Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 93
Capítulo 93. Nem heróis, nem vilões


Notas iniciais do capítulo

Pq o Natal é coisa do passado, a gente quer é o presente!



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Capítulo 93. Nem heróis, nem vilões  

Todos ainda estavam muito eufóricos, eu mal conseguia identificar o rosto das pessoas na multidão de flashs, aparelhinhos de gravação e penas de repetição mágica. A Taça do Intercolegial parecia do tamanho do mundo ao meu lado, naquele estrado. 

Ok, ok, eu posso falar agora, pessoal?  Demorou um pouquinho ainda para a imprensa e os alunos e ex-alunos de Hogwarts me deixarem falar, então, enquanto isso, olhei para minha imagem projetada na água flamejante do camarote VVIP de Ikley Moor.  Sei que esperam que eu discurse por toda Hogwarts agora que ganhamos o campeonato, um discurso bonito e inspirado, mas na verdade eu quero falar só por mim mesmo, porque eu sou egoísta nesse tanto... 

Ouvi uma risada e abri os olhos desorientado, só para me encontrar embaixo de um teto de pedra, que... O riso continuou, mas dessa vez acompanhado de um shiiiiiii e uma mão grande tapando meus olhos. 

— Você ainda está dormindo, Cesc, shiiiiiii... - Agora a voz divertida ficou mais clara, então eu dei um tapa na mão que me impedia de ver a cara sonsa de Enrique, o que foi uma péssima ideia, porque foi quase como estapear o meu próprio rosto. – Ah, que merda, não acredito que acordei você!  

Pisquei confuso, vendo tudo borrado pela minha agressão indireta, mas deu para identificar onde eu estava: no quarto das molas boas de Enrique. Procurei pela cara deslavada dele ao meu lado e ele ainda estava rindo de mim. 

— O pensa que está fazendo? - Era meio esquisito ver Enrique rindo - ele era de sorrisos, não de risos - mas era ainda mais irritante não entender o porquê dele estar assim. – Para de rir de mim, idiota! 

— Não estou rindo de você, estou rindo com você. - O olhei o mais sério e irritado que eu pude e ele só juntou os lábios, para parar de rir. – Posso explicar? É que você estava tão bonitinho começando a fazer o discurso da vitória, que eu não resisti.... 

— Ah, claro! Porque quando você vê uma obra de arte bonita ou uma paisagem paradisíaca, a primeira reação normal é rir! - Falei agora sentado na cama, de braços cruzados. Enrique se colocou ao meu lado com uma carinha cínica.  

— Eu disse bonito? Eu quis dizer engraçadinho! Não, melhor: adorável! - Minha cara de indignação deve ter continuado na linha engraçada/adorável, porque ele riu mais um pouco, me deu um selinho e passou a mão no meu cabelo como se eu fosse um cachorro. – A parte bonitinha é você achar que nós temos chances de ganhar o campeonato. 

— Temos chances, senhor pupilo da escola Pessimista de Scorp Malfoy. - Me levantei da cama e peguei meu relógio na mesinha de cabeceira. Que bom, ainda está cedo, comecei a me vestir sob o olhar bem-humorado do meu - que esquisito isso - namorado.  Mas confesso que Ikley Moor foi um pouco de exagero da minha parte... 

Disse agora entrando no clima de diversão dele, mas quando olhei para a cara da criatura, ele estava com os olhos meio abertos, surpreso. Disfarçou com um sorrisinho amarelo. 

— O quê? - Parei de fechar minha calça de treino e o olhei curioso. Enrique ia começar a falar, mas já era tarde, eu me dei conta da enormidade do momento. – NÃO! 

— Não mesmo, Cesc! Pode tirar essa ideia da cabeça! - Ele falou sem sentimento, mas deu risada quando eu voltei para cama e montei nele. 

— A final vai ser mesmo em Ikley Moor? No estádio onde a final do campeonato britânico aconteceu?  - Eu estava prestes a ter uma síncope, porque eu sei que não serei um jogador profissional, então a possibilidade de jogar onde os profissionais jogam era demais para mim! 

— Eu nunca disse isso... - Enrique se manteve completamente indiferente ao meu surto, então eu sacodi ele pelos ombros, depois me acalmei, lambi os lábios e respirei fundo, me concentrando. 

— Pisque uma vez para sim e duas para não: a final vai ser em Ikley Moor? - O filho da mãe continuou me encarando como se eu não tivesse perguntado nada, sem piscar. Encostei minha testa na dele, dava pra ver claramente o sinalzinho que ele tinha debaixo de um dos olhos agora. – Pisque! 

— Não vai ouvir nada de mim. - Dei um selinho nele e voltei para olhá-lo de frente. Quanto tempo ele pode aguentar? Ele me respondeu com três piscadas, então eu rosnei e o mordi no ombro, ele riu. – Não adianta insistir. 

— Preciso da confirmação, o Ocaso não publica sem... - Ele agora riu falsamente, me tirando de cima de si com um empurrão.  

— Certamente não espera que eu te conte algo só para você espalhar para escola inteira, né? - Ele se levantou e começou a se arrumar. O encarei ofendido e jogado na cama, como um travesseiro babado. 

— Contarei só para os meus... 

— Muito menos para seus amigos fofoqueiros! - Levantei uma sobrancelha, desdenhoso. 

— Não é como se eu precisasse ouvir as palavras, você já me deu toda a confirmação que eu precisava. - Enrique me encarou mal humorado e acabou me puxando pelos pés até a ponta da cama. 

— Vai ficar calado, porque senão vai acabar me ferrando. - Ele estava em cima de mim, tanto que deu aquela conferida básica no meu corpo e eu meio que o ignorei, porque assim ele cortava meu barato, não ia fazer algo que o prejudicasse. – E não é como se você pudesse me pedir para contar um segredo, não é?  

Ah, fala sério, lá vem ele de novo! 

— Uma hora você vai ter que parar com essa ladainha de Uagadou, antes que um de nós acabe se irritando por besteira. - Ele me olhou super sério, deixando claro que um de nós já havia se irritado. Suspirei pesado. – Não é algo que você queira ou precise saber... 

Ele me segurou forte pela nuca, me lembrando da época que me chantageava. Eu não gostei muito disso, mas ele amenizou a expressão e me deu um beijo tranquilo, como se estivesse deixando claro que por ele, ainda estávamos bem. 

— Só me diga se você tem algo a ver com aquela magia exótica. - Eu o olhei sério e ele apenas passou o polegar nos meus lábios. – Não preciso dos detalhes, preciso apenas saber se foi você e Westhampton ou se foi um dos meus irmãos tentando... 

Ele apontou para a testa, onde havia uma falha bem pequenina na linha do cabelo, que antes era um machucado até que grande, resultado de uma cabeçada no archote do dirigível na noite em que as Masmorras foram inundadas. 

Ah, tá! Ele acha que aquilo teve algo a ver com os irmãos dele! 

— Não foram seus irmãos, posso te garantir isso. - Ele continuou me olhando sério e eu completei. – Aquilo foi um... Vamos apenas deixar quieto, porque o que importa é que ninguém tentou te matar naquela noite. Nem tudo é sobre você... 

Menti nesse final, ele abriu um sorrisinho convencido e assim que Enrique achou que eu estava muito vulnerável e pronto para cair em seu bote, o empurrei na cama e levantei rápido para continuar me vestindo e cumprindo minha função de capitão.  

— Boa tentativa, cara, mas vamos tomar café, que hoje você não escapa do treino! - Terminei de colocar a parte de cima do uniforme e calcei um pé da bota em velocidade recorde, antes que ele se levantasse e tentasse alguma coisa. Saltei para perto da porta com um pé descalço, a meia e a bota ainda na mão.  

— Só faltei ao treino uma vez e eu estava trabalhando! - Ele falou indignado, passando a cabeça pela gola da própria camiseta de treino com brutalidade. Terminei de calçar as botas e fiz um feitiço para amarrar bem os cadarços. 

— Você vai chorar, bebezão? - Agora ele ficou irritado com meu tom, mas eu não fiquei para ouvir a resposta dele, porque sai correndo do quarto com as melhores molas de Hogwarts.  

Não era nem para eu estar lá, para início de conversa, então ele não tem do que reclamar! 

*** 

No fim das contas não encontrei ninguém do time no Salão, então comi rápido, porque ou todo mundo tinha perdido a hora de acordar - possível, mas improvável-  ou já estavam me esperando no Salão comunal da Seleção.  

Ai, ai, odeio estar certo às vezes... 

— Bom dia, crianças! Me digam o nome da pulga que picou vocês, para eu poder dar um aumento pra ela.  - Não conferi o que eles acharam da saudação, até porque voltaram a conversar as besteiras de antes assim que eu acabei de falar. 

— E Enrique, cadê? -Romeo me perguntou com aquele maravilhoso bom humor matinal dele e eu folheei mais duas páginas do meu livro de jogadas antes de respondê-lo.  

— Eu só tenho uma irmã gêmea e nem ela nasceu grudada em mim, você por acaso está vendo En... Ah, olha ele aí.  - Falando na peste, ele apareceu terminando de comer uma maçã, que fez desaparecer com um feitiço de desconjuração sem varinha. 

Agora lembrei a quem posso pedir ajuda nas aulas de Transfiguração.  

—Só estavam me esperando para começar as instruções? Quanta consideração... - Meu namorado irritante falou sarcástico, mas ao menos teve a decência de se colocar ao lado dos outros jogadores e não do meu. 

— Estamos esperando o treinador também.  - Lexa respondeu solícita, mas Enrique só levantou uma sobrancelha pra ela. 

— E desde quando nós temos um? - Revirei os olhos, apesar de concordar com ele em gênero, número e grau. 

— Ah, ok, enquanto o iluminado Harry Potter não dá o ar de sua graça, eu vou logo passando algumas coisas pra vocês, para não perdermos muito mais tempo. - Disse, procurando minhas anotações para esse treino em específico.  

— Que bom, porque o tempo de alguns de nós realmente pode ser melhor aproveitado. - Ignorei esse comentário aleatório de Segundo, cantarolando baixinho o hino de Hogwarts só para mostrá-lo o quanto eu ligo para a opinião dele. 

—Ok, achei. Primeiro, o treino será televisionado... Como vocês já sabem, eu sei que sabem, estou dizendo apenas porque tenho que dizer, parem de ser chatos! - Todo mundo parou os resmungos, quando eu falei mais sério.  Tenho certeza que só eu passo por isso, não é possível!  

“ O conselho pediu para lembrar disso com veemência, não que eu tenha contato direto com eles, mas o treinador me azucrinou nas últimas duas semanas, então sim, eles insistiram para que lembrássemos a todos que a câmara de treino está com feitiço registrador até a onde acaba a parede de pedra quadrada, ou seja, a partir da zona onde a pedra volta a ser a da caverna mesmo, está livre de feitiços, então vocês podem conversar as coisas que não são para os ouvidos do público lá.  

Lembrando que duas, das três equipes de jornalistas são americanas, ou seja, nada de gracinhas e conversas sem sentido, já estamos cheios até o topo de reclamações a respeito do nosso comportamento, inclusive estive em uma reunião com o diretor Brenam essa semana que passou, justamente para assegura-lo de que tudo ficaria bem. 

Tomem meu comportamento como exemplo, já não levo detenções desde o início desse semestre de primavera, porque eu sou uma nova pessoa.” 

— Uma pessoa menos propensa a ser pega no ato, você quer dizer. - Tony me interrompeu e eu o olhei sério.  

— Só por isso você vai ser um dos entrevistados da The Jinx Times, eles compraram os direitos de exclusividade nas entrevistas. - Falei checando a informação no caderno. – Falarão Tony, Maggie e James. 

— Por que a gente? - Claro que James tinha que morrer lutando, bem típico.  

— Tony porque me interrompeu, Maggie porque é o lado doce e seguro da seleção e você porque eles pediram. - Ele me olhou irritado e eu fiz minha melhor cara de “o que eu posso fazer? Eu não faço as regras”. 

— Se eles compraram uma exclusiva, onde está esse dinheiro que não veio para a minha mão? - Tony perguntou afetado e eu o respondi com toda a minha simpatia. 

— E eu é que sei? Também queria dinheiro, mas eles negociaram isso com a transmissora das imagens. - Apontei por trás da mão para um Enrique meio distraído cochichando algo com Romeo. – Não direi com quem você pode falar. 

— Ô Enrique, cadê o dinheiro da nossa entrevista exclusiva? - Tony perguntou dando toquinhos irritantes no ombro do único representante da exploradora empresa que só faz lucrar ridiculamente com todo esse campeonato. 

— Como é... Ah, sim! Não tem dinheiro pra nenhum de vocês!  Você sabe o risco que foi convencer os outros acionistas que Hogwarts era a equipe certa para patrocinarmos? A maioria queria a Durmstrang, porque achavam que a gente nem ia vingar... - Ele falou isso como se fosse de outra equipe que estávamos falando e não a que ele joga. 

— Os outros acionistas sendo seus irmãos? - Scorp perguntou entediado. Quem vê até pensa que não estamos falando da família dele. Acionistas... Pff, me poupe. 

— Me refiro aos outros acionistas, temos parceiros comerciais que não fazem tudo pela bondade do coração que nem a minha família que tem um verdadeiro apego com essa escola. - Todos olhamos meio surpresos, metade por saber que existem outras pobres criaturas afogadas nas Indústrias Dussel e a outra parte pensando “bondade do coração “? 

— Era a isso que eu me referia por perda de tempo, você já acabou as instruções, capitão?  - Fred perguntou se espreguiçando e se desencostando do sofá em que ele estava escorado. 

— Não, pode voltar para o seu lugar. - Ele voltou, emburrado. 

— Não acho que foi perda de tempo, Dussel até deu mais explicações do que o normal... - Maggie falou simpática e Enrique podia ter aceitado elegantemente, mas né, ele não poderia, porque ele é ele. 

— Bem lembrado, eu não devo satisfações a nenhum de vocês.  

— Deve sim, é do nosso dinheiro que estamos falando! - James falou inflamado. – Espero que esteja prestando contas com alguém.  

— Logo mais vou mandar você prestar contas com seus ancestrais, Potter! - Enrique rosnou e James se aproximou perigosamente, parei os dois pelo peito. 

— Muito obrigado aos dois por demonstrarem o que NÃO é pra fazer lá na câmara.  - Olhei primeiro para James, que se afastou meio incomodado e depois para Enrique, que precisou de um pouco mais de ênfase.  – Se qualquer um de vocês nos envergonhar no treino acima do considerado decente, vai estar suspenso do próximo jogo.  

— Mas e se... - Scorp começou com sua argumentação infeliz, mas eu interrompi. 

— Vai ser suspenso porque eu mesmo vou MATAR, Scorp! - O loiro me olhou com os olhos arregalados e Enrique só me encarou desafiador, mas depois cedeu e voltou para o lugar. – Assassinato é a única coisa que ainda não temos em nosso currículo e você sabe que eu tenho a loucura certa, não me provoque. 

Ele calou, assim como todo o resto do time. Sorri feliz pra isso. 

— Como eu estava dizendo, as instruções são.... - E ninguém mais me incomodou. Viva! Vou aproveitar esse milagre enquanto posso. – Iremos treinar algumas jogadas mais genéricas, quero continuar testando os reflexos dos artilheiros, até porque os olhos de Salem estão literalmente nesse treino, então não vamos dar nada a eles. 

Fiz um sinal para que os meus “atletas” se colocassem em fila, ombro a ombro, e depois de esperar alguns segundos encarando os mais resistentes, passei por eles executando feitiços de correção de vestes e equipamento. 

— Primeiro, qualquer desavença procurem o treinador Potter, ele que manda aqui. - Tony riu sarcástico, então eu apertei com um aceno de varinha todos os cordões de seu uniforme, ele fez uma careta. – Segundo, nada de agressões, mesmo que do jogo. Digamos que hoje estamos na nossa versão liberada para todas as idades. 

Ajeitei mais alguns uniformes e ignorei o olhar feio que Lia me deu, porque eu não tenho culpa se ela parece que se veste para o treino de olhos fechados. 

— Por fim, não sejam vocês mesmo. - Parei de frente para a cara cética e entediada de Segundo, que hoje tinha acordado com mais mal humor do que o normal. – É sério, eu sei que papai e mamãe disseram que as pessoas tinham que gostar de vocês pelo que são, mas não tentem isso hoje, porque vocês são todos pessoas horríveis e... 

— Bom dia, pessoal! Preparados para o treino? - Harry Potter apareceu do nada e eu o respondi com um sorriso falso, ao lado do mais falso ainda sobrinho dele. 

— Bom dia, treinador, mais prontos do que isso e estaremos passados do ponto. - Falei com uma animação que fez o homem idiota me olhar desconfiado.  

— Evite sorrir desse jeito, Cesc, ou os jornalistas vão achar que você está planejando algo horrível para eles. - Ele me disse sério e começou a olhar suas anotações, tomando fôlego para começar seu discurso motivacional às avessas. 

— Talvez eu esteja...  

— Espero que não, porque aí eu seria obrigado a te suspender do time. - O olhei sem dar muito crédito, quem sabe na terceira vez ele tem sorte? Meu sogro, rico e milionário, tem algo a dizer sobre isso! 

Tá, provavelmente não, mas não custa sonhar. 

— Mensagem entendida. - Pisquei sonso e ele me olhou por mais alguns segundos antes de decidir se eu estava ou não falando a verdade. 

— Pois então comecemos com... 

Harry Potter estava precisando de uma liçãozinha de humildade, senhoras e senhores e vocês bem sabem que minha missão nesse planetinha aquoso é a de espalhar os verdadeiros valores para os homens de bem! 

 

*** 

Quando Harry Potter - nosso salvador - finalmente desceu do seu pedestal metafórico e se juntou a nós no treino tático, o que ele queria era mostrar aos jornalistas que era um treinador participativo,  mas o que eu mostrei a ele é que Voldemort teria sido o menor dos seus problemas nos tempos de escola, caso estudássemos juntos.  

— Fábregas, por favor evite... - Ele pausou a fala para respirar. – Mirar na cabeça dos adversários!  

— Eu estava desviando o balaço justamente para ele não te acertar, senhor! - Falei inocente e o pobre homem colocou a mão abaixo das costelas, provavelmente sentindo aquela dor que experimentamos quando passamos do ponto nos exercícios físicos.  

— E por que eles estão tentando acertar só a mim? - Ele falou, fazendo uma careta, agora com as duas mãos nas costelas. Fato interessante sobre essas dores, ouvi dizer que melhoram assim que paramos de nos esfolar nos exercícios, como um freio natural do corpo. 

— Eu não faço a menor ideia... - Rebati outro balaço, dessa vez meu bastão quase arrancando a orelha dele de tão perto que eu deixei aquela bolinha do mal chegar do treinador.  

— Ouvi dizer que isso já havia acontecido antes. - Tony sobrevoou o lado esquerdo de Potter e parou ao meu lado. – Na época era Voldemort te aporrinhando, hoje eu não faço ideia do que possa ser... 

— Eu faço alguma ideia... - Ele falou olhando de mim para Tony, só para depois apitar de uma maneira pouco amigável para os nossos ouvidos. Eu e Tony tapamos as orelhas para não ficarmos surdos. – É o bastante por hoje, crianças! Acho que fizemos um bom trabalho. 

Potter havia encerrado o treino quase meia hora antes, mas sem intercorrências e sem poder xingar ou bater nos coleguinhas, ninguém estava realmente triste por isso. A equipe toda direcionou as vassouras para baixo. 

James e Tony já haviam dado suas entrevistas antes da partida e agora Maggie se dirigia para o canto onde a única emissora britânica se encontrava observando o treino. Assim que encostei o pé no chão, senti um toque de leve em meu ombro. Era Enrique.  

Eu ainda estava rindo com Tony da expressão de dor e sofrimento de Harry Potter, mas parei quando vi a expressão dele. Ele fez um sinal sutil com a cabeça e antes que Tony fosse embora para nos deixar a sós, Enrique o parou. 

— Não, pode ficar. - Ele esperou o resto do time se encaminhar para o vestiário e quando ficou apenas nós três em uma das entradas curvadas dos túneis, ele falou sério. – Paul Dolman foi encontrado morto em Londres, ontem. 

O quê?  

Eu acho que a minha cara devia estar parecida com a de Tony, pura incredulidade, porque, né, uma hora treino e na outra... Eu nem sei muito bem o que sentir, não é como se o cara fosse meu amigo ou algo do tipo, mas ainda assim... 

— Amanhã será emitida no Profeta uma nota de falecimento e um convite formal para o velório, mas é só por protocolo... Os Dolman querem discrição sobre a coisa toda. - Enrique completou, falando baixo. – Não sei se eu devo ir, Romeo disse que vai... 

— Você deveria ir também, no fim das contas ele não era tão... Quero dizer, era, mas... Eu sei lá.  - Passei a mão na testa, confuso. Tony estava sério, olhando para o chão. – Vou colocar a notícia na Sonserina, gostando ou não, ele foi um de nós, não deveria passar em branco. 

— Faça isso, coloque no quadro do time, ele teria gostado, acho. - Enrique falou sério, mas depois abriu um sorriso discreto. – Não queremos que ele volte como fantasma para assombrar as Masmorras, não é?  

Eu e Tony rimos, mas depois disfarçamos, porque não era hora para aquilo, mesmo que nós três soubéssemos que as nossas almas já estavam encomendadas para o capeta. Enrique ficou sério novamente e eu me aproximei dele, beijando-o de leve. 

— Seja discreto, mas mostre a família que vocês estão lá por ele, ninguém merece ser esquecido... - Falei isso, mas fiquei em dúvida, porque isso me fez lembrar de uma certa criatura milenar que havia recebido esse exato castigo. 

— Vou mais por Romeo, para ser sincero... Ele perdeu o irmão em circunstancias muito parecidas e está meio chateado. - O olhei surpreso e vi Tony se consertar para ouvir melhor o resto. – Não foi dito, mas sem investigação, aurores, nem nada, “encontrado morto” significa “suicídio” entre os nossos.  

— O irmão de Romeo... 

— Longa história, não comentem com ele que eu disse algo, Filippo morreu acometido por uma doença incurável para todos os efeitos. - Enrique deu de ombros, com um riso seco. – Não deixa de ser verdade, desistir de viver até definhar e morrer pode ser considerado uma doença. 

Olhei triste para o meu namorado preso em seu mundo horrível de gente que não se importava com gente. Apertei o ombro dele de leve e ele levantou uma sobrancelha curiosa para mim. 

— No mundo trouxa isso se chama depressão e é considerada uma doença muito grave.  - Enrique revirou os olhos. – Tem tratamento, a morte não é o único desfecho possível.  

— Bruxos não tem depressão, Cesc, olhe no registro de qualquer família puro-sangue. - Tony sorriu sem humor. – Isso não existe, de insetos misteriosos, a coincidências terríveis: nenhum bruxo bem nascido tira a própria vida. 

Eu não acrescentei mais nada a conversa, porque sabia muito bem que Enrique e Tony entendiam o que eu estava falando, embora tivessem sido criados nesse mundo. Acho que esse era o tipo da coisa que todos do mundo bruxo sabem que é real, “mas não, nunca houve isso na nossa família”, e se não houve na família de ninguém... Não é real de verdade. 

Fomos para o vestiário e eu tomei meu banho e troquei de roupa rápido, então pude ir para as Masmorras pelo atalho da câmara, atravessando o túnel baixo e estreito, próximo a área de musculação. 

 No fim das contas a câmara não tinha sido muito afetada pela invasão da água, quase todos os equipamentos foram salvos, porque os feitiços de isolamento contra invasores serviu para atrasar a inundação também.  

Mas a Sala Comunal da Sonserina era outra história.  

Disse a nossa senha, depois de meses sem nem chegar perto do nosso Salão Comunal, e seja porque estava cuidando do Ocaso, ou principalmente frequentando as dependências da Seleção e o dirigível, fazia muito, muito tempo que eu não vinha até aqui. 

Estranho como os lugares conseguem guardar tantas memórias. 

Não havia vestígios do acidente de meses atrás, tinha até algumas garotas rindo relaxadas na poltrona, aproveitando o início do final de semana e alguns alunos que poderiam estar na Corvinal, de tão concentrados que estavam nas matérias nas mesas de estudo do canto.  

Mas as paredes do lugar pareciam estar um pouco mais escuras e a grande cortina - em um tom sombrio e rico de verde - cobrindo o que eu sabia que agora era uma sólida parede de pedras onde antes ficava a janela para o Lago Negro, mostrava que nem tudo estava como era antes. 

Peguei um pergaminho e uma pena - daqueles que sempre estavam disponíveis para um aluno despreparado - e vi que até as coisas mais sutis haviam mudado: o papel Washi pareceu suave em minha mão, mostrando que finalmente meus colegas haviam conseguido dar um fim naqueles grosseiros pergaminhos bond. 

Sorri para isso, ainda éramos um monte de frescos, depois de tudo. 

Escrevi uma curta nota de falecimento, usando todo o meu dom da escrita: 

Informamos a toda comunidade Sonserina o falecimento do nosso ex-monitor chefe e capitão do nosso time, Paul Dolman. Em nome da equipe de Quadribol de Salazar Sonserina, é com pesar que nos despedimos de um dos nossos. 

Uma vez sonserino, sempre sonserino. 

Cap. Cesc Fábregas 

Não podia colocar o que eu realmente achava disso tudo, porque soaria como... Como um Iconoclasta! Terminei de fechar o aviso na moldura da ponta esquerda - que pertencia aos capitães - decidido: iríamos tocar em uma das feridas escondidas do mundo bruxo. 

 Era para isso que o Ocaso havia sido inventado, não?  

Me virei e quase me bati de frente com Lily que tentou passar por mim para ver o que estava acontecendo. 

— O que você escreveu aí?  - Ela conseguiu se espremer ao meu lado, para ler o aviso que eu havia colocado na parede de avisos estreita, cor de chumbo. – Ah, que chato isso, hein? 

Ela terminou de ler a nota e me disse daquele jeito que a gente fica quando não sabemos muito bem como agir diante de uma perda. A abracei de lado. 

— Pois é, um cara de 19 anos morrendo é sempre chato, mas eu tenho algo ainda mais chato para te dizer. - Ela me olhou meio assombrada e eu a tranquilizei com um aperto no ombro. – Os caras não vão escrever aquele artigo em que estávamos trabalhando... Devia ter te contado há dias. 

Lily levou alguns segundos para entender que eu estava falando do Ocaso e a pesquisa trabalhosa sobre as cidades que sucumbiram nas mãos de sua própria magia que ela e as amigas haviam feito. Sentamos no sofá e só então ela entendeu o que eu havia dito. 

— Como assim não vão escrever? Por que isso? - Ela disse cruzando os braços, indignada. 

— A questão foi debatida, eu realmente a defendi, mas eles avaliaram como sendo uma teoria pouco provável. - Lily abriu a boca ainda mais chocada e eu fiz minha melhor cara de “foi mal”. – Desculpe, Pottinha, eu tentei. 

— Como assim, cara? Que decepção... - Ela disse chateada e depois maneou a cabeça. – Você contou a ele que as oscilações são os primeiros sintomas, atingem os feitiços mais antigos, depois vai piorando até que ninguém mais possa usar magia no lugar? Há um motivo para o monte Vesúvio ter matado tantos em Pompeia: ninguém pôde aparatar!  

— Nem me deixaram chegar tão longe, porque a verdade é que Hogwarts não tem quase nada em comum com Pompeia, aparentemente depois desse desastre, as construções mágicas de grande porte passaram a obedecer uma série de regras. - Ela olhou pouco convencida. – O erro de Pompeia foi amarrar a sua magia a um elemento da natureza, os fundadores de Hogwarts não fizeram isso. 

— Claro que eles fizeram, o Ocaso mesmo disse que a matriz de Hogwarts é elementar! - Lily alterou um pouco a voz, então algumas pessoas olharam para nós. Ela voltou a falar, dessa vez quase sussurrando. – Eu li sobre Hogwarts também, porque quando eu quero, eu faço meu trabalho direito e para mim está bem claro que se trata do mesmo problema! 

— Nem sequer foi uma oscilação o que houve aqui, Lily! Foi um completo apagão, registrado e tudo! - Lily me olhou confusa, mas depois falou irônica. 

— Ainda estamos com esse apagão?  

— O quê? - Falei sem entender, então ela segurou meus braços. 

— Agora, nesse exato momento, Hogwarts está sem magia alguma? - Olhei ao redor, o fogo da lareira ardia em um tom de verde venenoso, os quadros continuavam se mexendo e tudo parecia estar na mais absoluta normalidade.  

— Agora não, mas é que... 

— Pois então, Cesc, quando uma coisa some e depois volta, chamamos de oscilação.  - Meu Merlin, estou ouvindo uma explicação condescendente de Pottinha! – Apagão é quando tudo se apaga e não volta mais! 

— Não exatamente, apagão soa como algo que teve uma completa ausência e oscilação é mais quando uma coisa aumenta e diminui a frequência. - Argumentei, mas não estava completamente certo sobre isso. 

— Eu acho que no fim das contas as duas coisas se aplicam ao nosso caso... Vocês falaram com um especialista? - Fiz que não com a cabeça - Enrique não era especialista em nada -, me colocando como um dos caras, não adiantava mais fingir para Lily que eu não era um dos Iconoclastas. Ela jogou as mãos para cima, exasperada. – E como podem descartar a nossa pesquisa assim, desse jeito? 

— Fale baixo, criatura, não descartamos nada, apenas não vamos publicar agora. - Lily jogou a franja comprida para trás da orelha e cruzou os braços, como a boa menina birrenta que é. – Esse assunto é complexo, mas o que foi dito lá é que Pompeia usou a força do vulcão como matriz mágica, então quando ele deu problema... Já sabe. 

— Os fundadores escolheram esse lugar no meio do nada, literal e metafórico, porque aqui já era uma terra mágica, Cesc! - Ela falou com paciência pra mim e eu entendi o que ela estava dizendo, o argumento dela fazia sentido. – Eles podem não ter usado um elemento como matriz, mas certamente aproveitaram a magia que já existia... É como pegar uma varinha amaldiçoada: você pode não fazer os feitiços, mas a sua mão também ficará suja de sangue. 

Descartei a morbidez de Lily com um gesto de mão, aquele ditado bruxo sempre me soou muito deprimente.  

— Ok, eu concordo com você, vou falar com os caras, ok? - Ela fez menção de pedir, os olhinhos brilharam como duas estrelas no mapa estelar realista da sala de Astronomia. – E não, não pode entrar, quando tiver vaga eu te aviso. 

Ela sorriu para isso, porque sabia que eu não estava mentindo, o Ocaso não era meu clubinho do livro pra eu sair colocando quem me desse na telha! 

— Quero muito participar disso, Cesc.- Sorri para ela, Lily era muito Potter para seu próprio bem. – Me ajude a entrar, por favor! 

— Vou dar o meu melhor, mas apenas me prometa que vai entender uma coisa. - Falei sério, ela juntou as mãos em súplica.  

— Qualquer coisa! Eu sei guardar segredo, juro! - Ela me pediu, quase se jogando em cima de mim, continuei a olhando sério.  

— Não estamos salvando o mundo lá, Lily. - Ela me olhou confusa e eu completei.  – Sei que você pensa que somos muito especiais por nos importar e por estarmos fazendo algo, mas isso não é um livro de contos: nós não vamos salvar Hogwarts!  

— Meu pai salvou o mundo bruxo quando tinha 17 anos, não há idade para mudar as coisas, Cesc. - Oh, céus, maldito Potter e sua educação familiar baseada no livro “como criar um herói em 3 passos” – Não penso que a gente vai cuidar de tudo com um aceno de varinha, mas é melhor do que esperar de braços cruzados pela solução!  

— Também penso assim, mas tenha isso em mente: nossos professores, os Inomináveis e as maiores mentes bruxas estão investigando esse problema, não vai ser um bando de moleque que vai aparecer com a solução em uma bandeja de prata! 

Lily me olhou com um sorrisinho endiabrado no rosto. 

— Veremos... 

E obviamente ela não me prometeu nada. 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Pobre Paul... Vocês ainda lembram dele? Pronto, satisfiz minha sede por sangue, Enrique está a salvo, por hora. Muahahaha

Bjuxxx



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