Cartas para Jane Austen. escrita por Lizzy


Capítulo 3
Capítulo Dois - Apenas o garoto da livraria.


Notas iniciais do capítulo

"O mais terrível não é termos nosso coração partido (pois corações foram feitos para serem partidos), mas sim, transformar nossos corações em pedra." Oscar Wilde.



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Quimera, 15 de maio de 2015.

Querida Jane Austen,

Hoje estive pensando naquela palavra que começa com "D". Aquela que por vezes comandou a minha vida. Em muitas me fez tomar atitudes impensadas e outras me levou a um prêmio. Aquela que consegue superar o meu ódio pela que começa com "A". Na verdade, ela simplesmente era a causa do "A" não dar certo, porque seja lá quem comanda o "D" disse que não era para ser. Aí um outro "D" que já foi citado em muitas cartas aparece. Perverso, doloroso, melancólico e triste. Os adjetivos do segundo "D" também valem para o primeiro e, ouso dizer que, para o "A" também. Porque essas palavras são irmãs. Que juntas podem acabar com uma pessoa, se ela não tiver força de vontade de seguir em frente. Sei que, de acordo com as regras ortográficas, essas palavras não são sinônimos. Porém, as analiso de outra forma, como sentimento e então penso que elas são sinônimos. Já que todas trazem, praticamente a mesma coisa. Se você ainda não percebeu quais palavras são permita-me esclarecer agora. É o destino, o amor e a desilusão, respectivamente. Acabo de perceber que a maioria das palavras que nomeiam alguma forma de sofrimento começa com "A" ou "D". Destino, amor, desilusão, agonia, dor, atraso, destruição, entre outras. Que ironia! Se excluirmos elas do alfabeto, o sofrimento deixaria de existir?

Desde já agradeço,

Victoria Albuquerque.

P.S.: Escrevi essa carta de noite, já que por motivos óbvios, sofri de uma insônia.

– Espera! Elena disse que ele viria as seis horas. - Falei, mas era só para ter pensado.

– E já são quase oito. - Ela comentou, me abraçando.

Pensei que fosse do outro dia. E dessa vez, só pensei.

– Vitor! Quero que você conheça uma amiga minha. - Elena falou um pouco mais alto.

Ela estava no andar de cima, então deduzi que estava mostrando-o para ele. Claramente, ouve uma falha de comunicação aqui. Quando ela disse seis horas, podia ter dito que era de hoje. E se me recusasse, o que ela faria? Ela sabia. Sabia que eu não faria isso. Jogou comigo! Que esperta!

– Bem, vim aqui para avisar que ele pode ficar em minha casa. Porém, acho que agora ele precisa ficar não é? - Falei brava no começo e depois sorri.

Como posso ficar brava com ela? Não que eu concorde com o que fez, mas sei que não foi por mal. Talvez ela nem tenha se dado conta disso. Além do mais, Elena é o tipo de pessoa que você não consegue ficar chateada por muito tempo. O sorriso que deu depois da notícia foi o suficiente para amolecer o meu coração.

– Nós já estávamos falando que ele teria que dormir na poltrona... Ainda bem que você aceitou, minha querida. Muito obrigada! - Respondeu me fazendo sorrir de novo.

– É o mínimo que posso fazer depois de tudo o que fez por mim. - Confirmei, mostrando o motivo por ter aceitado.

Elena havia segurado as minhas mãos, quando agradeceu. Ela as soltou e subiu, pedindo que eu esperasse aqui para conhecer seu sobrinho. Enquanto, esperava ela chamá-lo de novo, informei, resumidamente, para Alessandro o que havia falado durante a reunião. Comentei sobre o tema da minha coluna e ele me deu algumas sugestões. Ele é muito engraçado, então a maioria das suas ideias acabava indo para o lado cômico.

Aliás, acredito que nunca conheci um senhor de cinquenta anos mais bem humorado que ele. Os cabelos já estão grisalhos, o rosto com rugas e, por ser alto, a sua barriga das tortas de domingo da Elena não aparecem tanto. E, por falar nela, ela é mais séria, porém não é aquela velha ranzinza. Com sessenta anos, que nem aparenta, vive de bem com a vida e trazendo tranquilidade por onde passa. Se bem que os dois, trazem essa sensação por onde passam. Sempre que estou perto deles me sinto como se fizesse parte de uma família.

Em uma dessas ideias, senti a minha barriga doer de tanto rir. Eles estavam demorando. Resolvi ver os livros novos que tinham chegado. Andei até o mostruário, peguei alguns, li o resumo e não achei muito interessante. Os livros são ordenados por autor, então andei até as estantes e rapidamente encontrei a letra J. Mesmo tendo todos os romances da Jane Austen, não me canso de vê-los. As capas são lindas.

Hello - Adele

Distraída com a nova capa de Orgulho e Preconceito, não notei o homem ao meu lado. Tenho mania de andar, olhando o livro e não prestar atenção a minha volta. Resultado? Esbarrei nele.

– Desculpa. - Falei tirando os olhos do livro para observar a minha vítima.

Alto, cabelo cacheado castanho escuro, corpo bonito, daqueles que não é magro nem musculoso demais, olhos cor de mel, sorriso torto e barba começando a crescer. Calça jeans claro, camisa xadrez de manga cumprida, cinto e... acho que estava calçando botinas marrom claro, mas não tenho certeza. É eu sei. Dei uma boa encarada nele. Porém, em minha defesa, ele também me encarou descaradamente. Só que, para o azar dele, estou de sobretudo.

– Sem problemas, pode esbarrar em mim quando quiser. - Disse sorrindo.

– Essa foi a pior cantada que já ouvi em toda a minha vida. - Respondi rindo.

– É. Não faço isso a algum tempo. - Comentou e eu ri.

Ainda, estava rindo quando olhei de relance para a escada. Consegui ver Elena descendo e a sombra de alguém atrás dela. Voltei o olhar quando vi um par de sapatênis marrom, calça jeans escura colada ao corpo magro, blusa azul-marinho com o punho, que é de um tom mais claro que a blusa, dobrado no meio do ante-braço, contrastando com a sua pele clara. O homem que acabei de conhecer, a quem dedicava total atenção alguns minutos atrás, foi completamente esquecido.

Senti minhas pernas vacilarem e segurei a respiração quando ele já tinha descido as escadas o suficiente para que o seu rosto fosse visível. O sorriso desapareceu do meu rosto. "Não". Fechei os olhos e os abri novamente. "Não. Não pode ser ele." Pensei, sentindo como se fosse desmaiar a qualquer instante.

" - Quem é Vitor? - Meu sobrinho." A conversa que tive com Alessandro a poucos minutos, ficou martelando em minha cabeça. O pior não foi isso. "É a minha chance Vics, não vou desperdiçá-la nem por você nem por ninguém. O fato de você me amar não muda nada, porque eu não te amo. Sinto muito, por você ter confundido as coisas..." Isso foi o pior. As lembranças vieram e não consegui impedi-las. A minha vista começou a escurecer e soltei o ar. Ofegante, senti os meus olhos lacrimejarem e pensei "Preciso sair daqui. Ele não pode me ver assim."

Sem saber como, consegui reunir forças para andar até o caixa. Não importei com o quão louca o homem pensaria que era. Mesmo porque, é só um garoto da livraria, não preciso explicar a minha vida inteira para ele.

– Victoria, você está bem? - Pela cara de preocupação de Alessandro, com toda certeza eu não aparentava estar.

– Só preciso de um pouco de ar. - Não queria que a minha voz tivesse saído tão trêmula, embora fosse esperado.

Agradeci aos céus por estar perto da porta. Respirei fundo, tentando controlar-me, enquanto escutava o sino da porta. Virei-me de costas, para que o vidro do mostruário não mostrasse a agonia do meu rosto. Passei as mãos pelos cabelos em completo desespero. "Não. Não pode ser. Por favor, isso não pode ser verdade. Não é ele." Pensei sentindo o gosto salgado de algumas lágrimas que caíram.

"Controle-se. Não deixe que ele a veja neste estado". Ordenei a mim mesma. Isso ajudou-me a recompor. Respirei fundo, testando a minha respiração. Ainda ofegante, mas menos que antes. Limpei as lágrimas, parabenizando-me por passar rímel incolor. Amarrei o cabelo de novo, deixando só a franjinha solta. Alisei o sobretudo preto que tinha levado para a escola já prevendo que iria fazer frio a noite. Olhei meu reflexo no vidro, estava razoável. Fui até a porta, coloquei a mão na maçaneta e a tirei umas duas vezes antes de girá-la.

Entrei na esperança de que aquilo havia sido apenas um sonho. Uma ilusão da minha cabeça. Porém, estava lá. Rosto quadrado, o sorriso mais lindo que já vi, a barba por fazer, cabelo castanho bagunçado e os olhos verdes que foram a minha perdição. O mesmo Vitor de sete anos atrás. Esses anos não afetaram muito a sua aparência, para completar o meu total desastre. O idiota que acabou comigo. A segunda desilusão amorosa. O meu segundo erro. Olhar para ele é como reviver, lembranças que estavam sepultadas em minha memória. E isso machuca, muito.

– O que aconteceu com você Victoria? Está pálida. - Elena perguntou, soltando o braço de Vitor e segurando as minhas mãos.

– Não sei tive uma tontura. Acho que é porque não tive tempo de lanchar na volta do dia. - Menti, com um sorriso fraco. Não era por esse motivo.

– Quantas vezes já te disse que você não pode fazer isso. Você tem que reservar um tempo para comer, minha filha. Se não vai acabar adoecendo e eu não sei o que vai ser de mim. - Passou esse sermão, preocupada.

Arrependi de ter mentido, porém não o suficiente para dizer a verdade. Ele ficou quieto, apenas me olhando com um sorriso irônico. Sabia que eu tinha mentido. Entretanto, não sei porque, não desmentiu. Olhei-o com todo ódio que consegui reunir, na esperança de tirar aquela expressão de seu rosto. Ah! Que grande ilusão. Ela permaneceu intacta, sendo sincera, o seu sorriso se alargou ainda mais e os olhos também me fitaram com sarcasmo. Queria desviar o olhar, contudo abstive-me. Neguei-me a perder essa batalha.

Os pensamentos e sentimentos que estavam confusos alguns momentos atrás, agora eram claros como a água. É como Léo disse, anos e anos de prática vão ser colocados a prova. Não sei porque ele voltou. Pouco me importo. Mas, já que está aqui, ele vai jogar de acordo com as minhas regras. Ele não vai abalar-me. Nego-me a deixar que isso aconteça de novo. Ele morreu para mim a sete anos atrás e vai continuar morto. Mesmo que o meu coração, ainda tente se iludir, vou eliminar todas as brechas possíveis. Não há espaço para ele. Só para a mágoa e raiva.

– Vitor essa é Victória, a moça que comprou o seu apartamento. Ela acabou de aceitar que você passe alguns dias lá, até desocuparmos o quarto. - Elena comentou quebrando o clima pesado entre nós.

– Que bom, tia! Já estava pensando em como as minhas costas ficariam amanhã, depois de dormir na poltrona. - Falou seu sorriso mudando, para um simples erguer de lábios fechados. - Obrigada. -Disse, olhando para mim.

Dei um sorriso e balancei a cabeça dizendo que estava tudo bem. Elena quebrou o clima novamente, convidando-me para jantar com eles. Na verdade, o seu tom indicava que não aceitaria uma recusa. Concordei, mais pelo jeito que Vitor empinou o nariz, em um claro desafio, do que pelo tom dela. Já estava quase na hora de fechar a livraria, então esperei para ajudar. Subi as escadas, sentando-me no mesmo sofá, que sentei de manhã no bloco da Jane Austen. Peguei Persuasão e tentei lê-lo. Depois de ler a mesma página umas quarenta vezes, desisti. Coloquei no chão em cima da bolsa. Fechei os olhos. Deitei no sofá, tentando não pensar em nada.

Senti o seu perfume forte, meio amadeirado, antes de sentir sua presença. Mantive os olhos fechados, fingindo que estava dormindo. Pensando que as vezes assim ele sairia e deixaria-me em paz. Como sempre, não foi o que aconteceu.

– Acredite se quiser, mas quando Elena me mostrou esse lugar... pensei em você. Imaginei você assim, deitada. Lendo um livro da Jane Austen. - Disse com a voz baixa e rouca.

"Ele ainda se lembra." Pensei com os olhos fechados. Não falei nada. Mantendo o meu disfarce. Por mim Vitor falaria sozinho até se cansar e sair. Escutei ele respirar fundo e os seus passos chegando mais perto de mim. Acho que ele se abaixou, já que senti a sua respiração perto do meu rosto. Precisei juntar todo o meu auto-controle para não abrir os olhos. Meu corpo arrepiou-se quando ele passou a ponta dos dedos na minha bochecha. Droga! Suspirei, já sabendo que o meu disfarce tinha caído por terra.

– Pare de fingir. Sei que você está acordada. - Confirmou o que já tinha pensado.

Vitor disse isso com os lábios roçando em meu ouvido de propósito. Senti meu corpo arrepiar ainda mais, como se fosse possível. Contudo, recusei-me a abrir os olhos. Não daria essa satisfação a ele.

– Se você não abrir esses olhos, Vics, vou te beijar. É isso o que quer? - Diante dessa ameaça, fui obrigada a abrir.

Com seus olhos verdes tão próximos de mim, fiquei paralisada. A sua boca está vindo na direção da minha. "Não deixe ele fazer isso" Pensei, mas não conseguia mexer-me. Mais um movimento e estaria feito. "Resista" Eu teria a boca dele de novo. Teria a sensação disso me atormentando quando fosse embora. Não conseguiria dormir de noite, xingando-me, por ter sido fraca.

Nunca conseguirei explicar como reuni forças para afastá-lo. Empurrei-o e, pego de surpresa, ele caiu. Aproveitei-me disso pegando a bolsa e correndo até as escadas. Olhei para trás antes de descer os degraus. Vitor ainda estava sentado no chão. Sorrindo. Desci os degraus dando de cara com Elena. Se ela viu o que tinha acontecido, não comentou e fiquei grata por isso.

Alessandro e Elena fecharam a porta depois que o último cliente saiu. Eles foram conferir o caixa, enquanto Vitor e eu fechávamos as janelas. Uma delas estava emperrada. Tentei fechá-la, porém não conseguia. Vitor segurou a minha mão que estava segurando a corrente que foi prendida na janela, como elas são muito altas Alessandro colocou uma corrente para facilitar na hora de abrir e fechar, e a puxou, fechando-a.

Retirei a minha mão de modo brusco, ela queimava devido ao calor que a dele transmitia. Fui até a porta. Esperamos Alessandro ativar o alarme e conferir se tudo estava trancado. Elena comentou sobre o tempo que respondi em poucas palavras. Um silêncio, que ninguém ousou quebrar, instalou-se até chegarmos em seu apartamento.

******

O jantar foi simples. Elena fez um macarrão, que eu como descendente de italianos, simplesmente amei. Ela não aceitou a minha ajuda de forma que tive que ficar na sala conversando com Alessandro, quando era necessário, e fingindo que não via Vitor. O último era uma tarefa complicada, já que ele fazia de tudo para me obrigar a notá-lo. Por mais que ele tentasse me fazer conversar eu não falava. As minhas respostas se resumiam a acenar com a cabeça ou dar um sorriso de vez em quando. Ele não merece sequer ouvir a minha voz. Demorou um pouco para entender isso, até que acabou suspirando de impaciência e desistindo.

Sentamos na mesa para jantar e as coisas não foram muito diferentes. O sr. Alessandro abriu um vinho de sua pequena coleção para comemorar a estadia de Vitor aqui. "Se soubesse o sobrinho que tem não teria desperdiçado a sua preciosa bebida." Pensei acabando com o que tinha na minha taça. No final, ajudei Elena a levar os pratos. Ela como sempre não me deixou lavar. Voltei para a sala, que era onde eles, estavam e sentei na já citada poltrona. Cruzei as pernas, pensando "Ela é confortável. Ele dormiria bem aqui." Só que é tarde demais para voltar atrás. Eles iriam querer saber porque e eu não estou nem um pouco afim de contar.

– Tudo bem. O que está acontecendo com vocês? - O tio de Vitor perguntou, nos analisando com o olhar. - Minha distraída Elena pode não ter percebido, mas eu notei. - Completou.

– Nada. - Respondi rapidamente.

– Apenas já nos conhecíamos. - Porém, Vitor fez o favor de contar.

Ele me olhou enquanto falava. O que deixou-me sem paciência. Porque ele tinha que contar? Agora, com toda certeza, Elena vai ficar sabendo. Eles não escondem nada um do outro. Ela vai encher-me de perguntas, que não sei como vou responder. "Ótimo! Parabéns, Vitor! Mal chegou e já está atrapalhando-me." Pensei sarcástica.

Fiquei grata por Alessandro não dizer nada e mergulhamos em um, pelo menos para mim, confortável silêncio. Elena voltou, conversamos um pouco. Comecei a ficar com sono e decidi que era hora de ir para o meu apartamento. Despedimos deles e esperei ele pegar as duas malas pretas, mais uma mochila da mesma cor. O apartamento fica no mesmo prédio, só que no andar de cima. Subimos um lance de escada, viramos a esquerda e abri a primeira porta com o chaveiro de sapinho batendo nela e fazendo um barulho irritante. É incrível como tudo hoje está sendo irritante.

Segurei a porta para ele entrar com as malas, depois fechei-a. Passei pelo curto corredor que leva aos quartos. A primeira porta do lado direito é o meu, a do lado esquerdo é o banheiro e no fundo o quarto de hospedes. "Ele vai amar a decoração do quarto." Pensei sorrindo por dentro. Abri a porta, acendi a luz e afastei para que ele pudesse entrar.

As paredes do quarto, decorado de um jeito gótico, são todas pretas, com exceção da parede do fundo que foi pregado um papel em que mesclava o preto, o cinza e o azul escuro formando desenhos sinistros. A cama de solteiro é uma daquelas antigas feita de uma madeira quase preta. O criado-mudo também. A melhor parte é o abajur, o suporte é uma mini gárgula horrenda. Nos pés da cama um tapete felpudo preto, no canto perto do papel de parede uma escrivaninha antiga e bem gasta que peguei também no bazar a cadeira de estofado vermelho e mesmaa cor escura veio junto com ela. Do lado da porta um guarda-roupa grande com espelho na porta e... todo preto. Até para as cortinas de pano da janela escolhi que fosse preta.

– Se, com essa decoração, o seu objetivo é fazer sua visita ficar o mínimo de tempo possível... Parabéns! Você conseguiu. Isso é assustador. - Comentou depois de algum tempo analisando-o.

E a minha resposta foi... um sorriso. Deixei ele desarrumando as malas e fui para o meu quarto. Peguei o meu pijama e uma toalha. Entrei no banheiro que fica praticamente de frente com o meu quarto. Só tirei a roupa depois de certificar, umas duas, vezes que a porta estava trancada. Tomei uma rápida ducha, apesar da banheira ser tentadora. O único lugar que não mudei foi o banheiro, achei ele bonito simples do jeito que é. Ladrilhos e pisos brancos, um grande espelho, a pia com uma cuba tom de palha e uma torneira dourada fundida ao bloco de granito, com um armário em baixo também. Um box separa essa parte do chuveiro, da banheira e do vaso os dois últimos cor de palha.

Saí do banheiro e fui até a cozinha que tentei decorar em um estilo medieval. Com o piso e os armários de parede de madeira clara. No meio coloquei uma mesa redonda de madeira lembrando a Távola redonda, ou pelo menos era para ser. Coloquei seis cadeiras de madeira com o estofado vermelho em volta dela e um arranjo de flor vermelha no meio. A cozinha fica do lado esquerdo da porta de entrada, depois de um pequeno corredor. Para dar um ar ainda mais rústico coloquei aquela famosa porta dos filmes de faroeste, que eu não sei o nome. Aquelas duplas em que uma abre para dentro e outra pra fora. Também de madeira, só que envernizada. A geladeira cinza fica do lado esquerdo. A pia de granito escuro também só que mais no fundo. O fugão embutido fica de frente com a mesa, na parede oposta a da geladeira. Em baixo armários de madeira clara. A janela fica na parede da pia e dá uma boa vista da cidade.

– Nossa, tirando o quarto gótico você fez um excelente trabalho com a decoração. Adorei essa cozinha. - Comentou entrando nela.

Inclinei-me para pegar o leite na geladeira. Não dando importância ao que ele dizia. Despejei um pouco no copo e coloquei no micro-ondas, que fica entre a pia e o fogão, para quebrar o gelo. Procurei pelo pacote de cookies no armário de cima, porém não o encontrava. Tinha certeza, que ele estava aqui. Entretida com a minha busca não notei ele se aproximar. Ele abriu o outro armário, fazendo com que eu o percebesse, tirou um pacote de lá e entregou-me os cookies.

– Como você sabia... - Comecei não conseguindo controlar-me.

– Olha! Ela fala. - Disse com um sorriso irônico. Fuzilei-o com os olhos. - ... que queria os cookies? Acho que você esqueceu quem te viciou nisso não é? - Completou .

"É tinha esquecido e preferiria que continuasse assim." Pensei colocando o pacote no armário e pegando um de bolacha recheada. Ele revirou os olhos e bufou. Abriu o armário de novo e pegou o pacote. Colocou na minha mão e guardou o da bolacha. Suspirei fundo irritada e fui pegar o leite, porque o barulho do micro-ondas estava me deixando nervosa. Sei que o culpado não é o barulho, mas, pelo bem da minha sanidade, deixa eu fingir que é. O copo estava quente e na pressa de sair de perto dele não peguei a luva.

– Ai! - Reclamei soltando o copo em cima do balcão de qualquer jeito.

Comprimi uma mão na outra para ver se a dor passava. Vitor andou até mim e segurou a minha mão, puxei ela. E ele a pegou de volta. Levou ela até o rosto, esfregou-a nos pelos castanhos da barba por fazer e, por incrível que pareça, estava melhorando.

– A gente aprende uma coisa ou outra com Elena. - Falou sorrindo.

Não fiz nada. Não sorri, nem falei, sequer cogitei a hipótese de afastá-lo e isso assustou-me. Ele guiou a palma da minha mão até os seus lábios e a beijou. As minhas pernas vacilaram, ele me segurou pelo quadril, impedindo-me de cair. Segurei as suas mãos, tirando-as do lugar e dei dois passos para a esquerda afastando-me.

– Se você vai ficar aqui pelos próximos dois dias precisamos estabelecer algumas regras. - Olhei para ele que concordou com a cabeça. - Nós vamos conversar o mínimo possível, sem toques e gostaria que mantemos uma boa distância para que isso não ocorra. - Nesse, momento ele foi para o outro lado da cozinha e arqueou as sobrancelhas como se perguntasse se assim estava bom. Concordei com a cabeça. - Só tem um banheiro então você vai ter que levar a toalha, roupa para trocar lá e certifique de que trancou a porta. A roupa de cama e a toalha estão no guarda-roupa do quarto. Tem comida no armário, pode ficar a vontade para se servir, exceto os meus cookies. - Completei suspirando. - Fui clara?

– Como nem a água potável consegue ser, meu amor. - Disse provocando-me.

– Ah! Já estava esquecendo-me disso. Não quero que você me chame de meu amor, Vics ou qualquer outra coisa. Para você, sou apenas Victoria. - Falei pegando o meu leite que já tinha esfriado, os cookies e indo para sala.

Sentei no sofá, ligando a televisão. Procurei por algum filme bom e acabei achando Orgulho e Preconceito. Nunca canso de ver, mesmo sabendo quase todas as falas de cor e salteado. É como se fosse a primeira vez, suspirei nas partes românticas e torci para eles ficassem juntos logo, embora já sei o que acontece. Fingi que não o vi passando pelo corredor, nem que ouvi o barulho da porta sendo aberta, fechada e depois de alguns minutos aberta de novo. Depois, foi a vez da porta do banheiro e escutei o chuveiro sendo aberto. Obriguei-me a concentrar no filme. Estava na parte em que Lizzy e o Sr. Darcy dançam juntos, quando o seu perfume invadiu a sala. Em seguida, veio o corpo coberto por uma calça de moletom cinza e uma blusa branca. Os cabelos bagunçados ainda estavam úmidos. Como eu estava deitada no sofá, já tinha acabado com os cookies, ele sentou na poltrona. Não sei porque, mas me encolhi um pouco.

Não prestei muita atenção no filme depois disso. Mesmo assim continuei olhando para a TV. Vi que o filme acabou quando começaram os créditos. Continuei deitada, com preguiça de levar o copo para a pia. Começou a passar as propagandas e obriguei-me a levantar. Peguei o copo, a embalagem vazia e caminhei para a cozinha. Lavei e guardei. Voltei para a sala, porém não quis ficar mais.

– Ainda não entendo porque eles não se beijam. - Comentou, olhando-me enquanto eu caminhava para o quarto.

– Tem cena de beijo sim. Só que na versão britânica, eles cortaram. Não sei porque estou te explicando isso. Quer saber? Boa noite! - Falei sem paciência.

Passei no banheiro escovei os dentes e fui direto para a cama. Puxei as cobertas tampando-me. Tive esperança de que o cansaço não me fizesse lembrar do dia de hoje. Nem isso conseguiu impedir o fluxo de pensamentos. Vai ser uma noite longa pelo visto. Muito longa e, provavelmente, sem conseguir dormir. Fiquei rolando na cama sem achar uma posição confortável. Depois, de algumas horas simplesmente desisti e aceitei o fato. "Vai ser assim pelos próximos dois dias?" Pensei suspirando. Alguma coisa me diz que sim.


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