Cisne Negro escrita por Gerome Séchan


Capítulo 7
A Lenda de Camelot – Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Personagem no banner: Arthur Pendragon

Arthur conduz os viajantes ao castelo de Camelot, onde eles são recepcionados por Morgana, sua meia-irmã e sacerdotisa de Avalon. Acontece o reencontro com Regina e Henry e a sacerdotisa oferece uma solução para reverter a maldição das Trevas sobre Rumplestilskin.
Capítulo dedicado a 3 pessoas especiais: a HarleyQ pela incrível recomendação e super comentários, à sempre tão atenciosa Deschain pela avaliação minuciosa nos comentários e a Brasileírissima, a mais recente leitora e bastante participativa. A vocês, um muito obrigada!
Personagens: Morgana | Arthur| Merida | Dark Emma | Rumplestilskin/Dark Rumple | Mary&David | Belle | Henry



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Os contornos do castelo de Camelot surgiram na paisagem e Arthur anunciou que eles haviam chegado à capital. Deitado na carroça que o destacamento do exército havia trazido antes de ser chacinado, Rumplestilskin era acometido de um intenso pesadelo no qual ele voltava a assumir a forma do Senhor das Trevas.

...

Emma não tinha certeza de estar acordada ou adormecida. O feitiço havia funcionado; ela não estava mais presa na redoma. Mas sequer havia viajado para qualquer dimensão ou mundo conhecido.

A Rainha das Trevas estava em um salão escuro onde sua magia não parecia funcionar. Por cinco vezes ela invocou bolas de luz, tochas, chamas, mas de nada adiantara. Ela tateou ao seu redor, tomando cuidado para não tropeçar em seu belo vestido quando ouviu-se um estalo detrás dela e uma luz forte quase a ofuscou.

Seus belos olhos se acostumaram à luminosidade e ela reconheceu o interior de um castelo. No canto da sala havia uma solitária roda de fiar.

— Rumplestilskin. – veio a associação automática.

Uma risadinha ecoou no recinto e ela se deparou com o gnomo sentado em uma das extremidades da longa mesa de banquete. Os olhos reptilianos de Rumple cintilavam com sua intensidade natural e os pelos em seu braço se arrepiavam. Ele estava excitado em reencontrá-la.

Emma apertou os olhos e sua postura se enrijeceu. Ele era a última pessoa com quem ela queria dialogar.

— Mas olha só quem está de volta! – ele disse em voz aguda, levantando-se da cadeira com um ímpeto – Alguém descobriu como projetar a mente para além de sua casca mortal! Mal adquiriu seus poderes e está fazendo progresso rápido! E eu que pensei que nunca mais a veria, Majestade. – ele se curvou de um jeito exagerado, mais como deboche do que de reverência.

Rumple a encarou de cima a baixo, apontando para a aparência dela enquanto reparava no vestido.

– Tem algo de diferente em você. Hum... Acho que são os seios. É impressão minha ou você abriu ainda mais seu decote?

Emma olhou para o busto e depois para o gnomo de novo. Seu olhar de desprezo se acentuou mais ainda.

— Não entendo por que vocês, mulheres, fazem questão de empiná-los. Todas vocês fazem isso. Regina, Zelena, até a Fada Azul. –ele começou a contar nos dedos- E ela é toda puritana. O que é isso, algum ritual de passagem? Algum código secreto de vocês? “Sou poderosa, seu miserável, não está vendo meu decote? Curve-se a mim ou vou te transformar em uma barata e te esmagar com meu salto alto!”

A Rainha das Trevas fechou a cara. — Eu vim fazer uma proposta. Uma que você vai descobrir que será muito lucrativa para nós dois.

Rumple fingiu que não tinha escutado.

— Ah, já sei! –ele estalou os dedos- Largou de vez o pirata. Está de namorado novo, não é? – ele perguntou, sorrindo de ponta a ponta.

— Pare com a palhaçada! Não me faça perder tempo. Eu quero falar com o Gold. – Emma exclamou, frustrada.

— Eu temo que o Senhor Gold não esteja aqui, querida. Só tem a mim agora. – ele respondeu em tom sombrio.

— Eu não quero falar com você. – ela retrucou de mau humor.

Rumple fez uma expressão fingida de mágoa, exagerando de propósito.

— Assim você fere meus sentimentos. – ele pousou a mão sobre o coração, boquiaberto.

Emma perdeu a paciência e avançou em sua direção.

— Seu filho da...

— Ah, ah, ah! – ele estendeu a palma aberta, pulando alguns passinhos para trás. – Não adianta me ameaçar. Você não está no mundo real, querida. Lembre-se: esta é a minha mente. Portanto, é o meu domínio. – ele enfatizou.

Ela foi obrigada a inspirar repetidas vezes até se acalmar. O gnomo mantinha a calma, apesar de ser o alvo de seu olhar assassino.

— Está bem. Parece que não tenho escolha. Se eu quiser fazer isso, vou ter de fechar algum acordo sórdido com você, não é?

Rumple uniu as palmas abrindo um largo sorriso, extasiado com a escolha de palavras.

— Acordos são o que eu faço de melhor. –ele disse em voz suave.

— Então o que eu vou lhe propor vai lhe interessar bastante. Você um dia foi o ser mais poderoso de todos os reinos.

Os olhos de Rumple faiscaram.

— Fui. Passado. Infelizmente. –ele comentou.

— Reis e rainhas negociavam diretamente com você. Todos faziam deferência às suas palavras. Todos tinham igual pavor da sua ira. A mera menção do seu nome provocava um terror instintivo nas pessoas. Não é à toa que pronunciá-lo foi proibido em algumas regiões da Floresta Encantada. E ninguém, não importa o quão poderoso ou influente fosse, ousava levantar a voz contra você. Não importava quem sentasse no trono. Você, e somente você tinha o poder absoluto.

Os olhos de Rumple perderam seu foco enquanto ele se recordava de sua vida anterior.

— Lembra-se de qual era a sensação de ser o Senhor das Trevas?

— É claro que me lembro. –ele disse com satisfação mal disfarçada.

Emma lambeu os beiços, encarando-o tão de perto que a ponta de seus narizes quase se tocavam, e lhe fez uma oferta que ele não poderia recusar.

— E se eu compartilhasse meu poder com você?

O gnomo ficou estático e seu eterno sorriso debochado pareceu sumir do rosto.

— Todo o seu poder? – ele estremeceu ao fazer a pergunta.

— Todo o meu poder. – ela repetiu suas palavras.

Rumple lhe deu as costas, considerando a oferta. Em seu íntimo, Emma sorria, satisfeita de tê-lo impressionado.

— E como você pretende fazer isso? Só pode ter um Senhor das Trevas por vez!

— Você sabe como é o processo. Tenho certeza que as Trevas dividiram com você todos os seus segredos. Até os que ela não precisava dividir. – ela abriu um sorriso confiante.

O gnomo sabia que ela dizia a verdade.

— E então? Temos um acordo? Você me deixa entrar e eu lhe deixo reviver seus dias de glória como Senhor das Trevas?

O brilho nos olhos de Rumple acendia e apagava de hesitação. Emma prendia a respiração, aguardando a resposta...

— Você é uma coisinha gananciosa, não é?

Emma se manteve calada.

— Digamos que eu deixe você entrar. E então? Você vai ter controle total sobre mim. Você vai controlar meus pensamentos, vai controlar meu corpo. Você vai ter a liberdade de fazer o que quiser comigo. Como uma marionete! Até mesmo, digamos, me fazer matar Regina. – ele sugeriu.

— Vamos estabelecer algumas regras. – ela disse.

— Naturalmente.

Emma sugeriu que ela dividisse o poder com ele apenas quando ele a chamasse através do pensamento. E que durante a possessão, ela se limitaria a assisti-lo enquanto ele fizesse uso das Trevas.

— Aham. –ele fez, tocando o lábio inferior com o indicador enquanto considerava a proposta dela – Você vê, eu ainda não estou convencido de que posso confiar em você. O que você me oferece como garantia de que não vai abusar de seus poderes? Porque eu abusaria, sabe... a não ser que abuso das duas partes constasse como prática proibida em um contrato. – Sua mão sacudiu uma vez, produzindo um contrato em pergaminho.

Emma estendeu a mão para pegá-lo, mas Rumple o afastou, erguendo um dedo para ela.

— Não preciso lembrá-la de que toda magia...

— ...vem com um preço. – ela disse, recitando a frase junto dele.

Ela estendeu a mão mais uma vez, mas Rumple afastou o contrato de novo.

— Não pense que porque você agora detém o poder das Trevas que um contrato mágico não tem nenhuma validade sobre você. Depois de ter assinado, se você violar os termos, vai perder tudo que mais ama. Não sou eu que faço as regras, querida. Essa é a natureza da magia. – ele acrescentou, sendo alvejado por aquele olhar assassino de novo.

Rumplestilskin encarava fundo aqueles belos olhos azuis e sua respiração fazia as mechas soltas do cabelo loiro flutuarem pelo rosto gracioso. O olhar de Emma desceu até seus lábios e ambos ficaram em suspensão por alguns estranhos segundos. Antes que ele tivesse a chance de perguntar o que ela estava fazendo, a mulher arrancou o contrato de sua mão, afastando-se a passos acelerados.

Rumple caminhou até uma das janelas, debruçando-se sobre o parapeito. Os minutos passavam.

— Decida-se logo, querida. Não tenho todo o tempo do mundo.

Emma devorou cada linha do documento, procurando por qualquer coisa que pudesse se voltar contra ela no futuro. O homem lhe deu outro aviso e, contra seu melhor juízo, ela resolveu assinar.

— Aqui. –ela lhe devolveu o contrato, que Rumple enrolou com as duas mãos, e a pena, que ironicamente foi extraída de um cisne negro.

— E agora? Você vai me contar onde está para eu poder encontrá-lo com a mente?

Uma das cortinas que estava meio solta se desprendeu da janela e revelou o nascer do Sol. O gnomo soltou um gritinho excitado e recuperou sua típica compostura descontraída.

— Mas olha só isso. Já é de manhã! Infelizmente, meu tempo acabou. Temo que não vou poder dar minha resposta hoje, Majestade. – ele disse, fazendo um floreio com a mão.

Rumple lhe deu as costas novamente, caminhando em direção ao espelho da sala, ocultado em um canto na penumbra. A respiração de Emma se acelerou ao vê-lo partir.

— Espere! E quanto à minha proposta?

Rumple lhe devolveu um último olhar.

— Isso é algo que você deve perguntar a ele. – o gnomo apontou para o espelho, onde estava refletida a imagem de Gold - Quem dá as cartas aqui é ele. Eu sou apenas uma memória. Um fragmento perdido no tempo. No tempo, querida! Não se esqueça! – ele enfatizou.

O gnomo soltou uma risadinha e atravessou o espelho. Em um ímpeto desesperado, Emma correu até o objeto e encarou sua superfície com ar aflito até não aguentar mais e descontar sua fúria, desferindo-lhe um soco.

— MALDIÇÃO!

O vidro se estilhaçou e refletiu múltiplas imagens de Emma, todas cerradas em uma expressão de ira. Seu punho sangrava e algumas lascas haviam entrado em sua carne. Mas a dor sequer chegava a lhe incomodar. A ilusão se desfez e ela se viu de volta na redoma. Seu coração batia com tamanha intensidade que ela mal conseguia pensar.

— Aquele palhaço. Eu sabia. Falar com ele não passou de uma total perda de tempo. – ela murmurou na solidão de sua jaula.

O Cisne Negro andava em círculos, repassando os últimos acontecimentos, tentando encontrar uma saída que ela tivesse ignorado... mas não importava o quanto ela pensasse, tudo era um grande desperdício de tempo.

Tempo... ela precisava de tempo...magia do tempo. Era isso!

Se fugir da redoma era impossível, então ela precisava voltar no tempo. Mas até que época?

Espere. Aquele velho miserável não havia mencionado o nome de Merlin?

— É isso! Eu preciso...

As Trevas dentro de sua alma estremeceram. Merlin. O mago que havia subjugado o Mal na Aurora dos Tempos. O mago que havia forjado seus grilhões ao forçar as Trevas a ficarem presas a uma alma humana, condenadas a reencarnar neste mundo para todo o sempre...

Emma fechou os olhos e pediu que o monstro dentro dela se acalmasse. Juntos, eles encontrariam um jeito. Eles venceriam no final.

Voltar no tempo usando a mente e se materializar usando um feitiço... não seria tarefa fácil. Se ela falhasse, ficaria presa no vácuo entre as dimensões. Mas ter a chance de encarar Merlin, sabendo como ele havia lhe subjugado em primeiro lugar...

E se as Trevas derrotassem Merlin antes que ele tivesse a chance de encarcerá-las?

O mero pensamento enchia as Trevas com um senso de propósito. O monstro na alma de Emma ronronou de prazer.

— Então o que estamos esperando?

O Cisne Negro irradiou uma luz fantasmagórica e sua silhueta se desfez em mil plumas negras antes de desaparecer da redoma.

.

De volta a Camelot...

Os portões da capital se abriram e o povo deu passagem ao rei e sua pequena comitiva. Ao adentrar o castelo, Arthur foi recepcionado pela criadagem. Ele deu graças aos céus que não havia visitantes no momento e as formalidades puderam ser dispensadas.

Arthur removeu sua capa e acessórios de viagem, entregando-os aos vassalos. Ele mandou um servo chamar Merlin com urgência. Havia um homem assolado por espíritos maléficos que precisava de cuidados imediatos.

O servo respondeu, contudo, que o bardo estava ausente.

— Ele ainda não voltou de viagem?

O homem respondeu que não, dizendo que haviam tentado enviar um mensageiro para Glastonbury, onde ficava Avalon, mas os sacerdotes tampouco sabiam seu paradeiro.

Sem desperdiçar tempo, o rei então ordenou que chamassem um padre e o curandeiro.

Arthur foi até a carroça, observando o homem agonizante em silêncio.

— Nunca vi magia capaz de fazer isso. Ele está possuído por algum feitiço muito forte. –ele comentou, reparando nas feições inumanas de Rumplestilskin.

Belle, que estava sentada ao lado do marido, segurava sua mão, forçando-se a conter as lágrimas.

— Você não tem medo de pegar a maldição? –ele perguntou com delicadeza.

A mulher sacudiu a cabeça, apertando os lábios.

— Eu sei que o que o aflige não é um problema causado por magia. É um problema de consciência. E eu não vou abandoná-lo na hora que ele mais precisa de mim.

As palavras dela fizeram Arthur sorrir.

— Ele tem sorte de ter uma esposa como você.

Na mesma hora ele estranhou a ausência de Guinevere.

— Você. –ele chamou um criado com autoridade na voz – Por que minha esposa está demorando tanto a sair do quarto? Vá até lá e chame-a para o salão.

— Lancelot e sua esposa saíram agora há pouco, Majestade. Não faz nem uma hora que eles montaram em um cavalo e cavalgaram até a cidade vizinha. – ele informou.

Arthur estranhou a iniciativa da esposa em deixar o castelo durante sua ausência. As mulheres jamais ousavam sair das terras do marido. Era o costume aguardar seu retorno para sua própria segurança. E por que Lancelot cavalgava com ela? Se ela quisesse proteção, um destacamento do exército seria o apropriado para acompanhá-la na viagem.

— Aonde eles foram?

O vassalo lhe entregou uma carta e o rei pediu licença, se afastando por um momento. As portas do corredor da ala leste se abriram e por elas vieram duas pessoas que o grupo pensava jamais encontrar novamente...

Mary exclamou o nome de Henry e o garoto veio correndo em seu encalço. Sua mãe, Regina, vinha logo atrás, sem demonstrar, mas aliviada de reconhecer rostos familiares naquele ambiente estranho.

— Seja bem-vinda, Regina. – disse David, cumprimentando-a com um sorriso sincero.

Regina lhes contou que, após a destruição de Storybrooke, ela e o filho acordaram em quartos separados no castelo. Os curandeiros vigiaram-nos por dias e noites, e contaram que eles ficaram inconscientes por dois dias.

Quando se sentiam melhor e puderam deixar seus leitos, eles foram visitados pela pessoa que os encontrou e providenciou os devidos cuidados médicos. Segundo ela, Regina e o filho surgiram desmaiados no pátio do castelo.

— Quem resgatou vocês?

Regina se virou em direção às portas por onde veio, e o casal reparou em uma mulher de estatura pequena, pálida como a Lua e com longos cabelos negros lisos.

Ela trajava o vestido de uma nobre da alta estirpe e sua fronte era adornada com uma tiara prateada. Apesar dos trajes dignos de uma dama da corte, alguma coisa nela destoava do ambiente formal, como se ela contivesse um certo atributo misterioso que a fazia pertencer ao mundo da natureza e seus elementos. Suas sobrancelhas retas e queixo levemente erguido faziam sua presença exalar autoridade. Para todos os efeitos, ela continha tamanha imponência que a figura de Arthur empalidecia em comparação a ela.

— É ela?

Regina confirmou com a cabeça que sim.

Henry foi até a carroça, reparando na forma inconsciente do avô enquanto sua mãe conversava com o casal.

— Ele está assim desde a luta na floresta. – Belle disse.

— Ele usou magia negra de novo?

Ela confirmou.

O garoto segurou a outra mão do homem, fitando-o em silêncio. Rumplestilskin parou de agonizar e seu semblante agora parecia relaxado, como se ele estivesse apenas dormindo.

Belle moveu o olhar do marido ao garoto, tentando entender se Henry havia mesmo dado um fim ao tormento dele ou se era só sua imaginação.

— Ele ainda precisa de ajuda. –foi tudo o que o menino disse, preferindo manter a verdade em segredo por enquanto.

A dama que havia resgatado Henry e sua mãe se aproximou do grupo. Quando ela falou, sua voz soava mais grave que a de uma mulher comum. E o som que saía de seus lábios era aveludado.

— Saudações, estrangeiros. O mensageiro me contou que vocês salvaram a vida do meu irmão. Camelot lhes agradece por seu serviço.

A mulher parou de falar por um instante, pressentindo a inquietação dos estranhos.

— Eu ia oferecer uma recompensa como gratidão e uma noite de repouso no castelo... Mas eu sinto que vocês vieram a Camelot com um propósito.

Mary e David se entreolharam, impressionados com a intuição dela.

— Por favor, nós precisamos ver Merlin. É urgente. Arthur nos contou que a gente poderia encontrá-lo aqui, mas parece que ele partiu em viagem e até agora não voltou. – David disse.

— Por favor, se você souber onde ele está... estamos desesperados. – Mary implorou.

A mulher olhou de relance para a carroça logo atrás do grupo. O homem deitado na palha parecia atormentado por uma forte presença espiritual. Na hora, ela compreendeu tudo.

— Se eu soubesse onde ele está, levaria o amigo de vocês imediatamente à sua presença. Eu cuido de seus assuntos na ausência dele.

— Mas nós precisamos de...

Mary deu um tapa no braço de David, dando a entender que ele se calasse. Ela sorriu e agradeceu à mulher, dizendo que eles procurariam ajuda com um padre que conhecesse medicina.

— Os padres não têm como curar seu amigo. –a mulher argumentou- Tudo que eles vão fazer é jogar água benta e pronunciar uma prece em latim enquanto o deixam agonizar até a morte. Ele precisa de alguém que conheça a natureza das doenças espirituais.

A mulher hesitou por alguns segundos, incerta se deveria revelar o que estava pensando.

— Há um lugar onde doenças espirituais podem ser curadas. Mas isso vai requerer que vocês tragam seu amigo até lá. Eu posso conduzi-los, se desejarem.

David perguntou que lugar era esse, ao que a mulher respondeu ser Avalon.

— Espera. Espera aí. Eu sei quem você é. Você é Morgana, a Bruxa de Camelot! –Merida disse de repente, atraindo olhares de espanto- Meu pai me contou tudo sobre você. Você influencia a mente do rei com as suas palavras venenosas.

— Merida! – Mary exclamou, assustada com tamanha falta de educação.

Mas Morgana reagiu ao comentário de um jeito que ninguém esperava.

— Então o que você está sugerindo é que Arthur não tem capacidade de pensar por conta própria? – a sacerdotisa insinuou.

— Você usa magia para fazer a cabeça dele! – Merida repetiu, insegura.

— Hum. E você sabe de onde vem a palavra bruxa? Quem a colocou na boca do povo e a tornou uma coisa natural de se dizer às mulheres? Ou você só repete as palavras que seu pai lhe ensina? –ela recriminou a menina, sem ameaçá-la, nem alterar a voz.

O rosto de Merida corou mais do que um camarão exposto o dia todo ao Sol.

— Os padres não gostam da confiança que Arthur deposita em uma sacerdotisa de uma religião que não seja a cristã. Eles querem que Arthur jure fidelidade somente ao seu deus único. Por isso tentam me difamar a todo custo. Chamando-me de bruxa, feiticeira e coisas piores. –ela esclareceu.

— Mas você faz rituais. Você vai para uma ilha fantasma e faz feitiçaria lá. Mexendo em um caldeirão onde coloca ervas e partes de animais mortos. Contra o rei.

— Isso quem faz são os caixeiros viajantes, bruxos e mestres na arte da confecção de poções. – ela respondeu - Eu sou uma ameaça simplesmente por ter o ouvido do rei. Tenho minha magia, sim, mas os padres também têm a sua. Ou você acha que eles não manipulam a população com o seu conto de fadas sobre o Céu e o Inferno, usando ameaças como a danação eterna se você pecar e em como apenas Cristo, seu homem santo, pode salvá-los de sofrerem pela eternidade? Com suas batinas negras, que fecham seu campo astral a influências externas? Com sua pose de santo e seus ouvidos abertos a toda fofoca que corre no reino e deságua nos confessionários? Pois são eles os espiões de Roma, que deseja a todo custo sujeitar a Bretanha ao domínio romano e enriquecer ainda mais o Império. –ela disse.

— Mas por que os padres não gostam de você? Tem de ter uma razão. Alguma coisa você fez. Por que você não aceita a religião oficial e prova que não é uma ameaça para ninguém? Por que insistir em acreditar em deuses que não existem?

— Existem várias religiões neste mundo, criança. E todas coexistiram em seus universos particulares até a chegada da religião do Cristo. Mas a do Cristo quer se impor absoluta sobre todas as outras. E para isso, ela declara guerra a todos que não se converterem. Aos olhos de Roma, aqueles que resistem não têm o direito de viver. Devem ser torturados e mortos para servir de exemplo aos demais. Matar e torturar: são essas ações coerentes com a filosofia do Cristo branco? É isso que o profeta ensinou aos seus seguidores? Isto é amar o próximo?

Merida se retraiu e ficou em silêncio. A sacerdotisa continuou a falar.

— Quem é o bruxo nesta história? Quem está enfeitiçando os governantes da Bretanha com suas promessas de apoio de Roma e alianças políticas para submeter reis e rainhas à sua vontade? Eu, que busco preservar a minha religião de um inimigo implacável, que faz de tudo para me destruir, para apagar minha existência do mundo? Ou eles, que condenam toda fé diferente da sua como sendo Obra do Diabo?

Sua respiração estava acelerada e a ruivinha dava a impressão de que se segurava para não chorar. Ela não havia considerado que talvez a versão que circulava no reino sobre Morgana fosse tendenciosa. Há muito tempo, seu pai havia lhe ensinado que duas coisas não tinham volta: a palavra proferida e a flecha atirada. Agora ela se arrependia das duras palavras que proferiu. Ela não queria ter ofendido a mulher daquele jeito.

— Está tudo bem. É melhor você confrontar alguém para descobrir a verdade do que viver sob o tormento da dúvida. Há muita sabedoria em se arriscar desse jeito. Mais do que as pessoas acreditam. E o fato de você não ter recuado na minha presença, de ter enfrentado minha autoridade de peito aberto, é prova de sua bravura.

Merida ergueu o rosto, boquiaberta e seus olhos brilhavam. Era a primeira vez que alguém lhe emprestava um elogio à tendência que sua mãe costumava chamar de rebeldia. Ela não era rebelde. Ela apenas não queria ser mais tratada como uma menina. Merida se aproximava da idade adulta e desejava descobrir a verdade das coisas por conta própria, sem sua mãe, nem ninguém lhe impor suas noções pessoais de mundo.

A ruivinha limpou as lágrimas e disse um pouco ressabiada que tinha vindo a Camelot para se alistar no exército.

— Criança, você não está aqui para ajudar meu irmão Arthur em batalha. Você procurou Camelot por outras razões. Diga-me quais são e eu farei o possível em meu poder para lhe ajudar.

Apesar de Morgana ter chamado Merida de criança, muito embora ela já se encontrasse no alto de seus dezessete anos, a ruiva não ficou chateada. Pois lhe parecia que a sacerdotisa possuía o que o povo chamava de alma velha, como se costumava chamar a todos que demonstravam ter sabedoria além dos anos desde a tenra idade. Para estas pessoas, boa parte da humanidade era uma eterna criança.

Merida hesitou por um instante até decidir contar a verdade.

— É a minha mãe. Ela...ela saiu para dar um passeio na floresta outro dia e até o cair da noite, não tinha voltado. Quando me aventurei no ermo para procurá-la, encontrei vestígios de um acampamento, onde seu vestido estava rasgado e jogado no chão. –ela engoliu a seco- Naquela hora, eu temi o pior. Mas não desisti. Continuei minha busca e me embrenhei mais a fundo na mata até que encontrei pegadas de urso. Foi quando eu a vi. Uma ursa, com os olhos de minha mãe. Eu só não atirei porque ela falou comigo.

Conhecedora da alma humana como Morgana era, a sacerdotisa havia detectado os traços de mentira no relato da menina. A história, contudo, não era inteiramente falsa. Merida dizia a verdade quando revelou que a mãe foi acometida de uma maldição poderosa.

— Metamorfose é magia avançada, exige estudo profundo dos Mistérios, conhecidos apenas por um Grão-Sacerdote... ou Sacerdotisa. – ela explicou – Quem quer que tenha amaldiçoado sua mãe, Merida, é um grande conhecedor dos segredos arcanos. Um simples bruxo, vendedor de poções para curar doenças simples do populacho, não teria poder para amaldiçoar sua mãe.

Merida ficou agitada com a revelação.

— Está dizendo que você conhece o feiticeiro que fez isso com ela?

Morgana hesitou e seus olhos cintilaram com a sugestão. A menina era perspicaz. A própria sacerdotisa havia descartado a chance de ser alguém de Avalon. Ela conhecia muito bem os servos e sacerdotes que serviam na Ilha Sagrada. Nenhum deles teria motivos para fazer mal uso dos Mistérios. Talvez um traidor que servisse ao deus cristão infiltrado na ordem, tentando culpar os sacerdotes por crimes que não cometeram?

— Se alguém de Avalon fez isso com sua mãe, então essa pessoa violou o código de conduta que todos os seguidores da religião antiga são obrigados a prestar. Ele deve ser identificado e punido.

A notícia deixou Merida excitada.

— Eu posso ajudar, se você quiser. Não tenho medo de nada. Faço tudo para salvar minha mãe!

A sacerdotisa sorriu.

— Tamanha ternura...sua mãe tem sorte de tê-la como filha. Está bem. Merida, prepare-se para uma viagem. Você é bem-vinda para visitar Avalon junto de seus companheiros. –ela concluiu, para alegria da menina.

Morgana se despediu, distribuindo ordens para os vassalos acomodarem os convidados nos quartos de hóspedes e providenciarem um jantar para eles. Arthur lhe chamou e ela foi ter com o irmão. Regina aproveitou que Morgana e Arthur haviam se afastado para falar com Mary e David. O casal reparou que ela estava nervosa, como se não dormisse direito há noites.

— Está tudo bem? Você está pálida. – David comentou.

— Não, nada está bem.

— Regina, você está assustando a gente. – Mary disse, pedindo que ela se explicasse.

A mulher baixou a cabeça por um momento, tentando encontrar o melhor jeito de dar a notícia.

— Antes de tudo, fiquem aliviados. O aprendiz salvou nossas vidas. Nós não estamos mortos, presos num limbo, nem em coma ou coisa pior, sonhando com tudo isso. Esse lugar é real.

O casal se impressionou com ela ter considerado aquela hipótese. Eles sequer tinham desconfiado da possibilidade de não terem sobrevivido.Nesse aspecto, Regina era muito mais precavida do que eles.

— Mas Camelot não é um lugar real. Nós não estamos na Bretanha.

Eles não esperavam ouvir aquilo.

— Mas...o rei...seus cavaleiros...

— O rei Arthur nunca existiu. Nem Morgana, nem Merlin. A história de Camelot não passa de lenda, um conto de fada, assim como o reino de onde viemos. Este é mais um reino parecido com a Floresta Encantada. Por isso a magia do nosso mundo funciona sem impedimentos. Mas os habitantes daqui estão convencidos de que está é a Bretanha. –ela os alertou.

— Você tentou falar com... –David gesticulou a cabeça na direção de Morgana.

— Sim. E não adiantou. Ela viu que eu estava bem e não delirando. Mas ainda assim, ela pensa que é uma pessoa real, e não um personagem. Achei melhor desistir de convencê-la e achar uma saída desse mundo com Henry. Mas sem ajuda, e sem saber se o resto de vocês havia sobrevivido... –ela hesitou.

Mary apertou seu braço em um gesto afetuoso.

— Nós ficamos preocupados com você e Henry. Não imagina como é um alívio encontrar vocês dois sãos e salvos.

Regina pediu que eles não se animassem ainda. Havia mais um detalhe que eles precisavam saber.

— O Apendiz era desse mundo. Ele também era um personagem como nós. Assim como seu mestre. Mas Camelot foi destruída mil anos atrás.

— Como é? –fez David.

— O Aprendiz fugiu do reino usando alguma magia que me é desconhecida. Ele então viajou para a Floresta Encantada e permaneceu vivo durante todo esse tempo.

— Então como Camelot está aqui, intacta?

— Ela não está. Ela continua destruída no presente. Nós estamos no passado. O Aprendiz não nos enviou somente a outro mundo. Ele nos transportou no tempo.

.

Naquela noite...

Belle dormia abraçada a Rumplestilskin quando vieram batidas na porta e uma voz infantil chamando-a do lado de fora.

Henry? Mas o que será que ele quer?

Foi com certa relutância que ela se desvencilhou do abraço do marido, com cuidado para não acordá-lo. Em noites de outono e inverno, ela adorava ficar aninhada ao calor do corpo dele.

A porta rangeu ao abrir. Belle ainda lançou um olhar tenso à cama, preocupada se havia acordado Rumple, antes de procurar saber o que o menino queria tão tarde da noite.

— Eu precisava falar com você. É importante. – ele sussurrou.

Belle ajustou o roupão para encobrir melhor seu corpo. Camelot era mais fria que Storybrooke. Henry tirou uma caixa de formato familiar da jaqueta de moletom. As bordas redondas e as estrelas em um fundo azul escuro na tampa só podiam significar uma coisa.

— O chapéu do aprendiz! – ela exclamou.

— Ele deixou isso comigo. Antes de... você sabe. – ele hesitou, dando a entender que se referia ao sacrifício do mago – E ele também deixou outra coisa comigo...

Ele fez uma pausa e Belle ergueu seus olhos azuis ao seu rosto. Henry encarou a palma de sua própria mão e fez surgir uma pequena chama, acariciando-a com seus dedos sem se queimar.

Belle ainda fitou o menino espantada antes de passar sua própria mão pelo fogo, sentindo a chama inofensiva lamber seus dedos.

— Você não deveria saber usar magia... –ela comentou.

— Graças a ele, agora eu posso.

— O que quer dizer? Ele te ensinou sem sua mãe saber?

Henry fechou a mão, extinguindo o fogo e disse: — Não. Ontem à noite, ele falou comigo em sonho. Ele me perguntou se eu podia ajudá-lo. Disse que havia partido cedo demais do mundo, que tinha uma missão a terminar. Eu respondi que ele podia contar comigo.

Belle não entendia onde ele queria chegar. Henry se aproximou dela e sussurrou:

Ele está dentro de mim agora.


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Notas finais do capítulo

Morgana navega até as brumas de Avalon levando Arthur e os viajantes consigo com a promessa de livrar Rumplestilskin da influência das Trevas. Henry ouve uma profecia e Morgana descobre um segredo de Merlin que pode colocar o reino de Camelot em perigo.



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