Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 5
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Agora sim.



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A nova cafeteria, um nome complicado demais para soletrar em homenagem à princesa Lily, ficava no ponto central da cidade. Ficava a quilômetros da minha casa, por assim dizer. Estava lotada, agora que a tempestade havia passado, e suas portas estavam fechadas seguramente, deixando o ar quente do lado de dentro. Com uma mão enfiada dentro do bolso e a outra tremendo, empurrei a porta de madeira e vidro e deixei que Darren e Hayden passassem na frente antes de eu mesma entrar. Deixei que a porta se fechasse sozinha atrás de mim.

O lugar era bem legal. Mesas espalhadas estrategicamente ao redor do salão, sofás macios de couro nos cantos, um balcão limpo de madeira brilhante do outro lado da sala e um palco pequeno na parede mais distante. Não sei para quê. Não é como se, um dia, alguém fosse ficar bêbado demais e sair cantando alguma música surreal.

Nós escolhemos uma mesa no centro, seguramente longe do balcão e perto o bastante da porta para sair correndo caso nos metêssemos em encrenca. Infelizmente, falo por experiência própria.

–Algum problema? - Darren perguntou quando viu minha expressão pensativa.

Balancei a cabeça.

–Só estava pensando... - virei para Hayden com um sorriso. - Lembra-se daquele dia que matamos aula e viemos para cá, e fomos pegas pela guarda real?

Hayden soltou uma gargalhada aguda e assentiu.

–Nunca vou perdoar você por isso! - ela exclamou de brincadeira. - Corri mais naquele dia do que em qualquer momento da minha vida.

–Vocês fugiram?– Darren apertou os olhos. - Alice Luminatte, você não tem cara de "Procurada, Viva ou Morta".

–Eu deveria saber o que é isso? - franzi a testa e chamei um garçom. Pedi um café apenas com açúcar; Hayden pediu uma água e o cardápio do almoço. Darren me surpreendeu quando pediu uma garrafa de vinho tinto.

–Você bebe - afirmei surpresa.

–Você não? - ele arqueou uma sobrancelha e empurrou a taça de vidro cheia do líquido vermelho na minha direção. - Vamos lá, só um gole.

–Darren... - sussurrei ameaçadora e senti um prazer inesperado em dizer seu nome. - Você está tentando se aproveitar de mim? Quantos anos você tem mesmo?

–Não quero lhe deixar bêbada, Alice. Só prove se quiser.

O desafio na sua voz me fez decidir. Mesmo sob o olhar reprovador de Hayden por cima do cardápio aberto, peguei a taça e tomei um gole pequeno. Desceu ardendo pela minha garganta, e logo senti vontade de vomitar. Mas não foi exatamente desagradável. O cheiro doce era enjoativo, mas o gosto era bem melhor. Engoli com segurança mais uma vez e abaixei a taça com força na mesa.

–Viu? - exclamei triunfante. - Todos viram, não é? Porque eu não vou fazer de novo. - Soltei um pequeno soluço contra minha vontade e peguei uma taça para mim mesma. - Bom, talvez mais uma vez.

Hayden pediu sua comida, e lembrei que estava morrendo de fome. Uma carne mal passada com batatas para mim, e peixe para Darren. Dei pequenos goles no vinho e senti que o ardor na garganta começava a passar à medida que as coisas pareciam mais engraçadas.

–Sabe, isso ajuda a manter o corpo aquecido - Darren me informou.

Soltei uma risada baixinha.

–Eu sei - dei um tapinha no seu braço. - É por isso que todo mundo aqui bebe. Se não, morreríamos de frio.

–Ei, aquela não é a sua mãe? - Hayden perguntou olhando algo atrás de mim. Engoli com um pouco de vinho e virei alarmada para confirmar, mas não vi nada.

Hayden quase morreu de tanto rir.

–Peguei você - disse depois que controlou a risada.

–Ah, você vai me pagar - prometi. - Cadê a comida? Estou morrendo de fome.

Aproveitando minha deixa, o garçom chegou com nossos pratos. Comemos em silêncio enquanto o cenário lá fora começava a escurecer. O branco novamente ia se tornando cinza, agora até meio azulado, e as árvores mortas viraram contornos sombrios da floresta. À medida que tudo ia escurecendo, quase sem percebermos, começavam a ligar os postes de luz amarela nas ruas cobertas de neve, e também as luzes do restaurante. Logo, eu me vi envolta em uma luz dourada meio suja, e peguei Darren me observando.

–O que foi? - perguntei limpando a boca com um guardanapo.

Seu olhar era insistente. Meu pescoço começou a queimar, então minhas bochechas. Odiava me sentir influenciada dessa maneira; odiava ser vulnerável assim. Seus olhos azuis - pois agora eles estavam completa e inegavelmente azuis - estavam me deixando desconcertada. Ele abriu a boca para falar algo, mas o garçom apareceu e nos interrompeu.

–Senhorita, aquele senhor mandou isso - ele disse educadamente e colocou uma garrafa na minha frente. Era um líquido meio marrom, parecia velho, e eu sentia o cheiro forte mesmo de longe. O garçom apontava para algum ponto do restaurante, e segui seu dedo até que meus olhos pousaram nele.

–Ah, droga - resmunguei e desviei o olhar.

–Quem é? - Hayden perguntou e olhou ao redor. - Ah. Ele.

Malditos sejam os príncipes, que acham que podem mandar em seus súditos e se divertirem às suas custas! Tive minha cota de experiências desagradáveis com a realeza, mas nada nunca se comparou ao meu relacionamento conturbado com o príncipe de Nixland, Henrique. Ao contrário de todas as meninas da cidade, sua aparência não me convencia. Cabelos dourados, olhos azuis, alto e musculoso? Ora, quem liga pra isso?

–Diga a ele que eu gentilmente recusei– empurrei a garrafa de volta para o garçom.

–Ele disse que sabia que recusaria - o garçom retrucou. - E me pediu para dizer que sente muito pela última vez...

Levantei, exaltada, e fixei meu olhar em Henrique. Agora, ele sorria inocentemente, com aquela cara sínica de príncipe amigo dos súditos. Caminhei pelo restaurante batendo os pés com força no chão até parar bem na sua frente, e apontei o dedo no meio do seu rosto.

Não fale comigo novamente– repeti as palavras que já havia dito várias vezes.

–Não estava falando - ele me lembrou suavemente. - Eu apenas mandei um presente.

–Uma garrafa de uísque não é um presente! - bufei furiosa. - É uma forma de me deixar bêbada para se aproveitar de mim. Não vou cair nessa. Não de novo.

–Ah, Alice, quantas vezes vou ter que pedir desculpas? - seu olhar se intensificou, e só consegui odiá-lo mais.

–Algum problema, senhor? - um guarda real perguntou por cima do meu ombro. Congelei. Ir presa de novo não seria uma boa ideia.

–Não - Henrique respondeu, e eu suspirei aliviada. - Estou apenas conversando com minha amiga.

Olhei pelo canto do olho para o guarda. Alto e magro como um poste de luz, mas com uma força surpreendente. Ele me fitou de volta, com aqueles olhos escuros ameaçadores, e bufou baixinho.

–Alice - me cumprimentou friamente.

–E aí, Gerard - sussurrei. - Raphael saiu da prisão?

–Não... - ele respondeu franzindo a testa. - Mas disse que sente sua falta.

–Ah... - olhei para baixo novamente, temendo trazer a tona aqueles pequenos impulsos de desobedecer à lei, e sem querer olhei para Henrique novamente. Agora ele reprimia um sorriso. Dei um tapa na sua cabeça.

–Ai! - ele reclamou. - Sabe que você poderia ser punida por isso?

–Claro, porque você é o príncipe, e blá, blá, blá - resmunguei e respirei fundo, pensando nas consequências dos meus atos, por mais que fosse divertido bater em príncipes. - Henrique, apenas me deixe em paz. Por favor.

Comecei a virar para ir embora, mas então sua mão me puxou pelo pulso, e ele me girou contra minha vontade. Mal tive tempo de lhe afastar com outro tapa quando seu outro braço se fechou na minha cintura, me colando contra seu corpo, e seus lábios encontraram os meus com uma precisão extraordinária. Protestei baixinho, tentando o empurrar para longe, mas ele ficava cada vez mais insistente. Eu podia sentir os olhares sobre nós, e meu rosto começava a esquentar, quase ao mesmo tempo em que eu ia me entregando contra minha vontade.

De repente, Henrique foi arremessado para longe de mim, e eu dei um passo para trás por reflexo, esbarrando em uma mesa. Ele estava jogado em um dos sofás, esfregando o queixo, olhando ao redor completamente incrédulo.

Quem fez isso? - perguntou, primeiro baixinho, mas depois aumentou o tom até ficar quase ameaçador. - Quem teve a coragem de fazer isso comigo?

Um movimento ao meu lado chamou minha atenção. De repente, Darren estava na minha frente, de costas para mim, e tudo que eu podia ver era a parte de trás da sua camisa e seu cabelo. Mas seus punhos estavam cerrados.

–Eu - ele respondeu tranquilamente. Queria poder ver sua expressão, para dizer olhando em seus olhos que ele estava ficando louco. Mas uma parte bem pequena de mim, a parte má, digamos assim, estava querendo ver o que ia acontecer em seguida.

Henrique apertou os olhos ligeiramente, e se levantou devagar.

–Um forasteiro? - ele deu um sorriso doentio. - Nunca tivemos isso aqui antes.

–É, bem, aceite. As coisas sempre mudam. - Darren ainda soava calmo.

–Não na minha cidade - Henrique fechou as mãos e ergueu uma para acertar Darren bem no queixo. Eu respirei para gritar algo.

Foi quando tudo aconteceu.

O tempo parou. Literalmente. Eu vi tudo se mexer lentamente; o soco de Henrique parou na metade do caminho, seu rosto estava congelado em uma careta de raiva. Olhei para trás e vi Hayden, boquiaberta e com olhos arregalados, sufocando um grito. As pessoas de todo o restaurante estavam congeladas, se movendo a um centímetro por hora. Eu pensei que estava congelada também, e talvez por isso eu estivesse prendendo a respiração.

Mas Darren, na minha frente, se mexia normalmente. Ele ergueu uma mão ágil e desenhou uma espiral na frente do rosto de Henrique. O ouvi sussurrar alguma coisa em outra língua, e então o mundo voltou ao normal. Todos se mexeram ao mesmo tempo, e o soco de Henrique continuou seu percurso, até que...

...Até que Darren levantou novamente a mão que tinha feito a espiral, e essa mão lançou Henrique até a parede do outro lado da sala.

Sem nem encostá-lo.


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Notas finais do capítulo

Me digam o que estão achando T-T Até o próximo.



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