Apartamento 17 escrita por Alex Baggins


Capítulo 2
Bem Vinda a Bordo, Sunny Munroe




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Eu me esquivei para dentro do apartamento e ela fechou a porta com força atrás de mim, me fazendo pular com o susto. O lugar era... Incrível. Apesar de pequena, a sala tinha um ar de conforto, com uma decoração de bom gosto. As paredes vermelhas (que escandalizariam minha mãe, uma grande fã dos tons pastéis) contrastavam com o sofá branco e o tapete preto, os quadros enchiam a sala com cor, a grande maioria mostrando três garotas, sendo uma delas a que me atendeu (que em cada foto parecia estar com uma cor de cabelo diferente).

–Eu sinto muito por isso. - disse ela sorrindo constrangida enquanto coçava a parte de trás do pescoço e fechava a porta - Nós temos uma vizinha que insiste em tentar vender cremes duvidosos toda vez que alguém fica parado tempo demais no corredor. Enfim, eu sou Alaska. Você deve ser a... - ela deixou a frase no ar e indicou que eu deveria continuar.

Eu ainda estava tentando processar o que tinha acabado de acontecer, sem realmente entender se estava prestes a me tornar vizinha de uma revendedora da Avon ou de uma possível traficante. Mas, ei, aquilo era São Paulo. Esse tipo de coisa era comum por ali, certo?

Certo?!

Balançando a cabeça para afastar pensamentos perigosos, eu respondi com a voz mais simpática que conseguia forçar:

–Clara. Prazer. - Alaska sorriu de volta para mim, mas quando eu fiz que continuaria a falar ela me calou levantando um dedo e gritando:

–Meninas, a garota nova está aqui!

–Diga a ela para voltar quando eu não estiver assistindo Friends. - ouvi uma voz gritar de dentro de um dos quartos.

Alaska revirou os olhos e levantou um dedo novamente, indicando que eu esperasse. Ela se afastou e entrou em um dos quartos, saindo de lá segundos depois, arrastando duas meninas pelo braço. Uma dela era bem alta e magra, com um cabelo curto estilo afro; a outra bem baixa, com um cabelo escuro enorme preso em um rabo cavalo frouxo. Ela parou com as duas na minha frente e eu, sem saber exatamente o que fazer, sorri meio constrangida e meio assustada.

–Clara, essas são Bea - Alaska apontou para a mais alto, que acenou de forma amigável - e Lola - a outra garota se contentou em cruzar os braços e me lançar um olhar indecifrável.

–Você não é de São Paulo. - ela comentou tombando a cabeça levemente para o lado.

–Hm, não. - concordei baixo, intimidada pela pose agressiva de Lola, apesar de ela ser pelo menos dez centímetros menor que eu - Como sabe?

Ela riu, sendo acompanhada por Bea e recebendo um olhar feio de Alaska.

–Você está brincando, não é? Olhe para você. - ela gesticulou para minhas roupas cuidadosamente escolhidas para passar uma boa impressão (missão que eu aparentemente falhei miseravelmente) - Você está usando rasteirinhas com jeans no centro da cidade e tem um colar com seu nome escrito no arroz. - minha mão voou inconscientemente para o meu colar, que havia comprado em uma viagem para a praia - Não duvido nada que tenha um mapa do metrô, uma bolsinha de moedas e álcool em gel nessa sua bolsa. - ela riu de novo e deu as costas para mim, se dirigindo para o sofá se atirando nele, tirando o celular do bolso e digitando algo nele sem olhar na minha direção novamente.

–E-eu... - gaguejei tentando achar uma resposta apropriada para esse tipo de afirmação. Eu era mesmo uma caipira tão grande? As pessoas não usavam rasteirinhas em São Paulo?

Bea me lançou um sorriso torto e jogou um braço por cima do meu ombro.

–Não se dê ao trabalho de responder, miga. - miga? ­- Lola não é a melhor pessoa pra fazer amigos.

–Eu tenho todos os amigos que preciso. - replicou Lola lá do sofá.

Bea apenas piscou pra mim e me levou para a cozinha. A cozinha era um cômodo simples, com armários desgastados e uma geladeira com muitos, muitos ímãs. Bea se sentou em uma das cadeiras multicoloridas que tinha ali e indicou para que eu fizesse o mesmo. Alaska surgiu segundos depois trazendo Lola consigo. Alaska puxou outra cadeira e se sentou de frente para o encosto, enquanto Lola se empoleirava no balcão de pernas cruzadas.

–Então, Clara, fale um pouco sobre você. - pediu Alaska sorrindo encorajadora.

Respirei fundo, tentando reunir minha coragem. As coisas até ali não tinham ido exatamente bem, mas eu realmente queria morar ali. Era bem no centro da cidade, a decoração era incrível, o preço era razoável. E, apesar da recepção um tanto quanto inesperada, eu queria conhecer melhor aquelas garotas. Elas eram tão... Legais. Descoladas, até. O cabelo de Bea era incrível, Lola usava uma cropped que faria meu pai desmaiar e Alaska... Alaska tinha o cabelo rosa! Elas eram tudo que eu nunca fui, e tudo que eu tinha acabado descobrir que queria ser.

–Bom, meu nome é Clara. - dei uma risadinha nervosa. Meu Deus, por que eu estava repetindo meu nome? Elas sabiam meu nome! - Eu sou de uma cidade pequena da Bahia e acabei de me mudar pra São Paulo.

–Você trabalha? Estuda?

–Eu acabei de começar a faculdade. Medicina. USP.

Até Lola pareceu impressionada. Eu simplesmente adorava a reação das pessoas quando eu dizia que era da turma de medicina da USP. Era como dizer “ah, eu ganhei um Nobel, nada demais”.

–Impressionante. - disse Lola olhando para as próprias unhas bem feitas - Você trabalha?

–Ainda não. Mas pretendo arrumar um emprego logo.

–E até lá pretende pagar o aluguel como?

–Meus pais estão me ajudando por enquanto. Não se preocupe com o dinheiro. - respondi dando de ombro.

Lola olhou para mim com os olhos cerrados, como se tentasse decidir qual era a minha. Ela descruzou as pernas e pulou do balcão, me circulando.

–Lola, não... - Alaska começou, mas Lola a interrompeu.

–Você é de uma cidade pequena, mas está usando uma pulseira que é obviamente Pandora e rasteirinhas que, apesar de bregas, são Via Uno. Você pode virar essa bolsa ao avesso se quiser, mas eu já vi que é uma Michael Kors. - ela olhou para Bea, que assistia tudo com interesse e um sorriso torto nos lábios - Bea, está sentido o mesmo cheiro que eu?

Bea assentiu.

–Eu sinto cheiro de dinheiro.

Um fato que algumas pessoas consideram importante sobre mim, apesar de eu não concordar: minha família tem dinheiro.

E quando eu digo dinheiro, eu não digo dinheiro o suficiente para sobreviver e comprar presentes de natal. Eu digo dinheiro o suficiente para comprar para o meu irmãozinho Davi, de oito anos, um IPhone 6 e um pônei de aniversário e ao mesmo tempo encher minha sobrinha Ana de brinquedos Fisher Price (que eram tão caros que deveriam vir com seguro). Toda essa fortuna vinha das inúmeras fazendas que meu pai havia herdado e da qual ele extraia vários produtos que exportava para o mundo. Eu havia crescido com todos os luxos que o dinheiro poderia comprar e ainda assim nunca havia saído da Bahia.

O dinheiro havia me proporcionado muitas coisas, mas também havia tomado metade da minha vida. Meus pais achavam que qualquer outro lugar no mundo era perigoso demais para mim, que eu seria um alvo devido a ser, nas palavras de mamãe, “obviamente de uma classe mais afortunada”. Então eles decidiram que o único jeito de garantir minha segurança era me trancar numa cidade onde nada acontecia.

E isso é mais uma prova que eu faço parte da família real do drama: eles podiam simplesmente ter contratado um segurança ou um guarda costas, mas não. Isso não era o bastante. Era preciso morar no lugar mais longe o possível e nunca me deixar sair dali, como se eu fosse uma Rapunzel moderna, só que sem o cabelo legal e o namorado criminoso. Infelizmente.

Minha mãe sempre me ensinou a esconder o fato de que eu tinha dinheiro para me proteger. Mais uma coisa na qual eu havia aparentemente falhado miseravelmente. Agora eu não era apenas uma caipira nos olhos de Lola, Bea e Alaska. Eu era uma caipira rica.

O que não era exatamente a imagem que eu queria passar.

Eu dei de ombros, tentando esconder meu desconforto.

–Minha família consegue se virar. - repliquei evasivamente.

–Não, fofa, eu consigo me virar enquanto tiver um Bilhete Único de estudante e alguns sugar daddys. -Lola negou com um tom de voz debochado - Você é rica e com a quantidade de pingentes que você tem nessa pulseirinha sua eu poderia comprar um escravo.

–Não ligue para ela. - falou Alaska empurrando Lola para longe de mim enquanto eu me encolhia na minha cadeira - Ela tem uma síndrome que a impede de ligar para os sentimentos dos outros. Vamos mudar de assunto. Fale mais sobre você.

Eu respirei aliviada, feliz por poder falar de um tópico mais confortável e estava prestes a falar algo quando Bea me interrompeu.

–Isso é realmente necessário? - ela indagou com a voz entediada - Olha pra ela: uma boa menina com cara de virgem sóbria, com dinheiro o suficiente não só para pagar o aluguel, mas para pagar pela fiança de Lola quando ela for presa. Ela é obviamente a única candidata aceitável. Vamos escolher ela, para que eu possa voltar a assistir Friends.

Lola, para o meu espanto, assentiu.

–Concordo completamente. Não podemos deixar essa menina sozinha em São Paulo. É nosso trabalho ensinar a ela como sobreviver na cidade. - ela disse voltando a examinar as unhas - E, Bea, pare de agir como se eu ser presa fosse um destino inevitável.

–Mas é um destino inevitável.

–Isso se a polícia conseguir me pegar.

–Olhem, eu realmente quero morar aqui. - pedi tentando não soar desesperada demais - O lugar é incrível e vocês parecem super legais. Apenas... Me deem uma chance! Eu sou limpinha, sei cozinhar, não faço barulho...

–Por mim tudo bem. - concordou Alaska por fim, dando de ombros - Você parece legal o suficiente. Sabe descolorir cabelo?

–Eu posso aprender... - respondi franzindo a testa confusa.

–Ótimo. Vou precisar disso. Quero voltar para o violeta. - ela passou as mãos pelas madeixas cor-de-rosa, parecendo se perder em seus pensamentos.

Olhei para as três meninas, que pareciam ter esquecido que eu ainda estava ali esperando uma resposta.

–Isso quer dizer que...? - eu perguntei chamando a atenção delas.

–O lugar é seu. - anunciou Bea abrindo os braços de forma exagerada enquanto Lola fazia sons de trombetas com a boca - Pode se mudar hoje mesmo.

Eu pulei da cadeira, mal ousando acreditar no que ela dizia. Eu, Clara Hauman, filha do meio de seis irmãos, Rapunzel moderna e fracassada social, iria morar naquele apartamento colorido, com aquelas meninas que pareciam ter saído de uma revista Capricho. Eu tinha finalmente fugido daquela prisão chata e entrado numa fase glamorosa e cosmopolita da minha vida. Aquela era a minha chance de viver um romance da Meg Cabot.

Ou pelo menos eu achava que era.

–Ah, muito obrigada! - exclamei enquanto abraçava efusivamente cada uma delas - Muito obrigada! Vocês não vão se arrepender.

–Eu já estou me arrependendo. - resmungou Lola quando eu a soltei - Regra número um, Lindinha: eu não abraço pessoas sem estar bêbado primeiro. Faça isso de novo e eu vou ser obrigada a usar meu teaser em você.

–Entendi: nada de abraços. - confirmei levantando um dedão em um sinal positivo - Saquei.

Lola sorriu torto e me deu um tapinha no ombro,

–Bem vinda a bordo, Sunny Munroe*. - ela disse com o tom mais gentil que havia usado comigo até então - Se você mexer nas minhas coisas eu te corto no meio.


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Notas finais do capítulo

*Pra quem não sabe Sunny Munroe é a protagonista da série do Disney Channel "Sunny Entre Estrelas", interpretada por Demi Lovato. Na série, a personagem sai da cidade pequena para morar em Hollywood e trabalhar em um programa de TV, por isso Lola compara Clara com Sunny.

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