Cartas para Jane Austen. escrita por Lizzy


Capítulo 2
Capítulo Um - Só um dia comum.




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O Segundo Sol - Cássia Eller

Quimera, 15 de maio de 2015.

Querida Jane Austen,

Dizem que a pior parte de não se ter alguém, é ter que ver as outras pessoas namorando. Concordo, com isso. Não por vê-las amando outra pessoa, mas sim porque você sabe como vai terminar. Principalmente, no começo do namoro, quando tudo é perfeito e parece que vai durar para sempre. E, com a convivência, percebe-se como as coisas funcionam ao contrário. Os defeitos aparecem, as discussões e, aos poucos, aquele amor frágil do começo se desmorona. E sobra o sofrimento. E aí você sente como se precisasse terminar, mas não consegue. Um resquício, daquilo que sente, ainda é guardado pelo seu coração teimoso que não quer aceitar o fracasso. Bem, para essa situação existe duas possibilidades: ou desiste e aceita que não era para ser ou ele continua alimentado esse resto pensando que algum dia irá voltar a ser um todo. Mas, as duas levam para um mesmo caminho: o término. A diferença é que um será menos doloroso que outro. Quando se aceita que não era para ser, as lembranças são esquecidas com mais facilidade, você não vai precisar se lamentar muito pelo tempo que perdeu com a pessoa e que poderia ter conhecido outra. E aí, começa a pensar em outras pessoas, se apaixona e o ciclo vicioso recomeça. E é quando você se pergunta: será que isso vai ter um fim?

Desde já agradeço,

Victoria Albuquerque.

Acordei de um pesadelo, no meio da madrugada. Era horrível. Estava na casa dos meus pais em Porto Alegre. Eles estavam sorrindo e eu tinha acabado de entrar. Segurando um bebê com... não sei direito, mas parecia ser... Vitor. E, é isso que eu chamo de pesadelo. Sonhar com aquele idiota em minha vida com toda certeza é um. Passei a mão no rosto, despertando.

Preparei um café, sentei na sala e liguei a televisão. A sala é decorada de modo vintage. Com, as paredes pintadas de branco e a do fundo com o papel de parede inteiro de flores azuis. Um sofá branco, foi posto de frente com a televisão, colocada em um suporte na parede oposta a que está com o papel. Do lado direito da TV fica a porta de madeira que possibilita a entrada no apartamento. Do outro lado uma janela grande, branca, dividida em pequenos quadrados de vidro dão um charme a mais na sala. As persianas cor de palha evitam o reflexo na TV. Em ambos os lados do sofá foi colocada uma poltrona branca que resgatei em um bazar. No meio das poltronas um tapete felpudo cor de palha foi disposto no chão. Em cima dele, uma mesinha de centro de vidro que também comprei no bazar. O que achei mais engraçado foi que o suporte que segura o vidro são três animais: uma águia, um cavalo-marinho e uma coruja. Lembro que a moça que organizou o bazar disse que, a pessoa que tinha doado a peça explicou que, eram os animais sagrados dos deuses gregos. Zeus, Poseidon e Atenas, respectivamente.

Zapeei pelos canais, mas não achei nada razoável. Desliguei, voltando para o quarto. Cada cômodo do apartamento é decorado em um estilo diferente. O quarto, quis que me lembrasse Paris. Por isso, um enorme poster da torre Eifell, em preto e branco está pregado na parede da esquerda onde fica a porta. A janela fica na parede da direita e também tem persianas. O guarda roupa branco, com a porta de correr, fica entre a porta e a janela, mas como ele é pequeno não atrapalha nenhum dos dois. Na parede do fundo, colocaram uma estante que lembra o Arco do triunfo. Ou pelo menos, era para ser. Coloquei os meus livros, que não são poucos, lá. A cama fica no meio onde séria a passagem do arco. É uma cama de solteiro, normal pintada de ouro envelhecido nas partes de metal. Como o quarto é grande, consegui colocar ainda uma penteadeira vermelha que era de Elena. Ela não a queria mais e estava bem conservada, então me ofereceu. A cor vermelha me lembrou daquele cabaré Moulin Rouge. Em cima, dela coloquei um abajur que o suporte é a torre Eiffel. Esse e o quadro foram presentes de Laura que morava em Paris.

Depois de trocar de roupa, olhei as horas e eram sete da manhã. Calcei um tênis, peguei o celular e as chaves da casa na mesinha de centro, saí certificando de que havia trancado tudo. Corri na avenida, escutando música e voltei andando. Observando a paisagem a minha volta. Como estamos no outono as árvores estavam com as suas folhas amareladas e hoje está uma temperatura agradável, nem muito quente, nem muito fria.

Chegando no apartamento tomei um banho. Vesti um conjunto de saia que vai até o joelho preta, coloquei uma meia calça cor de pele uma blusa de seda pink e um blazer feminino preto, coloquei meu sapato de salto fechado e peguei uma bolsa azul escuro que já continha tudo o que eu precisava para levar no trabalho. Amarrei o cabelo ruivo em um rabo de cavalo auto, deixando só a franjinha na testa solta e uma fina mecha de cabelo ondulada emoldurando ambos os lados do rosto. Passei um gloss incolor e bastante rímel para alongar ainda mais os cílios. Não me dei ao trabalho de esconder as sardinhas como antes faria.

Saí do apartamento andando rápido já que estava um pouco atrasada. Cheguei na redação da revista e participei da reunião de pauta. Depois de muita discussão ficou definido que o tema da coluna, dessa vez, seria sobre o amor. Não é necessário falar do meu descontentamento. Sério, de todos os assuntos do mundo, precisava ser esse?

Antes de ir para a escola de dança, fui na livraria beber mais um café. Sou viciada em cafeina. Como Quimera é pequeno tudo fica muito próximo, o que nos permite andar a pé com muita frequência. Foi o que fiz para chegar na Sonhos e Palavras.

O lugar é simplesmente mágico. Como se você estivesse dentro dos livros. A livraria é espaçosa e de dois andares. No andar de baixo ficam os livros que cobrem todas as paredes, colocados em estantes de madeira, que vão do teto até o chão. Algumas mesas e puffs foram espalhados pelo espaço disponível no centro, mas sem prejudicar a passagem das pessoas. Perto da porta fica o caixa. Porém, a melhor parte é a de cima. Para poder subir tem uma escada em estilo medieval no canto interno do lado direito. A escada tem poucos degraus permitindo que as pessoas mais velhas subam. A parte de cima é divida em nove blocos, separados por paredes. São quatro do lado esquerdo, quatro do lado direito e um no fundo. De maneira que quando termina-se de subir as escadas dá-se de frente com eles. Cada bloco é decorado de maneira que lembra o livro. Por exemplo, do lado esquerdo o primeiro bloco lembra Hogwarts, o segundo Nárnia, o terceiro envolve os livros de rainhas e princesas, o quarto livros que passam em Paris e... por aí vai. Isso foi criado para fazer uma atmosfera de leitura mais agradável. Os blocos também são espaçosos, sendo possível que quatro pessoas leiam no mesmo bloco. Obviamente, o que eu mais amo é o que lembra os romances de Jane Austen.

Sentei no bloco que lembra a Regência, período em que os romances de Jane Austen foram escritos. Peguei um livro de dentro da bolsa, ontem havia começado a reler Persuasão era o único livro dela que ainda não tinha relido. Na verdade estava evitando fazer isso. É um livro que fala de um amor do passado que não deu certo e depois de anos eles se reencontram novamente. Não me sentia preparada para lê-lo de novo, pois me faria lembrar de minhas desilusões. E ainda não estava pronta para isso. Muitas pessoas dizem que você só pode afirmar que esqueceu alguém quando... escuta a música que vocês dois gostavam e não sente simplesmente nada. Bem, no meu caso, relendo este livro, posso dizer consegui superar as desilusões. Já que estou na metade dele e ainda não senti nada.

Estava terminando um capítulo quando a Sra. Elena chegou. Ela nem precisou se anunciar já que senti o seu perfume de rosas, no mesmo instante em que pisou no último degrau. Baixinha, com o cabelo começando a ficar grisalho, Elena é o tipo de pessoa que você não sabe o quão bom é tê-la ao seu lado até ter.

Quando saí de Porto Alegre e vim para Quimera, morei um tempo com os meus avós. Eles morreram no ano passado. Desde então, Elena e Alessandro tem me ajudado muito. Tentei morar na casa dos meus avós por alguns meses, mas não consegui. Foi quando Elena teve a ideia de me vender o apartamento de seu sobrinho que vive no exterior. Com toda certeza, ela contou a minha situação da maneira mais dramática possível. Ele deve ter ficado penalizado e resolveu vender pelo pouco que eu conseguia pagar. Não quis aceitar a ajuda do meu pai, embora ele tenha me oferecido, sabia que era por simples pressão de minha mãe. Ainda lembro, do que ele me disse quando saí de casa. Mesmo querendo esquecer.

Bem, fora isso teve o emprego e várias outras coisas em que ela e o Sr. Alessandro me ajudaram. Serei eternamente grata a eles e tudo o que fizesse seria pouco para retribuir. Nunca poderia negar nenhum favor a ela. Elena e minha avó eram bastante amigas e, ela mesma me disse que, minha avó tinha pedido para ela cuidar de mim. Com três filhos já criados ela não encarou a tarefa como uma obrigação, mas sim como um prazer.

– Minha filha, Alessandro disse que você estava aqui. Não acreditei, pois estávamos falando de você poucos minutos atrás. Como está? - Sorri abraçando-a.

Alessandro não pode comparecer a reunião de pauta hoje, pois teve que resolver alguns problemas da livraria. Sabia que mais tarde teria que fazer uma relato detalhado sobre o que havia sido discutido.

– Bem e você? - Perguntei enquanto ela se sentava do meu lado. Nós estávamos em uma espécie de sofá da época da Regência, de madeira com o estofado vermelho de listras brancas.

– Preciso de um favor seu. - Fez uma breve pausa e continuou. - Nosso sobrinho resolveu passar um tempo aqui. Mas, ele me avisou de última hora e o único quarto vago está ocupado com entulhos. - Ela disse descascando o esmalte rosa perolado do dedo indicador.

Opa! Não sei não, mas acho que vai vir encrenca. Elena só descasca o esmalte quando está nervosa. É um tique. Acho que ela não percebeu que tinha feito uma pausa excessivamente longa, então suspirei para chamar a atenção dela. Os olhos castanhos claros me olharam temerosos e sorri incentivando-a.

– E como posso te ajudar? - Reforcei o incentivo.

– Bem, Alessandro disse que você não concordaria e compreendo caso não o faça. O problema é que... não consigo pensar em outro solução. - Confesso que nesse momento comecei a ficar assustada. - Preciso que, se possível, ele fique em seu apartamento. É só por dois dias e...

Parei de prestar atenção em sua fala. Meus sentimentos variaram de assustada para pasmada em poucos segundos. Elena. Justo ela, que sabe de todas as minhas desastrosas experiências com o sexo oposto, quer que eu acolha em minha casa um homem cuja a pessoa não conheço absolutamente nada, exceto que compartilha o mesmo nome e sangue de seu marido?

Tudo bem! Se acalme Victória. Disse para a minha sanidade que gritava um alto e feroz não em minha mente. Sendo contrária a minha consciência que fazia questão de me lembrar do quanto ela sempre foi boa comigo e do que eu havia pensado a poucos segundos atrás. Porém, se soubesse que ela seria capaz de me pedir isso, teria colocado pedidos desse gênero como uma exceção em meus pensamentos.

– Desculpe, a senhora me pegou de surpresa. - Disse meio que sorrindo e soltando o ar ao mesmo tempo. - Bem... preciso pensar um pouco. Quando ele virá? - Perguntei olhando o relógio.

– Ele me ligou ontem pedindo para Alessandro buscá-lo na rodoviária por volta das seis horas da tarde. - Ela sorriu se animando com o meu interesse.

– Está na hora da minha aula agora. Hoje, não vou ter muito tempo então... assim que fechar a escola venho até a livraria para te dar uma resposta. - Disse mecanicamente. Ainda sem acreditar no que ouvi.

– Obrigada, minha querida. E vou entender se você não puder. - Falou me dando um abraço e beijando a minha bochecha com carinho.

Fechei o livro colocando um marca página e olhei para a capa. Anne Elliot não estava preparada para reencontrar Frederick Wentworth depois de tanto tempo. E eu? Será que estou pronta, depois de anos evitando me apaixonar a todo custo, colocar isso em prova? Será que posso me considerar curada desse mal? Ou vou ter uma recaída? Dúvidas! Por que vocês tinham que existir?

Pensei levantando bruscamente e descendo as escadas o mais rápido que consegui. Disse um oi para Alessandro, quando passei pelo caixa e me desculpei por não poder conversar mais, pois estava atrasada para a aula. Atravessei a rua, já que a escola Passos de dança, não fui eu que escolhi o nome, fica de frente com a livraria.

– Já não era sem tempo. Essas fofurinhas são todas suas. Volto meio dia para almoçarmos juntos, Ok? - Léo disse assim que pisei no estúdio.

– Espera. Ainda tenho que trocar... - Mas, ele já tinha saído pela porta dos fundos com seus óculos escuros deixando para trás apenas o delicioso cheiro de seu perfume doce.

Olhei para a sala e seis pares de olhos me olhavam com um sorriso no rosto. A maioria faltava alguns dentes da frente o que para muitos tornaria o sorriso feio para mim era ainda mais lindo. Nessa, aula tinham garotas de seis a dez anos. Sorri. O brilho nos olhos daquelas crianças, era uma coisa que só a magia da dança poderia explicar.

– Enquanto troco de roupa vocês podem ir se alongando. - Disse indo para o vestiário no canto esquerdo da sala.

A escola é simples e igual a qualquer escola de dança, mas bem equipada e espaçosa. É dividida em três salas. Duas para as aulas e uma pequena que é o escritório. Coloquei a minha regata azul, calça preta mais larga e a sapatilha de balé também preta. Saí do vestiário e terminei de alongar junto com elas. Depois pedi que fizessem um círculo e sentei no meio delas. Precisava conversar com as minhas crianças.

– Como acho que a mãe de vocês já devem ter explicado, nós vamos ter o primeiro festival de dança na cidade. E, é claro não é obrigatório, mas adoraria que todas participassem. Vocês querem? - Todas gritaram um sim alegre e em coro, o que me fez rir. - Que bom! Agora só resta saber se as mães concordam. Depois vou ligar para elas pedindo. - Falei e todas me ouviam atentamente.

– Professora! - Escutei uma vozinha fina e já sabia quem era antes mesmo de olhar na direção dela. Mel. Com sete anos, é a garota mais baixa do grupo e também a mais dedicada. Por vezes, fica aqui depois da aula treinando a coreografia da aula. - Você já sabe qual vai ser o tema? - Ela também é esperta e curiosa.

Mel vem de origem humilde. Os pais não podem pagar as aulas para ela. Lembro de quando abrimos a escola e comecei a dar aulas no ano passado. Toda vez que a mãe passava por aqui ela a convencia de entrar na escola, para que ela pudesse ver a aula. Em uma dessas vezes eu a vi. Ela ficou tentando imitar o que as meninas faziam e de alguma forma ela estava conseguindo. Quando acabei a aula fui até a entrada e propus que ela viesse fazer um teste no dia seguinte. O sorriso e o brilho nos olhos dela me encheu de alegria. Mas, a mãe deu apenas um sorriso triste e disse que não podia pagar pelas aulas eu respondi que, dependendo do talento da filha dela iria dar uma bolsa integral. A mãe sorriu. Sabia que a filha tinha talento. Léo, depois que contei a história, concordou com a bolsa na mesma hora e desde então ela está fazendo aulas com a gente.

– Sim, Mel. O tema são desenhos animados. - Houveram mais gritos. Desenhos é um assunto que elas entendem muito bem. - Meninas! - Chamei a atenção. - Se der tudo certo estou pensando em um filme mais atual e que todos conhecem a música. - Elas riram e começaram a cantar um Let it go, Let it go meio desafinado.

Ri e fiz sinal para que elas parassem. Começamos a aula repetindo a coreografia passada já que ela ainda continha alguns erros. Depois de uma hora repetindo-a ela estava excelente, sem nenhum erro. Despedi dando um abraço em cada uma e avisando que ligaria para as mães dela para falar mais sobre o festival.

Depois de trocar de roupa e me certificar que a escola estava trancada. Andei até o nosso restaurante preferido. Ele parece uma cabana e serve comida tipicamente mineira. Mandei uma mensagem para Léo dizendo que já estava lá e ele respondeu que estava á caminho. O aguardei para que pedíssemos a comida juntos, enquanto esperava pensei em minha difícil decisão.

Não posso negar esse favor a ela. Depois de tudo o que Elena já fez por mim, isso seria uma ingratidão extrema. Entretanto, também não posso hospedá-lo em minha casa. Isso vai contra as minhas regras para evitar decepções. E agora?

– Gostaria de saber por que, a minha querida flor, está com esses olhos verdes que me dão uma inveja, branca é óbvio, tão preocupados. - Disse o homem mais alto que já vi, com os cabelos pretos e médios, olhos tom de mel, pele branca e com um corpo atlético que faz qualquer mulher dar um sorriso quando passa.

Infelizmente, as mulheres não tem a miníma chance com ele. Sorte dos homens.

– Já disse que é um desperdício você ser gay ? - Disse para Léo, que estava me encarando. - Se você não fosse a gente teria saído e começado a...

– Ai credo! Não ouse terminar está frase. E não teríamos nada. Porque se você desse alguma chance para os homens sairia com o meu amigo... - Revirei os olhos, pensando 'Lá vem. Vai começar tudo de novo.' - Aí. Mal comecei a falar e você já me olha com essa cara.

– Elena me pediu uma coisa muito complicada de se fazer. - Falei mudando de assunto, porém percebi o meu erro tarde demais. Já sabia, qual seria sua opinião.

– Já disse que odeio aquelas pessoas que param no meio da história só para fazer um suspensezinho? Desembucha, criatura! - Falou sem paciência.

– Acho melhor não te contar. - Disse recebendo um olhar assassino. - Está bem. Ela me pediu...

– Vocês gostariam de fazer o pedido agora? - ... e salva pela garçonete. - Querem ouvir as especialidades da casa? - A mulher disse, simpática.

NoSi. - Foi a palavra que formou, pois eu e Léo dissemos juntos.

– Bem, temos feijoada, frango com quiabo... - A princípio ela nos olhou assutada e depois começou a falar os pratos típicos de Minas.

Sorri. Percebendo que Léo, agora, tinha perdido sua paciência por completo. A moça não parava de falar e eu quase ri quando escutei ele bufar.

– Escuta, queridinha, nós sabemos ler. Não precisa falar o cardápio inteiro. Vou querer um frango ao molho pardo, com arroz, couve refogada e um suco de laranja. - Léo manifestou-se não aguentando mais.

– O mesmo para mim só troque o suco por uma água. - Falei e a moça saiu pisando firme. Claramente irritada com o que Léo comentou. - Não precisava ser tão grosseiro. - O recriminei, quando ela já estava perto da cozinha.

– A culpa é sua que fica enrolando para contar as coisas. Agora, para com essa novela mexicana e CONTA! - Proferiu a última palavra quase gritando.

– Está bem! O sobrinho dela, que me vendeu o apartamento, resolveu passar uns tempos com Alessandro e ela. Só que, ela está com o quarto ocupado e ele não tem lugar para ficar. Ela quer que ele fique em minha casa, por dois dias. Só até desocupar o quarto. - Contei de forma rápida. Arrependendo de ter começado.

– Não vejo nada de errado em você fazer isso. - Expressou-se depois de alguns segundos.

– Sabia. Léo, é um desconhecido. - Comentei tentando trazê-lo para a realidade.

– Querida nós dois sabemos que você não está preocupada pelo fato de ele ser um desconhecido. Ele é sobrinho de Alessandro e Elena. Ela nunca te pediria isso se o rapaz não fosse uma boa pessoa. - Fez uma pausa para recuperar o fôlego. - Sabemos que o que te preocupa, de verdade, é a pessoa ser um homem. - Continuou.

– Você tem razão. Só que... o que espera que eu faça? São anos evitando os homens, não dá para me jogar em uma situação assim. - Desabafei, apoiando as mãos no rosto e os cotovelos na mesa.

– Já entendi que você não se ouviu. Escute, minha purpurina. Você deve concordar que todos esses anos, te deram uma certa experiência, só que você nunca colocou isso em prova. Como vai saber se realmente pode viver sem o amor? - Concordei com a cabeça. Seu argumento era lógico. - Encare isso como um teste. -Aconselhou.

Fiquei em silêncio. Pensando no que ele me disse. Alguns minutos depois a comida chegou e nós voltamos a falar só no final. Na verdade, discutimos porque ele queria pagar a minha conta e eu não queria deixar. No fim, Léo venceu e peguei uma carona com ele até o estúdio.

Digamos que Léo é bem de vida o suficiente para ter um conversível. Não me pergunte qual sou péssima com marcas de carro. Léo é dono de praticamente toda a parte de entretenimento da cidade. Ou seja, o cinema, a sorveteria, a boate, o boliche e mais recente a escola de dança. Ele montou tudo com uma pequena ajuda do pai que é dono de importantes fazendas de café na região.

Notei que havíamos chegado, quando ele abriu a porta do carro para mim. Peguei as chaves na bolsa e abri a escola. Léo foi para o escritório, me dizendo para pensar no que ele havia dito. Preparei-me para a próxima aula pensando nisso. Na verdade, dei todas as aulas pensando no assunto. Fiquei grata por ter errado a coreografia apenas uma vez. Confundi uma turma com a outra. Depois disso me esforcei mais para prestar atenção. Quando a situação já estava crítica, pensei 'Está bem! Você venceu consciência. Vou deixar que ele fique em minha casa.' É que consegui a terminar a minha aula mais calma. Saí do estúdio junto com Léo e contei a minha decisão. Ele sorriu, dizendo que foi graças a ele. Não pude discordar.

– Então, como você está quebrando barreiras. Pensou na possibilidade de sair com meu amigo? - Falou, só que não estava prestando muita atenção...

– Con... - Parei quando o meu cérebro entendeu o que ele tinha dito. - Espera! Não. Aí, já é demais. - Respondi irritada.

– Vics, só acho que você poderia dar uma chance. - Insistiu.

Revirei os olhos, pensando 'Ele nunca vai parar?' Sabia que enquanto me recusasse ele continuaria. E então, tive uma ideia...

– Chega! Você me convenceu, Léo. Pode dar o meu número. - Concordei, sorrindo. Ele nunca mais vai querer me apresentar um amigo.

– Ah, que bom! Ainda bem que aceitou porque já dei o número. - Olhei-o espantada. - Ele sabia que você não sabia e esperou até que eu falasse para ele ligar. - Explicou, rapidamente, deixando-me confusa.

Fiquei com medo de pedir que ele repetisse e resolvi deixar para lá. Despedimos. Olhei no relógio e eram sete horas. A livraria só fecha as oito. Andei até lá o mais devagar possível, só para adiar um pouco a conversa. Queria ver se voltava atrás, durante o caminho. Não voltei e, dessa forma, abri a porta com o sininho fazendo seu costumeiro barulho.

Tinha poucas pessoas no local. Esperei Alessandro terminar de atender um cliente e perguntei para ele onde estava Elena. Como se estivesse escutando a conversa. Vi ela descendo as escadas.

– Ah, Victoria que bom que você está aqui. Assim pode conhecer Vitor. - A gentil Elena disse.

– Quem é Vitor? - Perguntei curiosa.

– Meu sobrinho. - Alessandro esclareceu.

Olhei assustada e fiquei muda de espanto. Ele já estava aqui.


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