Terra da Neve escrita por ACunha


Capítulo 12
Capítulo 11




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Ao chegar em casa com Alex no final da tarde, encontramos mamãe sentada no sofá, bebendo chá e conversando... Com Henrique.

Os dois sorriram quando nos viram chegando, e mamãe me disse para subir e me arrumar um pouco. Quase senti enjoo. Alex me deu uma olhada divertida antes de se trancar no quarto para desenhar.

Dei um jeito no cabelo e lavei o rosto, e isso já parecia até demais. Era Henrique, afinal. Não passava de uma mentira muito bem armada, uma chantagem que estava indo longe demais. Ainda assim, eu não conseguia entender. Ele tinha conseguido sua noite; o que fazia na minha casa?

Quando fui descer novamente, hesitei um segundo no topo da escada e ouvi um pouco da conversa deles.

–Sem dúvida, os arquivos são tão antigos quanto essa cidade – mamãe sussurrava.

–Com certeza a família tinha uma história interessante. Fiquei sabendo que um amigo dele chegou recentemente aqui, é verdade? Meu pai não quis me dar mais informações.

–Sim, o jovem Redtorn. Ele veio fazer uma visita para Alice ontem mesmo. Um rapaz maravilhoso, eu imagino.

Henrique não respondeu, e fiquei curiosa para saber no que ele pensava.

–Ainda assim, não consigo confiar naquele garoto... Ele tem um ar de segredos que me deixa insegura, e Alice insiste em ser amiga dele. Agora que as coisas entre vocês dois parecem estar melhorando, Henrique...

–Eu vou protegê-la. Não se preocupe.

Decidi que era o suficiente. Comecei a descer, tomando o cuidado de fazer barulho para que soubessem que eu me aproximava. A conversa cessou.

–Henrique – tentei sorrir, mas tenho certeza de que pareceu uma careta. – O que faz aqui?

–Não posso visitá-la? – ele se levantou e se inclinou para me beijar, mas eu desviei no último segundo, e seus lábios encontraram minha bochecha. Meu rosto esquentou.

–Na verdade, querida, ele está aqui para fazer um convite – mamãe sorria radiante por cima do ombro dele.

–Convite? – minha falsa animação diminuiu consideravelmente.

–Lilian vai fazer vinte e um anos semana que vem, e faremos um baile em sua homenagem. Bem, o jornal vai anunciar a notícia daqui a dois dias, mas eu quis convidá-las pessoalmente. Por favor, nos dêem a honra da sua presença.

Eu reprimi a vontade de revirar os olhos, mesmo achando engraçado aquele falso tom formal que Henrique usava, mas mamãe parecia sem fôlego. Ela assentia animada, de olhos arregalados.

–É claro que iremos! Certo, Alice?

–Certíssimo – concordei com sarcasmo. Henrique encontrou meu olhar, sabendo que eu não estava nada satisfeita com o convite, e sorriu, pedindo desculpas. Por um segundo, me surpreendi percebendo que ele me conhecia mais do que eu pensava.

–O traje, vocês sabem, é de gala. Então... Acho que é só isso. – Ele me olhou de novo, meio hesitante, e imaginei que quisesse me dizer alguma coisa.

–Bem... Vou me despedir dele lá fora – murmurei envergonhada. Mamãe sorriu.

–Claro, querida. Boa noite, Henrique, e obrigada pela visita e pelo convite.

–O prazer foi meu. – Ele fez uma pequena mesura que deixou minha mãe vermelha, e então o empurrei porta afora.

Na varanda, o frio era insuportável. Tinha deixado meu casaco dentro de casa, e pela centésima vez amaldiçoei aquela cidade, por se encontrar em um ponto tão desagradável do planeta. Fitei Henrique com um pouco mais de irritação do que deveria, levando em conta sua delicadeza com minha família.

–O que você realmente queria aqui? – perguntei com os dentes cerrados de frio.

Ele suspirou e se aproximou apenas um passo. Foi o suficiente para passar suas mãos ao redor da minha cintura, me puxando para mais perto. Tentei recuar, mas ele estava tão quente que foi apenas automático. Aceitei seu abraço me aquecendo, tentando não pensar na noite passada.

–Queria pedir desculpas – sussurrou. – Passei o dia pensando... E eu não queria que tivesse que ser dessa forma. De agora em diante, vou conquistá-la da maneira certa. Nada de chantagens, nem segredos, nem jantares sem comida. Quero merecer você – ele me afastou apenas para olhar meu rosto. – Mesmo que leve tempo... Vou fazer a coisa certa.

Eu estava sem palavras, literalmente. Henrique deve ter percebido minha surpresa, já que sorriu, um pouco satisfeito consigo mesmo, e pegou meu queixo com os dedos. Antes que seus lábios encontrassem os meus, encontrei minha voz para perguntar:

–E Darren?

Ele me fitou intensamente por um longo segundo.

–Vou guardar o segredo dele.

–Mas agora estou livre. Não estou?

–Sim – ele assentiu um pouco desanimado. – Está. Não vou desistir, Alice, mas você pode dizer não. Se quiser.

Abri a boca para formular aquele “não”, mas não consegui. Toda a vontade de mandar Henrique para o inferno tinha subitamente desaparecido. Ele estava diferente, era teimosia minha não admitir isso. Por que não dar uma chance?

Talvez ele tivesse me usado. Talvez, um dia, eu tivesse sido para ele apenas mais uma das várias conquistas. E talvez ele tivesse me iludido, só um pouquinho.

Mas era passado.

Tínhamos novas vidas pela frente.

Pensando nisso, eu comecei a me inclinar para dizer “sim”, mas nesse momento um vulto passou ao nosso lado. Virei com o coração aos pulos, e encontrei uma silhueta parada do outro lado da rua. Mesmo de longe, e sob aquela luz fosca dos postes, reconheci o cabelo ruivo. Minhas mãos se fecharam em punhos.

–O que está fazendo aqui? – gritei.

Ouvi uma risada baixa, mesmo do outro lado da rua, e ele começou a andar na nossa direção. Hesitei, mas fui ao seu encontro, reunindo uma coragem que nunca pensei que tivesse. Henrique permaneceu na varanda, como se soubesse que se tratava de algo louco demais para entender.

–Estou ficando cansado de esperar por você, querida – Bryan sorriu para mim, e eu reprimi um calafrio. – Pensei que tivesse deixado minha proposta explícita.

–Suas ideias são loucas, Bryan – consegui responder. – E impossíveis. Darren me avisou sobre o que você planeja, e honestamente? Prefiro morrer nesta cidade do que me juntar a você.

–Você? Morta? Isso não faz parte do plano. – Seu sorriso aumentou, e eu comecei a ficar realmente com medo. – No entanto, se está em dúvida quanto a que caminho seguir, deixe-me ajudá-la a decidir.

Ele estalou os dedos, e ouvi um grito atrás de mim. Virei e vi Henrique no chão da varanda, se contorcendo em agonia, agarrando o pescoço como se mãos invisíveis o sufocassem.

–Não! Pare! – gritei, mas Bryan continuou com o feitiço. Corri para o lado de Henrique, mas não sabia o que fazer para ajudar.

–Ainda não sabe o que fazer? É uma pena. – Bryan deu de ombros e esticou a mão na direção de Henrique. Ele gritou de dor. Se a tortura era física ou psicológica, eu não tinha certeza, mas não importava. Bryan estava matando Henrique.

Respirei fundo e estiquei minhas mãos. Eu só tinha praticado uma única vez, mas teria que funcionar. Foquei na energia que Bryan emanava, um campo magnético quase visível ao seu redor, e me concentrei em enfraquecê-lo.

Segundos se passaram, e Henrique continuava em agonia. Bryan gargalhava.

–Sugar meu poder? Essa foi sua primeira ideia? – ele riu. – Você não sobreviveria um dia em uma guerra de verdade.

Balancei a cabeça e fechei os olhos, mudando meu foco. Senti minha própria energia, me concentrei nela, me esqueci do frio e usei a dor de Henrique para me dar forças. Levantei minha mão e abri os olhos. As palavras vieram de alguma parte obscura da minha consciência, e eu não sabia exatamente o que significavam, mas sabia do poder que tinham.

No segundo seguinte, eu tinha formado um pequeno furacão na minha frente.

A neve se misturava com o vento, formando um muro entre Bryan e eu. A conexão que ele tinha com Henrique diminuiu um pouco enquanto ele se preocupava em amenizar a pequena tempestade que eu estava causando. Aproveitei a brecha para tentar enfraquecer seu poder novamente, e dessa vez tentei com mais vontade, mais confiança.

Praticamente pude sentir a energia de Darren do meu lado.

Empurrei mentalmente o furacão para frente, e Bryan foi arremessado para longe. Henrique relaxou ao meu lado, e eu suspirei de alívio. Quando a tempestade se acalmou, procurei ao redor, mas Bryan não estava em lugar nenhum.

Tinha acabado. Por enquanto.

×××

–Por que não me disse que também era... Como ele? – Henrique perguntou com a voz fraca, sentado na varanda de casa apertando o casaco ao redor dos ombros largos. Eu estava ao seu lado, manipulando o ar ao nosso redor apenas o suficiente para que ficasse um pouco mais aquecido.

–Faria diferença? – dei de ombros. – E, afinal, eu não tive exatamente muito tempo para explicar tudo. Estava ocupada demais odiando sua chantagem.

–Desculpe – ele abaixou os olhos, envergonhado. – É só que... Se eu soubesse, acho que teria protegido você. Ou chantageado mais ainda, é difícil saber – ele deu um sorriso sem graça, e eu não me segurei. Soltei uma risada.

–É bom ver que você consegue lidar bem com tudo isso. Temo que as próximas semanas, com Bryan por aqui tentando me passar para o lado dele, serão bem... Agitadas.

–Entendo. – Ele assentiu, pensativo, então sorriu. – Gosto de agitação.

Henrique então me puxou de surpresa, me segurando no seu colo, e me beijou de uma forma que fez a temperatura realmente subir. Fiquei sem reação por um momento, e depois não consegui segurar uma risada. Abracei seu pescoço, relaxando de verdade pela primeira vez nos braços dele.

–Hmmm... Alice?

Meu coração deu um pulo, e eu me afastei de Henrique quase automaticamente. Darren estava parado a uns cinco metros de nós, com as mãos nos bolsos, nos encarando com a testa franzida.

–Darren! – exclamei surpresa, e meu rosto começou a pegar fogo. – O que... Não... Por que... ?

Ele olhou desconfiado para Henrique, e praticamente li seus pensamentos.

–Henrique sabe de tudo, não se preocupe – sussurrei, prevendo sua reação. Darren começou a falar alguma coisa, os olhos escurecendo visivelmente, e eu me adiantei: - Ele descobriu, e eu não tive como negar. Foi uma longa história, que eu não gostaria de lembrar agora. O que está fazendo aqui?

Ainda podia sentir que ele estava chateado. Queria uma forma de fazê-lo entender o que havia acontecido sem condenar Henrique, mas percebi que estava cansada. Realmente cansada. Desgastada. Mal conseguia me manter de pé.

–Henrique... – olhei para ele. – Podemos continuar... Isso... Amanhã? Preciso falar com Darren sobre... Sabe, essas coisas.

–Claro – ele se levantou prontamente. – Meu pai já deve estar desconfiando mesmo. Ele sabe que eu vim ver você.

–Falando no seu pai... – não pude evitar uma pequena careta. – Se importa de mantê-lo bem longe de Bryan?

–Será um prazer – ele sussurrou, então se aproximou e me beijou de leve nos lábios. – Até amanhã. E boa noite.

Mal percebi que tinha anoitecido. Olhei para cima, e o céu cinzento estava realmente mais escuro. A neve havia parado, até que enfim. Henrique passou por mim e parou na frente de Darren.

–Cuide dela, Rider – disse calmamente, mas com determinação. – Eu o faria se tivesse esse poder. E... – ele parou, decidindo se dizia algo ou não. Por fim, deu de ombros. – Proteja ela, porque ela protegeu você. E não são muitas as garotas que fariam o que ela fez.

Corei novamente. O que ele estava dizendo?! Darren me olhou curioso por cima do ombro de Henrique.

–Boa noite... Sua alteza – disse sem desgrudar os olhos de mim.

Henrique riu uma vez sem humor e caminhou para longe. Eu e Darren esperamos ele dobrar a esquina, no fim da rua, sem desviar o olhar.

–Então – Darren sussurrou.

–Oi – sussurrei de volta, a voz meio entrecortada por alguma razão. – Então... Hum... Bryan esteve aqui.

–Eu sei. Por isso eu vim. – Ele se aproximou até parar do meu lado na varanda. – Você está bem?

–Sim, claro – menti. Eu sentia que meus membros eram feitos de pedra. Mas fora o cansaço, estava tudo normal. – O alvo dele foi Henrique, não eu.

–Você o protegeu. – Ele apertou os olhos, provavelmente lembrando-se das palavras de Henrique.

–Eu fiz o que tinha que fazer – levantei o queixo, desafiando-o a me contrariar.

Darren abriu a boca para dizer algo, mas se limitou a balançar a cabeça, olhando para outro lado.

–Odeio quando faz isso – sussurrei.

–O quê?

–Você começa a dizer algo e depois muda de ideia. Apenas fale de uma vez, não pense demais.

Ele me encarou, os olhos lentamente voltando ao verde, e então passando para um azul suave enquanto um sorriso divertido se abria em seu rosto. Não entendi, mas senti meus lábios corresponderem seu sorriso. Algo lá no fundo da minha alma se agitava. Era uma sensação estranha, não exatamente agradável, mas eu gostava.

–Se eu saísse falando tudo que me passa pela cabeça, srta. Luminatte... – ele revirou os olhos e riu. Logo em seguida voltou a ficar sério. – Não está se sentindo cansada?

Suspirei.

–Demais – admiti.

–Foi o que eu pensei. Senti sua energia bloqueando Bryan lá da cabana. É perfeitamente normal que esteja exausta. Acho que seria melhor você ir dormir.

Essas palavras pareciam um canto angelical para mim, mas eu não estava pronta para ir dormir ainda.

–Darren, escuta. Desculpe por ter envolvido Henrique nisso, acredite, eu não queria, e desculpe por não ter contado sobre ele... E eu... Enfim. – Enquanto eu falava, Darren balançava a cabeça, querendo desesperadamente que eu parasse.

–Alice – ele segurou meus ombros gentilmente. – Eu não tenho nada a ver com o que acontece entre você e o príncipe. Desculpe se eu dei a entender que... Senti alguma coisa sobre isso. Não gaste sua energia explicando coisa alguma, não é da minha conta. Mas eu só estou curioso para saber uma coisa.

Seus olhos estavam bem perto dos meus. Sua boca também. Isso me desconcentrou um pouco.

–E... O que seria?

–Você concordou em ficar com Henrique para me proteger?

Arregalei os olhos, pega completamente de surpresa.

–Bem... Sim – confessei. – Ele descobriu e... Ameaçou contar para o rei. E Darren, você não tem ideia, o Stephen ficaria louco se soubesse. Você estaria morto na manhã seguinte. Eu... Não queria que isso acontecesse, então sim, concordei em fazer isso. Não foi grande coisa, de verdade – continuei, enquanto ele ia arregalando os olhos a medida que eu falava. Sua expressão era indecifrável. – Eu não esperava que chegasse tão longe, e hoje Henrique disse que não ameaçaria mais você, que queria me merecer.

–E você acreditou nele?

–Eu o conheço – afirmei com convicção. – De uma forma muito, muito estranha, ele parece gostar de mim. De verdade. E agora ele sabe que eu também tenho magia. Não vai nos expor a Stephen.

Darren ainda parecia desconfiado, mas seus olhos continuavam azuis.

–Tem certeza?

Era só com isso que ele se importava? Comecei a sentir algo parecido com desapontamento.

–Absoluta. Henrique não vai ameaçar nossa segurança...

–Não, eu quis dizer: tem certeza que ele gosta de você? Tem certeza do que está fazendo? – Darren me encarava com uma intensidade de tirar o fôlego. Meus lábios se separaram um pouco, eu podia ver minha respiração no ar.

–Eu... – não sabia o que dizer. – Eu acho que gosto dele. O suficiente pra lhe dar outra chance. – Era isso que ele queria ouvir?

Algo parecido com desapontamento surgiu na expressão dele dessa vez, e seus olhos voltaram para o tom esverdeado.

–Tudo bem então. – Gentilmente, ele afastou uma mecha de cabelo que estava na frente do meu rosto. Seu toque agitou meu interior novamente daquela forma estranha. Quis que ele continuasse, e fiquei imaginando o que isso significava.

–Você realmente devia ir dormir. Boa noite, Alice.

Então, sem esperar resposta, Darren se virou e foi embora. Não conseguia encontrar minha voz para lhe dizer alguma palavra de despedida. Simplesmente dei meia volta e entrei em casa.


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