A Chuva dos Sete escrita por Lia


Capítulo 10
X - Um acontecimento esquisito.


Notas iniciais do capítulo

OUTRO CAPÍTULO POSTADO NO MESMO DIA VAI CHOVER GENTE



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/640644/chapter/10

Os olhos camuflados pela quantidade de cabelo que tanto a atrapalhava a observar seus próprios quadros na parede, com roupas diferentes e de épocas diferentes. Vestidos. Calças. Flores na cabeça. Botas longas. Sapatos formais. Sorriso único. Seriedade. Cabelos loiros. Ruivos. Cor natural. Loiros. Marry já tinha sido de tudo nesta vida que vivia, menos satisfeita. Sempre querendo um pouco mais e exigindo mais de sua própria personalidade; queria ser diferente do que todos pensavam, fazer outra revolução que levasse todos do vilarejo para fora de suas pacatas e silenciosas casas que pareciam amar, mas não suportavam ver as mesmas coisas o dia inteiro. Estava trancafiada em seu quarto fazia quatro dias, um castigo cruel por uma rebeldia tão pequena, não achava que seria punida por furtar lojas esquecidas de rum e se embebedar junto de seu melhor amigo. A diferença dela e de Howard era que ele não tinha pais. Pais que realmente fossem o castigar por uma curiosidade como aquela.

Estava cansada de toda aquela escuridão que a cercava por todo aquele tempo, cansada da sede de sangue que sentira por noventa e seis horas cronometradas em sua mente evoluída pelo tempo. Deixou um sorriso largo invadir seus lábios, até sua presa esquerda ficar amostra e ser a única coisa que iluminava aquele quarto na luz forte da lua. Seu nariz empinado e salpicado por minúsculas e camufladas sardas, olhos curiosos e de uma vermelhidão invejada. Caminhou até a janela de seu quarto, no topo da torre, como aquela princesa de história para crianças, porém mais sombria; realmente era uma princesa, só não fazia questão de viver com a coroa sempre que sua mãe pedisse. As unhas pintadas de um azul escuro desgastado arranharam o mármore que cercava o vidro, puxou o suporte com tanta força que quase o quebrou. Sem pensar duas vezes, saltou de um altura tão absurda que deveria ter desintegrado seu corpo antes mesmo de pensar em chegar no solo. Aterrissou bem cima da fonte preferida de sua mãe, que explodiu em uma cachoeira divina ao seu redor, com sua jaqueta preferida suja de pedacinhos da rocha que acabara de destruir. Com certeza iria pagar por isso mais tarde. Sem se importar com nada, continuou a andar pelo castelo que tanto conhecia, cada canto, cada esconderijo, cada segredo e cada cena de tortura que já presenciou naquelas mesmas curvas propositais nas torres enormes.

– Desculpa, mamãe. - soltou com a voz rouca e doce, sem amenizar o sorriso que manteve desde lá de cima.

Tinha um propósito para todo aquele show que havia causado: Howard. Não poderia deixar que seu melhor amigo vivesse uma vida sem perigos, apesar de ter certeza que ele sempre iria acabar com a diversão no final, seja com um comentário idiota ou com um convite ridículo para seu quarto. Do mesmo jeito, se deu o prazer de cair fora de sua prisão particular - mais conhecida como castelo. - e ir até o casarão enorme que sua tia lhe deu de presente de aniversário, aos doze anos. Maria era a melhor tia que qualquer garoto infantil e com o auge nos hormônios poderia desejar, apesar de ser uma assassina de aluguel, não permitia qualquer tipo de armas cortantes ou de fogo dentro de seu estabelecimento. Howard não era do tipo que seguia regras.

– Você vai me dar seu dinheiro ou não?! - Gritos foram ouvidos pela vampira e sua audição aguçada a metros de seus passos lentos. - Seu filhinho da mamãe! Ei, espera, você não tem mãe!

– Tenho... Sim... - Um sussurro inaudível, porém conhecido. Seu amigo estava em encrenca novamente.

– Então aonde ela está agora?! - Uma voz feminina, desconhecida, berrou bem ao pé do ouvido da vitima. Ele estava sendo espancado por seis adolescentes maltrapilhos e que estavam com uma fama de ladrões. Daqueles que sempre agiam em grupo, batendo, roubando e quando preciso, matando. Darkville não tinha descrições para pessoas cruéis e sem medo de encarar outros mais fracos que eles, tirando proveito das piores situações.

– Bem aqui. - o sorriso largo no rosto de Marry foi algo que ninguém esperava. Como havia chegado lá? Bem, sua velocidade anormal - por culpa do vampirismo causado no auge de sua adolescência, por seu próprio avô paterno, algumas habilidades especiais eram seu ponto mais forte - dava vantagens que ela usava e abusava. - Quem te deu autorização pra bater no meu bebêzinho?

– Não força... A barra. - Howard evitou rir, tudo em seu corpo doía.

Seu rosto estava um mar de sangue. O topete loiro que costumava deixar seu charme irresistível para as garotas que costumava seduzir estava totalmente desarrumado e com cheiro de fuligem. Seus lábios com diversos cortes profundos, seu estômago e peitoral com tantos hematomas que ele já deveria estar morto. A sobrancelha esquerda com um corte breve por culpa dos múltiplos golpes que levou. O sorriso sarcástico no canto de seus lábios era algo que não poderia e nem iria faltar, até mesmo nas situações em que todo seu corpo parecia desintegrar lentamente, como esta. Ele fora pego de surpresa, suas calças já eram rasgadas propositalmente, mas agora estavam tão reduzidas pela violência que Howard parecia estar usando uma saia; suas mãos atadas com cordas grossas e que fora banhada em uma mistura de vidro reduzido ao pó e água, para deixá-la mais áspera e impossível de se soltar. Ele já não sentia seus pulsos.

– Somos os Tigres de Fogo! Não precisamos da autorização de ninguém! - Outro desconhecido ousou empinar o nariz para a garota, que retribuiu com um olhar enojado e superior. - Vamos matá-lo por não ter pago o que prometeu!

– Que porcaria você prometeu, Howard? - Interessada, a vampira perguntou, rolando os olhos na direção do amigo caído, que apenas balançou a cabeça negativamente. Ela entendeu que explicaria tudo mais tarde. - Beleza, vocês tem quatro segundos para sair daqui.

– Se não o quê? - A menina retornou a falar, arrancando risadas de seus colegas.

– Além de seus corpos e sangue delicioso matarem minha fome... - A princesa puxou um ar tremendo, se concentrou o bastante para conseguir ouvir os batimentos cardíacos de todos os humanos em sua frente. Aquela sensação era deliciosa. - Vou fazer vocês de brinquedos. Como... Escravos zumbis.

– Isso é o que vamos ver!! - Mesma garota, mesmo pessimismo e mesma irritação que causava profundamente na dupla de amigos. Outro chute foi desferido bem na boca do estômago de Howard, tudo que ele conseguiu fazer foi gemer e se encolher como um filhote.

Aquilo foi a gota de água para ela. Na mesma velocidade que costumava usufruir quando irritada, colocou toda sua fúria para fora. Foi assustador e um alívio ao mesmo tempo, seu amigo não conseguiu pegar a cena completa, apenas golpes dados com perfeição na direção dos agressores, e quando abriu os olhos, todos já estavam no chão, com os olhos abertos e o medo pulsando em suas veias do braço e pescoço. Marry passou o indicador por baixo de seu lábio inferior, arrancando a gota de sangue impuro que descia como uma lágrima pela lateral de seu rosto; seus olhos se tornaram um vermelho mais vivo e concentrado, as veias de seu pulso também começaram a pular, como se brincassem de pega-pega umas com as outras, porém eram tão negras quanto um céu com ausência de estrelas.

– Você tá bem? - Se aproximou da vitima e o pegou nos ombros, sustentando seu peso sem muito exforço.

– Só usa esses negócios loucos que você chama de habilidades e nos leva para casa em segundos. Tô com dor. - Reclamou, abanando o ar como uma dama.

– Mudou de time? Que surpresa! - O sarcástico que ela sempre vivia acompanhada era como ácido, corroendo as partes mais puras que todos tem, nem que seja bem no fundo.

– Tenho cara de que algum dia mudaria de time?

– Deixa no ar.

Novamente, aprimorou sua corrida incrivelmente rápida e chegou no casarão do Livestock em segundos, caso fossem andando como humanos normais, levariam meia hora e vinte segundos, no mínimo. Mesmo já sabendo aonde a chave se escondia, ela preferiu o modo mais radical e memorável: um chute breve na maçaneta, enviando-a longe. Gostava de ser agressiva e não se importava quando e onde. Era a quinta maçaneta que ela quebrara só nesta semana. Howard teria de achar outra desculpa para sua tia, e ele tinha certeza que ela não cairia pela quinta vez na história da pantera louca que vivia quebrando suas maçanetas. Já não precisou mais do apoio de sua amiga quando chegou em seu quarto. Um lugar totalmente escuro, apenas iluminado pela luz da lua que insistia em entrar pelo vão de sua janela do segundo andar, deixando a mostra todas as suas cuecas espalhadas no chão, embalagens de doces e gravatas compradas mas nunca usadas. Marry já estava acostumada no cenário que presenciava, principalmente por viver lá, escondendo-se dos dramas que seu pai fazia ou até mesmo seu irmão mais velho. Apesar de tudo, era difícil se locomover naquele oceano de roupas, tendo que jogar algumas para o alto e conseguir passar.

Ela estava irritada. Irritada por sua imaturidade. Irritada por ter que salvar sua pele sempre que sai para uma visita que deveria ser inesperada. Irritada por ter de sempre assistir seu irmão gritando com seus pais. Irritada por toda vez que olha para uma foto de seu avô, sente sua coluna e mãos arderem pelos açoites que ele distribuía nos séculos passados por culpa de mal comportamento. Irritada por viver ali. Irritada por matar. Irritada por tudo. Pegou seus olhos rubros encarando seu amigo, que cuidava de seus ferimentos no meio da ausência de uma luz elétrica, não era um olhar afeto ou orgulho, era um olhar de puro ódio e desgosto.

– Estava esperando o que, Marry? - Ele ergueu os olhos em meio a todo aquele breu. Também não havia percebido que ele a pegara no flagra. A vampira estava tão camuflada entre sua cama e suas roupas espalhadas no chão que mal conseguira achar os olhos de seu amigo, apesar de estarem depositando toda sua atenção nela.

Ela estava tão assustada naquele momento que mal conseguia processar o que estava acontecendo - provavelmente por não ter percebido o olhar que lançava em tanto singelo, que acabou sendo descoberto; seu cabelo castanho escuro e liso como uma madeira polida estava totalmente desarrumado nesta altura das confusões, seus dedos e unhas arranhavam uns aos outros, arrancando ainda mais da cor azulada que suas servas demoraram para pintar, por ordem do pai, sua boca crispada e alargada de raiva, que voltara logo que percebera a bobeira do problema, já não estava em tons vermelhos pelo sangue cruel que havia se alimentado a pouquíssimo tempo.

Caminhou lentamente na direção do garoto ferido, agarrando seu queixo e fazendo com que todo seu corpo estremecesse ao encarar os olhos rubros, que transbordavam raiva e maldade em sua direção.

– Estava esperando que revidasse. Como um homem faria.

– ❖ -

Laurel acordou com um salto tão grande que quase saiu rolando de seu quarto na A.H.B. Seus braços cobertos das pulseiras feitas por Lara suavam, assim como seu rosto, pernas e pescoço. Sentia as gostas pingando de seu queixo e caindo sem dó no cobertor esverdeado. Quem era aquela vampira? Quem era o garoto sendo espancado? Por que tudo estava acontecendo? Por que ela sonhara com eles? Eles eram reais? Aquele episódio aconteceu em algum dia e ela não sabia?

Eram muitas perguntas para pouco tempo. Um pedaço de papel balançava com o vento da janela aberta por cima de seu criado-mudo. Uma foto era o centro das atenções, um nome e letras enormes dispostas por todo o folheto. Era outra folha de desaparecimento. E não era de Julieta West.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

novamente: dúvidas sempre podem ser tiradas nos comentários B)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Chuva dos Sete" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.