Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 13
Capítulo 12




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Enquanto tomava meu café pensativamente na manhã seguinte, sentada sozinha na mesa da cozinha, já que mamãe tinha levado Alex para um passeio, três visitas inesperadas interromperam minha manhã monótona.

A primeira foi de Hayden.

–Vou terminar com Leo – ela anunciou assim que passou pela porta.

–Hayden...

–Não quero saber sua opinião. Só vim aqui avisar isso, então não compre um vestido para o casamento. Adeus.

–Não, espera. – Levantei e deixei a caneca em cima da mesa. – Tem certeza disso? Vai mesmo trocar Leo por alguém que você acabou de conhecer?

–Como você...

–Ah, por favor, eu conheço você desde os cinco anos! – disse exasperada. – E se isso não for suficiente, qualquer um percebe o jeito que você olha para Darren. Pense melhor, Hay. Você pelo menos sabe se Darren sente a mesma coisa?

–Não tem a ver apenas com Darren, mas sim com o fato que eu percebi que Leo talvez não seja quem eu realmente quero, afinal... – ela suspirou. – Você estava certa, Alice. Eu só... Sou muito nova, tenho tanto tempo para decidir... Não quero me casar ainda.

Quase senti vontade de chorar, pois essas eram minhas exatas palavras há duas semanas. Mas por alguma razão, o fato de ter sido Darren quem a levou a pensar dessa forma me incomodou. Era a motivação errada, em minha opinião. Não que importasse.

–Que bom que pensa assim – respondi finalmente. – Mas seja sincera com Leo, e com você mesma. Você não ama Darren, só está empolgada...

–Por que você está tão incomodada com meu interesse nele? – ela perguntou de repente. Eu hesitei.

–Eu não... Estou incomodada. Pareço incomodada? – senti meu rosto queimar.

Hayden revirou os olhos.

–Tchau, Alice – ela caminhou até a porta. – Só quero dizer que parte do motivo de terminar com Leo é que vou atrás do que eu realmente quero. E eu quero Darren.

Dita sua confissão admirável, ela saiu e bateu a porta.

A segunda visita me animou. Dez minutos depois de Hayden sair, a porta se abriu novamente, revelando Henrique. Ele tinha um sorriso largo e bobo no rosto, e eu me surpreendi ao ficar feliz por ele estar ali. Ficou em casa apenas o suficiente para me dar um beijo e dizer que sentiria minha falta o dia inteiro – ele tinha treino com alguns soldados do rei. Despediu-se de mim e logo foi embora, me deixando sorrindo para meu café feito uma idiota.

Na terceira visita, eu já tinha terminado o café e estava lavando a louça, para variar. Era ninguém mais, ninguém menos que Leo. Bateu na porta com educação e, quando abri e o encontrei ali parado no meio da neve, quase senti pena dele.

–Ah... Olá, Leonard – assenti educadamente.

–Hayden está aí? – ele foi logo perguntando. Não estava com sua melhor expressão.

–Não...

–E Rider? Ele está aí? Ou está com ela? – seu rosto foi ficando vermelho de raiva. – Você sabia que ela terminou comigo? Cancelou o casamento, o noivado, tudo? Tudo por causa daquele viajante imbecil?

–Não fale assim de Darren, por favor – sussurrei calmamente. – A culpa não é dele, e você sabe disso. A própria Hayden deve ter deixado isso bem claro. Ela não lhe contou os motivos dela? Sobre ser nova demais e ter tempo de sobra para decidir o que quer?

–Sim, mas... – ele respirou fundo. – Alice... Eu a amo. Eu sei que você não gosta de mim, que acha que eu estava prendendo Hayden cedo demais, mas acredite, eu nunca a obrigaria a fazer nada que não quisesse. Ela estava perfeitamente bem comigo e com o casamento antes daquele viajante aparecer. O que você espera que eu pense?

–Talvez... Apenas talvez, você tenha razão. – Hesitei, e resolvi dizer a verdade. – Hayden está interessada em Darren. Mas ao invés de ir atrás dele e matá-lo, ou de tentar recuperar Hayden com unhas e dentes, você devia dar um tempo a ela. Ela está confusa no momento, e não escuta nem a mim. Só... Tenha paciência. Ela vai recobrar o juízo.

Leo assentiu, mas não parecia muito convencido disso. Então, sem dizer outra palavra, virou e foi embora. Parecia realmente muito perdido. Não conseguia simpatizar com ele, mas sentia pena. Começava a acreditar que ele realmente gostava de Hayden.

Aquelas visitas me cansaram, e resolvi sair de casa. Pelo menos quem tentasse me procurar não me encontraria ali. Deixei um bilhete para mamãe e saí sem rumo pelas ruas cobertas de gelo.

Parei um segundo na praça do centro da cidade, fixando o olhar na estátua quebrada do anjo. Será que eu conseguiria consertá-lo se tentasse? Resolvi guardar essa ideia e tentar algum outro dia, quando a magia não fosse mais um crime com pena de morte. E imaginei se esse dia chegaria. Pensei em Bryan, nos motivos dele. Eu quase podia entender; algo tão útil e poderoso não devia ser um segredo, devia ser compartilhado para o bem de todos. Mas será que era realmente assim que todos os feiticeiros pensavam? Eu havia passado muito tempo na escola lendo sobre as antigas guerras, homens buscando um poder inalcançável, pessoas morrendo pegas no fogo cruzado, tudo por uma pequena coisa chamada controle.

Se os seres humanos descobrissem a magia, pensei, o mundo estaria perdido.

Imaginei se Bryan sabia disso. E se esse fosse seu objetivo, afinal? Destruir a humanidade, usar seu poder para oprimir todo o resto? Isso seria possível?

Enquanto olhava para o anjo pensando em todas essas perguntas, a pedra da qual o anjo era feito começou a brilhar. Um brilho meio avermelhado, como se estivesse pegando fogo de dentro para fora. Pisquei, apavorada, e o brilho aumentou. Percebi que era eu que estava causando aquilo. Minha energia estava muito alterada. Tratei de me acalmar, respirei fundo, e a pedra parou de brilhar.

–Devia tomar mais cuidado com seus poderes, Alice – ouvi Bryan dizer ao meu lado. Pulei de susto; não tinha visto ninguém se aproximando. – Essa é uma cidade pequena, as pessoas falam.

Olhei ao redor. Havia algumas pessoas nas ruas, mas a maioria procurava voltar para casa o mais rápido possível. A presença de Bryan ali deixava todos com uma cautela exagerada. Desde que pessoas desconhecidas tinham chegado na cidade, vindos de um mundo supostamente vazio e em chamas, a população andava sem saber mais no que acreditar.

–Bryan – sussurrei de repente. – Responda-me uma coisa. Com sinceridade.

–Será uma honra, senhorita.

–Por que isso aconteceu? Como acabamos ficando isolados aqui, afinal?

Aquele garoto ruivo desprezível pareceu ficar surpreso pela primeira vez desde que eu o tinha conhecido. Seu sorriso presunçoso sumiu e ele realmente me olhou. Sustentei seu olhar com firmeza. Não ia brigar, nem expulsá-lo da cidade. Só queria respostas, e talvez uma trégua fosse exatamente do que nós precisávamos.

–Isso foi obra de Turner – ele disse por fim, parecendo obstinado. – Vamos nos sentar, e eu lhe conto a história inteira.

×××

Nixland era um pedaço de terra antigo e disputado desde os tempos medievais. Apesar das condições climáticas desfavoráveis, aquele lugar tinha literalmente uma magia que atraía os povos. Mais especificamente, atraía os Druidas, e outros como eles. Diziam que as montanhas que cercavam a cidade eram cheias de cavernas com pedras preciosas, que a água do lago tinha propriedades mágicas, e por séculos, foi ali que esse povo se escondeu das maldades do resto do mundo.

Então, homens que sabiam da existência da magia resolveram procurar os Druidas para usar sua magia em seus próprios interesses materiais e mundanos. Nixland foi corrompida por guerras, sangue inocente e maldições lançadas dos leitos de morte. Os homens que tinham ido aprisionar os Druidas se interessaram pela cidade, pois acreditavam que era de lá que eles tiravam sua magia e poder. Então expulsaram todos e espalharam suas teorias sem fundamento, de que a terra daqui os deixaria poderosos e invencíveis.

Agora eram as leis dos homens que comandavam o lugar. Nomeou-se um rei, e seu filho o príncipe. Até que o príncipe assumiu como rei, e assim continuou, em uma eterna espera, até que finalmente pareceram se esquecer do porque de terem ido parar ali. Três intermináveis séculos se passaram, então os Druidas voltaram. Pacificamente, se instalaram na cidade como se fossem apenas simples viajantes procurando outro lugar para morar. Por um tempo, tudo estava na mais perfeita paz, ninguém sabia do segredo deles. Acontece que a volta dos Druidas, por azar, coincidiu com a ascensão de Turner ao trono.

Vincent Turner era, a princípio, inofensivo. Muito jovem quando assumiu a coroa, organizava belos bailes todos os meses, paquerava todas as moças da cidade, com educação, claro, e tinha um fraco por corridas de cavalos. Tratava o povo como se fossem amigos de infância, e um de seus verdadeiros melhores amigos era, sem que ele soubesse, filho de um Druida e, por consequência, um jovem aprendiz de feitiçaria. Seu nome era Cedric Rider. Eles cresceram juntos, mas Vincent nunca soube da descendência do amigo.

Anos se passaram e Vincent se casou com uma bela moça de uma família nobre. Beatrice. Não demorou muito e descobriram que ela estava grávida do rei, mas Beatrice era fraca, e foi tomada por uma terrível doença que se agravou com a gravidez. Todos estavam convencidos de que ela não sobreviveria ao parto, mas que pelo menos a criança deveria viver. Vincent não conseguia conviver com essa ideia – não queria perder sua esposa. Então passou noites e noites na biblioteca, procurando curas em livros antigos, e acabou encontrando um arquivo de um dos primeiros reis sobre os Druidas. Ficou chocado com a história, mas não perdeu o foco e continuou a procurar uma cura.

Ao mesmo tempo, Cedric procurava em seus próprios livros por uma solução, pois não agüentava ver seu melhor amigo nessa situação. Encontrou uma mistura de ervas que poderia ajudar Beatrice, e não hesitou em tentar. Fez o melhor que pode, entrou escondido nos aposentos da rainha à noite e deu a poção para ela beber. Imediatamente percebeu uma melhora na expressão dela. Saiu de lá convicto de que tinha salvado uma vida, e que talvez seu povo fosse finalmente ser aceito na cidade.

Beatrice apareceu no outro dia com uma melhora considerável, e o rei pela primeira vez teve o vislumbre de esperança pelo qual tanto procurava.

Mas Cedric cometera um terrível engano. Naquela noite, aparentemente do nada, Beatrice foi declarada morta, junto com seu bebê.

Desesperado, Vincent procurou saber o que tinha acontecido para que ela morresse daquela forma abrupta, mas ninguém fazia ideia. Cedric tinha desaparecido, escondendo-se em uma cabana abandonada perto do lago. O rei voltou aos arquivos dos Druidas e descobriu o feitiço usado na sua esposa morta – um que fazia a pessoa parecer melhor poucas horas antes de morrer, para que a morte seja rápida e tranquila. Descobriu nomes de famílias que naquele momento estavam na cidade. Descobriu segredos obscuros dos Druidas que eles próprios já tinham esquecido.

E assim começou a caçada. Vincent culpava esses feiticeiros pelo que havia acontecido com sua esposa e filho, e desenvolveu o tipo de ódio mais puro e letal que um ser humano pode sentir. O resto dos seus dias ele passou caçando e exterminando famílias de Druidas, descendentes, pessoas próximas, pessoas que lutavam para protegê-los – ele venceu todos. Foi um massacre em Nixland. Para que ninguém escapasse, ele colocou na cabeça dos cidadãos mais vulneráveis uma história; a de que o mundo tinha sido destruído em uma guerra e agora se consumia em chamas, em todo lugar, menos aqui. Ninguém podia sair, ninguém podia entrar. E ninguém mais tinha coragem de contestar as palavras dele.

Anos depois, Cedric voltou para a cidade, certo de que se confrontasse seu velho amigo, tudo isso ia parar. Outra vez, estava errado. Quando Vincent descobriu que tinha sido Cedric quem matara sua esposa, tratou de matá-lo na mesma hora, e em seguida perseguiu toda sua família. Apenas seu irmão mais novo, Felix Rider, conseguiu fugir com a esposa. Vincent nunca soube da existência deles.

E assim, Nixland virou a cidade reclusa esquecida pelo mundo, que guarda segredos mágicos e mortes brutais que fazem parte da sua história.

Em sua última batalha, Vincent foi ferido fatalmente por Owen Luminatte durante um ataque ao castelo, que foi destruído pelas chamas. O rei fez o favor de matar Owen enquanto lhe restava forças. Não sabia que ele tinha um filho. Enfraquecido demais, cessou as perseguições, isolando-se num quarto escuro em seu outro castelo e agonizando com sua morte lenta por quase um ano. Deixou o título de rei para seu sobrinho, Stephen. Antes de morrer, passou as instruções necessárias a ele. De que a cidade deveria permanecer esquecida, e as pessoas daqui continuariam aqui para sempre. Só assim os Druidas nunca teriam a chance de voltar, e a mágica seria extinta de Nixland de uma vez por todas.


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Notas finais do capítulo

Comentem, gente :/



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