O Clã de Descendentes - A Ascensão da Magia escrita por Isaque Arêas


Capítulo 8
Prisioneiro




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O frio. Era a única sensação que seu corpo assimilara. Quando abriu seus olhos viu tudo enegrecido, seu tato dizia que estava vendado e com suas mãos e pés presos, não sentia gosto algum senão o do tecido empoeirado que o impossibilitava de falar. O cheiro do lugar era como o de esgoto e ouvia ao fundo uma língua que ele desconhecia. Estava no que parecia ser o inferno. Tentava falar, mas nenhuma palavra era construída por conta da mordaça que o aprisionava. Tentou também se levantar, mas percebeu que estava preso a correntes e que elas estavam presas a algum objeto mais forte.

Ao perceberem que ele havia acordado os homens se aproximaram. Bernardo sentiu o cheiro de suor e pólvora. Arrancaram-lhe a venda dos olhos e então ele pode ver seus sequestradores. Cinco homens e de cada um podia-se ver apenas os olhos. Portavam metralhadoras e granadas presas aos corpos e falavam entre si agressivamente. Bernardo tentava decifrar o que falavam pela linguagem corpórea e chegou à conclusão de que estavam decidindo o que fazer com ele. Olhou para trás e percebeu que as correntes estavam presas numa barra de ferro junto à parede. O que faria?

Depois de alguns minutos de conversa os homens saíram da cela em que ele se encontrava o deixando naquele lugar fétido e solitário. Bernardo já não sabia mais o que fazer. Pensou em invocar as fadas, mas tinha medo de que algo acontecesse e para ser franco, ele não sabia como funcionava o “invocar as fadas”. Deveria pensar nelas? Chamar em voz alta? Haveria uma palavra mágica? A Fada Madrinha ainda não havia mencionado isso e nesse momento ele se arrependera de não ter perguntado isso enquanto tomavam chá.

Tentava chorar, mas não conseguia. Estava muito assustado e nervoso para isso. Decidiu que tentaria tirar sua mordaça. Tentou várias vezes, sem sucesso, pois suas mãos estavam presas atrás de seu corpo. Até que ouviu de outro canto do prédio uma voz.

— Arranca nó.

Bernardo levantou a cabeça procurando pela voz.

— Primeiro empurra língua. Arranca nó.

Bernardo tentou empurrar o tecido com a língua na esperança de que o nó se afrouxasse e após uma hora tentando com a voz ao fundo incentivando ele finalmente conseguiu que o nó se soltasse.

— Quem está aí? Você fala minha língua? Fala inglês?

— Pouco.

— Qual seu nome?

— Khalil.

— Bernardo. Como podemos sair daqui?

— Sair? Não sair.

— Tem que ter um jeito! Há quanto tempo você está aqui?

— Seis meses.

Bernardo gelou e sentiu seu suor escorrendo pela testa.

— Não, eu não posso ficar seis meses aqui! Não posso!

Bernardo se levantava tentando arrebentar as correntes, mas não conseguia, mesmo assim prosseguia incessantemente tentando tirar forças de suas entranhas.

— Eu preciso sair... Droga! — gritou — A minha vida era perfeita até elas aparecerem! Eu não acredito. Não acredito que vim parar aqui!

— Você... Onde?

— França. Conhece a França?

— Só internet. Quem trouxe?

— Amigas... Amigas me trouxeram. — Bernardo não soube se respondera “amigas” para proteger as fadas, para que Khalil não o achasse louco ou para que ele mesmo não começasse a sucumbir à loucura.

— Mulheres... — riu a voz ironicamente.

— Você é daqui? — disse Bernardo ainda tentando se soltar fazendo força.

— Não entender

— Você? Onde?

— Iraque. Nascer aqui.

— Quem são eles? Esses homens? São terroristas?

— Não. Viram terroristas, decidiram roubar cidades pequenas. Sequestram pessoas fora.

— Mas se você não é de fora por que está aqui?

— Eu resistência. Hackeei rede invasores espalhei o plano, mas descobriram.

— Ah sim. Ai cara... Em nenhum momento te libertam? Nem pra ir ao banheiro?

— Cheiro... Banheiro...

Bernardo tentou interpretar as palavras, mas não foi preciso tanto esforço. Fora lançado em uma cela e a cela era também o banheiro. Não havia higiene alguma e era dali que o cheiro vinha.

— Ah cara... — Bernardo fechou os olhos e começou a sussurrar — Droga, Fada Madrinha não importa onde você está ou o que você estiver fazendo venha aqui, por favor! Não é hora de me abandonar.

— Falar quem?

— Deus! — respondeu rápido — Sério, Madrinha aparece cara! — sussurrou mais uma vez.

— Eles vindo Bernardo.

Bernardo se sentou e enfiou a cabeça entre as pernas com medo. Ouviu a porta da cela se abrindo e imediatamente tremeu. Ouviu novamente as vozes conversando entre si e pensou que talvez pudesse conversar com eles, negociar, tentar dizer que era rico, mas no fundo sabia que não entenderiam. Então permaneceu em silêncio e com medo.

Dois homens o levantaram e um terceiro devolveu a mordaça à sua boca. O terceiro homem também soltou as correntes que o prendiam à parede e a corrente de suas pernas, mas seus braços continuavam presos. Foi carregado para fora da cela. Viu que também haviam soltado Khalil que seguia junto com ele para seja lá onde estavam o levando.

Atravessaram um longo corredor de paredes de concreto caindo aos pedaços, alguns feixes de luz atravessavam os buracos na parede; marcas de tiros. Chegaram a um cômodo com uma porta e foram levados para fora do prédio. Do lado de fora não se ouvia nada a não ser o barulho do vento, nenhum sinal de pessoas ou qualquer outra coisa, apenas se via o deserto dourado no horizonte. Bernardo sentiu um arrepio em sua espinha, pois sabia o que essas idas ao ar livre costumavam ser.

Circularam o prédio aonde chegaram a outro homem que portava uma câmera. Bernardo definitivamente sabia o que aquilo costumava ser. Com toda a sua força gritava o nome de Fada Madrinha em seu interior. Os homens que estavam com ele o colocaram ajoelhado; ao seu lado estava Khalil. O homem atrás da câmera fez um sinal de “ok” e um dos cinco que o prendiam começou a falar, no que Khalil tentou traduzir sussurrando:

— Hoje estrangeiro invadir terras. Nós não querer estrangeiro terras. Aviso todos estrangeiros e presidentes. Nós melhores e maiores outros. Eles... — Khalil engoliu o que lhe restava de saliva — exemplo. Nós matar dois. Um...

Khalil fora interrompido por uma brusca puxada de cabelo que o fez levantar. O homem continuou falando e parecia explicar para a câmera o que Khalil havia feito com eles. O botaram ajoelhado novamente, para então levantar Bernardo pelos cabelos e novamente colocá-lo no chão.

Bernardo olhou para o lado e Khalil estava em prantos, no que Bernardo também começou a chorar. Os homens riram da cena. Os dois encontravam-se totalmente impotentes. Para onde olhassem haviam armas, granadas e o deserto. Visto que poderia morrer de qualquer forma, Bernardo decidiu em seu interior que tentaria invocar as fadas uma última vez. Do fundo do seu peito gritou:

“FADA MADRINHA?! ONDE ESTÁ VOCÊ?!”

Um dos homens tentou fazer com que ele se calasse, mas antes de tentar qualquer coisa contra ele sentiu o chão tremer e se desequilibrou. O chão realmente tremia e quando Bernardo olhou para o lado viu que se aproximava uma grande tempestade de areia.

Os homens ficaram imóveis. Apenas cobriam seus rostos para evitar que a areia entrasse em seus olhos e bocas. A tempestade ficava cada vez mais forte. Bernardo e Khalil colocaram a cabeça entre as pernas na tentativa de fugir da tempestade. A névoa de areia durou poucos minutos que para os assassinos parecera uma eternidade. Quando os bandidos abriram os olhos Bernardo e Khalil haviam desaparecido. Restava para eles o pó que os cobria e o sol que os aquecia.

***

Abriram os olhos. De pé em sua frente estavam Primavera e Madrinha. A única reação que Bernardo teve, além dos olhos arregalados foi a de apertar com um grande abraço a pobre fada que se sentiu lisonjeada com o ato do rapaz. Primavera, enquanto isso, reparava em Khalil que olhava em volta sem entender nada. Em um instante estavam no meio da tempestade de areia, em outro estavam na porta do hotel.

— O que fazemos com ele? — perguntou Primavera.

— Ele estava com você? — perguntou Madrinha para Bernardo.

— Sim, me ajudou na prisão. Khalil, essas são minhas “amigas”.

— Amigas? — disse o jovem rapaz ainda receoso.

— Ele não fala nossa língua muito bem... Sabe apenas algumas palavras.

— Ora, não é problema.

Madrinha piscou o olho e imediatamente a mente de Khalil se abriu para o inglês e o francês.

— Como você fez isso?! — perguntou Khalil animado.

— Espera, você podia ter feito isso o tempo todo? — disse Bernardo.

— Ahn... Bem... Sim, mas você confia nele não é? Não vou expor minha magia para todos... E você não havia me perguntado antes. — respondeu a fada Madrinha.

— Onde estão Flora e Fauna? — perguntou Bernardo.

— No quarto com Amanda, estão terminando o feitiço. — respondeu Primavera.

— Feitiço? Elas são bruxas? — perguntou Khalil.

— O SENHOR NOS RESPEITE ORA! — Gritou Primavera irada. Madrinha e Bernardo a seguraram — ME CHAME DISSO DE NOVO E EU LHE FAÇO COMER A LÍNGUA E VOCÊS ME SOLTEM!

— Elas são fadas — disse Bernardo segurando Primavera.

— E MUITO BOAS POR SINAL! — continuava gritando Primavera.

— Não quis ofender... Nunca vi fadas... Meu Deus é real! Claro que é real! Eu estava para morrer e agora não estou mais! É um milagre! Sou tão grato! — disse Khalil.

Khalil ao contrário de Bernardo era um rapaz de bastante fé. No momento em que percebeu que as duas figuras que se apresentavam diante dele eram fadas pôde crer, afinal, ele não tinha esperança alguma de que fosse permanecer vivo.

— Muito obrigado, mas precisávamos salvar Bernardo, só estávamos esperando o momento exato. O momento em que Bernardo tivesse fé. — respondeu a Fada Madrinha olhando nos olhos do rapaz que retribuiu com um sorriso.

— Não pense que isso melhora as coisas. — disse Primavera ainda irritada.

Todos então subiram as escadas e se prepararam para a noite que viria.

***

O feitiço estava quase pronto, precisava de mais pó mágico que Flora já tratava de jogar na mistura. Já anoitecera e todos estavam exaustos, principalmente Bernardo. Em sua testa residia o galo causado pela coronhada. Amanda já havia tratado disso aplicando água fresca e ele agora permanecia com um curativo. Todos passaram grande parte da noite falando sobre sua vida terrena. Sabiam diferentes coisas sobre cada um, como hobbies e empregos. Amanda contou que tinha 23 anos e que havia estudado direito em Harvard uma parte de sua vida. Largou tudo para se dedicar à música. Tinha uma irmã de sete anos chamada Liv e era apaixonada pelos Back Street Boys secretamente o que arrancou risos de Bernardo e Khalil enquanto as fadas se entreolhavam sem entender do que falavam.

Bernardo contara que havia cursado administração em Yale e depois retornado para a França para gerir a empresa de seu pai quando este morreu. Não falou muito sobre si, apenas que gostava de filmes de ação. Era bastante tímido e fechado, falar sobre pessoalidades o incomodava um pouco. Khalil diferente de Bernardo era muito falante. Primavera num momento chegou a sussurrar para Madrinha: “Maldita hora em que o fizemos os entender”. Falou sobre sua missão contra o grupo armado e sobre como divulgou as informações para todos no mundo. Contou da experiência de prisão e sobre como foi torturado o que mexeu demais com as fadas, até mesmo com Primavera que não simpatizava muito com ele; Primavera havia guardado rancor por conta da confusão que o garoto fizera. Khalil era órfão também, seus pais na verdade o haviam abandonado em um abrigo, pois não tinham como criá-lo. Foi parar em um lar onde aprendeu o ofício de seu pai que consertava computadores, mas aos quatorze anos fugiu e foi viver com um grupo de arruaceiros, isso o fez se tornar corajoso, mas custou-lhe a liberdade ainda que por seis meses.

A conversa durou um bom tempo, até que começaram a cambalear de sono pelo quarto. As fadas não se cansavam. Continuavam a preparar o feitiço. Khalil e Bernardo decidiram ir para o quarto deixando Amanda adormecida na cama e as fadas a terminar seu trabalho.

***

Era de manhã quando estavam todos reunidos no quarto. Estavam prontos para testar o feitiço que com tanto esmero as fadas perderam a noite a preparar. Amanda, Bernardo e Khalil estavam ansiosos para ver como funcionaria, mesmo que as fadas já houvessem dito que seria bem simples. As fadas estenderam as varinhas sobre a panela de barro em cima da cama e juntas recitaram:

“Feitiço antigo que aqui preparamos
que recaia sobre o ser a quem procuramos
a aura tão clara que já observamos”

O conteúdo da panela começou a borbulhar. Fumaça transbordava da panela.

— Acho que está funcionando! — exclamou Fauna.

Um jato de luz emanou de dentro do recipiente o que deixou os três jovens muito admirados. A energia que saía de dentro do caldeirão era tamanha que projetava vento dentro do quarto. Os quadros pendurados começaram a balançar. A cama e os móveis começaram a tremer e de repente o feixe de luz explodiu em milhões de brilhos cintilantes pelo quarto. As fadas se aproximaram da panela e lá apareciam apenas olhos brilhantes e sombrios. Outro feixe então saiu do caldeirão.

— Precisamos seguir a luz, ela nos indicará onde a Fada Azul está.

Assim desceram todos as escadas com pressa. Se atropelando em parte do caminho. Ao chegar do lado de fora do hotel a luz aguardava-os. Ela começou então a se mover e todos iam correndo atrás do sinal com medo de que ao usar magia pudessem ser notados. E assim prosseguiram até chegar ao Rio Eufrates.


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