Justiceira escrita por Clarisse Arantes
Notas iniciais do capítulo
Espero que gostem.
— O jogo é o seguinte — ele começou a dizer em sua voz computadorizada que me dava ânsia. — É um jogo fácil.
— Eu não jogarei com você — retruquei-o.
Ele bufou baixinho.
— Sim, você vai.
— Não, eu não vou.
— Quando você vai entender que você é vulnerável a mim? Que tem que seguir minhas regras ou coisas ruins acontecerá às pessoas que você gosta? Acha que não percebi a intimidade com o seu novo parceiro? Não acha que não sei quem é a pessoa que você visita usualmente? Eu sei de tudo, querida. E é melhor você aceitar que quem dita às regras, sou eu.
Eu não o respondi, porque não havia o que dizer. Minha respiração estava acelerada e eu estava tremendo de nervosismo. O celular já apertava minha orelha com força, eu poderia esmagá-lo a qualquer momento.
— Qual é o jogo?
Ele riu.
— Que bom que aceitou. Achei que teríamos que pegar o caminho difícil. — Bufei altamente, para que ele ouvisse. — O jogo é o seguinte: nessa festa há duas crianças de cinco anos. — Meu corpo gelou. — E uma delas possui um pen drive que eu mesmo lhe dei. Algo fofo. Ela adorou o titio. Pois bem, eu dei-lhe uma ordem e prometeu-me cumprir. Uma dessas crianças vai conectar o pen drive num computador que ligará um slide para todos os presentes. Um vídeo nem tão agradável vai começar. Isso envolve você e sua identidade, minha querida. Espero que ache um jeito de parar. Você tem quinze minutos.
Alarme. Meu corpo estava em alarme. O salão não estava tão cheio e isso facilitaria minha busca. Porém como pediria isso para a criança?
Meus pés já estavam cansados do salto e estavam de um lado para o outro. Minha cabeça movimentava-se ágil. Eu tinha que achar a criança. Eu tinha que achá-la. As pessoas não poderiam descobrir que eu era a Justiceira.
Conversando com uma mulher, avistei Pedro. Caminhei rapidamente em sua direção e pousei minha mão em seu ombro, chamando sua atenção. Ele desculpou-se com a mulher e se afastou alguns passos para podermos nos falar.
— Eu preciso de sua ajuda — disse nervosa. — Eu te explico mais tarde. Preciso que você me ajude a achar duas crianças nesse salão.
— Crianças? — Ele franziu o cenho, atônito. — No que elas ajudarão?
— Depois eu explico — repeti. — Só preciso. Se encontrar alguma, me diga onde está.
Ele concordou e deixei-o lá. Comecei a caminhar sem direção. Até avistar a primeira criança. Dei graças a Deus e fui a sua direção. Seus pais estavam dispersos em uma conversa e ela estava com um urso de pelúcia em mãos. Seus cabelos eram loiros e estavam em duas tranças.
Ajoelhei-me para ficar do seu tamanho.
— Ei menininha — sorri. Ela olhou-me estranho. — Tudo bem?
Assentiu um pouco tímida.
— Um rapaz veio aqui falar com você? Eu preciso saber, porque é muito importante — tentei fazer minha melhor voz manhosa. A garota escondeu-se debaixo da saia da mãe.
Levantei-me.
— Com licença senhora — a mulher dessa vez olhou para mim. Muito parecida com a garota. — Algum estranho veio falar com a sua filha?
— Não — ela aparentou estar preocupada. — Por quê? Deveria?
Neguei gentilmente.
— Claro que não. Muito obrigada. Tenha um bom almoço.
A mulher estava confusa quando lhe dei as costas. A garota não estava com o pen drive. Droga.
Seis minutos já haviam se passado. E nada. Nada. Não conseguia encontrar a segunda criança. Andei de um lado para o outro do salão e meu desespero começou a fica cada vez maior. Eu seria exposta. Era tudo o que conseguia pensar e quase já estava aceitando a possibilidade de sim, eu seria exposta para todas aquelas famílias. Inclusive Pedro.
Respirei fundo. Caminhei novamente para a direção dos banheiros. Vi finalmente, minha criança dois, adentrando o banheiro com um pequeno objeto em mãos.
Eu não poderia simplesmente adentrar o banheiro masculino atrás dele. Esperei do lado de fora, com os olhos sempre na porta. O garoto demorar do lado de dentro só me deixou mais angustiada. Eu sentia que iria explodir a qualquer momento. E agora meu estomago revirava-se pelo meu nervosismo.
O garoto passou cinco minutos dentro do banheiro. Muito mais tempo o que necessário, julguei eu. Quando saiu, não perdi tempo e dirigi-me até ele.
— Ei, garotão. — Chamei-o. Ele sorriu, com o apelido. — Será que você poderia me dar esse pen drive que você tá carregando?
O sorriso do garoto fechou-se e ele balançou um belo de um não com a cabeça. E depois saiu correndo da minha frente. Segui-o. Eu precisava desse pen drive.
Onze minutos já haviam se passado.
O garoto parou em uma das mesas do centro, aproximei-me novamente.
— Eu realmente preciso desse pen drive — disse-lhe. — É sério mesmo. Minha vida pode acabar com isso. Posso ser despedida e nunca mais ter paz. Por favor, me dê o pen drive.
Aconteceu a coisa que estava tentando evitar, como uma boa mulher que sabe mexer muito bem com criança, consegui fazê-lo chorar.
— O que você tá fazendo? — ouvi a mãe gritar. Ela puxou o filho dela para a direção da mesma, que antes conversava e não dava atenção para o filho.
— Eu realmente preciso desse pen drive que está com o seu filho — contei-lhe. — É urgente.
— Não. — A mãe urrou. — E saia daqui, antes que chame os seguranças para te levar pra fora.
Eu tive, então, que sair. E enquanto me virava para ir embora, tinha aceitado o fato de que todos conheceriam a Justiceira. Minha alma estava pesada e caminhar nunca fora tão difícil.
— O que aconteceu? — a voz de Pedro perguntou-me. Ele estava um pouco atrás e enquanto caminhava para uma parte afastada do salão, ouvia seus passos me seguindo.
— Poderia me fazer um favor?
Virei-me para ele, que assentiu. Eu começava a sentir meus nervos à flor da pele e o nervosismo me consumindo por dentro.
— Poderia me pegar uma garrafa d’água, por favor?
— Está nervosa? Por quê? — ele parecia preocupado. — Se quiser podemos ir embora agora.
Neguei com a cabeça. Eu precisava ver o estrago que seria feito.
De qualquer forma, Pedro passou a mão em meu braço e deu pra trás, indo pegar-me a garrafa d’água.
— Bem vindos todos! — o dono da companhia que estava patrocinando o jantar começou a falar. Ele estava em cima de um pequeno palco com vários computadores atrás. Vi minha criança dois começar a caminhar até lá. Meu coração deu um salto. — Espero que todos estejam se sentindo confortável.
Meu celular voltou a tocar em meu bolso. Com as mãos tremulas, peguei-o e atendi a chamada, já sabendo quem era.
— Contagem regressiva — ouvi-o dizer. — Vinte, dezenove, dezoito, dezessete...
— E que apreciem o jantar que virá já, já — continuou a dizer o dono. — Primeiramente, gostaríamos de mostrá-los um vídeo, de como nossa companhia cresceu e o quanto vocês ajudam-na crescer cada vez mais, e mais. — Ele sorriu para a pessoa de trás dos computadores.
Dei dos passos para trás, batendo com a parede.
A voz no celular voltou a chiar-me:
— Dez. Nove. Oito...
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É isso, obrigada.