Cartas para Jane Austen. escrita por Lizzy


Capítulo 6
Capítulo Cinco - Carta misteriosa.


Notas iniciais do capítulo

Espero que vocês gostem! Desculpem a demora!



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Quimera 18 de maio de 2015.

Querida Jane Austen,

Tudo bem! Meu plano foi por água a abaixo, mas como saberia que seria o garoto da livraria? Você já percebeu que o destino adora jogar com as pessoas? Pelo menos, comigo, ele ama. Primeiro, foi a volta de Vitor e, agora, Matheus. Até quando isso vai acontecer? Sei que Matheus é só um amigo, nenhum dos dois tem condições de sentir algo a mais que uma boa amizade. Estou quebrada e ele despedaçado. Ainda tenho esperanças de que tenho conserto, poucas é claro, porém ele... não pode fazer nada. Sabe, com a minha experiência, não acredito que um coração ferido cura-se com outro amor. Principalmente no caso dele, que foi abandonado de uma forma que não dá para se ter de volta. Confesso que em alguns momentos sou egoísta o suficiente para pensar que ninguém tem uma vida pior que a minha. E é justamente quando penso assim que me deparo com pessoas como Matheus. Ele não teve escolha. Sabe muitas vezes a gente supera algo jogando a culpa em outra pessoa. No caso dele, não houve culpados e nem vitímas. Apenas uma fatalidade. Entretanto, tem uma coisa que ele tem que eu queria ter. Matheus tem por quem lutar, alguém para se sentir amparado e continuar vivendo. Quanto a mim... só tenho o passado, as cartas e a bebida. Será que Matheus entrou na minha vida para mostrar que o mundo sempre pode ser pior do que você imagina? Não. Por algum motivo sei que não. Então, por que ele entrou?

Desde já agradeço.

Victoria Albuquerque.

Ryan Star- Losing your memory

Levantei como não fazia em anos. Calma, sentindo... nada. E isso foi bom. Como se algo tivesse mudado, mas ainda estava anestesiada. Andei até o banheiro, tomei banho, como de costume, e vesti a minha roupa para dar aulas. Calça cinza folgada, regata rosa clara e sapatilha na bolsa. Olhei no relógio de cabeceira, percebi que estava adiantada. Coloquei a bolsa no sofá e tomei café na cozinha. Só café.

Vitor ainda não tinha acordado. Distraída, pensei no que ele havia feito enquanto estava com Matheus. Sendo mais precisa no que ele sentiu. Obviamente, recriminei-me por pensamentos tão absurdos. Com isso, pensei no passado e acabei sendo levada para, quando era, os momentos ao lado de minha irmã. Laura sempre foi uma amiga. Um suporte pra quem contava tudo. Lembro uma vez em que ela brigou na escola. Sou cinco anos mais velha que ela. Quando a garota disse que iria chamar sua irmã mais velha. Laura disse que iria chamar a sua também. No outro dia,  estudavamos na mesma escola, fui na hora do recreio resolver o problema. A garota já estava lá com a sua irmã. Nós conversamos, fizemos as duas pedirem desculpas uma para a outra e ficamos amigas. Fomos amigas até  depois do ensino médio. Tudo acabou, depois do que Olivia fez.

— Planeta terra chamando, Victoria! - Vitor disse passando a mão na frente dos meus olhos. - Sua irmã. É a mesma que ligou ontem, furiosa. - Completou estendo o telefone.

Agarrei-o, colocando no ouvido de forma automática.

— Alô? - Perguntei afastando, um pouco, o telefone do ouvido logo em seguida.

— COMO ASSIM VOCÊ NÃO VAI VIR NO MEU CASAMENTO E QUE HISTÓRIA É ESSA DE VOCÊ ESTAR NAMORANDO E NÃO ME CONTAR? - Gritou cheia de raiva.

— Só tenho duas coisas para te dizer: em primeiro lugar, ele não é meu namorado; em segundo, simplesmente não quero ver pessoas felizes dizendo que o amor é lindo e ficarem me olhando com pena porque ainda estou solteira, reencontrar pessoas que estão enterradas no meu passado e ser a ovelha negra da família que só foi convidada por ser irmã de coração da noiva. - Respondi, despejando parte da minha fúria.

— Ah é? Também tenho duas coisas para te dizer, maninha. Primeiro, já cansei dessa sua novela mexicana; segunda, você não é a ovelha negra da família e você foi convidada porque eu quis te convidar. Até parece que não me conhece! Nunca faço nada que não queira. E terceira, quando liguei da última vez estava no viva voz, papai e mamãe ouviram a voz de quem quer que esteje no seu apartamento e agora eles vão atrás de você. A menos que você venha no casamento com esse rapaz. - Respondeu parando para recuperar o fôlego.

"Não eram só duas coisas?" Pensei tamborilando os dedos na mesa. Com toda certeza meus pais aqui não é uma boa coisa. Até cogitei a ideia de ir no casamento por Laura. Mas, honestamente, ver todas aquelas pessoas de novo era demais para mim.

— Laura, não prometo nada, está bem? - Respondi desligando o telefone.

Suspirei colocando mais café. Precisava de mais uma dose de cafeína, já que não podia beber um vinho. Com os cotovelos na mesa passei a mão pelo cabelo, desmanchando o coque. "O que está acontecendo com a minha vida?" Pensei e não é a primeira vez que essa pergunta vem na minha cabeça. Bebi mais um gole de café e olhei para frente. Vitor tinha acabado de passar pela porta.

Desviei o olhar. Olhei para minha caneca, virei o resto do café e levantei para lavá-la. Quando virei-me para sair, Vitor estava lá, parado na minha frente e bloqueou a passagem colocando uma mão de cada lado na pia. Suspirei impaciente. Tentei sair, apertando a sua mão, mas ele impediu prendendo a minha mão na sua. Ele direcionou a sua boca no rumo da minha. Fiquei apavorada quando pensei que ele me beijaria pois, dessa vez, retribuiria. Vitor chegou a roçar os seus lábios nos meus, até que simplesmente desistiu.

Não tentou mais nada, nem se afastou. Empurrei-o e facilmente ele me deixou escapar de seus braços. Andei até o quarto, precisava me recompor antes de sair para dar aula. Fechei a porta, respirei fundo algumas vezes e sentei na cadeira que fica de frente com a penteadeira. Encarei o meu reflexo e percebi que uma mecha do meu cabelo tinha soltado do coque. Peguei um grampo na caixinha e, sem querer, esbarrei na caixa de brincos.

— Droga! - Exclamei irritada por eles terem caído no chão.

Abaxei para pegá-los e notei as contas que tinham caído ontem. Aproveitei e resolvi abri-las. Conta de luz, água, carta, telefone... Espera! Carta? Peguei a correspondência olhando o envelope. Para Victoria Albuquerque. Sem remetente, nem endereço. Aliás não tinha nem aqueles selos dos correios. Que estranho! Resolvi abrir e só não caí porque já estava sentada no chão.

Quimera 18 de maio de 2015.

Querida Victoria Albuquerque,

Você sabe que me faz perguntas as quais a única capacitada para respondê-las é você mesma. Bem, você sempre cita essas desilusões, mas nunca, realmente, me contou a história delas. Então, não posso afirmar, porém acredito que você não as superou. Quando se supera algo, ficamos abertas para falar sobre isso com qualquer pessoa. Porque, isso não importa mais. Desapegamos desses sentimentos e memórias, pois elas não fazem mais sentido para nós. Agora, quanto a se afastar de tudo... talvez seja uma confirmação do que disse e um sintoma de que você ainda não está pronta para superar. Apesar do amor ser só uma palavra que nomeia esse sentimento, ele pode ser sentido de tantas formas diferentes. Ele pode ser intenso, agressivo, calmo ou bondoso. E ainda existe aquele pelo qual você passa a vida inteira procurando, você não sabe exatamente o que é, só que quando o encontra você sabe que é ele. É o tipo de amor que não existe definição, porque não é para estar em um dicionário, é para ser apenas sentido. Será que você não sofreu essas desilusões, pois achou que tinha encontrado esse amor? Será que frustração não seja o termo correto para todos esses anos? Será que você está com medo de não encontrá-lo ou de se enaganar outra vez? Só que, se você simplesmente parar no tempo e não tentar de novo, como pretende achá-lo? Há garantias de que se você tentar novamente dará certo? Provavelmente, não. Só que... existe a possibilidade. E, para mim, acredito que isso é melhor do que não ter nada. E, você, no que acredita?

Com carinho,

Jane Austen.

Depois de ler a carta, deitei no chão com ela sobre o rosto. As lágrimas desceram como uma cachoeira, por uns dez minutos. Levantei correndo até o meu guarda roupa, abri o fundo falso dele e peguei o baú. Tirei o colar do meu pescoço, coloquei a chave no cadiado e o abri como tantas vezes antes. Procurei pelo envelope da última carta, sempre coloco a data no envelope. Depois de algum tempo, a encontrei. Abri. Não estava lá. Abri, freneticamente, os outros envelopes. Suspirei, quando vi que todas, exceto a última, estavam ali.

Sentei na cama. Quem fez isso? É óbvio que, infelizmente, Jane Austen não pode responder as minhas cartas, então... quem foi? Ninguém diferente entrou no meu quarto, a não ser... Vitor? Não. Mesmo que ele tenha descoberto as cartas... ele não responderia. Vitor não se importa comigo o suficiente para fazer uma coisa dessas. Alguém que se importe comigo e tenha acesso ao meu apartamento, quarto sendo mais exata. Bem, Clara tem a chave reserva do meu apartamento, mas ela não entraria no meu quarto. Léo... não. Ele nem sabe disso. Então, quem foi?

Guardei todas as cartas dentro do baú, inclusive a que escrevi hoje. Tranquei e guardei o baú em um lugar diferente. Em baixo da minha cama. Olhei no relógio, agora estou atrasada. Ageitei o coque rapidamente, peguei a bolsa no sofá e saí, ainda pensando no que acabou de acontecer.

 Tentei o máximo possível, me concentrar para dar a aula. Fiquei surpresa em conseguir. Tinha uma hora de intervalo até a proxima aula, então, para ocupar o tempo, liguei para as mães de minhas alunas para saber se elas poderiam participar do primeiro festival de dança da cidade. A maioria concordou, apenas umas duas ou três não me deram uma resposta definitiva, mas sei que elas vão concordar.

Com a última aula dada, tirei a sapatilha de bailarina e coloquei uma rasteirinha. Havia ligado para Léo alguns minutos atrás, ele disse que não queria ver ninguém, que o mundo é muito cruel e que tenho razão sobre os homens eles não prestam, sem nenhuma exceção. Em resumo, Patrick ou era Nick?, seja lá quem for terminou com ele. Suspirei. Teria que passar no seu apartamento e ver se está tudo bem.

Tranquei a escola, passei no nosso restaurante japonês predileto e pedi comida para viagem. Como estava atrasada e a escola de dança fica perto da minha casa mas não muito, tive que pegar o meu fusquinha azul. Odeio dirigir e só faço isso quando sou extremamente obrigada, porém hoje agradeci por estar dirigindo. O Edifício Belmonte é muito longe da escola de dança.

Cumprimentei o balconista que acho que ontem não me reconheceu. Não o culpo. Ele ligou no apartamento de Léo e teve que afastar o telefone do ouvido por conta do berro choroso dele.

— QUANTAS VEZES PRECISO DIZER QUE NÃO QUERO VER NINGUÉM? - Consegui ouvir.

— Sou eu Léo. Trouxe comida japonesa para almoçarmos. - Falei pegando o telefone.

— Tudo bem. Suba, deixe a comida na porta e afaste-se. Acho que a sua praga de desilusões amorosas me pegou. - Respondeu, desligando.

Sei que Léo está magoado e não falou isso por mal, mas isso me machucou um pouco. Entrei no elevador, apertei o número 8, as portas já estavam se fechando quando alguém pediu para segurar o elevador e enfiei o braço entre as portas. Segundos depois um homem entrou com uma menininha no colo e, ao mesmo tempo, falando no celular.

— Quer que aperte o andar? - Perguntei sem olhar para ele direito, distraída com garotinha que me olhava curiosa.

— Sim. É o oitavo andar, por favor. - Disse e dessa vez o encarei. - Leopoldo diga para o meu pai que esse final de semana vou para a fazenda e aí nos resolvemos tudo. - Por que você não aper... Victoria?

— Matheus! - Exclamei surpresa. - Tudo bem? - Perguntei, apertando a mão que ele havia me estendido.

— Tudo. E você? - Balancei a cabeça dizendo que sim. - Está garotinha sapeca aqui é a minha filha, Fernanda. - Apresentou, fazendo-a dar risadas pelas cosquinhas que ele fez na barriga dela.

— Oi, Fernanda! Vai ficar com o papai hoje? - Depois que Matheus acabou com a sessão cócegas, ela sorriu e estendeu o bracinho.

Apertei a sua mão gordinha e macia na minha e ela sorriu ainda mais largo. Fazendo os seus cachinhos de ouro balançarem, destacando os olhos cor de mel.

— Na verdade vou ver se Léo pode ficar com ela por algumas horas. Marcaram uma reunião de última hora e não consegui uma babá. - Explicou, enquanto a porta se abria.

Ele me deixou sair primeiro. Andamos pouco até o apartamento de Léo, já que é o primeiro a direita do elevador. Bati na porta. Ele não abriu revirei os olhos para Matheus que riu. Bati de novo. Nada.

— O namorado terminou com ele. - Expliquei suspirando.

Matheus sorriu. Assim como eu já se acostumou com as crises pós-termino de Léo. Também ele troca de namorado a cada dois meses. Mas, esse deve estar sendo doloroso. Foi o seu relacionamento mais longo, seis meses.

— Léo? É o Matheus. Abre a porta. Preciso da sua ajuda. - Tentou.

Esperamos por um tempo e... nada.

— Titio. Abre pra mim. - Fernanda disse com aquela voz de criança fofa.

— Nanda? Você trouxe a Fernanda? Isso foi golpe baixo Matheus. - Falou destrancando a porta.

Léo estava descabelado, com os olhos e nariz vermelhos, ainda com a roupa de pijama e descalço. Ele pegou a garotinha no colo, dando-lhe um beijo na testa. Ela circulou o pescoço dele com os braços, em um abraço forte.

— Desculpa. Não sabia o que tinha acontecido, mas tenho uma reunião agora e...

— Tudo bem. Pode deixá-la comigo. -Afirmou com um sorriso triste.

— Tem certeza? - Léo concordou com a cabeça. - Obrigado! Tudo que ela precisa está dentro dessa bolsa, às chaves do apartamento estão aí também e qualquer coisa é só me ligar, ok? - Disse despedindo da filha.

Ainda estava do seu lado na porta, observando-o falar com Léo. Ele parecia tão preocupado, chateado, sério e amoroso com Fernanda, que me lembrou da minha infância. Quando meu pai me ensinou a andar de cavalo, enquanto era aquela garotinha pura que ele amava. Suspirei. Por que precisamos crescer? O mundo é tão perfeito durante a infância.

— Até logo, Victoria. - Despediu, afastando-se.

Dei um sorriso triste como resposta. Balancei a cabeça, tentando desanuviar meus pensamentos dessas memórias. Léo convidou-me para entrar, já brincado com Fernanda e falando com aquela vozinha idiota que costumasse falar quando se está com criança.

— Então, do que você quer brincar meu floquinho de neve? - Perguntou sentando no sofá.

Enquanto eles discutiam o que iriam fazer, fui até a cozinha retirar o almoço das sacolas e pegar um suco. Coloquei as sacolas sob o balcão, para abrir a geladeira. O apartamento é grande e todo decorado em estilo rústico. Em tons pastéis, amadeirados e negros. Léo é apaixonado por arte. Não só a dança ou a música, mas todo tipo de arte. Não é a toa que ele é dono de toda a parte de entretenimento da cidade. E no seu apartamento não poderia ser diferente. Quadros de vários artistas completam a decoração, principalmente de fotografias. Ele adora esse tipo de quadro.

Procurei por um suco de caxinha que Léo sempre tem, encontrei na última prateleira da porta do lado de um vinho. Respirei fundo, fechando a porta da geladeira. Deixei o suco junto com as sacolas e fiquei andando de uma ponta a outra da parede tentando me controlar. Vou dar aulas agora de tarde, não posso fazer isso. Porém, lembrei do rosto de Vitor quando descobriu e isso me deixou com raiva. Quem ele pensava que era para me olhar daquele jeito?

— Por que você está demorando tanto? É só abrir o almoço, você não está fazendo-o. -Léo decidiu por mim vindo até a cozinha.

A minha mão já estava na porta da geladeira de novo.

— Tive um pequeno problema para encontrar o suco. - Respondi com a voz trêmula.

Aparentemente ele não notou o meu estado e foi pegar os copos. Desembrulhei os pacotes e sentamos no chão da sala. Fernanda estava colorindo alguns desenhos. Ficamos conversando até acabarmos de comer.

— Acho que você tem razão. Deveria sair. Não vale a pena chorar por aquele Patrick estúpido. - Concordei com a cabeça incentivando-o. - Mas, você vai comigo. - Afirmou.

— Não... acho melhor...

— Ah, qual é? Você não pode abandonar um amigo nessas horas. - Chantegeou. - Hoje é segunda? É dia da Violet se apresentar na boate. - Falou batendo palminhas de animação.

Violet é uma drag queen amiga de Léo. Já fui em uma das suas apresentações. É muito divertido.

— Odeio quando você faz isso. -Disse e ele sorriu ainda mais. - Tudo bem vamos.

Ele me sufocou em um abraço apertado a sua empolgação voltando e Patrick passando a ser apenas uma lembrança. Léo estava animado com a possibilidade de encontrar um novo amor. E isso é uma coisa que não invejo nele. O que acabou me lembrando do que a carta da suposta "Jane Austen" dizia. Porém, discordo dela. Sinceramente não acredito mais no poder da possibilidade. De que? De mais um sofrimento? De conhecer mais uma pessoa que irá me magoar e partir o meu coração ou até mesmo de não conhecer ninguém? Obrigada, dispenso isso.

Conversamos até dar a minha hora de voltar para escola de dança. Brinquei um pouco com Fernanda também. Ela é uma graça, como só as crianças conseguem ser. O seu sorriso, me fez pensar em como ela deve sentir a falta da mãe, já que apesar de rir das palhaçadas de Léo notei que existe uma certa tristeza nela. E isso me fez pensar em quando perdi o meu filho, também me senti triste. Na verdade, por alguns dias, fiquei sem chão. Fernanda queria a sua mãe de volta e eu o meu filho, ambas não poderíamos ter nenhuma dessas pessoas de volta, compartilhamos da mesmaa dor e isso é muito irônico.

Limpei uma lágrima que escorreu pelo meu rosto enquanto saí do elevador. Abri a porta do blue, entrei e girei a chave. Ele começou a querer pegar, mas desistiu. Girei de novo e de novo, porém nada.

— Ah, não! Vamos lá blue. Não faça isso com a mãe. - Sussurrei para que as pessoas que passavam na calçada não me achassem uma louca.

Tentei de novo e desisti. Peguei a minha bolsa, saí do carro procurando pelo celular na minha bagunça de coisas dentro dela, achei e sem bateria. Ótimo. Por que sempre esqueço de recarregar? Suspirei. Vou ter que voltar para o edifício e pedir o telefone de Léo emprestado ou, talvez, o recepcionista me empreste o seu.

— O que você está fazendo aqui, Vics? - Escutei a última pessoa que esperava e queria ouvir nesse momento.

Havia começado a subir os degraus do edifício quando Vitor me chamou, parei no terceiro e me virei.

— Já disse que para você sou Victoria e não te interessa. Não tenho que te dar explicações sobre a minha vida. - Respondi já irritada o suficiente com os fatos anteriores.

— Calma. Foi só uma simples pergunta. - Falou mostrando as palmas das mãos, como se dissesse 'rendido'. - Você já almoçou? Ei, não me olhe assim! Elena está preocupada ela quer que eu certifique que você está comendo direito. Ela acha que você está muito magra e eu concordo. Só que sabemos o motivo, não é Victoria?

Suspirei um milhão de vezes tentando não voar no pescoço dele. "Ele é um idiota e está te provocando, o melhor jeito de frustrá-lo é não se abalar. " Repeti mentalmente, até que...

— Escuta aqui, você não tem o direito de fazer essas insinuações. Sim, diga a Elena que já almocei e pouco me importa se você está me achando magra. A sua opinião é totalmente dispensável para mim. Tenho que voltar para a escola daqui quinze minutos, o meu carro fez o favor de inguiçar, a bateria do meu celular acabou e preciso pedir um telefone emprestado para chamar um táxi. Agora se você me der licença é isso que vou fazer. - Disse de uma só vez.

Quando acabei estava sem fôlego e na sua frente. Absorvida pela raiva não percebi que tinha descido os degraus. Encarei-o e tive vontade de arrancar aquele sorriso torto a força do seu rosto. Virei para subir os degraus novamente. Só que a mão de Vitor em meu braço me impediu de continuar.

— Estou com o carro de Alessandro te dou uma carona. - Falou, quando me virei, ainda segurando o meu braço.

— Não. Prefiro chamar um táxi. - Respondi desvencilhando do seu braço.

— Para de ser teimosa, Vics. Vamos para o mesmo caminho. Não me custa nada te deixar na escola. - Continuou enquanto eu subia a escada.

Estava subindo o último degrau quando os braços de Vitor me envolveram a cintura, suspendendo o meu corpo e dependurando sobre o seu ombro. Droga! Realmente estou magra. Ele fez isso com tanta facilidade.

— Coloque-me no chão! - Exigi dando inúteis tapas em suas costas.

Sem dar confiança para os meus gritos, Vitor me carregou até chegarmos no carro preto estacionado virando a esquina. Abriu a porta do passageiro e desceu-me. Fazendo questão que o meu corpo escorregasse no seu. Colocou uma mão na parte de cima do carro e a outra mantinha os nossos corpos colados. Com o seu rosto perto do meu, cerrei os olhos ao senti-lo acariciar o meu rosto, a barba por fazer me causando cócegas. Ele beijou o meu queixo, o canto da boca, a ponta do nariz e deslizou até o ouvido.

— Precisa aprender boas maneira, Vics. E, como não vejo ninguém querendo te ensinar isso, creio que vou ter que te dar mais essa lição. - Sussurrou.

Vitor me soltou e caí sentada no banco do carro. Terminei de entrar fechando a porta.  Se ele não estivesse aqui a essa altura estaria batendo a minha cabeça na janela. Definitivamente, acredito que o autor do dicionário deveria retirar a definição que explica a palavra burra e colocar o meu nome no lugar. Como deixei isso acontecer? O que tenho na cabeça afinal de contas?

— Quer que ligue para o guincho? - Perguntou me fazendo perceber que já tinhamos chegado.

— Não. Você já me ajudou muito, obrigada. - Disse a última palavra com um forte sarcasmo.

— Tudo bem, vou pedir para mandarem a um mecânico. - Comentou como se eu não tivesse falado nada.

— Então tá. Faça isso. Não me importo. - Desci, fechando a porta com um excesso de força.

Entrei na escola, me recompondo para começar a aula. Os alunos começaram a chegar cinco minutos depois. Concentrei-me na aula, agradecendo ao poder que a dança tem de nos fazer esquecer do mundo. Sentindo-me completamente livre e de bom humor acabei a minha última aula com um sorriso no rosto.

Porém, o sorriso desapareceu quando tranquei a porta e virei para atravessar a rua. Vitor estava do outro lado, escorado no poste de luz, com seu sorriso torto e dois copos de café da livraria. Revirei os olhos e suspirei ao mesmo tempo. Atravessei na faixa de pedestres de forma bem lenta. Peguei o copo que ele me estendia e continuei andando sem importar de verificar se ele me acompanhava.

— Não acho que você está preocupada, mas já reboquei o blue. O mecânico disse que você terá que trocar o motor. Vai levar alguns dias. De nada. - Disse caminhando ao meu lado.

Bebi mais um gole de café antes de responder.

— Quanto ficou o reboque? - Olhei-o de relance enquanto perguntava.

— Não precisa me pagar. Estou morando no seu apartamento. - Explicou, bebendo o seu café.

— Precisa sim. Não quero ficar te devendo um favor. - Falei jogando o copo na lixeira dos plásticos.

— Já disse. Não precisa. - Falou abrindo a porta do edifício e me dando licença para entrar.

— Obrigada. E, é sério, diz quanto ficou? -Parei no início das escadas,  segurando o seu braço.

— Tudo bem. Já que você insisti... Só que não quero que você me pague com dinheiro. - Respondeu me deixando confusa.

— Ah... como você quer que eu te pague, então? - Perguntei fazendo-o sorrir.

— Com um encontro. - Disse, me perturbando com a proximidade do seu corpo.

— O quê? Isso é uma piada? Você tinha um humor melhor, querido. - Ri, começando a subir as escadas.

— Medrosa. - Afirmou, sorrindo.

— E tenho medo exatamente medo de que, por acaso? - Perguntei, de costas, ainda subindo a escada.

— De se apaixonar por mim de novo e eu te abandonar como fiz sete anos atrás. Você não passa de uma garotinha covarde. - Falou. A raiva foi tanta que parei e virei.

— E você é ridículo. Não tenho medo. - Afirmei, rezando que a dúvida do meu coração não estivesse expressa nos meus olhos.

— Prove. - Desafiou, arqueando uma sobrancelha.

— Não preciso... Que saber? Está bem. Amanhã, depois da aula, venho para casa, tomo um banho e saímos. - Aceitei aparentando estar calma, enquanto mentalmente me xingava.

— Combinado. - Concordou subindo a escada junto comigo.

Abri a porta do apartamento e fui direto me arrumar para tomar banho. Deixei a água escorrer pela torneira, enchendo a banheira. joguei os sais, o fazedor de espuma e liguei a hidromassagem. Quando fez espuma suficiente desliguei.

Fui para o quarto pegar o vinho escondido no meu guarda-roupa. Tirei o fundo falso da primeira gaveta, onde guardo o baú e a garrafa. Não estava lá. A garrafa tinha sumido. Peguei o baú, conferindo se estava tudo certo com as cartas. Respirei aliviada, aparentemente só a minha garrafa "sumiu".

Resolvi reler a carta de "Jane Austen", mas percebi uma coisa. A carta de ontem estava fora do envelope. Na verdade, o envelope não estava ali. Estranho sempre guardo as cartas dentro de envelopes. E tenho certeza que essa estava guardada também. Coloquei o baú de volta no lugar, saí furiosa e bati na porta de Vitor.

Seafret - Oceans

Ele a abriu e escorou o braço nela. A mão no cabelo bagunçado. Sem camisa. Apenas com uma calça de moletom cinza e descalço. Com os óculos de grau quadrados. Ele estava sexy. Absurdamente sexy.

— Onde está a garrafa? - Ele olhou nem um pouco surpreso com a pergunta.

— Não vou te entregar. - Negou, sério.

— Quem te deu a autorização de invadir o meu quarto, mexer nas minhas coisas e ainda me roubar? - Ele meneou a cabeça como se eu não tivesse falado nada. - Devolva o vinho, agora! - Ordenei, arrancando uma risada dele.

— Impossível. Bebi ele todo. - Respondeu saindo do quarto.

Suspirei. Lembrei de uma garrafa que havia escondido a pouco tempo. Andei até a sala, levantei o assento do sofá, consegui segurá-lo com uma mão e a garrafa com a outra. Fui até a cozinha para abri-la e pegar uma taça.

Ele entrou na cozinha, enquanto passava pela porta para ir ao banheiro. Fiquei uma hora na banheira. Ouvindo música, peguei meu celular no quarto antes de entrar, relaxando e bebendo pequenos goles de vinho. Pensei na carta de novo. Será que foi Vitor? Mas, por que ele teria o trabalho de escrever isso? Por que se incomodaria? Por outro lado, ele é o único com acesso. Talvez ele fez isso para se divertir. Sei lá. Não consigo entender.

Com esse mistério martelando na minha cabeça, enxuguei meu corpo e vesti o roupão. Fui para o quarto ainda pensando nisso. Não consegui me concentrar para escolher uma roupa. Assim, mesmo sabendo que não acreditaria no que Vitor dissesse, tive que perguntar.

Fui até a cozinha e aproveitei para pegar mais uma taça de vinho. Vitor estava cozinhando algo no fogão. Despejei o vinho na taça e fui ver o que era. Macarrão. O cheiro estava ótimo.

— Quer provar? - Perguntou, vendo a taça em minhas mãos.

— Não, obrigada. Vou sair hoje. Não precisa me esperar, tenho as chaves. - Disse tomando um gole de vinho.- Quando você pegou o vinho deve ter notado um baú. - Falei, ele parou de mexer no molho e me olhou prestando atenção no que eu dizia. - Por acaso você mexeu nele? - Continuei, enquanto ele desligava o fogão.

— Não. - Respondeu, despejando o macarrão em uma travessa. - Nem se quisesse. Ele estava trancado. - Disse não me convencendo como já esperado.

— Nunca mais entre no meu quarto, muito menos mexa nas minhas coisas,  está bem? - Ordenei, fazendo-o me encarar.

Cheguei perto dele, na verdade do macarrão. Peguei o garfo do seu prato enrolei um pouco de macarrão no garfo, em minha defesa o cheiro está delicioso e estou com fome. Vitor ficou átras de mim. Envolveu a minha cintura com os braços. Fez uma trilha de beijos do meu pescoço até a minha orelha e a mordiscou.

— O macarrão está gostoso? - Sussurrou, roucamente. Fiz um sim com a cabeça. Não querendo que a minha voz denunciasse o que estava acontecendo comigo. - Você não deveria ter aparecido aqui só de roupão. E ainda irritada comigo. Isso só me faz te desejar ainda mais. - Disse, enquanto deslizava a mão pelos meus braços, por cima do roupão.

Virei ficando de frente para ele. Vitor ainda estava sem camisa e com os óculos de grau. Mordisquei o lábio. Ele chegou mais perto, como se isso fosse possível, uma das mãos envolveu a minha cintura e a outra na minha nuca. Os dedos embaraçando o meu cabelo. Meu ponto fraco não. Droga! Depois disso, devo confessar, que perdi completamente a capacidade de pensar. Deixei que a sua boca devorasse a minha e retribui com a mesma intensidade.


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Notas finais do capítulo

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Desde já agradeço,
Lizzy



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