Cartas para Jane Austen. escrita por Lizzy


Capítulo 5
Capítulo Quatro - Novo amigo.


Notas iniciais do capítulo

"Muitas vezes perdemos a possibilidade de felicidade de tanto nos prepararmos para recebê-la. Por que então não agarrá-la toda de uma vez?"
Jane Austen
Espero que tenham uma boa leitura!



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Capítulo Quatro - Novo amigo.

Quimera 17 de maio de 2015.

Querida Jane Austen,

A chegada de Vitor trouxe-me raiva e me mostrou que estava errada. Pensei que tinha superado tudo, contudo superação implica em superar ou vencer algo.  A volta de Vitor  me  mostrou isso, já que, mesmo tentando esconder, ainda sinto algo por ele. Não é amor, mas... também não é tudo ódio. Resumindo, estou confusa. Se realmente tivesse superado, sentiria isso? Essas dúvidas martelando em minha cabeça? O que me leva a acreditar que, talvez, superação não seja a palavra certa para denominar esses anos. Um sinônimo, acho que seria melhor. Afastamento.  Que tem como sinônimos isolamento e solidão. É talvez afastamento seja o termo certo. Porém, não me considero uma pessoa solitária. Isolada, sim, já que não costumo me abrir para as pessoas, me arriscar. Entretanto, depois de cinco desilusões amorosas quem não ficaria assim? Não sou muito, de reclamar por isso, exceto nas cartas. É complicado deixar as pessoas se aproximarem. É mais fácil afastar do que confiar que dessa vez vai dar certo. Será que esses anos foram um tempo perdido, então? Que só serviram para me iludir? Se sim, o que vou fazer agora? Ignorar e deixar como está ou mudar radicalmente? Acho que não estou pronta... para sair da minha zona de conforto.

Desde já agradeço,

Victoria Albuquerque.

ARIANA GRANDE - Break Free (Leroy Sanchez Cover)

Ontem consegui dormir. Não foi a minha melhor noite de sono, mas, pelo menos, descansei um pouco. Acordei e preparei o café. Depois de tomá-lo, peguei a toalha e fui tomar um banho. Estava tranquilo me lavando, quando escuto um barulho na porta. Droga! Esqueci de trancá-la. Victoria entrou fechando a porta. Ainda sonolenta não notou que eu estava lá. Abriu o box e....

— AAAAAHHHHH!!!! - Gritou de susto. - Droga! Você não se lembra das regras? Tranque o banheiro quando for usar! - Exclamou irritada e fechando os olhos.

— Lembro! Mas são suas regras, Vics. Hora nenhuma eu disse que iria obedecê-las. - Falei desligando o chuveiro. - Pode me passar a toalha, por favor? - Pedi, tirando o excesso de água do cabelo.

Ela abriu os olhos e, não tenho certeza se foi sem querer, olhou para o meu corpo. Desviou rapidamente, o olhar e pegou a toalha me entregando. Enrolei ela na cintura, não me importando em secar. Vics, virou-se enquanto eu fazia isso. Andei até a pia, para escovar os dentes. Ela continuou me observando calada.

— Quero você fora daqui. Essa é minha casa, Vitor. Se não quer obedecer as minhas regras, não posso mais te hospedar. - Disse sem nenhuma expressão.

Esperava que ela fosse dizer alguma coisa assim, então não fiquei surpreso. Enxaguei a boca, lentamente. Sequei o rosto enrolando para responder. Queria deixá-la irritada ao extremo. Depois de ouvir um suspiro dela, virei-me. Andei até ela, parei quase encostando em seu corpo.

— Preciso te lembrar que o apartamento ainda está em meu nome. Tecnicamente, ainda sou o dono daqui. - Falei, sorrindo com sarcasmo.

Observei o seu rosto de irritação se transformar em aflição. Acho que Victoria se esqueceu, desse detalhe. Quando ela comprou o apartamento, não se preocupou com os papéis. No entanto, Vics rapidamente se recuperou, voltando a postura de antes.

Aliás, ela está linda. Com o cabelo ruivo bagunçado, os olhos verdes que foram a minha perdição, aquelas sardas... lembro de como beijava elas, do seu sorriso quando o fazia e tem o seu pijama extremamente sexy. Queria beijá-la toda vez que a via, mas agora... está sendo quase impossível controlar a vontade.

— É, só que eu comprei ele de você. Sou dona dele, não importa o que diga. - Respondeu, desafiando-me com os olhos.

Dito isso Vics não me deixou escolha.

— Tudo bem, querida, mas o que será que Elena vai achar quando contar para ela sobre as garrafas? - Ameacei com ironia.

— Não. Você não faria isso. - Ela respondeu, desarmada.

— Quer pagar para ver? - Respondi, erguendo a sobrancelha em desafio.

Victoria levantou a mão para me dar um tapa. Desviei e agarrei sua mão. Puxei o seu corpo para ainda mais perto do meu e fiz o que queria fazer. Beijei-a. No entanto, ela não correspondeu. Fechei os olhos aprofundando o beijo. Victoria não se afastou, nem impediu que eu aprofundasse, mas não retribuiu. Abri os olhos e foi como um banho de água fria. Ela me encarava com tanto desprezo que... parei o beijo, afastando-a.

— Preciso tomar um banho. Continuamos essa conversa depois. - Falou, abrindo a porta do banheiro.

Saí para não criar mais encrenca. Vesti uma calça jeans, uma blusa vinho, calcei o sapato e ajeitei o cabelo. Esperei ela na cozinha. Vamos ter essa conversa agora. Precisamos disso. Temos muita coisa para resolver. O seu problema com a bebida, a dificuldade em perdoar o que aconteceu no passado e essa história de encontro. O que ela está planejando fazer? E ainda tem o beijo.

Ela foi tão fria. Lembro de quando nos beijávamos antes. Eram beijos cheios de paixão e selvagens. Agora, ela nem correspondeu. Como o ódio dela pode ser tão grande assim? Sabia que ela queria me beijar. O seu corpo estava tremendo, mas a sua teimosia foi mais forte.

Garota complicada! Se soubesse disso não tinha voltado para o Brasil. Pensei que ao lado dela a minha inspiração voltasse, já que foi com ela que eu descobri que queria ser escritor. Só que as coisas não estão funcionando muito bem. Ainda não consegui escrever nem uma linha. Na verdade, nem tentei.

*****

Queria isso desde o momento que o vi na livraria, mas simplesmente não consegui desligar o passado, se é que existe botão para isso. As lembranças dos nossos beijos vieram com tudo e, com isso, as outras também. As de quando ele me abandonou para viver em Paris. Ele queria ser um escritor e eu o incentivava a ser. Só não sabia que seria por isso que ele me deixaria. "Hum, fatalidades da vida". Pensei olhando para o espelho.

Vesti um vestido de oncinha, marcado na cintura, mula-manca, uma sapatilha nude e deixei o cabelo solto. Ajeitei a franja, amassei o resto com as mãos para que ficasse ondulado. Passei apenas, um gloss de maquiagem. Fui para o quarto, peguei a bolsa e coloquei o celular dentro dela. Antes mandei uma mensagem para o Léo dizendo que já estava descendo. Iremos almoçar em um restaurante italiano que abriu a pouco tempo. Ele exigiu que contasse tudo o que aconteceu durante sexta e sábado. Isso foi o que disse, mas sei que ele só quer saber quem é o cara que está no meu apartamento. Destranquei a porta e Vitor passou pela porta da cozinha.

— Aonde você vai? - Perguntou todo autoritário.

— Não que eu deva responder, mas vou almoçar com um amigo. - Respondi, deixando ele pensar o que quisesse.

Quando cheguei na porta do prédio o conversível já estava lá, a minha espera. Como sempre, Léo me deu um abraço forte, abriu a porta do carro e disse que eu estava linda. Me casaria com ele. Sem nem pensar. Pena que ele é gay.

— Não ouse repetir uma coisa dessas, querida. Nem todos os homens são ruins. É você quem vive procurando defeito em todos. Se desse pelo menos uma chance para o meu amigo saberia do que estou falando. - Disse parando em um sinal.

— Por que? Ele é gay? - Brinquei e a resposta do Léo foi uma cara do tipo: "Não vou nem me dar ao trabalho de te dar uma resposta, querida". - Bem. Não dá para voltar atrás agora. Ele me ligou ontem. - Comentei olhando para o outro lado.

— Não acredito! Você aceitou? - E agora foi a minha vez de olhá-lo com uma cara do tipo: "Pergunta idiota".

— Está bem nervosinha. Vou encarar isso como um sim. - Completou arrancando com o carro.

Ficamos um tempo em silêncio durante o caminho. Quando estávamos chegando no restaurante ele não aguentou e perguntou:

— E o cara do seu apartamento? Não me esconda nada, quero saber de tudo, flor. - Falou estacionando o carro.

Contei para ele toda a história. Desde o garoto da livraria, até o beijo hoje de manhã. Não sei porque contei para ele sobre o garoto da livraria, o encontro nem foi tão importante assim. Resumi a história, sem muitos detalhes. Léo que se contente. É a única versão da história que vai ter por mim.

Isso tudo aconteceu durante o nosso almoço. Fomos interrompidos algumas vezes por um garçom, ele começou a ficar irritado e me dei os parabéns por conseguir controlá-lo. Depois, do almoço tomei um café e Léo foi no banheiro. Sentado a duas mesas de distância da minha estava ele. O garoto da livraria.

Sabe quando você está olhando para a pessoa e ela de repente se vira e te pega no flagra? Aí ele te olha com um sorriso como se dissesse: "Eu vi. Tudo bem, pode olhar, não me importo". Então, você ficaria corada, abaixaria a cabeça e sorriria. Ele viria e perguntaria se podia sentar na sua mesa. Você diria que sim e os dois conversariam sobre o tempo ou qualquer outra besteira apenas para que continuassem ouvindo a voz um do outro. Isso se ele não te contasse a piada do pão de queijo, que é sem graça quando um amigo conta, e você sentisse a sua barriga doer de tanto rir. Bem, ( Rá! Pensou que eu diria um "mas" não foi?) não foi isso que aconteceu. Mas, poderia ter acontecido. Se eu tivesse sorrido. Como não o fiz, fui direto para a parte em que me decepciono e terminamos. Na verdade não comecei, evitei o sofrimento e um fim inevitável.

Léo voltou. Fomos embora. Ele pagou a conta e nós não brigamos por isso. Sem querer, esqueci de contar para ele que o garoto da livraria estava lá. Não queria responder as perguntas. Já respondi o suficiente. Ele me deixou no apartamento e passamos o caminho de volta inteiro falando sobre a roupa que usaria hoje a noite. Traduzindo: Enquanto, Léo falava me limitei a concordar com a cabeça. Já sabia o que vestiria e não é nada do que ele sugeriu. Na verdade, suspeito que ele vai deixar de ser o meu amigo por alguns dias quando descobrir o que vou fazer.

A tarde foi tranquila. Fiquei um tempo com Elena e Alessandro, tentei trabalhar no texto da revista, não tive sucesso e continuei lendo aquele livro de ontem. Vitor chegou, por volta das cinco da tarde. Ele estava retirando algumas coisas que não dariam para ser aproveitadas no bazar. Estava deitada no sofá, sentei, marquei o livro com o dedo e levantei indo para o quarto.

— Sei que você me odeia, mas acho conseguimos ficar na mesma sala, não? - Balancei a cabeça dizendo que não. Vitor suspirou. - Pode ficar aí, então! Alessandro pediu para que eu fosse no supermercado com Elena. - Disse me fazendo ficar preocupada.

— Ele está bem? - Perguntei, aflita.

— Sim. Só um pouco cansado. - Respondeu, chegando perto de onde eu estava. - Fui pegar a correspondência de Elena e aproveitei para pegar a sua. - Disse jogando no sofá.

Passei pelas contas, sem abri-las. Peguei um envelope pardo, na frente a carta estava destinada para mim, virei para abri-lá e vi de quem era. Jogaria fora sem ler, mas não consegui. Desde o seu noivado no começo do ano, Laura não fala mais comigo. Provavelmente, porque recusei o convite.

Laura é minha prima por parte de mãe. A mãe dela morreu quando era pequena. Ninguém sabia quem era o pai, ouso dizer que nem a própria mãe sabia. Meus pais a criaram, éramos inseparáveis. Como irmãs, não precisávamos de ligação de sangue para isso. Depois que saí de casa para morar com meus avós, ainda mantinha um certo contato. Até que recusei ir ao seu noivado. Nada me impedia de ir, a não ser o fato de que eu não queria voltar naquela cidade. Ver aquelas pessoas de novo era demais para mim.

A última coisa que ela me contou quando conversamos, foi que tinha recebido uma proposta de emprego em Paris. Ela seria sócia de uma grife. Eles se mudariam para lá, depois do casamento. Ela ainda não tinha contado para mamãe. "O que Laura quer? Depois de tantos meses sem contato." Pensei e a curiosidade acabou vencendo. Rompi o lacre e retirei de lá duas coisas. Uma carta e um convite branco perolado, com as escritas em prata.

Era o seu convite de casamento. Atrás estava escrito, "Para, Victoria Albuquerque Rivetta." E na frente as iniciais "L e M" O convite foi feito em forma de envelope de carta. Só que o lacre estava na frente, com uma meia pérola impedindo que ele fosse aberto. A puxei, com uma certa dificuldade, abrindo para ver o conteúdo. É igual a todos os outros convites de casamento. A única parte diferente foi aquela mensagem do início que, geralmente são dizeres da bíblia, e o nome dos pais.

Estava desta forma:

"Quando, finalmente, estiver segura do amor dele, terá todo o vagar para, por sua vez, se apaixonar como ela bem o entender". (Jane Austen) Apaixonamos um pelo outro.

É por isso que, Marta Rivetta( Em memória), Beatriz Rivetta e Rodrigo Albuquerque junto com, Penelope Ferraz e Augusto Silva, tem o prazer de convidá-los para o enlace matrimonial dos seus filhos:

Laura e Marcus

O resto era aquela baboseira de sempre. O dia, as horas, onde iria ser. Sem me dar ao trabalho de ler essa parte, comecei a pensar em uma boa desculpa para explicar a minha falta. Peguei a outra carta, não estava tendo sucesso em pensar em uma boa desculpa. Essa está só dobrada, sem envelope. E ela não colocou data, nem lugar. Começou, com:

Querida irmã, (Lá vem! Já começou com chantagem emocional.)

Estamos todos com saudades de você, (Mentira!) principalmente eu. (Revirei os olhos. Foi ela quem ficou sem falar comigo.) Desculpa ter evitado contato é que estava brava por você não vir ao meu noivado e ainda usar como desculpa problema inadiáveis. (Lê-se: Ela ainda está irritada.) Bem, superei isso tudo e já te perdoei. (Se superou porque escreveu? E eu não pedi perdão.) Agora, vou ficar extremamente magoada se você não vir no meu casamento. (Fica nada! Depois de algumas semanas você esquece.) Por último, gostaria de te lembrar de quando éramos crianças, (Não! Por favor, momento nostalgia, não!) planejávamos o casamento das nossas bonecas e prometemos que seriamos madrinhas, uma da outra, quando o dia do nosso casamento chegasse. A promessa ainda está de pé? Por favor, planejar um casamento sem você, não vai ser divertido. ( É também lembro que nunca iríamos nos separar, mas... as coisas nem sempre funcionam assim.)

Abraços,

Laura Rivetta.

P.S.: Segue as formas de contato, para você me responder. Preciso de uma resposta até terça.

Laura me deu o seu e-mail, o novo telefone e o endereço. Como se eu fosse esquecer o endereço de casa! Pensei nos meios de comunicação, em que poderia recusar o convite. Carta. Demoraria para chegar, então a descartei. Telefone... falar com ela seria complicado. Optei pela última que me restava, e-mail. Precisei de apenas quinze minutos para escrever e pensar no que iria dizer.

Depois de colocar o e-mail dela, o assunto e essas coisas. Escrevi a seguinte mensagem:

Olá, Laura.

Fiquei surpresa com o seu convite. Não esperava. Bem, pensei em um milhão de desculpas para justificar a minha recusa. Porém, resolvi ser honesta com você. Por mais que esteja feliz pelo convite e por você, não quero ir. Tenho certeza que você irá fazer um excelente casamento sem a minha ajuda. E quanto a promessa... bem nós eramos crianças, também juramos que mesmo se estivéssemos do outro lado do planeta nunca nos afastaríamos. As coisas nem sempre são como a gente quer. Para concluir, gostaria de lhe dar os meus mais sinceros parabéns e que você seja muito feliz. Vou pensar em um bom presente para te mandar pelo sedex e... Ah, quase me esqueci, o convite é lindo. A escolha da mensagem me mostrou que você é inteligente e original. Marcus tem muita sorte por tê-la.

Abraços, Vics.

Cliquei no botão enviar, antes que me arrependesse. Provavelmente, ela vai me matar ou nunca mais vai conversar comigo. Humpf. Não me importo. Laura precisa aprender que, as vezes o mundo não gira em torno dela e na maioria delas ele é cruel. Essa é a realidade, precisamos encará-la.

Pensei olhando para a tela do notebook, o fechei e fui preparar um banho de banheira, torcendo para que Laura não checasse seus e-mails todos os dias. Não queria ter que falar com ela caso ligasse. Estou sem paciência para lidar com isso hoje.

Tive que voltar para o quarto já que esqueci da toalha. Ela estava em cima da penteadeira onde tinha colocado as contas. Quando a puxei as contas cairam no chão. Não me preocupei em pegá-las, havia deixado a banheira enchendo e tinha que desligar, então simplesmente as deixei no chão.

Fiquei relaxando na banheira por um bom tempo. Quase dormi, com a sensação de paz. "A vida poderia ser assim o tempo inteiro." Pensei, pegando um pouco de espuma com a mão e assoprando no ar. Parte dela voltou para a banheira, a outra caiu no box e o resto no chão. Percebi que estava escurecendo, enxuguei-me. Vesti minhas roupas de baixo e um roupão de seda preto. Saí do banheiro, dando de cara com Vitor.

Quase caí de susto, mas ele me segurou antes que acontecesse. Recuperei-me e fiquei em pé afastando-o. Entrei no quarto, fechei a porta e escorei nela. Como aqueles braços ainda conseguem me fazer ficar arrepiada? Respirei fundo algumas vezes e quando já estava mais calma, escutei uma batida na porta. Meu coração ficou acelerado e tudo foi por água abaixo.

— Pode falar. - Disse com a porta fechada, não queria que ele visse o meu estado.

— O telefone. Não para de tocar. - Falou o tom de voz dando a impressão de que estava irritado.

— Você pode atender para mim, por favor? Diga que estou ocupada, depois retorno. - Pedi, um pouco ofegante.

— Tudo bem! - Respondeu e prestei atenção até que o barulho dos seus passos sumiram do corredor.

Ainda nervosa abri o guarda-roupa. Procurei pelo o que iria usar, passando pela roupa, várias vezes, sem perceber. Achei tudo colocando em cima da cama. Matheus, vai ter uma grande surpresa quando me ver. Ah, se vai!

*****

— Oi, Vics está...

— VICTORIA ALBUQUERQUE RIVETTA! - A pessoa do outro lado da linha me interrompeu, quase estourando os meus tímpanos. E teria feito isso se não tivesse afastado o telefone da orelha. - QUE HISTÓRIA É ESSA DE QUE VOCÊ NÃO QUER VIR NO MEU CASAMENTO? - Continuou gritando e eu mantive o telefone longe da orelha.

— Desculpa. A Vics está ocupada e pediu para eu atender o telefone. Ela disse que liga de volta depois. - Falei, rápido. Antes que ela gritasse de novo.

— Ah! Desculpa, pensei que fosse... Espera! A sua voz é masculina. - A mulher, agora mais calma disse. - O que? - Escutei uma voz ao fundo. Ah, ótimo! Ela está no viva-voz.

— É que... longa história! Ela pode te explicar depois? - Perguntei, empurrando o abacaxi para, Vics “descascar” depois.

Despedimos, mal coloquei o telefone no gancho e escutei Vics perguntar.

— Quem era? - Disse  me fazendo virar.

"O que aconteceu com a Vics?" Ela estava usando uma meia calça preta rasgada, um short jeans curto, muito curto, também rasgado, uma blusa preta colada no corpo, uma jaqueta xadrez azul com preta e um all star tradicional detonado. O cabelo dela estava solto e molhado, os olhos ela passou uma sombra preta bem forte e, para completar, escondeu as sardinhas e passou um batom vermelho. Estava com uma bolsa preta, colocada de lado.

— E aí? O que achou? - Perguntou dando uma voltinha e soltando uma risada.

— Hmmm... Está parecendo uma adolescente revoltada! - "Para não dizer coisa pior." Completei em pensamento.

Ela riu ainda mais alto. Como se eu tivesse dito um elogio.

— É essa a intenção. - Comentou, afofando o cabelo.

Bem, nem preciso me dar ao trabalho de acabar com o encontro dela. Ao que parece ela já está fazendo isso. Vics olhou no celular e respondeu alguma coisa. Pegou as chaves e foi até a porta.

— Espera! Vou descer com você...

— Não. - Interrompeu. - Não quero ter que explicar... Se bem que... Espera tive uma ideia! - Falou, digitando no celular de novo.

— Agora, vou no banheiro retocar o batom e você abre para ele. Tudo bem? - Perguntou e concordei sem entender.

Sentei no sofá. Cinco minutos depois a campainha tocou. Levantei, andei lentamente até a porta e a abri. Quando o vi, tive pena dele. Vics, sempre foi osso duro de roer. Convidei-o para entrar, dizendo que ela já estava vindo. Ele tentou, mas não conseguiu disfarçar a confusão e o incômodo de me ver aqui. Sorri. "Vics, vai acabar com ele." Pensei.

One Direction - Perfect

*****

— Desculpa, ter feito você esperar... - Comecei a falar, quando estava perto da sala, mas parei quando o vi. - Garoto da livraria? - Perguntei assustada.

— Garota desastrada da livraria? - Respondeu atônito com o meu visual.

"Droga! O amigo de Léo tinha que ser o garoto da livraria?" Pensei, aturdida. Não sei porque, quis voltar para o quarto. Trocar de roupa e retirar a maquiagem. Colocar um vestido ou alguma coisa assim. "Sem chance" Pensei, suspirando. "Vou dar uma lição em Léo, mesmo Matheus sendo o garoto da livraria."

Não sei o que o destino está planejando. Isso não tem importância. As coisas vão ser do meu jeito agora, sem a interferência dele. Como, todas as vezes que ele interferiu nunca foi ao meu favor... é melhor ficar quieto onde está.

— Bem, vamos? - Falei. Matheus se levantou ainda assustado.

Vitor abriu a porta e ele saiu. Enquanto, eu saía ele disse divirta-se, querida e gritou para Matheus não a deixar beber, porque ela têm um problema com isso. Olhei-o furiosa. Ele perguntou "Que foi?" com os olhos, se fazendo de inocente. Abanei a mão, como se dissesse, deixa pra lá.

Descemos as escadas, em silêncio. Matheus não pegou na minha mão e eu não tentei pegar na dele. Quando, chegamos no carro, ele abriu a porta. É uma caminhonete, bonita preta e com os bancos de couro cor creme. Contornou o carro e sentou no banco do motorista. Ele olhou para mim e riu. "Droga! Fui descoberta olhei, para o chão com raiva."

— Léo me alertou sobre isso. Ele disse que você concordou fácil demais. - Explicou ainda rindo.

— Droga! - Disse corando. Já que a situação era muito humilhante, acabei rindo também.

Continuamos rindo por um tempo. A risada rouca dele se misturando, com a minha que beirava ao histerismo, formando um som muito estranho. Ele arrancou com o carro. Evitei olhá-lo.

— Hmmm... tenho uma reserva no restaurante, mas creio que você não vai querer ir vestida assim, certo? - Perguntou olhando para mim, já que estávamos em um sinal. Confirmei com a cabeça.

A única intenção, era fazê-lo se arrepender de ter saído comigo. Mas, ele descobriu, agora perdeu a graça. Perguntou se eu era uma daquelas garotas que não gosta de hambúrguer, fiz um não com a cabeça de novo. Estava sem coragem de falar.

Paramos em uma lanchonete. Ele disse que eu podia descer se quisesse, mas não era necessário. Então, resolvi ficar no carro mesmo. Depois de um tempo, Matheus trouxe o cardápio. Escolhemos o sanduíche e ele voltou para fazer o pedido. Fiquei, praticamente, meia hora vendo uma fileira de carros. Estava quase, descendo quando ele entrou com o embrulho. O cheiro estava irresistível.

— Se a gente não vai comer aqui...

— Você já viu o edifício Belmonte? - Perguntou ainda me deixando confusa. - Bem, hora que chegarmos lá você vai entender. - Limitou-se a dizer quando viu o meu rosto.

Ficamos em silêncio até chegar no edifício. Na verdade, conheço o edifício, é onde Léo mora, só nunca entrei em nenhum apartamento que não fosse o dele e, aparentemente, ele esqueceu-se de dizer que Matheus morava lá também. Não foi um silêncio carregado, nem nostálgico ou de inquietação. Foi um silêncio que transmitia uma sensação de paz. Estava tranquila, sem medo e curiosa. Ele parou o carro na frente do lugar e abriu a porta. Entramos, ele cumprimentou o balconista, que ficou extremamente surpreso com a minha presença. Isso significa que ele não costuma trazer mulheres aqui. "Será que devo me preocupar?" Pensei entrando no elevador. "Ah! Sem contar o modo como estou vestida. Provavelmente, ele deve pensar que sou louca."

Ele apertou o botão do décimo quinto e último andar. Nesse, andar tem seis apartamentos. Três de cada lado. Matheus abriu o último do lado esquerdo. Quando entramos, não prestei muita atenção no apartamento. Ele me levou até a porta dos fundos. Pediu que eu esperasse um pouco, enquanto ele pegava uma coisa. Fiquei ali observando a lavanderia que é bastante comum.

Matheus voltou trazendo uns cobertores e almofadas. Entendi o que ele queria fazer. Peguei o lanche e subi o único lance de escadas que dava até a cobertura. Ele jogou o cobertor no chão e arrumou as almofadas em cima. Sentou indicando o lugar ao seu lado. Sentei colocando a sacola no cobertor. Fiquei maravilhada com a vista. As luzes da cidade brilhavam, enquanto o céu com poucas estrelas, evidenciava a lua. Tão linda.

— Por que você me trouxe aqui? - Perguntei curiosa.

— Sempre venho aqui de noite. Para ver as estrelas e tentar clarear as dúvidas. - Respondeu, abrindo a sacola.

Sentei dobrando as pernas. Peguei meu sanduíche e o refrigerante. Comemos em silêncio por um tempo, olhando a vista. Pela primeira vez em anos, senti paz ao lado de um homem. Léo não conta. Matheus, estava com uma calça jeans, uma blusa azul claro e uma jaqueta de couro marrom. Sentada ao seu lado senti o perfume. Não sei qual, mas tem um cheiro bom. Não falamos. Estava bom desse jeito, pelo menos para mim. A única coisa que está me incomodando é que ele não para de olhar para o celular.

Depois que acabamos de comer, atacamos a batata frita. Ele se deitou e ficou olhando para o céu. Resisti um pouco, mas acabei deitando também. Pensei em tudo o que poderia falar e não tive coragem. Já tinha feito besteira o suficiente, não posso culpar Matheus por querer acabar com isso o mais rápido possível. "Vou aproveitar a vista mais um pouco e aí dou um jeito de acabar com isso." Pensei, sentindo uma coisa sem explicação. Culpa? Tristeza, sei lá...

— Sei que você está louco para se ver livre de mim, só que dá para parar de joga na cara? - Disse, levantando. - Vamos, me leva para casa! Já entendi o recado. - Continuei, apertando o casaco e andando na direção das escadas.

"Droga! Era pra ele sair chateado e não eu." Pensei, frustrada. O clima de paz, desapareceu. Quando já estava começando a descer as escadas, senti a mão de Matheus em meu ombro parando-me. Virei, arqueando as sobrancelhas. Ele tirou a mão e colocou as duas no bolso da frente da calça.

— Desculpe, não é isso. É que já faz um tempo que eu não faço isso, acho que perdi o jeito. - Disse sem graça.

— Você é casado? Não acredito que caí nessa de novo. Vou matar o Léo. - Falei, porém era só pra ter pensado.

— O que? Não... quero dizer fui casado. É que... - Ele se enrolou um pouco com as palavras. - ... sou viúvo. - A tristeza em seus olhos, me fez ter vergonha de como o tratei.

— Sinto muito! Aparentemente, Léo esqueceu de contar esse detalhe. - Falei constrangida.

— Sem problema. - Ele respondeu sorrindo. - O celular... é que minha filha está com a avó. Disse para ela ligar qualquer coisa, só estou com medo de não perceber. - Explicou.

Como se pudesse, fiquei mais vermelha ainda. "Léo providenciou o pacote completo." Pensei, suspirando. Então, ele é viúvo e pai. Claramente, meu amigo esqueceu alguns detalhes importantes. Não deve ter contado sobre mim também. "E agora? Será que devo falar?" Pensei, mordendo o lábio.

— Você quer ficar? - Perguntou com a voz baixa. - Sei que o fato de ter uma filha pode te assustar um pouco...

— Não. Não é isso. - Interrompi-o. - Léo, não te contou, né? - Completei suspirando.

— Bem, ele só disse que você ainda não teve sorte com o amor e anda meio revoltada com a vida. - Disse, sorrindo. Revirei os olhos. Típico de Léo fazer isso.

Depois que Matheus me esclareceu isso, sentamos no mesmo lugar de antes. Ficamos conversando sobre tudo o que conseguimos falar. Ele me falou um pouco de sua esposa e filha, havia tanto amor e saudade nos seus olhos e tom de voz, que senti lágrimas brotarem nos meus. Matheus disse que ela morreu ao dar a luz. Ele fez uma pausa, como se a voz não aguentasse mais falar. O clima ficou pesado depois disso. Ele não quis falar e... eu o entendia muito bem.

Nesse momento, resolvi mudar de assunto. Perguntei a ele como conheceu Léo. Matheus, explicou-me que o pai de Léo é amigo dele. Ambos são donos de fazenda de café. Sua esposa, era irmã dele. Fiquei calada. Sem tentativas de mudar de assunto de novo. Mesmo que o silêncio agora fosse perturbador. Porém, foi vez dele de mudar de assunto. Queria saber mais sobre mim. Pela primeira vez durante a noite fiquei tensa. "Ele tem o direito de saber sobre você. Ele respondeu a todas as suas perguntas." A consciência resolveu dar palpite.

Respirei fundo e olhei-o. Falaria que não podia dizer. Que não conseguia. No entanto, senti-me em dívida. Matheus confiou em mim para contar a sua história. Deveria confiar nele também. Mordi o lábio inferior, pensando em como começar. Ele segurou a minha mão, até então estávamos só sentados perto um do outro sem nos tocarmos, e disse que tudo bem se eu não quisesse falar. Balancei a cabeça, dizendo que não. Pela primeira vez em anos, tive vontade de falar sobre a minha história com alguém.

Poucas pessoas sabem do que aconteceu pela minha boca. Elena soube pela minha avó, que por sua vez soube pelos meus pais. Contei para Léo de forma resumida e porque estava bêbada. Respirei fundo mais algumas vezes, fechei os olhos, como se estivesse sozinha, abri a boca e mergulhei de cabeça no passado. Quando memórias tão guardadas, veem a tona, trazem dor. Relembrar tudo foi como, reviver. Senti todos os sentimentos ruins e bons ao mesmo tempo. Quis chorar, rir, fiquei arrepiada, com raiva... Entretanto, quando acabei de contar, resumidamente é claro, senti alívio. Acho que nunca vou conseguir falar os detalhes, eles são uma parte que é só minha.

Enquanto, falava percebi o quanto Laura estava presente em tudo. Quando as coisas estavam bem ou desabando. Ela estava lá. Nós realmente fomos inseparáveis. Lembrei de quando estava chateada, e fomos para uma lanchonete. Ainda era época de escola, tomamos tanto milkshake que passamos mal. Nossa mãe ficou a noite inteira no hospital, deu uma bronca daquelas e... nós abraçou quando recebemos alta.

Continuamos conversando sobre livros e música. Não vimos o tempo passar. Deitei no cobertor rindo da piada do pão de queijo. O que pensei na hora do almoço martelou na minha cabeça. Olhei para Matheus, ele olhou pra mim e... os meus pensamentos ficaram quietos. Percebi as horas, quando ele olhou no celular pela milionésima vez, era meia-noite.

— Já está tarde. - Falei levantando. - Melhor me levar para casa. - Continuei.

Matheus concordou com a cabeça e se levantou. Peguei a minha bolsa, os travesseiros e descemos as escadas. Ele trouxe o cobertor. Deixamos no sofá da sala. Pegamos o elevador em silêncio. Eu e Matheus estávamos, lado a lado. Suspirei, olhei para a minha mão a centímetros da dele. Vi quando diminuiu um pouquinho mais a distância. Sem pensar direito, entrelacei nossos dedos.  Sorri para o chão e ele ficou fazendo círculos com o polegar.

— É estranho encontrar um homem que gosta de Jane Austen. - Disse quando já estávamos no carro.

— É. Me disseram que eu andava amargurado e precisava ler uns romances. -  Comentou me fazendo rir.

— E eu preciso parar de lê-los. - Falei séria.

Já estávamos na frente do meu prédio. Matheus abriu a porta do carro, eu saí e não sabia o que fazer. Recostei, na porta. Geralmente, agora é hora em que o casal dá um beijo de despedida. Olhei para os meus pés. "Será?" Pensei. A sensação de não saber como agir é angustiante.

— Bem... foi um prazer te conhecer. Adorei a noite. Obrigada! - Disse, encarando-o.

— Também foi um prazer te conhecer. Eu é que tenho que agradecer. Você não sabe o quanto me fez bem. - Falou e eu sorri.

— Então... amigos? - Perguntei, sem graça.

— Amigos. - Respondeu fazendo que sim com a cabeça.

Estendi a mão, ele a apertou e me puxou para um abraço. Senti uma paz tão boa. Aliás, tudo nele irradiava paz. Essa sensação me dominou até entrar no apartamento. Não encontrei Vitor. Dormi, como não dormia a anos. E nem precisei da bebida para isso. "Só espero, que no dia seguinte, não sinta como se tudo fosse desabar." Pensei antes dos sonhos me dominarem.


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Notas finais do capítulo

Se você leu até aqui e gostou, que tal deixar um comentário? Sintam - se a vontade para me dizer o que acharam do capítulo.
Desde já agradeço,
Lizzy



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