Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 9
Capítulo 8




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A sexta-feira chegou mais rápido do que eu queria. Uma hora eu estava lá, correndo para longe de Hayden e Darren, com medo de pensar no que poderia acontecer assim que eu saísse, e me preocupando com o fato de ter sido enganada minha vida inteira e, ah sim, por eu ser, por acaso, uma feiticeira. E no dia seguinte, como se nada disso tivesse acontecido, minha missão mais urgente era escolher uma roupa para o jantar com Henrique.

Podia não ser o encontro do ano, afinal ele só me convencera por chantagem, mas isso não significava que eu podia aparecer de pijamas no palácio. Por isso, dei uma revirada no meu guarda-roupa. Não tinha muita coisa própria para a ocasião.

–Mãe? – chamei do alto da escada. Ela inclinou a cabeça para trás para me ver de onde estava sentada, lendo uma história para Alex.

–Sim, querida?

–Pode me ajudar a escolher uma roupa? – pedi meio sem graça.

Mamãe sorriu, se divertindo.

–Tem um encontro? – perguntou levemente surpresa.

–Mãe... – resmunguei.

Ela riu e deixou Alex lendo sozinho. Subiu até meu quarto e deu uma boa olhada na bagunça que eu tinha feito.

–Bem, quem é o sortudo? – perguntou ainda sorrindo. Essa era a parte delicada.

–Ah... Ninguém importante, só... Henrique – murmurei enrolando um cachecol em minhas mãos.

–Henrique, uma pessoa qualquer, ou Henrique, o Príncipe? – seu tom era um pouco mais urgente.

–Acho que a segunda opção.

Ela suspirou.

–Achei que tivesse terminado com ele – disse com um tom reprovador.

–Sim, mas ele... Não aceitou muito bem. Enfim, acabamos marcando de jantar no castelo. Preciso de algo confortável.

–E elegante – ela completou.

–E que me proteja do frio. – Franzi a testa. – Talvez uma armadura.

Mamãe revirou os olhos e tentou sorrir, mas eu sabia que não gostava da ideia de Henrique e eu voltando a... Alguma coisa. Quer dizer, nós nunca namoramos, não de verdade, mas...

Bem, era complicado.

Então ela me levou para seu quarto, para revirar as suas roupas em busca de um vestido que não usava há muito tempo. Quando finalmente o encontrou, eu perdi o fôlego. Era perfeito. Completamente preto, de veludo, com mangas longas, e tinha um corte perfeito para mim. O comprimento era até o meio da coxa, mas eu usaria com uma calça cinza bem justa e, claro, minhas botas pretas.

Eu estava agradecendo a mamãe pela ajuda quando ouvimos uma batida na porta.

–Quem pode ser? – ela se perguntou enquanto descia as escadas.

Não me importei em saber quem era, e separei a roupa que usaria mais tarde em cima da cama. Liguei o aquecedor, tremendo de frio mesmo em casa, e peguei um livro para ler enquanto esperava o almoço.

–Alice! – mamãe gritou lá de baixo. – Querem falar com você.

Deixei o livro em cima da cama com uma pontada de irritação. Se fosse Hayden, ela iria ouvir algumas verdades. Não estava com o humor muito bom naquela manhã; não era difícil adivinhar por que.

–Quem... – comecei a perguntar no alto da escada, então paralisei. Alguma coisa me atingiu com tanta força que quase me tirou o fôlego. Não foi nenhum objeto físico; pelo contrário. O impacto foi diretamente na minha consciência. A sensação foi como se eu estivesse dentro de um lugar aquecido, e de repente saísse para uma nevasca. Imediatamente me fez ficar na defensiva.

Desci cautelosamente as escadas, tentando isolar a parte da minha mente que dizia que algo estava muito errado. Então cheguei à sala, e o vi.

–Querida, você o conhece? – minha mãe perguntou se virando para me olhar.

Mas eu não prestava atenção nela.

Havia um estranho na porta; digo estranho porque eu nunca havia o visto em toda minha vida. Mas se o problema fosse somente esse, seria simples demais. O que me deixava assustada era que nada na sua aparência denunciava o desconforto que ele estava me causando. O sorrisinho amigável, as bochechas rosadas, os olhos verdes felinos, o cabelo ruivo escapando por baixo de um gorro marrom de lã; ele era a imagem da inocência.

Se não fosse pelo fato de que era quase insuportável estar na mesma sala que ele.

–Não – respondi seca. – Quem é ele?

O estranho sorriu, parecendo ainda mais angelical. Reprimi um calafrio.

Ele se chama Bryan. Bryan Redtorn. – Uma mão foi estendida em minha direção. Recuei como se ele tivesse me apontado uma faca. – É um prazer finalmente conhecê-la, Srta. Luminatte.

Apertei os olhos.

–Finalmente? O que quer dizer?

–Bem, Darren certamente pensa muito em você... – um vislumbre de humor passou pelos seus olhos. – Estive louco para conhecê-la durante todo esse tempo.

Todo esse tempo? Ele se referia aos poucos dias que Darren estava aqui?

Olhei para sua mão ainda estendida, e então para mamãe nos observando com curiosidade. Respirei fundo e resolvi ceder à brincadeira. Peguei sua mão, e imediatamente me arrependi. Seus dedos eram frios, mas quase me queimaram.

–De onde você veio, Sr. Redtorn? – mamãe perguntou educada. Ele nem hesitou.

–Longe. De muito longe. – Um sorriso significativo apareceu em seus lábios. – Eu costumava viajar com Darren... Procurando pessoas em outros lugares, mas é claro que não encontramos. – Seus olhos passaram para mim como se compartilhássemos um segredo em comum. – Darren partiu algumas semanas atrás para se estabelecer aqui então, e de início não quis o seguir, mas bem, eu estava sozinho mesmo. Encontrei o caminho e vim.

–Já falou com ele desde que chegou aqui?

–Sim, assim fiquei sabendo da Srta. Luminatte. – Ele distorceu meu sobrenome como se fosse uma piada.

–Bem, Sr. Redtorn, fique a vontade... – mamãe começou a convidá-lo para entrar, mas a interrompi.

–Na verdade, podemos conversar lá fora? Está um tempo tão bom.

Bryan olhou para trás, para a neve caindo lentamente, como se fosse uma verdadeira tempestade.

–Chama isso de tempo bom? – perguntou baixinho.

–Já volto, mãe – disse ao mesmo tempo em que pegava o casaco atrás da porta e saía com Bryan. Fechei a porta atrás de nós e continuei andando.

–Está fugindo ou quer que eu a siga? – ouvi Bryan perguntar atrás de mim. Parei bem no meio da rua e me voltei para encará-lo.

Quem, realmente, é você? – perguntei intrigada. – Se é amigo de Darren como diz, por que ele nunca me falou sobre você? De onde você é?

–Calma, garota – ele riu. – Um interrogatório não vai lhe dar as respostas que procura. Tenha calma, e descobrirá algumas verdades. Na hora certa.

Cruzei os braços com força, quase batendo os dentes. O casaco era fino demais, e estávamos parados bem no meio da neve. Eu queria atravessar a rua e ir para casa, me trancar lá e torcer para que ele tivesse sido minha imaginação, mas não iria chegar nem um centímetro mais perto daquele estranho.

–Quem é você? – perguntei pela última vez.

–Apenas um feiticeiro que você provavelmente não gostaria de conhecer. – O sorriso ficou mais genuíno, apesar de mais sombrio. – Pensou que você e Darren estavam sozinhos? Da mesma forma que pensou estar presa na única cidade com vida de todo o mundo? O problema com vocês, habitantes desta terra congelada, é que não têm um pingo de imaginação.

Eu não sabia se estava mais surpresa ou assustada com suas palavras. Ele não falava como se estivesse com raiva, mas seus olhos pareciam ficar mais injetados a cada palavra. Bryan então olhou para mim, e sorriu novamente, piscando um olho.

–Quer saber um segredo? – ele se inclinou na minha direção. – Darren não sabe que estou aqui. Claro que, se soubesse, tentaria me expulsar o mais rápido possível, mas quem se importa? Aparecer sem ser convidado é algo como minha especialidade.

–Acho que você deveria ir embora.

–Alice... – o sorriso desapareceu, e ele fingiu estar magoado. – Alice Luminatte, está me expulsando da frente da sua casa... Ou da cidade?

–Dos dois lugares – respondi com os dentes trincados. – E pare de pronunciar meu nome desta forma.

–Ah, me perdoe, eu não consigo resistir – Bryan riu. – Você é a última da sua família com um poder tão... Elevado. – Então começou a se aproximar de mim. Recuei até que tropecei na calçada atrás dos meus pés, e caí sentada na neve. Mas não me importei com a humilhação; ele ainda estava vindo em minha direção. – Seu sobrenome certamente significa mais para pessoas com o nosso poder do que para meros mortais.

–Minha família? – franzi a testa. – Mamãe não é feiticeira.

–Com certeza não. – Ele balançou a cabeça.

–E meu pai também... – parei de falar imediatamente, como se tivessem sugado todo o ar dos meus pulmões. Encarei Bryan através da neve caindo, vi o sorriso malicioso que ele escondia e entendi. Pela primeira vez, entendi.

–Já descobriu? – ele perguntou lentamente. Eu assenti, desanimada.

–Meu pai me deu esta herança – sussurrei. – Ele era um feiticeiro.

–Um dos melhores, se me permite dizer. – Bryan começou a andar ao meu redor, como se me avaliasse. – Seu pai, Trevor Luminatte, planejava sair daqui para se encontrar com os feiticeiros do mundo lá fora, e criar uma nova ordem para o nosso povo. Infelizmente, houve alguns... Obstáculos, por assim dizer, e ele acabou...

–Morto – completei sem emoção.

–Morto em batalha, uma forma muito honrada de partir – ele corrigiu.

Não conseguia pensar, nem me concentrar na história que ele contava. Tudo parecia ter sido vivido por outra pessoa. Não era o meu pai que tinha morrido quando eu tinha apenas cinco anos, e não era eu que tinha poderes sobrenaturais, e não era eu que estava falando com aquele garoto estranho que me deixava com uma sensação de mal-estar terrível. Cobri o rosto com as mãos, tentando me situar.

Mamãe nunca tinha mencionado a morte dele. Naquela noite ele tinha acabado de me colocar para dormir, e disse que ia sair por uma ou duas horas para resolver umas coisas. No outro dia, encontrei mamãe chorando na cozinha, e foi quando ela me deu a notícia. Eu era nova demais para me lembrar da minha reação, e meio que bloqueava essa memória. Mas nunca havia sido explicado para mim exatamente como ele tinha morrido.

E, bem, eu também nunca quis saber.

Naquele momento muitas coisas se encaixaram na minha cabeça.

–Ele queria me proteger – sussurrei quase para mim mesma. – Meu pai, ele sabia que eu teria... Magia.

–Faz sentido – Bryan deu de ombros. – Se o rei soubesse da sua herança, você estaria morta em um estalar de dedos.

–Ele sabia do meu pai? Por isso ele morreu?

–A morte dele... Foi mais complicada que isso. Digamos que uma tentativa de fuga com magia não foi a melhor ideia. Mas deixando isso de lado por um momento, preciso lhe pedir uma coisa.

Quase soltei uma gargalhada.

–Pedir a mim? E o que seria? Você veio até a minha cidade, jogou a verdade sobre a morte do meu pai na minha cara como se não fosse nada, diz que é amigo de Darren quando ele nem sabe que está aqui, e eu ainda tenho essa sensação horrível com você por perto... – reprimi um calafrio. – Afinal, o que você quer, Bryan?

–Sim, Bryan. – Ouvimos uma voz furiosa vinda de longe, e olhamos para o ponto onde a rua começava. Darren estava parado na neve, usando apenas uma camisa preta fina de mangas longas, e sem mais proteção contra o frio. Imaginei que estivesse congelando, mas desconfiei. Ele arfava como se tivesse corrido o caminho todo desde a casa do lago até aqui, e havia um brilho feroz em seus olhos... Pela primeira vez, complemente negros. – O que você quer? E o que veio fazer aqui? – Ele começou a andar na nossa direção, pisando forte na neve. – Se me lembro bem, da última vez que nos encontramos eu deixei bem claro que não queria ouvir falar de você novamente.

–Você me conhece, D. Adoro surpresas. – Bryan sorria sem humor.

–Deixe Alice em paz.

–Sabe, eu não entendi o que você pretende aqui. Nem ao menos contou a verdade a ela... – ele piscou para mim, e eu me encolhi.

–Ela vai saber de tudo na hora certa...

Olhei para Darren arregalando os olhos.

–Há mais para saber? – perguntei.

–Minha querida, há um mundo inteiro lá fora, esperando para ser descoberto por você e seus poderes ilimitados. – Bryan se abaixou ao meu lado para aproximar seu rosto do meu. – Por que não se junta a mim? Prometo não esconder absolutamente nada, e lhe contar a verdade, seja ela desagradável ou não.

–Com certeza, a verdade que você mesmo inventou. – Darren se colocou entre nós e pegou Bryan pelo braço, o afastando de mim. – Eu já disse, Bryan. Isso é entre você e eu. Deixe Alice em paz!

Então Darren empurrou Bryan. Pensei que ele ia apenas cair no chão, como eu, ou até mesmo apenas escorregar um pouco. Em vez disso, ele saiu voando até bater na velha árvore sem folhas... No fim da rua.

Rapidamente me levantei, com medo de ter presenciado um verdadeiro assassinato, e comecei a correr na direção do corpo de Bryan para ver se ele estava se mexendo... Mas fui lentamente parando ao perceber que ele tinha desaparecido.

Arfando, me voltei para Darren. Ele estava sentado no lugar onde eu estava caída há segundos atrás, na beira da calçada, parecendo desolado. Olhei ao redor, certa de que veria Bryan pular de algum esconderijo e me assustar, mas me acalmei quando vi que tudo estava normal. Caminhei até Darren e afundei na neve ao seu lado.

–Então – sussurrei. – Longa história?

Ele riu, meio sem querer, mas me senti melhor.

–Ainda bem que já está sentada.


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Notas finais do capítulo

Obrigada pelos comentários e passem lá nas minhas outras histórias, deem uma olhada, quem sabe vocês gostam. Até a próxima!



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