sentada no sofá, a bolsa ao seu lado. Parecia que ela estava há um bom tempo ali, já que podia sentir no ar o cheiro forte de erva. Já havia sentido aquele aroma quando havia saído do elevador, porém, como fornecia drogas a um dos vizinhos do mesmo andar que morava, Judal não imaginava que aquele cheiro vinha de seu próprio apartamento.

Entre o indicador e o médio da moça estava o cigarro artesanal.

Judal suspirou e a encarou.

— O que está fazendo aqui?

Kougyoku suspirou, mordendo o lábio inferior e, ainda sentada, inclinou-se para frente.

— É assim que me trata? - um tanto quanto chorosa, ela questionou.

— Da última vez que nos vimos, disse que ia largar as drogas. Chego aqui e está fumando que nem uma chaminé. - ele observava, no interior do cinzeiro sobre a mesa de centro, o que sobrara do que Kougyoku havia fumado antes. - Você é foda, não é? Conheci aquele babaca do Alibaba e ele é super gente fina! É sua chance de sair dessa vida de merda, mas você prefere…

— Eu não vou me casar com o Alibaba-chan! - Kougyoku subitamente o interrompeu ao se levantar. Ela parecia decidida.

— Não me surpreende. E é melhor porque ele não merece uma garota burra que nem você! - Judal afirmou. - Prefere continuar mamando nas tetas daquela sua família mafiosa do que ficar com um rapaz direito!

— Você não entende! - as lágrimas caíam pelos olhos que estavam avermelhados, nitidamente pelo consumo excessivo da droga que ela fumava. - Eu te amo, Judal-chan!

Judal arqueou uma sobrancelha. Do que ela estava falando?

Sempre fora muito amigo de Kougyoku e não era incomum que acabassem fazendo sexo inúmeras vezes e, claro, sem o menor compromisso. Era dessa forma que a relação deles funcionava, por mais que Judal se sentisse péssimo. No fim das contas, Kougyoku era uma jovem solitária, sem a menor perspectiva, mas que nitidamente não se encaixava naquele covil - exatamente como Hakuryuu. Mas ela não nutria ódio ou nenhuma sede de vingança, tampouco sofrera psicologicamente como seu primo, mas acabara usando as drogas como uma forma de escape. Nem amigas Kougyoku tinha, sendo sempre rejeitada devido à inveja que as moças nutriam de sua beleza.

Judal sentia pena e acabava satisfazendo com sexo e drogas esse vazio dentro da garota. E quantas vezes não haviam pensado em evoluir aquela “amizade colorida” após uma noite qualquer? E depois de perguntarem um ao outro porque não ficavam juntos, acabavam rindo. Sabiam que estariam estragando aquela amizade que era única.

Agora, mais do que nunca, Judal não queria nada com Kougyoku. Afinal, seu coração havia sido tomado de uma forma que nem ele mesmo conseguia compreender. Não importava que fosse por um homem, algo que ele nunca pensou que aconteceria. Não importava nem mesmo se Hakuryuu o rejeitasse.

Kougyoku caminhou em direção a ele e então Judal pôde notar como ela estava vestida.

Um tubinho preto que mal cabia as coxas bem feitas e curto o suficiente para cobrir apenas sua intimidade. Os seios bem moldados espremidos ali pareciam implorar para serem libertos daquela prisão, quase pulando para fora do vestido.

Ela jogou os braços em volta do pescoço dele, atritando seu corpo contra o dele.

— Eu te amo, Judal-chan! Eu quero ficar com você! - ela declarava enquanto chorava.

Cara, pára, Kougyoku! - ele tentou afastá-la, segurando-a pelos ombros. - Você fumou demais!

— Não, eu não to falando isso porque to drogada, Judal-chan! - a moça relutou. - Eu vim aqui decidida a ficar com você! Eu… eu fiz até comida para você, na verdade trouxe pronta e… eu quero que a gente fique juntos…

— Kougyoku, já conversamos mil vezes sobre isso e você sabe que não rola…

— Mas eu preciso ficar com você! - ela chorava.

Judal contorceu o lábio e, vendo-a chorar copiosamente, ele a abraçou, depositando um beijo carinhoso sobre os fios ruivos. De certa forma se sentia culpado. Kougyoku tinha ido até ali porque sabia que teria drogas a sua disposição e, de qualquer forma, odiava vê-la triste. Sentia mais raiva ainda daquela família que fazia questão de ignorá-la e ainda forçá-la em um casamento.

— Você vai ser feliz com o Alibaba, Kougyoku. Eu vi que ele é uma boa pessoa, você mesma disse…

— Eu não posso me casar com o Alibaba-chan! - Kougyoku soluçava. - Justamente por isso! Eu não posso enganá-lo! Eu… - ela o encarava como se estivesse hipnotizada, - Eu preciso ficar com você, entende? - começando a desabotoar a camisa dele. - Eu vou te dar, eu vim aqui pra isso!

Judal suspirou. A piedade se misturava com o asco que sentia de vê-la se vender assim.

Mas por que ela parecia tão obstinada em dizer que tinha a necessidade de ficar com ele? Judal não entendia, mas estava tão estressado, com tantos problemas para lidar, que ele decidiu dar de ombros e crer que ela estava dizendo aquilo por estar sob efeito das drogas.

— Kougyoku, você vai agora para um banho frio e pra cama. Pode ficar aqui, ok?

— P-posso? - murmurando, ela tentava conter o choro.

— Pode, mas amanhã eu quero que volte pra casa, senão o Kouen vai me matar. Não que ele já não queira isso. - ele murmurou consigo mesmo.

Foi quando Judal sentiu sua mão ser levada até um dos seios da moça. Foi impossível não corar, por mais que tivesse intimidade o suficiente para aquilo.

— Por favor, Judal-chan… Quero ser sua.

Ele balançou a cabeça negativamente para o desespero da moça.

— Nisso eu não posso te ajudar, Kougyoku. - ele sussurrou. - Não quero mais enganar a mim mesmo… e nem a você.

Aquelas palavras doeram no fundo da alma de Kougyoku. Por que Judal agia assim? Afinal, ela estava certa de que seus problemas acabariam se pudesse ficar junto dele e por que ele não aceitaria? Afinal, nunca tinha visto Judal com ninguém que não fosse ela ou alguma ficante…

— Se você não ficar comigo, Judal-chan… - ela interrompeu a si mesma.

— Kougyoku. - ele suspirou. - eu estou relevando porque estou levando em conta que você está drogada. Eu já disse que não vou transar com você! Aliás, eu já estou atrasado! Tenho que levar material para meus clientes e, aliás, não tem aula hoje também? Vamos que lhe dou carona.

— Eu não quero ir a aula! - rebateu. - Para que vou a aula? Para viver como dona de casa obrigada a casar com… com…

— Olha, Kougyoku! - a paciência de Judal já estava no limite, sua cabeça latejava. - Eu estou indo! Se vai ficar aqui ou não é problema seu!

— Judal-chan!

Ela se desesperou ao ver o moreno seguir, em passos largos, até seu quarto. Indo até o closet ele tirou de lá uma bolsa preta e, de outra porta do armário, várias gramas de cocaína embaladas as quais depositou ali dentro.

— Judal-chan, por favor…

— CHEGA! - espalmando a mão que tentava alcançá-lo, Judal se afastou. - Estou cansado de tentar ajudá-la! Você não quer se ajudar!

— Judal-chan!

Nada respondendo, fechando a bolsa e cruzando-a em seu peito, Judal saiu do quarto e, posteriormente, do apartamento, deixando ali uma chorosa Kougyoku que, frustrada, se questionava por que fora tão covarde.

Por que não tivera a coragem para revelar aquilo a ele?

E por que a rejeitara tanto? Será que Judal estava apaixonado por alguém?

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Estava exausto. O dia na companhia não fora nada fácil.

Quanto aos devedores do carregamento de armas que havia vendido a uma gangue, ordenou executá-los. Não que aquilo fosse algo atípico em seus negócios, mas o fato de Koumei ser tão relutante por ter receio de que aquela atitude afastasse os outros clientes lhe estressava.

Volta e meia seu irmão mais novo tentava negociar e traçar uma estratégia melhor, mas negócios eram negócios e se Koumei era bom nos cálculos, Koumei era bom com armas. E isso era nítido pela coleção de pistolas que ficavam expostas em um pomposo aquário com iluminação direcionada que havia no centro de seu amplo quarto.

Assim que adentrou o lugar, tratou de tirar as duas pistolas que estavam escondidas sob o terno risca-de-giz e depositá-las ali, em seus respectivos lugares. Não havia necesidade de usá-las mais naquela noite, ou ao menos ele presumia aquilo.

Afrouxando a gravata preta o ruivo suspirou. Já podia ouvir o som que vinha do banheiro de sua suíte. O chuveiro estava ligado e ele sabia que só havia uma pessoa que tomava tal liberdade. A noite, certamente, seria longa.

O som da água caindo cessou enquanto ele tirava o paletó para pendurá-lo na cabideiro.

Não demorou muito para que viesse daquela porta uma sedutora Gyokuen. Os fios escuros caiam, úmidos, sobre os ombros daquela que, nem de longe, aparentava beirar os 50 anos. E Kouen podia confirmar aquilo muito bem, afinal, conhecia profundamente o que havia escondido debaixo daquela toalha que a cobria da altura de seus seios até suas coxas.

Mas diferente do habitual, ela não parecia sorridente, nem disposta a seduzí-lo. Kouen arqueou uma sobrancelha e a encarou.

— Voltou cedo hoje… - comentou o ruivo enquanto se sentava aos pés da cama king size. - Não vai aproveitar seu aniversário?

— O chuveiro da sua suíte queimou? - ignorando a questão que sua tia havia feito, Kouen perguntou de forma indiferente.

— Pensei que já tivesse se acostumado a dormir comigo aqui. - a mulher esboçou um sorriso repleto de cinismo.

— Só que se continuar vindo dormir aqui sempre, sua filha vai desconfiar e não vai mais querer casar comigo.

E enquanto ouvia as palavras repletas de frieza de seu sobrinho, Gyokuen se ajoelhou na cama e deu a volta para alcançar as costas de Kouen, começando a massagear seus ombros.

— Deixa aquela sonsa pra lá. Devia vê-la no hospital, estava toooda preocupada com o irmãozinho. - ironizou.

— E meu presente? Pensei que comemoraríamos meu aniversário no velório do seu filho. - ele foi direto.

— Eu que devia exigir algo. - ela imediatamente cessou aquelas carícias e ele se virou de frente para ela. - Porque se não estamos agora na sua festinha, meu querido Kouen, - as longas unhas vermelhas deslizavam pela curva do rosto masculino. - é porque o namoradinho do Hakuryuu apareceu bem na hora que ia dar fim nele!

— Namoradinho? - Kouen piscou.

— Pois é.

— Ah… Judal. - ele suspirou.

— Ele trabalha para a companhia, não? - Gyokuen indagou.

— Sim. Não imaginava que Judal se tornaria um problema. Ele nos traz tanto lucro. - pontuou.

— Ameace-o. Se for preciso, tire ele do nosso caminho!

— Acho que o susto que ele passou com Koumei e que levou o Hakuryuu ao estado atual foi o suficiente.

— É claro que não! Ele estava disposto a fazer qualquer coisa pelo Hakuryuu e sabe muito bem o que precisamos fazer: isolá-lo. Se tivermos testemunhas a favor do Hakuryuu… você NUNCA será o herdeiro legítimo!

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Marchando até a entrada do prédio, ele chegou até a 4x4 vermelha, adentrando-a para bater a porta com força. Impaciente, Judal girou a chave e logo deu partida no automóvel. Ele bufava sentindo a insuportável dor em sua cabeça. Estava no limite da tensão e do stress. Tudo o que queria era sair de perto de Kougyoku. Tinha de ser egoísta, ao menos uma vez, e deixá-la agir por conta própria.

Pisou fundo e seguiu em toda velocidade pelas avenidas. Suas mãos tremiam ao volante e ele sabia que era inevitável ceder àquilo. Aquela necessidade voltava a lhe corroer como não fazia desde que havia conhecido Hakuryuu. Seria a falta dele que o trazia aquela vontade maldita?

O cantar dos pneus chamou a atenção de todos que estavam às portas daquela universidade. Muitos se assustaram, enquanto que um jovem de pequeno porte de medianos e presos cabelso azuis se aproximou.

Judal apenas abaixou o vidro do carro enquanto o sorridente garoto se aproximava.

— T-trouxe tudo, Judal-san?

— O que eu te disse na mensagem? - Judal estava de péssimo humor quando passou aquela enorme bolsa pela janela.

Um tanto quanto sem jeito, o garoto assentiu antes de receber a mercadoria e entregar um volumoso saco plástico para o moreno.

— P-pode conferir! Todos pagaram adiantado, estavam aflitos com a demora.

— Confio em você. - foi tudo o que ele disse antes de voltar a fechar a janela. - Teu pagamento tá no bolso lateral! - avisou.

— O-obrigado, Judal-san!

Missão cumprida.

Judal jogou aquele saco plástico preto sobre o banco do carona e algumas notas acabaram se espalhando ali. Era essa sua vida. E contar com aquelas “mulas” como Seishun Ri era um grande alívio e adianto. Entregando uma mísera porcentagem de seus lucros, Judal não precisava se explicar a clientes insatisfeitos, tampouco ir entregar a mercadoria pessoalmente.

Voltar para casa, porém, era inviável. Imaginava se Kougyoku ainda estava lá.

Foi quando o celular vibrou e viu a hora: 7:10. Já havia uma chamada perdida de Sinbad.

Suspirou deixando um sorriso cruzar seus lábios. Não faria mal ir até lá, poderia se distrair - ele pensava enquanto sentia suas mãos tremerem, a vontade iminente de tirar um baseado do porta-luvas. Chegava a salivar, mas precisava ser forte… por ele.

Chegou à frente daquele prédio que não visitava há quase dois anos. A ansiedade despertando mais e mais a vontade de se render à droga.

Lembrava-se do estado no qual encontrara Kougyoku e respirou fundo, apoiando a cabeça no encosto do banco. O que estava fazendo indo até a casa de Sinbad? Era ali que queria se distrair?

Mais uma vez a mão coçou para queimar uma folha que fosse, tomar uma balinha qualquer, cheirar um pó que fosse. O desespero lhe consumia a ponto de virar a cabeça lateralmente e inspirar profundamente o aroma do estofado de seu automóvel. E, ridiculamente, aquele placebo lhe trazia um alívio que ele considerava patético.

Sentindo-se estúpido, Judal encarou a si mesmo no retrovisor central e balançou a cabeça, farfalhando os fios escuros.

Saiu do carro e adentrou o condomínio luxuoso em que o delegado morava.

Não demorou muito para que o elevador parasse no sétimo andar e ele se dirigisse, pelo longo corredor, até àquela porta de mogno escuro. Tocou a campainha e ali esperou nem ao menos dez segundos para ser recebido.

Judal arregalou os olhos ao ver o delegado que não estava vestido do jeito formal que sua profissão exigia. Um avental branco com estampa de folhas estava amarrado em sua cintura sobre um moletom folgado, enquanto ele usava uma leve camisa de mangas curtas azul piscina. Em sua mão havia uma concha de metal.

Sinbad parecia tão surpreso quanto ele, mas no seu caso estava surpreso pelo fato de Judal realmente ter vindo a sua casa. Fazia mais de 2 anos que o rapaz não pisava ali.

Os dois ficaram assim, um tempo, atônitos se encarando. Rubros e dourados piscando.

— Nem acredito que veio! - Sinbad quebrou o silêncio abrindo um sorriso tenro.

, não me chamou?

E enfiando as mãos nos bolsos, Judal adentrou aquela sala de forma indiferente. Sinbad riu, dando de ombros enquanto fechava a porta.

Era impossível não perceber cada detalhe da decoração daquela belíssima sala. O chão em piso frio era coberto por um alto carpete vermelho, mesma cor do grande estofado que dividia a sala de estar da sala de jantar. A mesa de vidro já estava arrumada com a louça fina, bem próxima àquele piano de cauda.

Mas nada daquilo era novidade para Judal, porque aquela decoração estava exatamente igual a quando visitara Sinbad pela última vez, afinal, quem havia decorado aquele luxuoso apartamento não tinha sido o delegado, e sim a moça que estava emoldurada na principal parede daquela sala. O largo sorriso em conjunto dos longos fios rosados eram cobertos por um fino véu rendado. Como Judal poderia se esquecer do dia do casamento de Serendine com Sinbad?

— Nada mudou por aqui… - ele comentou, aproximando-se daquela luminária de chão que ficava entre o sofá e a poltrona estampada. - Apesar de tudo estar bem limpo.

— Ja’far não deixa que eu contrate uma empregada. Ele cuida pessoalmente da limpeza aqui. - Sinbad comentou, tentando não entrar no assunto que Judal parecia querer mencionar.

Judal inclinou a cabeça para trás e encarou o retrato que era mantido numa belíssima moldura talhada em carvalho.

— Ele não se ofende com esse retrato?

Sinbad suspirou, desviando o olhar.

— Por que se ofenderia? - o delegado sorriu quando Judal o encarou. - Serendine está morta.

E a forma simplória com a qual Sinbad dizia aquilo irritou profundamente o rapaz.

— Pra que me chamou aqui? - indagou. - Pra eu rever sua casa exatamente como estava antes de eu matar sua esposa?!

Sinbad cruzou os braços e bufou. Encarou o rapaz que mordia o lábio inferioe e andava um tanto quanto angustiado por aquela sala. A necessidade se tornava mais urgente.

Tsc, merda! Eu tenho que ir embora!

Mas antes que Judal pudesse seguir até à porta, o delegado o segurou com a mão livre.

— Por quê? Mal chegou! Eu estou muito feliz que tenha vindo!

— Eu já to falando merda e não quero te deixar na pior, ok? - Judal foi direto.

— Por favor, fique! - Sinbad foi firme. - Eu o chamei porque quero que volte a conviver comigo! Que volte a frequentar esta casa!

Judal esboçou um sorriso em meio à expressão angustiada. Talvez fosse o efeito da abstinência, mas parecia impossível segurar as lágrimas que, subitamente, brotaram.

— Como você acha que me sinto aqui? Como você acha que eu te encaro depois de tudo o que aconteceu?! - o rapaz soluçou. - Por minha culpa você perdeu a pessoa que mais amava! A única pessoa que, com você, acreditou que eu não era um pedaço de merda!

— Judal… - Sinbad estava sem palavras.

— Eu pensava que você tava de romance com aquele inspetorzinho… Chegar aqui e ver que você mantém tudo, exatamente tudo como a Serendine gostava, só me mostra como você ainda sofre pela perda dela! Uma perda que foi culpa minha! - Judal exclamou. - Apenas minha!

— Isso é mentira! Já conversamos sobre isso! Não foi culpa sua! O fato de eu manter nosso apartamento desse jeito é uma forma de eu manter a lembrança da Serendine viva para mim, ok? E o Ja’far… - Sinbad suspirou. - O Ja’far respeita muito isso! Ele foi muito importante! Foi graças a ele que me recuperei! Quando… eu fiquei sozinho. Quando você saiu por aquela porta e disse que não iamos mais voltar a nos ver…

— Eu te botei na cadeia, Sinbad. - Judal sussurrou. - O plano deles foi tão perfeito que eu ainda quase fodi a sua vida…

— Isso foi um erro e foi provado!

— E o que você quer que eu faça agora? - retrucou. - Que eu volte a frequentar sua casa? Durma aqui? Até eu cair numa cilada idiota e quem vai morrer dessa vez? O JA’FAR? - ele questionava de forma exasperada.

— CHEGA!

Foi a vez de Sinbad elevar o tom de voz, assustando até mesmo o aflito Judal que tentava, mesmo sendo inútil, soltar o braço que o delegado segurava firmemente.

Encarou os olhos dourados que se estreitaram quando o moreno lhe encarou.

— SÓ PENSA EM SI MESMO?! NÃO ACHA QUE SINTO SUA FALTA?! Serendine o estimava mais do que qualquer um! Não lembra quando ela te tirou daquela vagabunda que te explorava?!

— Não fale assim da minha mãe! - Judal rebateu.

— Aquela vadia NÃO ERA sua mãe e você sabe muito bem disso! - Sinbad enfatizou. - Foi ela que te ensinou a cheirar cola e roubar por aí, Judal! Para que cobrisse os luxos dela! Aquela ordinária nunca foi sua mãe!

— CALA A BOCA!

O vociferar de Judal veio acompanhado de um único soco que ele desferiu no rosto de Sinbad. Ou ao menos tentou…

Judal apertava os olhos com força quando ouviu o som metálico daquela concha cair ao chão. Seu punho ficara travado no ar enquanto que o delegado, sem o menor esforço, segurava seu pulso, impedindo a trajetória daquele golpe que tinha o rosto de Sinbad como alvo.

O moreno suspirou enquanto via uma, duas, três lágrimas rolando pelo rosto daquele que já tinha sofrido tanto até antes mesmo de conhecê-lo.

Judal não tinha como reagir, ainda mais quando Sinbad o puxou para perto e o abraçou firmemente. A angústia e a culpa pareciam sufocá-lo e, para que isso não acontecesse, ele só poderia exprimi-las naquelas lágrimas. E como era gostoso sentir aquele abraço protetor de volta. Daquele que havia o colocado dentro de sua casa depois de ter saído daquele orfanato horroroso que tinha sido jogado após a morte daquela que conhecia como mãe.

Seus pais de verdade haviam sido mortos quando era muito jovem e, justamente, por aquela mulher a qual Sinbad se referia.

Falan era a líder de um esquema de tráfico de crianças, o primeiro grande caso que foi entregue ao delegado Sinbad. Judal era mais um dos menores que seriam vendidos. Com aquele belo par de olhos vermelhos e longos cabelos, valeria muito no mercado negro do tráfico internacional. Mas, por algum motivo desconhecido, aquela mulher decidiu não o vender e passou a cuidá-lo como filho.

Porém, como “filho”, Judal precisava trazer dinheiro para casa e, em um dos vários dias de seu “serviço” roubando pelas ruas da cidade, ele teve a sorte, e ao mesmo tempo a infelicidade, de conhecer aquele delegado que acabara de assumir seu cargo. E junto dele, a inspetora Serendine. Os dois eram noivos na época e foram os responsáveis por tirá-lo daquela mulher que Judal, cegamente, respeitava e amava.

Demorou muito tempo para que Judal, no início de sua adolescência, compreendesse que aquela mulher, que havia sido presa e, posteriormente, se suicidou na prisão, não era uma boa pessoa e fosse ensinado por Serendine e Sinbad sobre o que era certo e o que era errado.

Quando atingiu sua maioridade e teve de sair do orfanato ao qual foi conduzido após sair dos cuidados de Falan, o casal tratou de oferecer sua residência para que Judal ficasse e, assim, os três começaram a viver juntos. E após conseguir colocar seus estudos atrasados em dia, Judal recebeu a proposta do delegado Sinbad de fazer parte de sua equipe de investigadores e, talentoso e inteligente como era, o jovem se saia muito bem em sua carreira, conseguindo então sua independência.

Assim ele pode se mudar para uma residência apenas sua, dando mais liberdade para Serendine e Sinbad, que finalmente conseguiram se casar e começavam a formar uma família. Até aquele fatídico dia...

Judal permaneceu ali, por um bom tempo, sentindo aquele abraço tão nostálgico daquele que nem tinha idade para ser seu pai, mas acabara cuidando dele como se fosse seu filho.

Ah, se o arrependimento matasse… Se não tivesse acreditado nas pessoas erradas…

Não diziam nada. Sinbad apenas ouvia os soluços de Judal enquanto o mantinha ali, dentro de seus braços. Como queria protegê-lo como antes. Como queria que Judal permitisse ser protegido novamente. Foi quando o alarme da cozinha soou e Sinbad, sutilmente, se afastou.

— Eu vou apagar o fogo. Nossa comida está pronta. - ele sorriu com ternura. - Fique à vontade. Você sabe que está em casa.

O delegado deu uma piscadela antes de ir para o cômodo do lado. O jantar finalmente estava pronto e, ao conferir a geladeira, já podia ver que a torta de limão que Ja’far havia feito mais cedo também já estava no ponto certo. Com certeza seria do agrado de Judal.

Colocando as luvas, ele retirou a lasanha que estava no forno e seguiu levando a travessa de vidro até a sala de jantar.

— Eu espero que tenha ficado bom!

Apenas o silêncio lhe respondeu.

Depositando a travessa sobre o suporte que havia no centro da mesa de vidro, Sinbad olhou ao redor. A porta havia sido deixado aberta.

Judal tinha ido embora.

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Sentindo-se estúpido, Judal encarava a si mesmo no espelho daquele elevador. Os olhos estavam inchados devido ao choro. Se o elevador não tivesse chegado logo ao térreo, certamente ele teria quebrado seu próprio reflexo, tamanha era a vontade de bater em si mesmo.

Adentrou o carro e suspirou. Não havia mais como se segurar.

Suas mãos tremiam quando passou a mão por baixo do banco do carro. Tateou o tapete até encontrar aquele pequeno plástico transparente. Ele balançou a cabeça negativamente ao encarar o pó branco que havia ali dentro.

Tsc, desculpa, Hakuryuu!

E sem pensar duas vezes, ele despejou aqueles fragmentos em sua mão, aproximando-a de seu nariz e aspirando aquela droga. O alívio foi quase imediato. E com ele, a frustração de se encarar no retrovisor vendo aqueles resquícios de pó em suas narinas, tendo a certeza de como havia fracassado.

Precisava daquela droga para sobreviver, para se manter calmo. Não… ele sabia que não precisava daquilo. Sinbad estaria extremamente o decepcionado se o visse daquele jeito. E Hakuryuu, como ficaria ao vê-lo tão fraco e dependente daquelas substâncias químicas asquerosas?

Judal deixou sua fronte encostar no volante enquanto sentia as lágrimas caírem. A frustração lhe corroía.

Aquelas drogas eram como uma pesada âncora que sempre o afundavam. E pensar que chegava a vê-las como solução para suas angústias, seus temores…

Após conhecer Hakuryuu e todo seu sofrimento e ver que aquele rapaz jamais havia recorrido a algo assim, era simplesmente patético alegar que alguém se entregava às drogas por falta de opção. Hakuryuu havia lhe mostrado que era forte. Tão mais forte que ele…

Voltando a encarar seu reflexo no espelho do retrovisor central, Judal limpou as narinas, sentindo vergonha de si mesmo por ter feito aquilo. E, soluçando, ele voltou a apoiar a cabeça sobre o volante. Estava com tanta coisa em mente e, ao mesmo tempo, após consumir aquela substância, sentia-se zonzo. Seria uma péssima ideia dirigir agora.

Foi quando sentiu aquele ferro gelado encostar em sua têmpora. Um arrepio percorreu toda sua espinha quando, movendo apenas os olhos, na mesma posição, Judal viu, do lado de fora da janela, aquele que empunhava uma pistola 9mm.

A expressão calma e impassível de sempre daquele homem o assustou. Não podia acreditar que ele mesmo viria ao seu encalce. E pelo jeito, não havia nenhum capanga lhe acompanhando. Aquilo só podia significar uma coisa: uma execução sem nenhuma testemunha.

— Kouen… - entredentes, Judal o chamou.

— Saia do carro sem fazer alarde e me acompanhe.

Judal estava certo de que aquele era seu fim.


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Notas finais do capítulo

Pessoal, o capítulo foi enorme e, acreditem, eu queria ter ido além! Hahaha! Espero que compense pela demora em postar! ♥ Quanto ao andamento da fic, voltamos a ter um foco mais intenso nas drogas. E eu realmente gostaria de trabalhar essa fic como um alerta sobre o assunto. Eu acabo demorando bastante a postar porque passo um bom tempo pesquisando sobre! Hahaha! Eu espero que estejam gostando e muitas tretas ainda acontecerão! Para quem planejava 10 capítulos, acho que estamos chegando na metade!
Obrigada por lerem e, como sempre, elogios, comentários, críticas são sempre bem-vindos! ♥



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