Precisamos Conversar escrita por Rodrigo Caetano


Capítulo 5
Interlúdio - Samanta


Notas iniciais do capítulo

Esse interlúdio foi a coisa que mais me deu dor de cabeça na história. Isso porque ele era para ter ficado no final, mas simplesmente confundia a coisa toda, apesar de eu ter gostado dele em si.

Acabei tendo de reorganizar o texto inteiro para conseguir colocar ele em algum lugar que fizesse sentido.

Espero que curtam! xD

Boa leitura!



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Sabe, quando eu ainda morava no Rio e estava namorando com o David, eu cheguei na casa dele um dia, de surpresa. Eu sabia que ele tinha chegado cedo do trabalho e que escondia a chave reserva dele por trás do extintor de incêndio, no corredor do andar abaixo — eu sei que parece um lugar estranho, mas particularmente, eu achava aquilo genial.

Naquela época, nós já estávamos namorando há algum tempo, mais de um ano, e ele tinha acabado de se formar. Ele já morava sozinho, na Zona Sul, desde antes de começarmos a sair, e eu estava morando no apartamento que meus pais pagavam para mim, na Tijuca. Era perto e a gente se via bastante. Às vezes, ele passava uma semana inteira na minha casa, e às vezes eu passava na dele.

Era tudo muito legal, mas dava trabalho ter todas as suas coisas divididas entre pontos diferentes da cidade. Viver em dois lugares ao mesmo tempo não era exatamente simples.

Eu entrei sorrateira pela porta da sala e não vi nada. O apartamento dele era muito legal. A duas quadras da praia e a duas da Lagoa, pertinho do metrô. Era um lugar muito legal que, obviamente, a família dele o ajudava a bancar. Mesmo ganhando bem, ele era recém-formado. Eu amava aquele apartamento quase tanto quanto o amava. E olha que isso queria dizer muita coisa.

David estava saindo do banho e eu fiquei mais tranquila, sabendo que ele provavelmente não iria me escutar. Estava querendo lhe dar um susto, daqueles que mereciam ser filmados e rodar o mundo no Youtube em poucas horas. Olhei para o lado e procurei algo que fizesse um barulho bem alto. Entrei na cozinha e peguei a maior panela com tampa que encontrei, tentando não rir enquanto imaginava o pulo que ele daria quando eu começasse a bater panela atrás dele.

Fui chegando perto do banheiro do quarto, e então ouvi sua voz.

— Sabe, acho que precisamos conversar – dizia.

Eu congelei no meio do caminho, prendi até a respiração. Quem será que estava com ele dentro do banheiro, quando ele estava saindo do banho? Por favor, que não seja outra mulher, eu me peguei pensando, apenas para perceber que talvez fosse ainda pior se uma voz masculina respondesse. O estranho foi que ninguém respondeu, e eu não sabia o que fazer.

Fui chegando, encolhida do lado da parede, ao lado da porta do banheiro, que estava aberta por uma fresta. Tentei espiar, mas não vi nada além do vapor. Aparentemente não tinha mais ninguém ali com ele.

— Você sabe que você ama a Sampa, não sabe? – Ouvi sua voz dizendo.

Respirei aliviada, um pouco comovida, até. Gostei do que estava ouvindo e desisti da ideia do susto. Não resisti à tentação de ficar parada ali, ouvindo o meu namorado falar sozinho sobre mim.

— Você sabe que ela te ama de volta.

Convencido, não consegui resistir ao pensamento.

— Vocês dois se dão muito bem, e ela está quase se formando. Se você não fizer alguma coisa, vai perder essa garota quando ela se formar e decidir voltar para São Paulo. – Ele parou, e eu fiquei esperando ele continuar, com o coração na mão.

– Você precisa fazer alguma coisa, parceiro. Precisa dar um jeito de provar que ela não precisa voltar para lá. Que você pode fazê-la feliz aqui. Foda-se o direito. Foda-se o escritório do pai dela. Foda-se o dinheiro da família dela. A sua família também tem dinheiro. Ela pode ficar com você e fazer o que ela quiser. Trabalhar com o Dan de graça...

Meu coração estava batendo a mil por hora e eu não sabia o que pensar ou fazer.

— Então é isso – ele disse, em tom final, sem especificar direito o que era o “isso”. – É isso que você tem que fazer. Decidido? – ele perguntou a si mesmo, antes de responder. – Decidido.

Levei alguns segundos para entender que aquela conversa estranha tinha acabado. Eu não tinha a menor condição de ficar ali esperando ele sair do banheiro e perceber que eu ouvira a coisa toda. Corri para fora do quarto e do apartamento antes que ele pudesse me ver. Estava com tanta pressa que levei até a panela comigo.

Naquela noite, ele me ligou e eu atendi, fingindo que nada tinha acontecido. Me convidou para sair, passou para me buscar de carro e não disse para onde estávamos indo. Paramos em um restaurante de um clube, do qual a família dele era associada, na beira da lagoa. Ele tinha reservado uma mesa privada. Sem sombra de dúvida, era uma ocasião especial.

— Olha, precisamos conversar – ele começou.

Juro que fiquei com medo de ele me pedir em casamento, mas ele não era louco assim, apesar de falar sozinho. Sabia que eu era muito nova e que se casar era algo muito além daquilo que eu estava preparada para fazer. Daquilo que nós dois estávamos preparados para fazer, na verdade. Mas, no final das contas, ele me fez uma linda declaração de amor e me pediu para ir morar com ele.

Fiquei surpresa, de verdade, pois esperava ter de recusar uma aliança, mas nada disse, deixando ele pensar que o pedido era algo para que eu não estava preparada. Ele disse que entenderia se eu preferisse pensar um pouco, se precisasse de um pouco de tempo e de espaço.

Coitado, o pobre estava suando, e o ar condicionado estava bem forte lá dentro.

Lembro de começar a rir alto no meio do restaurante. Lembro do susto no rosto dele. Melhor do que qualquer panelaço que eu pudesse ter feito. E então eu disse que aceitava, e que queria me mudar ainda naquela semana.

Só lhe contei o que acontecera de verdade naquele dia alguns meses depois, quando não me contive em perguntar se ele considerava aquele tipo de coisa normal. Como sempre, David tinha uma visão um tanto quanto peculiar das coisas.

— Sabe, quando uma pessoa diz para a outra “precisamos conversar”, todo mundo sempre acha que é algo ruim. Parece que isso virou o código internacional para “eu tenho más notícias”. Eu não consigo entender por quê. Acho que “precisamos conversar” é algo ótimo.

— Jura? Como assim? – eu perguntei, sem entender.

— Ora, isso significa que a pessoa quer conversar, quer discutir, debater. Significa que ela quer trocar ideias. Significa que quer construir alguma coisa junto, entende? Afinal, é isso que significa conversar.

— Sim, mas é isso que as pessoas dizem quando querem terminar um namoro, por exemplo.

— Mas isso não é conversar, entende? A decisão de terminar um namoro não é conversa. É uma decisão pessoal, que você informa a outra pessoa. Muito mais uma notícia do que uma conversa.

Eu lembro que achei estranhíssima a ideia. Será que era isso mesmo? Será que para terminar uma relação era só dizer “acabou”? Acho que a minha confusão ficou estampada na minha cara, pois ele continuou a se explicar.

— Claro que você, depois de dar a notícia, tenta se explicar e tudo o mais, mas isso não é exatamente uma troca, entende? Uma conversa é algo diferente. Adoro quando nós conversamos, assim como estamos agora. A gente passa a entender mais um do outro. Não acha?

— É... Pode ser.

— Então. Se você pensar assim, como eu vejo a coisa toda, quando alguém fala “precisamos conversar”, isso é um convite para dentro de si mesmo. Para compartilhar algo de mim, além de um pedido para que você compartilhe algo de você. Para mim, dependendo da situação, dizer que “precisamos conversar” é quase uma declaração de amor.

Devo confessar que às vezes eu não entendia o David, mas sempre adorei o jeito que ele tinha de pensar algumas coisas. Mais do que isso, o jeito com que ele incorporava e vivia tudo aquilo que ele pensava. Para ele, aquilo era natural. Não importava o que as outras pessoas pensavam. Ele gostava de gravar recados na secretária eletrônica — não pergunta, eu não sei explicar —, e dizia “precisamos conversar” quase como um sinônimo para “eu te amo”. Problema de quem não entendesse.

Lembro-me de ter rido bastante depois que ele falou aquilo.

—O que foi? – ele perguntou, sem entender.

— Ora, quer dizer que quando você se olhou no espelho aquele dia e disse “precisamos conversar”, você estava praticamente falando “eu me amo”.

Ele deu uma boa gargalhada, sonora.

—Não é bem isso, mas se eu não me amar, quem vai?

— Eu, bobinho...


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam? Conheceram o David? O que acharam dele? E dessa "teoria" dele? hahahah

Bom, espero vocês nos comentários!

Até semana que vem! xD



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