Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 10
Capítulo 9




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/637582/chapter/10

Infelizmente, mesmo com todos os acontecimentos recentes, eu ainda não podia faltar ao encontro com Henrique. Por isso, seis horas comecei a me arrumar, mas estava com a cabeça tão longe que mal me dava conta do que estava fazendo. Darren havia me explicado o básico: Bryan era um feiticeiro muito poderoso, que já fora seu melhor amigo um dia, antes de ficar embriagado pelo poder. Seu único objetivo na vida era simples: colocar os feiticeiros no topo do mundo, já que, aparentemente, poucos humanos lá fora sabiam da existência da magia. Ou a aceitavam. Então, para alguns, Bryan era um herói; para muitos outros, ele era um louco que arriscava expor seu maior segredo, e acabar com a paz.

Parecia que apenas um dos lados poderia vencer.

Darren não quis dizer mais, e eu fiquei chateada com isso. Quer dizer, eu havia acabado de descobrir uma parte de mim que se manteve escondida por dezessete anos; merecia ao menos saber o que realmente estava acontecendo.

Ele estava me escondendo alguma coisa. Alguma parte importante. Mas o quê?

Tive que adiar essas perguntas até depois do jantar. Minha cabeça já estaria cheia o bastante enquanto eu tentasse não dar uma resposta sarcástica para Henrique a cada vez que ele avançasse um passo. Eu só esperava que o rei não estivesse por perto; seria difícil me segurar.

Quando o relógio da cidade marcava sete e meia, eu estava parada na porta do castelo. Não sei se Henrique estava espiando pela janela, me esperando chegar, só sei que a porta se abriu praticamente sozinha assim que eu estava prestes a bater. Bem, era um castelo enorme, e alguém com certeza ficava de olho em quem chegava ou saía.

Um homem de uniforme preto me recebeu no salão principal, pegou meu casaco e me guiou até outra sala.

Eu já tinha estado no castelo antes, para festas e eventos da cidade. O salão principal era um cômodo enorme, com altas janelas de vidro que quase chegavam ao teto inclinado. O chão era de madeira escura, lisa e brilhante. Ele já tinha sido usado para muitos bailes, inclusive aqueles oferecidos em homenagem à princesa Lilly.

Enquanto eu caminhava, seguindo Lawrence, o homem de uniforme, uma figura apareceu na grande porta que ligava o salão principal à cozinha do castelo. Lily, vestida de lilás e rosa, com um vestido esvoaçante e extremamente volumoso, e uma pequena coroa de prata presa nos cabelos louros. Ela segurava uma caneca branca, de porcelana, com algo extremamente quente dentro. Só o que eu via era camadas e mais camadas de fumaça.

Quando me enxergou, arqueou uma sobrancelha com interesse.

–Srta. Luminatte, que surpresa encontrá-la por aqui. De novo. – Seu tom era apenas um pouco mais sarcástico do que o aceitável. Suspirei desanimada.

–Lilian. Pensei que haveria algo mais interessante para uma princesa fazer a essa hora da noite, algo que não fosse tomar chocolate quente. Sozinha.

Ela me fuzilou com os olhos verdes gelados, e eu encarei de volta. Por fim, acabei vencendo, e ela deu de ombros com delicadeza e sumiu pelos corredores.

–Senhorita, o príncipe a espera na sala de jantar. – Lawrence gesticulou para uma porta fechada do outro lado do salão. Caminhei até onde ele estava, sentindo meu estômago revirar de ansiedade. Ele abriu a porta para mim e anunciou meu nome, em seguida me deixou passar.

Henrique estava sentado na cabeceira de uma longa mesa. Usava um casaco vinho, de um corte perfeito, por cima de uma camisa preta. Seu cabelo loiro estava meio despenteado, caído sobre um dos olhos, e ele bebia algo em uma taça dourada. Quando encontrou meu olhar, ele sorriu.

–Alice – me cumprimentou.

Lawrence fechou a porta atrás de mim, e eu engoli em seco.

–Henrique – sussurrei.

–Você está tremendo? Venha, sente-se. – Ele se levantou e puxou uma cadeira ao seu lado. Hesitei e caminhei insegura na sua direção, mas não me sentei.

–Não podemos só... Acabar logo com isso? – perguntei baixinho. – Nós dois sabemos que eu não estou aqui só para jantar.

Ele riu e pegou minha mão.

–Você fala como se eu fosse um monstro... Obrigando-lhe a fazer algo que detesta. – Ele segurou meu queixo gentilmente, virando meu rosto na sua direção. – Alice... Seja honesta consigo mesma. Por que está aqui?

–Para proteger o segredo de Darren – respondi prontamente.

–E o que mais?

Nada mais. – Empurrei sua mão de lado e desviei o olhar. – Pare de falar como se houvesse algo entre nós... Porque nunca houve.

Ele ficou em silêncio por um momento, mas senti o clima ficando pesado, como se tudo pudesse explodir a qualquer segundo. Percebi que a mesa estava vazia, sem o jantar, confirmando minhas suspeitas. Eu revirei os olhos e me sentei sobre a mesa, apoiando as botas na cadeira onde ele estava sentado há um minuto.

–Você não me quer – disse de uma vez. – O que você mais preza nesse mundo é o seu orgulho, e mesmo que já tenha ficado comigo uma vez, o seu trabalho não está completo até que meu coração esteja quebrado, e eu seja mais uma das suas vitórias, e não sua primeira e única derrota. Estou errada?

Fixei meu olhar no seu rosto magoado, e por meio segundo quase acreditei na sua expressão. Quase.

–Estou? – insisti.

–Por que é tão difícil acreditar que eu realmente goste de você? – ele apertou os olhos, perdendo sua máscara sarcástica e maliciosa.

–Suas ações me levaram a acreditar que você nunca gostaria de ninguém. Não de verdade.

Nos encaramos por um minuto inteiro sem dizer nada. Seus olhos faiscavam, intensos, naquele cômodo à luz de velas. De repente ele sorriu, sem humor, mas como se tivesse pensado em algo interessante.

–Então deixe minhas próximas ações lhe provarem o contrário.

Henrique então me puxou, me tirando de cima da mesa, até que eu caísse de pé, meio desequilibrada. Mas ele me segurou, e antes que eu pudesse recuar, seus lábios estavam sobre os meus. Eu queria empurrá-lo, mas sabia que era inevitável. Para proteger Darren, disse a mim mesma, mas na verdade eu estava curiosa, e uma pequena parte de mim queria muito acreditar nele.

Então fechei os olhos e tentei prosseguir com aquilo até onde eu pudesse.

×××

No sábado de manhã, minha mãe me esperava na cozinha com uma xícara de café e muitas, muitas perguntas. E alguns avisos também.

–Namorar com o príncipe pode parecer maravilhoso, mas existem muitas responsabilidades, e a reputação dos dois estaria em jogo...

–Mãe – interrompi. – Não estamos namorando. Foi apenas uma noite, e eu espero que nunca mais se repita – sussurrei dando outro gole no café.

–Eu também espero, querida... – ela se levantou e deu um beijo na minha testa. – O problema é que você sempre diz isso quando de trata de Henrique.

Depois disso ela foi para a sala tomar conta de Alex enquanto ele brincava, me deixando a sós com meus próprios pensamentos conturbados. A última coisa que eu queria era me lembrar da noite passada, então tratei de pensar em outros problemas. Decidi que não estava mais com raiva de Hayden, e iria vê-la.

Troquei de roupa, colocando algo mais quente, já que a neve tinha aumentado consideravelmente. O tempo estava horrível. Quase precisei me arrastar para chegar até a loja, e a porta ainda estava emperrada. Quando finalmente consegui entrar, encontrei Darren e Hayden, a centímetros de distância, conversando baixo. Darren levantou o olhar quando me viu, e pareceu apenas um pouco surpreso.

–Alice – ele sorriu. – Como você está?

–Bem, obrigada. – Caminhei até a mesa onde eles estavam sentados e peguei uma cadeira para mim. Hayden me fuzilou com os olhos, mas não me importei. – Estou interrompendo alguma coisa?

–De forma alguma – Darren respondeu. – Como foi a sua noite?

Hesitei, e Hayden percebeu. Ela apertou os olhos como se soubesse que algo estava errado, o que não seria surpresa, mas eu apenas assenti, meio sem jeito.

–Foi... Interessante. Então, alguma novidade?

–Darren estava me contando sobre o mundo lá fora. Tantas ruínas, cidades despedaçadas, certo? – Hayden sorria delicadamente.

Balancei a cabeça para Darren, para que ele soubesse que eu não aprovava suas mentiras para minha melhor amiga. Ele apenas deu de ombros. Os dois continuaram a conversa, falando sobre os povos que um dia existiram, mas eu estava com o pensamento em outro lugar. Olhei pensativa pela janela, com o queixo apoiado na mão.

–Alice, o que fez ontem a noite?

–O quê? – encontrei o olhar desconfiado de Hayden. Meu coração acelerou. – Nada. Eu só... Fiquei em casa. E... Li um pouco.

–Você é uma péssima mentirosa – ela riu. – Por que não pode nos contar?

Pelo canto do olho, sem poder evitar, olhei para Darren. Ele me observava curioso.

–Eu só... Não posso – suspirei, derrotada. Meu rosto estava quente. Encontrei o olhar de Darren novamente e me senti de alguma forma culpada. – Tenho que ir, desculpe.

Levantei rápido demais, esbarrando em algumas cadeiras no caminho, e algo caiu do meu casaco. Era o mesmo que eu tinha usado ontem, no castelo. Uma carta, cuidadosamente dobrada, havia caído do bolso. Não me lembrava de ter visto algo assim quando cheguei em casa e tirei o casaco, mas lá estava ela, no chão da loja.

Um momento de hesitação geral, e em seguida eu estava correndo para pegar a carta antes de Hayden. Meu desespero era paralisante. E se Henrique tivesse colocado aquilo no meu casaco em segredo? Por que ele faria algo assim, e o que estaria escrito?!

Não fui rápida o bastante. Hayden tinha o papel nas mãos, e corria para a parte de trás da loja. Ela fechou a porta e trancou com a chave, enquanto eu fiquei parada, sem saber o que fazer, gritando para que ela me devolvesse a carta.

Acho que era tarde demais.

–Alice – ouvi Darren me chamar. Virei para encará-lo, derrotada. Seus olhos estavam um pouco mais escuros, e ele tinha cruzado os braços. – O que aconteceu ontem a noite?

Senti um aperto no coração por não poder contar a ele, e meus olhos arderam.

–É complicado – tentei explicar. – Mas eu não posso...

Antes que eu pudesse terminar, Hayden abriu a porta. Sua expressão era um misto de surpresa e nojo.

–Não acredito que fez isso – sussurrou olhando em meus olhos, então me entregou a carta. – Tome. Não quero ficar com suas lembranças sujas.

–O que está acontecendo? – Darren estava impaciente.

–Pergunte a ela, e esteja preparado caso ela resolva dizer a verdade – Hayden passou por nós, pegou a bolsa e virou apenas mais uma vez para me olhar. – Honestamente, Alice, pensei que você fosse melhor do que isso.

Então ela saiu.

Olhei para a carta em minhas mãos, morrendo de curiosidade para ver o que estava escrito, mas acabei guardando de volta no bolso e respirei fundo para encarar Darren. Ele ainda parecia um pouco furioso.

–Tem algo a ver com Bryan? – perguntou por fim.

–O quê? Não! – balancei a cabeça.

–Então me diga o que é! – ele se aproximou e colocou as mãos nos meus ombros. – O que pode ser tão ruim assim? Você não explodiu nada, não é?

Eu ri, não consegui evitar.

–Não tem nada a ver com magia. Não muito, pelo menos. É... Algo... Literalmente mais físico.

Ele precisou de alguns minutos para compreender. Sua expressão mudou. Seus olhos ficaram meio acinzentados, como em dias de chuva.

–Henrique? – perguntou simplesmente.

Não sabia o que dizer, então apenas assenti, envergonhada. Ele deixou suas mãos caírem, e apenas me fitou, como se não soubesse o que fazer com aquela informação.

–Bem, você poderia ter dito que ainda gostava dele... – sussurrou por fim.

Arregalei os olhos.

–Não! Não é nada disso que você está pensando... – hesitei, sem saber se poderia dizer algo sobre a chantagem. – Eu não gosto dele, não mesmo. É só que... Como eu disse, é...

–Complicado – ele terminou por mim. – Então você... Passou a noite com ele sem sentir nada? Isso deveria soar mais certo?

–Nada disso está certo – concordei. – Mas esse motivo... Não posso dizer, pelo menos não ainda. Desculpe, Darren... – meus olhos arderam novamente, e eu me aproximei dele. – Eu não sinto absolutamente nada por ele. Você só precisa saber disso.

Ele hesitou, como se fosse dizer algo, mas então pensou melhor e balançou a cabeça. Um momento de silêncio desconfortável se passou, e eu desviei o olhar para minhas mãos.

–Aonde Hayden foi? – perguntei por fim.

–Provavelmente ver Leonard – ele respondeu. – E eu tenho que ir também.

–Darren...

–Existem outros problemas além da sua relação complicada com o príncipe, Alice. – Ele pegou o casaco de cima da mesa e caminhou para a porta, sem me olhar. – Bryan ainda está na cidade. Tenho que mandá-lo para longe.

–Eu posso ajudar...

–Não.

Darren parou na porta, suspirou uma vez e se virou.

–Desculpe, é perigoso – foi só o que ele disse. Então saiu da loja, me deixando sozinha com minha própria vergonha.

×××

A ridícula carta de Henrique só dizia que ele não desistiria de mim. Apenas isso. Hayden provavelmente tinha adivinhado o resto, e eu me senti ridícula por não ter tido força suficiente para negar. Mas, no final, contar a verdade era sempre a saída certa, mesmo que as conseqüências fossem desagradáveis.

Qual era o problema com ele?, eu pensava furiosamente enquanto andava pela cidade, chutando terra e neve pelo caminho. Darren não tinha direito de ficar com raiva de mim por uma coisa dessas. Era a minha vida pessoal, não a dele, certo? Então decidi que não ia ficar deprimida por isso. Se ainda quisesse ser meu amigo, ele que desse o primeiro passo.

Dei umas voltas pelas ruas, mas acabei voltando para casa. Não tinha nada interessante acontecendo, como sempre. Alex me recebeu com uma bola de neve na cara. Ele e Hudson estavam fazendo uma pequena guerra na frente de casa. Revidei com outra bola de neve, mas desisti quando os dois se voltaram contra mim. Levantei as mãos em sinal de paz.

–Desisto! – anunciei. – Onde está mamãe?

–No castelo – Alex respondeu.

–Alguma reunião de última hora com o rei – Hudson disse, ofegante, com as mãos nos joelhos. Alex tinha pegado pesado com ele. Eu ri.

–Pode voltar para casa, Hudson. Obrigada por tomar conta de Alex. De novo.

–Sempre que precisarem – ele resmungou de volta com um aceno, mas parecia realmente cansado, e voltou para a casa na frente da nossa praticamente se arrastando. Quando a porta bateu, eu e Alex estávamos chorando de tanto rir.

–Onde você passou a noite, Alice? – meu irmãozinho perguntou preocupado. Fiz uma careta.

–Na casa de Hayden – menti, afinal, ele era novo demais para entender essas coisas. – Então, quer almoçar fora?

–Sim! – ele gritou pulando.

–Então pegue seu casaco. Você tem exatamente vinte segundos.

Assim que comecei a contagem, Alex disparou para dentro de casa, voltando em quinze segundos com um casaco colocado ao avesso, um gorro de lã roxo cobrindo os olhos e com os sapatos desamarrados. Ele tropeçou nos cadarços e quase caiu de cara na neve, mas eu o segurei, rindo alto. Amarrei seus sapatos com cuidado, e apostamos corrida até o restaurante mais próximo.

Dois minutos depois, desistimos de correr.

O restaurante mais popular da cidade era o Royal Kitchen, conhecido apenas como RK. Era um alojamento enorme, que ficava lotado na hora do almoço e jantar, gerenciado pela família de Lewis Norton. Mas, é claro, quem mais lucrava com o sucesso de lá era o rei.

Encontramos uma mesa vaga e pedimos apenas um prato, para dividir. Alex começou a tagarelar sobre estar ansioso para que as aulas voltassem logo, porque queria ver seus amigos, e eu disse a ele que poderia ver seus amigos quando quisesse, já que eles moravam a duas ruas de distância. E continuamos tendo esta complexa discussão até que outra pessoa entrasse no RK, e destruísse nosso almoço.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Terra da Neve" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.