O Clã de Descendentes - A Ascensão da Magia escrita por Isaque Arêas


Capítulo 3
O Novo Convidado




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Ele caminhava pelas ruas de New York. Em dois dias iria para Berlim e de lá iria para o Rio de Janeiro para enfim viver suas tão sonhadas férias. Não havia parado de trabalhar desde os dezoito anos quando assumiu a empresa de seu falecido pai. O início conturbado com as ações despencando e os lobos almejando o seu lugar na cadeira só o desafiaram ainda mais. Hoje Bernardo era um dos cinco maiores homens de negócios do mundo.

Voltando a New York, Bernardo corria pela Times Square a procura de um dos futuros representantes de sua empresa nos Estados Unidos. Marcara com ele na 46ª com a 7ª, mas seu táxi quebrou há alguns metros dali. Decidiu correr e estava quinze minutos atrasado. Por sorte o homem entenderia.

Chegou ao cruzamento ofegante. Seus cabelos desgrenhados e terno aberto o fizeram parecer mais desleixado do que queria aparentar. Ajeitou a gravata, fechou o terno, jogou seus cabelos cacheados para trás e endireitou a postura. Pronto. Podia encontrar o homem agora. Olhou em volta e não viu ninguém. Devia estar atrasado. Sacou o celular de seu bolso e percebeu que havia uma mensagem não lida.

“Caro Sr. D’Orleans não poderei comparecer à reunião, me encontro enfermo. Mandei meu assistente Wallace em meu lugar. Ele deve estar trajando um terno azul, também me disse sobre uma gravata rosa. De qualquer forma, encaminhei uma imagem sua para que pudesse lhe encontrar. Minhas mais sinceras desculpas. – Carlisle.”

Olhou em volta novamente e avistou um homem alto com o rosto fechado trajando um terno azul e lá estava a gravata listrada rosa. Começou a andar em sua direção e ao se aproximar foi avistado também pelo homem que sorriu e andou em direção à ele.

— Bom dia! Você é o homem de Carlisle?

— Sim, sou eu mesmo senhor D’Orleans. Me chamo Wallace. — disse apertando as mãos de Bernardo.

— Me chame de Bernardo, Wallace. Para onde iremos?

— Por aqui senhor... Bernardo. — respondeu Wallace seguindo por uma porta dupla. Bernardo foi logo atrás dele.

Passaram por um hall não muito elegante e chegaram a uma parede com três portas de elevadores. Sem muito assunto entraram nos elevadores. Wallace pressionou o botão de acesso ao 4º andar. Alguns segundos depois estavam de frente para um longo corredor repleto de portas. Era um corredor sem muita beleza, o que deixou Bernardo um pouco inseguro. Não parecia confiável.

Chegaram a uma porta. 404 era o número que se lia no alto da porta. Wallace tirou uma chave dourada dos bolsos e a abriu.

— Fique à vontade Bernardo. — disse estendendo as mãos como quem pede para que o convidado entre.

Bernardo entrou. O quarto era mais aconchegante que o corredor, ainda que pequeno. Possuía apenas uma cama, uma TV, um guarda-roupas e uma porta de vidro dava acesso ao banheiro. As paredes bem conservadas apresentavam um papel de parede em tons de creme que dava ao quarto uma ambientação serena. A única coisa que incomodava Bernardo era o carpete, era bastante alérgico.

Se sentou em uma poltrona que ali estava próxima da cama.

— Achei que o Sr. Carlisle fosse me receber em uma sala de reuniões... Ou em sua residência...

— Ele planejava isso, mas com todos os imprevistos ele me pediu para que discutíssemos aqui. Esse é um dos diversos quartos de hotel do Sr. Carlisle.

— Ele te disse sobre o que era a reunião?

— Sim. E após saber, talvez seja até melhor que conversemos em lugares desconhecidos. Há lobos por toda a parte, você melhor do que ninguém sabe.

— Sei... Bem, eu trouxe os contratos para que o Sr. Carlisle assinasse, acho que você deverá entregar para ele.

Wallace se levantou e começou a andar pelo quarto enquanto lia os contratos. Bernardo achou justo passear com seus olhos pelo quarto e até mesmo pela janela. Via as pessoas passando sem parar um minuto sequer.

— Interessantes as suas propostas. Vou levá-las ao Carlisle com toda a certeza. Sabe Bernardo, nossa empresa passou por longos períodos “obscuros”, depois que fechamos negócios com você estamos conseguindo nos estabelecer aos poucos, mas de toda a nossa história algo me chama a atenção: Porque investir em uma empresa que não ia bem há anos e ainda torná-la parceira da sua?

Bernardo riu-se.

— Acho que eu gosto do desafio sabe... Desde que enfrentei os acionistas da D’Orleans Co eu sinto que era certo dar oportunidade para empresas menores para que crescessem e a do Sr. Carlisle tem bastante potencial segundo minhas pesquisas. Pode dizer isso a ele. Mande também meu desejo de melhoras.

Bernardo se levantou, apertou as mãos de Wallace e os dois desceram o elevador. Andaram juntos até a porta e se despediram, cada um para um lado. Bernardo, então, fez sinal para o táxi para retornar ao seu hotel quando percebeu que não estava com sua carteira. Deveria tê-la deixado cair no quarto, mas a chave estava com Wallace. E agora? O que faria?

Voltou para a portaria do hotel para perguntar se havia a possibilidade de retornar ao quarto. A atendente tentou entrar em contato com Carlisle para verificar a liberação de uma chave, mas não obteve sucesso e por mais que Bernardo explicasse a situação a atendente se recusava em respeito às políticas da empresa.

Bernardo saiu do hotel e tentando pensar lembrou-se da janela. Por ela havia visto um beco que poderia levá-lo até o andar de cima. Entrou pelo pequeno beco cheio de lixo, mas que possuía uma escadaria de metal. Contou os andares até chegar a um dos quartos, não sabia qual era, eram muito parecidos. Lembrou-se então do número que se lia na porta do corredor. 404. Foi até a janela para verificar sua matemática e... Era o quarto ao lado. Ah, frustração.

Saiu pela janela e entrou no quarto seguinte. Abaixou-se para verificar o chão na busca por sua carteira e lá estava bem embaixo da poltrona, porém não estava apenas ela. Ao lado da carteira havia um bilhete dobrado, um papel de seda que parecia se rasgar de tão antigo. Ia abrir o papel quando ouviu passos no corredor. Enfiou a carteira e o papel no bolso rapidamente e começou a descer as escadas.

* * *

Era tarde da noite, Bernardo aproveitava a companhia de seus amigos de NYC num PUB ao sul da cidade. Já havia bebido demais e começava a ficar rouco de tanto gritar. Um de seus amigos pediu que um táxi viesse buscá-lo.

Ao chegar ao hotel andou cambaleante em direção ao elevador. Subiu até o seu andar e entrou em seu quarto. Se livrou de suas roupas e entrou no banho para que tirasse o cheiro de cerveja que havia ficado impregnado em sua pele. Sentiu que estava no banho há um século mesmo que fossem apenas cinco minutos. Havia perdido a noção do tempo, sim, estava realmente alto.

Ao sair do banho vestiu seu roupão e se jogou na cama olhando fixamente para o teto. Ao virar reparou em seu terno usado de manhã jogado na cadeira rente à escrivaninha e lembrou-se do bilhete que havia encontrado pela manhã. Sentou-se na cama tentando se recompor antes de ler e ali permaneceu até que a tonteira passasse. Levantou-se devagar e meteu a mão em seu bolso.

Abriu o papel com cuidado e lá estava:

“Ah, a história se repete mais uma vez. Bem, olhe para o espelho... Quem sabe entenda alguma coisa...”.

Bernardo colocou a mão na boca e riu abafado.

— Carlisle... O senhor andou aprontando viu?! — disse sozinho.

Jogou o bilhete para o lado e caminhou na direção da cama e teria alcançado seu objetivo de se jogar nela não fosse pelo barulho que ouviu vindo do banheiro. Em outra ocasião teria deixado de lado a ideia, mas era um barulho tão único que decidiu olhar melhor.

Se dirigiu ao banheiro e abriu a porta. Um rato. Tomou um susto tão grande que correu sem olhar a direção para onde ia, tropeçou e caiu. No que caiu lá permaneceu.

* * *

“Será que está bem...”. Disse uma voz que ele não reconhecia. “Está abrindo os olhos... Ufa! Não me perdoaria se alguma coisa tivesse acontecido a você”.

Quando Bernardo abriu os olhos à sua frente estava sentada na cadeira onde antes estava seu terno uma velha senhora trajando uma roupa azul. O traje tinha ainda um capuz que ela não vestia. O capuz era preso por um laçarote rosado de seda finíssima e lindamente bordada. O rosto da idosa era iluminado e gentil e sua voz parecia como de uma melodia antiga.

— Ah rapaz, já vi muitas coisas, isso inclusive, mas, por favor, se cubra... — disse virando o rosto para o lado.

Bernardo se deu conta de que estava apenas de roupão. Levantou-se, se ajeitou e sentou na cama corado.

— Deixe-me ver, onde estávamos?

— Eu estava no meu quarto... — respondeu Bernardo sem jeito.

— Ah sim, viu um rato, se assustou e caiu. Estranho... Ainda mais para quem você é... Tem coisas que não se repetem tão bem. — disse a velha bem humorada.

— Posso te perguntar quem é você e o que está fazendo aqui? Acho que vou ter que chamar a segurança...

— Ora, não é necessário Bernardo. É Bernardo não é? Já estou de saída. Vejo que recebeu meu bilhete, mesmo amassado... — retrucou entre os dentes.

— Espera, esse bilhete era pra mim?

— Pra quem achou que fosse? Você mesmo leu...

— Sim, mas estava no quarto do Sr. Carlisle.

— E onde você estava? No quarto dele. Ora, qual é a questão aqui?! — indignou-se a idosa.

— Bom, qual o seu nome senhora? Preciso muito descansar e a senhora disse que estava de saída...

— Vejo que precisa mesmo, está cheirando à cerveja. Homens. Fico alguns anos sem visitar este mundo e quando o visito já tenho vontade de voltar... Se não tivesse honrado meu código e a amizade que eu tinha a ela eu nem estaria aqui.

Tudo aquilo soou tão confuso para Bernardo que ele nem mesmo conseguiu formular uma questão após ouvir.

— Bem, Bernardo, em meu bilhete eu disse que a história se repetia e pedi pra que você olhasse o espelho. Já que você não olhou para me procurar eu decidi aparecer.

— Mais uma vez, quem é você? — respondeu Bernardo irritadiço.

— Ora, sua Fada Madrinha, quem mais?!

Bernardo não teve reação. Apenas riu.

— Senhora, acho que você se enganou de quarto... Deixa que eu te levo pro seu andar.

— Estou ficando farta de seus insultos. Humanos. Cada vez mais incrédulos! — disse a fada impaciente.

E balançando a mão no ar materializou uma varinha fazendo com que Bernardo arregalasse os olhos e se esquivasse na cama.

— O que você quer?

— Bem, preciso que você vá comigo até o Reino das Fadas, lá poderemos te explicar melhor o que está havendo... O mundo anda muito perigoso, por isso pedi para que você olhasse para o espelho.

— O que tem o espelho?

— Ah meu caro, os espelhos, sejam de vidro, água ou qualquer outra coisa mostram aquilo que os olhos não conseguem enxergar. Espelhos são o reflexo de um mundo que vocês humanos não conseguem dimensionar. E geralmente vocês estão tão focados em seus problemas e em seus narizes – disse a Fada apontando a varinha para o nariz de Bernardo deixando cair um pouco de pó mágico e fazendo o jovem espirrar – que não percebem a beleza que há por trás deles e só enxergam a si próprios. Sem mais delongas. Vamos?

— Aonde?

— Não acredito que expliquei e expliquei e não saí de meu lugar! Para o mundo das Fadas! Onde mais?!

— Não, eu não posso sair assim... Tenho uma viagem agendada pra Berlim amanhã. E sinceramente eu ainda não sei por que eu devo te seguir.

— Você não admite Bernardo, mas confia em mim, confia no som da minha voz, sabe que eu falo a verdade e sabe que se me seguir sua vida não será mais a mesma, mas tenha uma certeza: eu não estaria aqui se não fosse necessário. Fadas só existem para servir aos humanos, somos bondosas por natureza. Então meu amado apenas confie em mim e me dê a mão, siga o seu coração.

A fada estende a mão para Bernardo e o olha nos olhos. Bernardo tenta desviar o olhar, mas o que ela falou era tão real que ele não poderia negar. Confiava, ainda que estranhamente, nela e sem pensar estendeu a mão. Em um minuto era possível ver as duas figuras paradas no centro do quarto e em outro minuto apenas o brilho prateado caindo lentamente pelo ar.


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