Shadows of the past escrita por larissabaoli


Capítulo 6
Capitulo 6




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Enquanto eu encarava o escrivão que estava sentado de frente para minha cela, eu me perguntava algumas coisas, como o que eu havia feito para merecer tudo isso que acontecia comigo, se havia alguém lá no céu que realmente me odiava e por que eu tendo sido criada por pessoas tão sensatas e serenas como meus pais adotivos, insistia em ser tão impulsiva. Se isso fosse genético, meus pais biológicos deveriam ser pessoas terríveis.

O guarda que eu havia socado, me algemou e me pôs na viatura mesmo depois de eu ter começado a pedir desculpas desesperadamente. Ele me trouxe para uma delegacia da cidade ao lado, que parecia inacreditavelmente menor do que Baia. Mesmo com raiva – e com razão – de mim, ele foi boa pessoa o suficiente para ler meus direitos e tirar minhas algemas ao me por na cela, além de lembrar que eu tinha direito a uma ligação. Eu me neguei e entrei sem saber de verdade para quem eu ligaria. Sidney provavelmente já teria voltado à cidade, Rose estaria resolvendo seus problemas com Viktoria, meus pais... bem, eles achavam que eu estava na casa de Yeva, tendo uma noite de pijama como uma garota normal e por ultimo havia a ultima pessoa para quem eu queria ligar: Abe.

Já haviam se passado duas horas desde que eu havia chegado aqui e o escrivão tinha sido substituído por um guarda noturno – não aquele que eu soquei. Eu me sentia exausta e a dor de cabeça “pós-escuridão” estava começando, mesmo assim eu me mantive analisando todas as minhas opções de para quem eu deveria ligar, até entender que realmente não haveria ninguém.

Por volta das três horas eu acordei o guarda, dizendo que eu precisava fazer minha ligação agora e o vi resmungar algo como “delinquente” antes de se levantar e ir buscar meus pertences em um saco plástico. Ele me deu o celular e eu digitei os números que já estavam na discagem rápida, me odiando por isso.

– Sei que está chateada, mas vou precisar que devolva o carro. Com o dinheiro que lhe dei, você pode até mesmo comprar um igual quando... tiver idade. – ele tinha que atender com uma piadinha.

– Pode pegar o carro, mas vai ter que vir busca-lo na delegacia. E se puder, eu também gostaria que você viesse me buscar... papai. – eu disse respondendo no mesmo tom de escarnio.

Para saber onde eu estava, tive que entregar o celular para o guarda que com impaciência disse minha localização para Abe e dentro de trinta minutos, ele já havia chegado. Eu me perguntava como exatamente ele não havia sido preso por andar em alta velocidade, mas bem... ele era Abe.

– Tão nova e já presa por agressão a um oficial, posse de verba sem identificação e roubo de carro. Parece que você aprendeu tudo o que sabe com seu pai aqui – ele disse se aproximando da grade – quem sai aos seus, não degenera, Anastacia.

Eu engoli calada enquanto ele saiu para conversar com o xerife – sim, xerife! – e o guarda, agradecendo por ter uma grade no meu caminho que me impedia de tentar soca-lo também.

Em pouco tempo o guarda voltou, pegou as chaves e abriu minha cela, me deixando sair. Abe apareceu, segurando minhas coisas e pondo a mão nos meus ombros, como em um abraço lateral e agradeceu ao guarda e ao xerife.

Quando já estávamos no carro ele me entregou o saco com meus pertences e eu comecei a organiza-los novamente.

– Um “obrigada” não faria mal algum. – ele disse enquanto ajeitava suas abotoaduras exageradas.

Eu fiquei em silencio.

– Posso saber por que não cumpriu as ordens que estavam escritas no bilhete? Poderia ter poupado a nós dois muitos aborrecimentos.

– Então da próxima vez me dê apenas as coordenadas necessárias para que eu faça o que você me pediu – eu disse azeda.

– É disso que se trata? Tudo isso porque eu lhe sugeri que não entrasse no clube e fosse dormir em um hotel?

– Sugerir não era o que parecia estar escrito no bilhete e não, isso não foi sobre eu estar com raiva de você.

– Então sobre o que foi?

Eu comprimi os lábios, não querendo falar sobre toda a parte de shadow kissed e outras coisas. Optei por respirar fundo e fiquei em silencio.

– Conferiu se a quantia que lhe dei ainda está no envelope?

– Não importa, pode ficar com seu dinheiro de volta.

– Não se retribui um presente, a não ser com outro – ele deu de ombros.

Eu revirei os olhos e passei a mão no cabelo em exasperação.

– Por que obrigou Rose a ir embora?

Ele pareceu surpreso com minha mudança de assunto.

– Nós barganhamos e não que isso seja da sua conta.

– Oh, a ironia, não é mesmo?

Ele riu.

– É, sério. Por que mandar ela embora? Ela não fez nada para você! Ela só está em busca de alguém e eventualmente ela iria se cansar e ir embora ou resolveria ficar aqui sem criar problemas.

– O lugar dela não é aqui. Ela tem família e amigos em outro lugar.

– Ela poderia ter tudo isso aqui também.

– Ana, está feito. Esqueça isso.

Sua resposta me deixou um pouco magoada e não pude evitar passar o resto do caminho pensando em Rose e quando a encontraria novamente agora.

Quando Abe me deixou próximo a minha casa, eu agradeci com um bocejo e peguei minha mochila, me sentindo exausta e com sono, até que percebi que alguém estava me seguindo e me virei dizendo:

– Não precisa me seguir novamente, Ab- eu interrompi e encarei os olhos azuis de meu pai.

– Posso saber o que você estava fazendo na companhia de Abe Mazur?

Eu sabia que estava em mais uma encrenca quando entrei em casa e encontrei minha mãe sentada no sofá, como se estivesse insone e meu pai me seguiu para sentar ao lado dela. Aparentemente não existia uma cota de azar quando se tratava de mim. Eu me sentei na poltrona em frente a eles e os encarei.

– E então...? – meu pai foi o primeiro a quebrar o silencio – Ainda estou esperando uma resposta.

– Encontrei Abe no caminho enquanto voltava para casa, ele estava passando pela rua de Yeva...

– Nos poupe o trabalho de mentir. – interrompeu minha mãe – Rose sumiu e Viktoria está de castigo, Yeva me ligou e pediu para que Mark fosse procura-la, então sabemos que você não chegou nem até lá. Sua aura também denuncia o quão próxima a escuridão você estava e eu estou sendo muito paciente em lhe dar tempo para se explicar antes de deslizar para sua mente.

– Então faça! Não é como se a senhora nunca tivesse lido minha mente e descoberto o que já fiz ou o que aconteceu comigo.

– Anastacia! Abaixe o tom de voz e tenha mais calma – alertou meu pai.

Eu respirei fundo, praguejando para mim mesma como eu não havia percebido que meu plano havia saído de controle por completo a partir de quando encontrei Rose no armazém.

– Não estava na casa dos Belikov. Precisava fazer algo e algumas coisas saíram de controle. Abe apareceu para me ajudar e agora estou aqui. – eu resumi ao máximo e fiquei em silencio.

– É só isso que vai nos dizer? Por que você sempre acaba próxima daquele homem? Ele tem idade para ser seu pai, sabia? Além de ser um homem sem escrúpulos! Posso reconhecer que ele lhe ajudou quando nem eu nem sua mãe fomos capazes, mas...

Eles estavam mesmo sugerindo o que eu estava pensando?

– Ew! Não! Eu não sinto nada por Abe! Cristo! É sobre isso que vocês estão preocupados? Eu adoraria nunca ter que vê-lo novamente, mas infelizmente eu estou presa nesse país, caso vocês não lembrem e ele tem me ajudado sempre e até mesmo quando eu não preciso de sua ajuda. – eu disse com uma careta descrente de como meus pais poderiam acreditar que eu poderia sentir algo por Abe Mazur.

Minha mãe ficou em silencio e eu me permiti entrar em sua mente e perceber que ela estava pensando no que havia acontecido comigo.

– Mãe, precisava parar de pensar nisso.

– Como? – ela disse se levantando e pondo as mãos para cima – Você era uma criança! Aquele monstro pervertido continua andando por aí impune e eu soube que ele estava na cidade! Por isso pedi ao Mark para ir procurar Rose também. Não queria nem imaginar que aquele... aquilo pudesse por as mãos em Rose também.

– Você sabe que Abe já o fez pagar e eu estou bem hoje em dia.

– Está? – ela me olhou nos olhos e eu percebi que não adiantava tentar acalma-la, ela desabafaria tudo de um jeito ou de outro – Você foge toda vida que brigamos, para sabe Deus onde e passa semanas sem voltar! Antes do que houve, você passava dias no máximo, sempre na cidade aprontando alguma, mas agora? Agora você sai sem dizer quando volta ou para onde vai, podendo estar em qualquer lugar e aberta a correr qualquer risco! Pensa que não sei sobre seus trabalhos para Abe? Entendo que você sente que está em divida com ele, mas não deveria! Você é uma criança! Você tem quatorze anos! Não deveria trabalhar para um homem como ele e não deveria fugir de casa toda vida que se sente mal! Anastacia, eu só queria que você entendesse o quanto isso é difícil para nós! – ela terminou se afundando no sofá novamente e escondendo o rosto nas mãos.

Eu não conseguia mais ficar ali, então peguei minha mochila e segui para o meu quarto em silencio, mas não sem antes dizer em voz baixa.

– Quinze anos, mãe. Faz quinze anos desde que você me achou.

Nos últimos cinco dias eu tentei me manter quieta e em silencio o máximo possível. Minha mãe veio me pedir desculpas, como sempre fazia, mas isso só fez com que eu me sentisse mal. Ela sempre era a pessoa a vir me pedir desculpas e dessa vez ela até me pediu para avisar antes que eu fosse embora, já certa de que eu iria. Eu pedi desculpas por ter mentido para ela e depois disso, nós passamos a nos falar normalmente. Com meu pai também era fácil, se minha mãe tivesse me perdoado, ele também me perdoaria, mas mesmo assim eu me mantive tentando ser invisível e me mantendo dentro do quarto por um tempo.

Numa tarde, ouvi minha mãe bater na porta e entrar enquanto eu estava deitada na cama, lendo um livro e com os fones no ouvido. Retirei um fone e me sentei.

– Preciso que vá até a cidade. – ela me disse me entregando um papel.

É claro que isso era só o jeito dela me dizer que estava cansada de me ver passar os dias dentro do quarto ou rondando a casa como um fantasma.

Eu olhei a lista e acenei.

– É só isso? Precisa de algo mais? – eu disse enquanto trocava de roupa.

– Bem, você poderia passar naquela confeitaria e trazer Pastilá – ela me disse com um sorriso – era uma das suas sobremesas favoritas, lembra?

– Mãe, qualquer doce era minha comida favorita – eu sorri lembrando.

– É, você não é do tipo que tem alguma restrição alimentar – ela riu e me abraçou.

Eu peguei um casaco, as chaves da caminhonete Ford 1970 do meu pai e dei uma ultima conferida no papel antes de ligar o carro.

Resolvi primeiro comprar a sobremesa, passando numa confeitaria que costumava frequentar todo domingo depois da missa e só de sentir o cheiro eu já senti minha fome despertar. Acabei comprando não só Pastilá, como também pão de mel de Tula, bolo de leite de pássaro e três cupcakes. Bem, se eu ficaria em casa por um tempo, eu poderia não me negar alguns prazeres.

Quando cheguei ao mercado, deixei as sacolas com as sobremesas no carro e entrei, pegando uma cesta e indo em direção até as prateleiras. Enquanto pegava azeite, encontrei Yeva tentando pegar algo da prateleira mais alta e me aproximei para ajuda-la.

– Sabia que encontraria você aqui – ela me disse quando entreguei a ela um pote de geleia.

– Claro que sim – eu suspirei sabendo que ela começaria com sua sessão de previsões.

– Fico feliz por ter saído do seu castigo – ela disse me entregando a cesta dela sem me perguntar o favor.

– Meus pais nunca me puseram de castigo. A senhora sabe disso.

– Mas mesmo assim você insiste em se exilar e se castigar sozinha.

Eu voltei a olhar a lista, segurando uma cesta em cada braço.

– Viktoria está bem? – eu perguntei depois de um tempo.

– Arrependida, agora que Rose foi embora. Criança boba. Ela sente como se fosse culpa dela.

– E é. – eu respondi antes que pudesse pensar melhor.

– Não, não é. Rose ficaria se eu tivesse pedido para que ela ficasse, mas eu mesma disse para ela ir.

Eu parei esperando que ela percebesse e olhasse para mim. Ela não parou, é claro.

– O que quer dizer com isso? Você expulsou a Rose da sua casa? – eu disse, chocada.

– Ela não veio aqui para ficar, ela tinha uma missão. Eu disse para que ela fosse completa-la. – ela disse orgulhosa de si mesma.

Eu tentei arranjar palavras para descrever o quão absurdo isso soava e não consegui. Era em vão argumentar com Yeva e eu sabia disso. Agora que Rose havia ido embora, só o que me restava era esquecer tudo isso.

– Hey, espera... – eu disse lembrando – então por que ligou para minha mãe e disse que Rose havia sumido? Por que pediu para meu pai para que ele procurasse por ela se sabia que ele não a acharia?

Ela olhou para mim e me deu um sorriso enrugado, enquanto eu fiquei de boca aberta e minha raiva substituía a fome.

– Você é muito malvada para alguém tão velha.

Ela ficou em silencio por um momento e seguiu até o caixa.

– Logo será você que eu terei que mandar ir.

– Embora? Não vai precisar mandar duas vezes, eu garanto – eu bufei – Me espere na saída, eu lhe dou carona até sua casa.

– Tenha cuidado com o que deseja, Anastacia.

Eu revirei os olhos e voltei para a minha lista.


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