Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 7
Capítulo 6




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A princípio pensei que era Hayden que havia mudado de ideia e me seguido. Eu não havia mesmo entendido porque ela quisera ficar com Darren, mas isso não me perturbava a ponto de ficar pensando muito tempo no assunto. Mas logo percebi que não era o cavalo branco dela, e sim outro negro como a noite; por isso não o havia notado logo. A segunda coisa que descobri foi que a pessoa montada nele era grande demais para ser uma mulher.

Foi por aí que eu comecei a realmente me preocupar.

Aumentei sutilmente a velocidade em que eu e Joe estávamos correndo e continuei olhando para trás com ansiedade. A pessoa estava se aproximando. Meu coração pulou.

–Quem está aí? – tentei soar ameaçadora, mas minha voz tremeu.

Uma risada grave ecoou pela floresta. Leo?, pensei e apertei os olhos. Não. Ele não se daria ao trabalho de me seguir, me detestava demais para isso. Mas era definitivamente alguém querendo se divertir.

Um tremor passou pelo meu corpo.

–Henrique – murmurei, mas a essa altura estava silencioso o bastante para que ele me escutasse.

Como se pudesse ler meus pensamentos, Joe parou. O cavalo atrás de mim também. Desci cambaleando e fui pisando firme na direção dele. O homem usava um capuz negro que cobria todo o rosto, e desceu de seu cavalo com elegância. Veio quase flutuando na minha direção, a capa esvoaçando para trás mostrando suas botas de couro marrom.

Bufei, cansada de tanta enrolação, e me precipitei na ponta dos pés. Puxei impaciente o capuz dele para trás e encarei com raiva seus olhos azuis.

–Não é a sua cara ser tão misterioso – comentei acidamente.

Henrique esboçou um sorriso malicioso.

–Pensei que gostasse de caras misteriosos – rebateu pegando minha mão que ainda estava em seu capuz e a segurando no peito. – Alice... Quando vai me perdoar?

–Nunca.

–Eu senti sua falta. – Seu rosto vacilou apenas por um segundo antes de voltar à expressão presunçosa de sempre.

–Você não teve nem tempo de sentir minha falta – argumentei. – E, aliás, como vai seu olho? – perguntei sarcástica percebendo a sombra roxa no lado esquerdo do seu rosto. Reprimi um sorriso maléfico que ameaçou aparecer em meus lábios e dei as costas a ele.

–Seu feiticeiro fez um bom trabalho ao me derrubar, não é?

Parei. Respirei lentamente e pude ver minha respiração no ar gelado. Com cautela, me virei para encarar Henrique novamente. Ele falava mortalmente sério.

–Não sei do que está falando – consegui retrucar.

–Uma pena. – Ele caminhou na minha direção até ficar tão perto que eu podia sentir o calor do seu corpo. Nada convidativo. – Significa que estou vendo coisas? O que aconteceu perto do lago agora a pouco foi uma ilusão da minha cabeça?

Dei um passo para trás, com uma sugestão de medo começando a se formar.

–Você deveria visitar o médico local – sugeri com sarcasmo, apesar de a minha voz tremer. – Ou tentar parar de beber. Seria bom para sua saúde mental.

Com um movimento rápido, ele agarrou meu braço e me puxou para perto, tão subitamente que não tive tempo de recuar. Seu rosto a centímetros do meu era uma máscara de pura maldade.

Meu pai não vai pensar dessa forma se eu contar a ele o que vi – sussurrou convicto.

Engoli em seco. Não queria deixar transparecer meu pânico, mas estava ficando difícil. Se o rei descobrisse quem Darren era, e o que podia fazer...

Literalmente, cabeças iriam rolar.

–Por que você faria isso? – perguntei sem conseguir me controlar. Ele riu vitorioso.

–Está brincando? Tenho motivos para odiar o forasteiro, apesar de nem conhecê-lo. Ele me bateu publicamente, e, se isso não fosse motivo o suficiente, ele ainda é uma das criaturas que meu pai abomina. Feiticeiros. – Henrique torceu a palavra como se desconhecesse seu significado, e em seguida sorriu de novo. – Além disso, aparentemente ele está roubando você de mim. Consegue negar isso?

Não consegui pensar em algo bom o bastante para responder, então Henrique continuou.

–Felizmente para você, minha querida, eu não estou tão ansioso assim para expor nosso novo cidadão. – Ele me soltou, o que considerei ótimo, mas eu sabia que não poderia correr para Joe e simplesmente ir para casa sem sofrer as consequências. Cruzei os braços no peito com força. Sentia mais frio do que nunca.

–O que você quer para ficar calado? – perguntei enfim.

Seu sorriso ficou mais verdadeiro. Com Henrique era assim, eu o conhecia. E o odiava exatamente por isso.

–Apenas o prazer da sua companhia, Alice. – Ele franziu a testa e voltou a ficar sério. – Não queria precisar recorrer à chantagem para isso, mas você não me dá escolha.

Eu ri. Não consegui me segurar; era inacreditável.

–Por que não tenta ficar com outra pessoa, Henrique?! – perguntei furiosa, querendo verdadeiramente dar um tapa nele. – O que há de tão importante em mim para que você não possa me deixar em paz?!

–Essa é uma ótima pergunta. – Ele estava se divertindo mesmo. – Posso respondê-la durante o tempo que passarmos juntos. Que tal sexta à noite? Digamos... No palácio?

Apertei os olhos, sem acreditar em uma palavra que ele proferia.

–Você vai deixar Darren em paz? – perguntei ainda desconfiada.

–Se você colaborar, sim.

Promete não contar nada sobre ele a ninguém? – pressionei. – Incluindo seu pai?

–Alice... – ele apertou meus ombros gentilmente. Suas mãos eram calorosas, assim como seus olhos. – Não confia em mim?

–Não – respondi sinceramente.

–É uma pena – suspirou. – Mas sim, vou guardar o segredo.

Olhei dentro do azul profundo que eram seus olhos e tentei ler um pouco da verdade que se escondia ali. O que ele realmente queria comigo? Se fosse apenas um caso de ficar com a garota e então largá-la, já teria me deixado em paz. Mas Henrique nunca se contentava com pouco, e ignorá-lo só tornava sua obsessão pior ainda. Percebi que estava encurralada.

–E o que, exatamente, você planeja para sexta à noite? – perguntei derrotada.

Aquele sorriso radiante voltou ao seu rosto.

–Jantar, acompanhado de música, se permitir. – Henrique pegou uma de minhas mãos e a beijou antes de se virar para ir embora.

–Nada de música clássica! – pedi, mas ele me ignorou e montou seu cavalo.

–Sete horas – disse e então pôs o capuz novamente, cobrindo o rosto. Segundos depois, ele já havia desaparecido entre as árvores, provavelmente na direção do castelo.

Senti vontade de suspirar, mas o ar gelado ficou preso em minha garganta. Eu não ia chorar. Não agiria como uma criança contrariada. Havia perdido esta batalha, mas Henrique ainda pagaria o preço por sua estupidez.

Voltei a montar Joe e cavalguei rapidamente para casa.

×××

Eu me sentia entorpecida. Mal acreditava no que havia acabado de acontecer. Claro, nunca teria concordado com os termos de Henrique se não acreditasse verdadeiramente que ele falava sério. Ele contaria o segredo de Darren para seu pai a qualquer momento, se eu não colaborasse. A única parte assustadora era saber pelo que eu precisaria passar para manter Darren a salvo da forca.

Na praça central, perto do cemitério, parei para deixar Joe nos estábulos novamente, como no dia anterior. Despedi-me do cavalo e abaixei o gorro até quase meus olhos. Havia voltado a nevar, e já estava bem escuro, se desconsiderasse os postes de luz quase inúteis. Mas eu já estava familiarizada demais com essa parte da cidade pequena para me perder, por isso peguei a direita e caminhei impaciente para casa.

Dobrei a esquina da loja da família de Hayden, e então congelei. Havia uma figura encapuzada sentada nos degraus da loja. Meu coração começou a bater tão acelerado que fez meu peito tremer, mas logo recuperei a calma. Prestei mais atenção, e vi que o capuz era verde escuro, e não negro como o de Henrique.

–Leo? – chamei surpresa demais para passar direto.

Ele levantou a cabeça e me fitou surpreso.

–Alice! – exclamou quase aliviado. – Onde está Hayden? Não a vi o dia inteiro.

–Isso é com certeza o máximo que já passaram longe um do outro, não é? – comentei acidamente. Ele revirou os olhos e se levantou. Chegou mais perto de mim, até que eu me sentisse desconfortável e pequena. Leo era muito alto.

–Ela deveria ter me encontrado hoje para ver a edição do jornal...

–Da semana que vem, sei. – Apertei o casaco em volta do corpo e o encarei com uma sobrancelha arqueada. – Ela pode ser sua noiva, mas não é um bichinho de estimação que você pode levar para onde for.

–Apenas me diga onde ela está – pediu calmamente.

Abri a boca para responder, mas me interrompi no último segundo. Por alguma razão, eu não queria dizer a ele que Hayden estava na casa de outro cara, fazendo Deus sabe o quê. Quer dizer, eu sabia que minha melhor amiga não era esse tipo de garota, mas com Darren era impossível saber o que aconteceria. Era novo, empolgante. E para ser sincera, ele era muito mais interessante do que qualquer outro cara que eu já tenha conhecido. Provavelmente Hayden também acharia isso.

Mas incrivelmente, eu não queria esfregar na cara de Leo que ele poderia estar perdendo Hayden para o forasteiro.

–Eu... Não sei – respondi hesitante.

–Não sabe? – repetiu cético e cruzou os braços. – Ela não é sua melhor amiga ou algo assim?

Levantei a cabeça para encará-lo com raiva.

–Ela é sim. Mas só por isso não preciso saber onde ela está a cada momento.

–Alice... – ele estava obviamente irritado comigo, mas eu não conseguia deixar de sentir pena dele. Hayden tinha gostado de Darren, se empolgado com ele de uma forma que nunca havia feito com Leo. Bem, isso deveria me deixar feliz, certo?

Meu estômago roncou. Eu estava atrasada para o jantar. Minha mãe ia ficar furiosa comigo se eu não aparecesse em casa em dois segundos.

–Bem, e onde você estava? – Leo perguntou por fim.

–Ah, não senhor. Eu não devo nada a você, então, se me dá licença... – Comecei a passar por ele para entrar na rua de casa, mas Leo agarrou meu braço e me fez girar. Minha mão coçou para não lhe dar um empurrão de volta para a neve. Ele começou a dizer alguma coisa, o rosto mais perto do que seria aceitável, quando ouvimos um barulho.

–Alice! Leonard! – a voz aguda de Hayden gritou para nós.

Leo me soltou. Satisfeito, ele foi ao encontro de Hayden, parada do outro lado da rua, vindo da direção oposta a mim. Suas bochechas estavam mais coradas que o normal. Ela olhava para mim com uma expressão estranha que eu escolhi não identificar.

–Vejo vocês amanhã! – gritei para os dois e acenei para Hayden. Ela assentiu, ainda sem sorrir, e acenou de volta. Leo não se deu ao trabalho de virar para me ver indo embora, mas eu não esperava diferente.

Retomei meu caminho até a porta de casa e parei na varanda coberta. Olhei para cima e respirei fundo antes de girar a maçaneta.

–Alice Luminatte...

–Desculpe! – fui logo falando. Minha mãe estava parada no meio da sala, com as mãos na cintura, e a expressão era uma mistura de raiva com preocupação. – Fiquei presa na tempestade, só isso. Eu estava com Hayden.

com Hayden? – ela arqueou uma sobrancelha. – Fiz uma visita rápida ao castelo esta tarde, e sabe o que ouvi do rei?

–Ah... “Vou finalmente entregar meu cargo para alguém mais inteligente?” – sugeri.

Não melhorei muito a situação, posso afirmar. Mamãe começou a ficar vermelha.

–Errado – respondeu lentamente. – Um dos guardas o informou de que o príncipe foi agredido na cafeteria no centro da cidade, e que reconheceu você com dois amigos. Hayden, e um desconhecido. – Ela apertou os olhos perigosamente. – Um desconhecido que derrubou o príncipe com um golpe.

Dei de ombros.

–Já passei por situações piores, mamãe – disse enquanto tirava o casaco e as luvas.

–Eu sei disso – ela suspirou. – Alice... Por favor, não me diga que este desconhecido era o jovem de ontem... Damen?

–Darren – corrigi. – E sim, era ele. Por quê?

Ela apertou os lábios em uma linha rígida por um momento antes de responder.

–Dei uma olhada nos arquivos do palácio, sobre todas as famílias que vivem e já viveram aqui – contou. – Procurei o nome Rider...

–Sim? – pressionei de repente curiosa.

–É uma ficha... Conturbada, digamos assim. – Ela tinha uma expressão preocupada. – Não vou entrar em detalhes, mas não quero que continue andando com ele. E na verdade, acho que Hayden deveria fazer o mesmo.

–Mãe! – protestei. – Acho que já passamos dessa fase.

–Querida, só não estou certa de que ele é a melhor amizade para você.

–Mas ele... – cortei a frase pela metade. Nem sequer sabia como completá-la. Acabei balançando a cabeça, impaciente, e voltei a fitar minha mãe. – O que tem na ficha da família dele? O que é tão horrível?

–Não é horrível, é apenas... Um mistério. Está tudo escrito em uma língua antiga. Você sabe, cada família escrevia seus próprios registros, para que o rei tivesse uma opinião de dentro de cada uma. Os Rider... Fizeram de sua história um verdadeiro enigma, exatamente para que o rei nunca soubesse nada. Não gostei disso, Alice.

–Bem, eles eram sigilosos, qual o problema em ter segredos? Todos têm.

–Segredos são segredos por um motivo. – Mamãe estava decidida. – Saber qual o motivo, é isso o que importa.

Arranquei o gorro da cabeça, furiosa demais para me dar ao trabalho de dobrá-lo ou de ajeitar o cabelo, e simplesmente o joguei em cima da mesa.

–Não vou ficar longe de Darren – disse calma e lentamente. – Mas ficarei longe dos segredos dele. Satisfeita?

Mamãe não estava satisfeita. Eu podia ver pelo modo com ela me encarava que não confiava nem um pouco na minha decisão. Felizmente, ela me conhecia muito bem, e sabia que eu podia me cuidar sozinha. Então, dei nossa discussão por encerrada. Por enquanto.

Subi para colocar roupas mais leves, um conjunto grosso de algodão, e desci novamente para comer alguma coisa. Alex estava sentado no chão da sala desenhando alguma coisa parecida com uma casa. Baguncei seu cabelo e me dirigi para a cozinha, sentindo o cheiro de algo no forno.

Depois de comer silenciosamente com minha mãe sentada bem a minha frente, mas olhando pela janela, eu decidi que era o suficiente por hoje. Dei boa noite para todos e subi. Chegando ao meu quarto, me joguei na cama com pesar, e soltei um suspiro que pareceu não ter fim. Assim como aquele dia.

Um único dia, e tantas coisas aconteceram de uma vez. Darren. Feitiços. Henrique. Chantagens. Leo. Irritação.

Hayden. E Darren. Como eu deveria me sentir com relação a isso? Será que ela realmente gostava dele? Ou só estava mesmo empolgada por que era uma novidade?

Importava?

Girei para o lado, procurando uma posição confortável debaixo dos lençóis, e finalmente fechei os olhos, recebendo a escuridão com prazer. E tentei não pensar mais.


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Notas finais do capítulo

Desculpem a demora e comentem o que vocês acharam. Até o próximo!



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