Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 3
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/637582/chapter/3

Quando chegamos à loja, todas as velas já tinham apagado. Hayden foi até os fundos procurar fósforos, e eu a segui para ajudar. Mas, quando voltamos ao balcão, as velas estavam misteriosamente acesas, tremeluzindo pela brisa fria. Darren tinha as mãos estendidas na frente de uma delas para se aquecer.

–Eu tinha um isqueiro - ele disse calmamente e deu um tapinha no bolso da calça. Tinha tirado o sobretudo preto e estava usando apenas uma camisa marrom escura de lã e gola alta.

Hayden nos serviu um chocolate quente e alguns biscoitos. E por algum tempo, ficamos apenas comendo e bebendo, olhando ocasionalmente a neve caindo lá fora.

–Por aqui é sempre assim? - Darren perguntou apontando para a janela.

–No inverno, sim - Hayden respondeu.

–No verão, fica um pouco mais quente, e o sol sai uma ou duas vezes - eu completei.

–Nossa - ele riu. - Como vocês sobrevivem?

–Por quê? - perguntei curiosa. - Como é o mundo lá fora?

Darren hesitou, e percebi que procurava palavras para descrever.

–Extremamente quente - respondeu por fim.

–Nunca achou ninguém fora daqui? - continuei perguntando, desesperada por informações.

O olhar que ele me deu foi estranho. Quase como se sentisse pena de mim, e ao mesmo tempo me admirasse. Percebi que estava inclinada sobre a mesa na direção dele, e rapidamente encostei as costas da cadeira.

–Não - ele respondeu lentamente. - Por isso voltei.

–Ah - suspirei, derrotada. - Sabe, sempre achei que esse papo de sermos os únicos vivos na Terra era meio exagerado. Quer dizer, tem que haver algo mais lá fora, certo?

–Claro - Hayden deu uma risada debochada. - Assim como feiticeiros, magos e bruxas.

Isso pareceu atrair a atenção de Darren.

–Não acredita em magia, Srta. Knight? - ele perguntou arqueando uma sobrancelha.

–Por favor, me chame de Hayden - ela pediu. - E não, não acredito.

–Ah - ele assentiu, levemente interessado. - Então o que será isso?

Hayden começou a perguntar alguma coisa, mas na mesma hora as luzes voltaram, e quase nos cegaram. Suspirei, aliviada, pensando comigo mesma que não precisaria dormir à luz de velas naquela noite. Hayden foi até as velas e apagou todas com um sopro.

–Acertou com uma precisão inacreditável, é verdade - eu disse para Darren. - Mas não acho que isso seja magia.

Isso não foi magia - ele concordou. - Mas agora, por outro lado...

Darren estalou os dedos, e as luzes apagaram novamente. Eu ofeguei de espanto, não conseguindo ver nada, mas um segundo depois elas voltaram. No entanto, Darren não estava em nenhum lugar da loja, e nem Hayden. Gritei por eles, sentindo medo e confusão, até que as luzes piscaram mais algumas vezes e por fim ficaram estáveis.

O silêncio na loja era ensurdecedor.

–Acredita agora? - Darren perguntou muito perto de mim. Virei para a direita e encontrei seu rosto a apenas centímetros do meu. Meu coração estava tão acelerado que era difícil pensar.

–Onde está Hayden?! - perguntei agitada.

Na mesma hora, a porta da frente se abriu, revelando uma Hayden tremendo e mais rosada que o normal. Apesar de estar morrendo de frio, lá fora sem casaco, ela sorria.

–Isso... f-foi... - ela tremeu. - I-inacreditável!

Darren riu e caminhou até a porta, colocando o sobretudo sobre os ombros dela, que tremiam violentamente.

–Desculpe - sussurrou. - Gostou da viagem?

–Como você fez isso?! - ela perguntou pela segunda vez no dia e olhou incrédula para mim. - Alice! Ele é um mágico!

Eu ri, sentindo que estava mais aliviada, e me joguei de volta na cadeira.

–Não diga isso ao rei, se não cabeças vão rolar - murmurei sentindo meu rosto esquentar.

–É claro que não - Darren concordou. - Vou ser o mágico particular das senhoritas, se assim permitirem - ele fez uma reverência cômica, e quando levantou a cabeça para me olhar, jurei ver seus olhos ficando azuis. Mas pisquei rapidamente, tentando enxergar direito, e eles voltaram a ficar verdes. Eu estava ficando louca.

Uma batida rápida na porta nos fez olhar para ela, e então mamãe entrou na loja, tirando seu casaco branco de algodão. Ela havia prendido o cabelo negro em um coque formal, dando a impressão de que era mais magra do que já aparentava. Usava uma saia longa e preta colada ao corpo, marcando sua cintura fina, e uma blusa de mangas longas e botões. A pele branca parecia mais pálida naquela luz branca acinzentada.

–Mãe - eu sorri.

–Sra. Luminatte - Hayden a cumprimentou.

–Esperava que estivessem aqui - mamãe disse tirando um pouco de neve dos ombros. - Alice, quem está tomando conta de Alex? - perguntou arqueando uma sobrancelha.

Droga.

–Estou indo - falei apressadamente pegando meu casaco e correndo para a porta, mas ela me deteve com uma mão no meu ombro.

–Tudo bem, Hudson já está lá - ela me tranquilizou. - Mas da próxima vez que for sair, lembre-se do seu irmão menor, querida.

Corei e assenti.

–Desculpe, mãe - sussurrei sorrindo.

Ela balançou a cabeça para mim e passou a mão pelo meu cabelo. Seus olhos passaram pela sala e pousaram em Darren, que nos observava com interesse.

–Quem é este jovem? - mamãe perguntou curiosa.

Ele prontamente se levantou e estendeu a mão para minha mãe.

–Darren Rider. É um prazer conhecê-la.

–Nunca o vi por aqui, Darren... - ela respondeu, apertando sua mão, mas com a testa franzida. - Nunca ouvi falar de nenhum Rider, na verdade.

–É... Bom, é uma longa história - ele ficou meio desconfortável e olhou para a janela. - E infelizmente tenho que ir andando antes que o tempo piore.

–Tem lugar para ficar? - perguntei a ele.

–Ainda não, mas estou considerando me instalar na casa perto das montanhas. O que acha?

Um calafrio passou por mim, mas tentei parecer otimista.

–Claro. Aquela casa está desabitada há anos... - suspirei e esfreguei minhas mãos para aquecê-las.

Darren me deu um meio sorriso cheio de significados que eu não entendi, e pegou minha mão. As mãos dele estavam quentes, por mais difícil que pareça, e o calor percorreu meu pescoço até minhas bochechas.

–Obrigado por tudo - ele disse lentamente. Beijou minha mão e voltou-se para Hayden. - Espero vê-las logo.

–Você verá - ela assegurou-lhe, debruçada sobre o balcão, com um sorrisinho secreto e brincalhão.

Tentei lhe lançar um olhar feio, mas Darren voltou seus olhos para mim. Agora, eu tive certeza de que eles estavam azuis.

–Assim seja - sussurrou sorrindo. - Até mais, Alice. Hayden. Sra. Luminatte. - Para a minha mãe, ele fez uma pequena reverência. Então vestiu o sobretudo e se foi.

–Minha filha - mamãe exclamou. - Você está mais vermelha que um tomate.

–Ah, mãe - reclamei e voltei a me sentar, abraçando meus ombros. - Não comece.

–De onde ele é? - ela continuou, sentando-se ao meu lado e se servindo de um pouco de chocolate.

–É um viajante - Hayden respondeu trocando o chocolate frio por um quente.

–Nixland nunca teve viajantes - mamãe sussurrou contrariada. - O rei precisa saber disso imediatamente.

Revirei os olhos, como sempre fazia quando mencionavam o rei.

–Como foi a reunião, Sra. Luminatte? - Hayden perguntou educadamente.

–Exaustiva, como sempre - mamãe suspirou. - Stephen está estressado com o inverno. Acha que devemos suspender as aulas até fevereiro.

–Ótimo - comentei sinceramente. Percebi um olhar de repreensão da minha mãe e ri. - Não é como se eu fingisse ser a aluna perfeita, mãe.

–Eu só gostaria que você valorizasse um pouco mais seus estudos - ela disse.

–Pra quê? Vou acabar sendo uma costureira, ou vou limpar os banheiros do castelo, ou qualquer outro emprego daqui - murmurei emburrada. - Isso se eu não morrer de frio antes.

Mamãe revirou os olhos.

–Deixe de ser dramática, Alice - ela fixou os olhos azuis em mim, e percebi que realmente éramos muito parecidas. Os mesmo lábios avermelhados, os mesmos olhos azuis quase escuros, o mesmo cabelo negro e longo. Mas meu nariz era todo do meu pai. Empinado, pequeno e arrogante. Dava a impressão que eu era alguém que queria distância de todos, e eu agradecia por isso. E eu tinha herdado a altura mediana dele também, diferente da minha mãe, que era alta e magra como uma princesa.

–Sra. Luminatte, o que sabe sobre mágica? - Hayden perguntou de repente. Eu arregalei os olhos para ela, implorando silenciosamente que ela não falasse nada sobre Darren. Não queria o rei pegando no pé dele logo no primeiro dia.

–Sei que ela não existe - mamãe pareceu inabalável. - Por que, querida? Andou vendo coisas?

Hayden vacilou, mas sorriu hesitante.

–Mais ou menos... - murmurou voltando seu olhar para mim. Bufou, como se me dissesse: "Ela nunca vai acreditar em nós, não é?"

Eu reprimi um sorriso, devolvendo com os olhos: "Pode crer que não".

­­­×××

Em casa, o pequeno Alex deixava nosso vizinho da frente, Hudson, completamente maluco. Nós o mandamos para casa com um pedaço de bolo para agradecer por servir de babá mais uma vez. Mamãe e eu juntamos os brinquedos do chão da sala e os guardamos de volta no baú. O grande pinheiro de natal ainda ocupava espaço ao lado da lareira, apesar de estarmos em janeiro. Mamãe organizou a cozinha, colocando panelas no armário e pratos nas prateleiras, enquanto eu fechava as cortinas até não poder mais ver o cenário cinzento lá fora. Disse adeus à lua cheia pela última vez antes de cobri-la com a cortina. Depois subi e, ao invés de ir direto para meu quarto, fui conversar com minha mãe, como eu fazia todas as noites desde que meu pai morrera. Deitei na sua grande cama de casal de barriga para baixo, me apoiando nos cotovelos, e cruzei os tornozelos.

–Como foi seu dia, querida? - mamãe perguntou enquanto trocava de roupa e colocava uma camisola branca. Sua pele parecia mais rosada em contraste com a seda.

–O de sempre... - sussurrei brincando com seus travesseiros. - Hayden nos trouxe o novo jornal.

–Ah, sim - ela virou para me encarar. - Gostou? Foi ideia do rei.

–Claro - revirei os olhos. - Tudo é ideia do rei. Até minhas roupas são ideia do rei.

–Alice! - ela me repreendeu. - Não fale de Stephen dessa forma. Você sabe o que ele passou para trazer paz à nossa cidade.

–Não, na verdade, não sei - me sentei e fixei meus olhos nos dela. - O que ele passou, exatamente? Fome? Frio? Por que é isso que muitos de nós passam quando ele não nos deixa procurar vida além das montanhas.

–É porque não há vida além das montanhas, querida - mamãe tentou dizer aquilo suavemente, mas soou apenas pesarosa. - Se saíssemos daqui, não sobreviveríamos nem por um dia.

Mordi minha língua para não falar sobre como Darren sobreviveu.

–E, afinal - ela continuou, agora suspirando. - Todo ano há um momento em que os alimentos ficam escassos, mas sempre passa. O povo está muito impaciente, Alice.

–Não, o povo está muito insatisfeito - eu a corrigi, sem conseguir me segurar. - E adivinha? Eu faço parte do povo. Por que Stephen não manda algumas pessoas para além das montanhas, para ampliar o reino?

Ela não teve palavras para responder.

–Por que ele não permite que comecemos vida em outros lugares? - continuei, agora descarregando todas as perguntas que guardava há tanto tempo. - Stephen me parece um grande mentiroso, mamãe.

Seus olhos me fuzilaram, e me encolhi, pensando imediatamente que havia falado demais. Mas ela não disse nada. Apenas caminhou até a porta, calmamente, e a abriu. Ficou parada na entrada do quarto até que eu percebesse que estava me expulsando. Levantei da cama, desejando encolher até ficar invisível, e passei de cabeça baixa pela porta. Ouvi o barulho dela sendo fechada atrás de mim, e suspirei, cansada demais para me sentir triste.

Arrastei meus pés até meu quarto. Vesti calças pretas de algodão e uma camisa cinza de botões para dormir. Minhas costas doeram quando me deitei na cama. Deixei que meu corpo relaxasse, fechei os olhos e suspirei, abraçando meu travesseiro.

O fim de outro dia, o início de outra noite.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Não sejam tímidos, deixem reviews (mesmo se forem comentários tipo "tá bom, bjs")



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Terra da Neve" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.