Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 57
Capítulo 57. Marduk, Djinn, Sakpata e... Deuses brancos?


Notas iniciais do capítulo

Capítulo meio longo, mas minha irmã não deixou dividir e eu concordei apenas porque quero colocar só mais uns dois capítulos de Uagadou, porque, né, o nome da fic é Hogwarts.



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Capítulo 57. Marduk, Djinn, Sakpata e... Deuses brancos?

Shaira agora caminhava com passos duros, calada e despropositadamente ofendida com meu comentário inocente de que os Uagandenses eram todos uns trapaceiros! E não eram?

Todas as escolas tem que escolher sua seleção apenas com seu corpo discente e aí vem os bonitos fazendo uma triagem em todo o continente, faça-me o favor! "Ah, mas os alunos escolhidos, se não forem da escola, passarão a ser..."

É mesmo? Sabe quem fez isso também? Salem! A mais trapaceira, competitiva e reconhecidamente ridícula escola do mundo! Meu Merlin, o que esse povo não faz para ganhar um mero campeonato intercolegial!

A competição já havia sido divulgada nos periódicos antes de eu viajar, tinha saído até naquele jornal mágico escrotinho da Espanha um artigo dizendo que Ilvermorny entrara com um processo no Ministério Mágico americano reclamando das táticas de recrutamento da rival.

Quero dizer, Salem havia convocado bruxos americanos em todo o globo, inclusive na escola vizinha - que também está no campeonato, olha a cara de pau - para compor sua seleção vitoriosa, com a desculpa de que os alunos iriam retornar para casa, apenas.

Mas, ainda segundo o jornal, essa era a verdade não dita: diferente de Ilvermorny, Salem só aceitava bruxos de famílias tradicionais e agora, em sua reabertura, estava aceitando também aqueles nascidos-trouxas e mestiços que se destacavam em alguma área.

Claire, por exemplo, é uma excelente e quase natural leitora de Runas Antigas - independente da origem dos símbolos -, o que favoreceria às pesquisas da escola nos sítios antigos de magia tribal americana.

Ela recebeu um convite deles no início do ano letivo, assim como Spark por causa do Quadribol, lembram? Pois é, eu me lembro bem...

Agora, imagina se Salem e Ilvermorny se enfrentam logo na primeira fase! Ambas ficam no mesmo país e estado e se detestam - uma é a favor da magia para todos, a outra é super tradicional - ou seja, ia ser barraco épico!

Tomara que aconteça.

Voltando para os corredores rochosos da África... Que cara de pau desse povo de Uagadou!

Hogwarts terá sua seleção escolhida pela comissão do evento, enquanto essa escola trapaceira oferece bolsas de estudo para o continente inteiro!

Shaira parou em frente a uma porta de madeira simples, no meio de um corredor deserto e me encarou, parecendo que lera as acusações em minha mente.

— Esse é seu quarto, Fábregas. - Abriu a porta, se voltando para a do lado oposto em seguida. – E esse é o seu, Westhampton.

Tendo dito isso, a mocinha muito madura começou a ir embora, batendo os pés, sem nem dizer um tchau! Me senti barato agora.

— Hey! E como chegamos nas aulas? Qual o horário das refeições? Que raio de corredor é esse? Eu não acho que tenha gravado o caminho...

Disse tudo num fôlego só, antes que a besta fosse embora sem nos dar nenhuma das respostas que eram verdadeiramente relevantes e não aquela baboseira toda que ela disse durante mais de uma hora.

— Está no manual. - Pronto. Shaira Diniz nos deu as costas e nos abandonou a própria sorte. John respirou fundo e me deu um tapinha consolador no ombro.

— Não tem nada disso no manual. - Me senti de volta ao primeiro ano, quando Jéssica Wainz e Paul Dolman me guiaram até as Masmorras, daquele jeito simpático deles.

— Sua versão africana consegue ser um porre que nem você!

Westhampton fez um gesto rude e entrou no quarto em sua maneira afetada de sempre, mas eu obviamente não deixei ele fechar a porta, ainda precisava dos meus bagulhos que estavam em seu malão.

— Fábregas, meu caro, a sua foto está ao lado da definição de porre.

— Não é a primeira vez que ouço isso, idiota! - Gritei da porta mesmo, enquanto ouvia John mexendo em sua bagagem. Louise adora me dizer coisas do tipo.

— Você me deu a goles para acertar o aro, mas eu estou cansado demais para suas picuinhas, Fábregas, passar bem. - Ele disse tudo enquanto me passava a caixa com o símbolo de Uagadou e batia a porta na minha cara.

— Escroto de trasgo!

***

Bem, era de se pensar que tendo um dormitório só meu eu estaria muito bem de vida, mas coitado de mim, havia sido despachado para um armário de vassouras!

Havia uma cama com as cores de Uagadou em cima de um estrado baixo, uma barra de metal com cabides - onde já se encontravam dependuradas três camisetas de Uagadou: sem mangas, mangas curtas e mangas compridas - e só.

Uma cama, um cabideiro e meu malão, isso foi tudo o que o dinheiro dos meus pais pôde pagar? Devia ter deixado Dussel avançar mais naquele depósito, com certeza estaria no dormitório de luxo da "escola Vossa Alteza" agora.

Nem imagino como deve ser na França, ouvi dizer que eles cagam flores e mijam champanhe em Beauxbatons. Na cabeça dos turistas, no caso.

Sentei na cama e abri meu kit de boas-vindas e "advinha só!", com a voz de Rebeca e tudo: O manual era a bosta de um encarte turístico!

— Vou dar um soco na cara de Westhampton! - Não é porque chamam vômito de fada mordente de filé mignon, que a gente deve fingir que é!

Veja bem, sabe aqueles encartes que você ganha da agência de viagens dizendo o melhor lugar para comer e "faça um passeio de lancha pelas mais belas praias do Caribe"? O manual de Uagadou era isso, só que com a palavra manual floreada em cima!

Levei 12 segundos para ler tudo e basicamente tinha:

1- Seja bem vindos a Vossa Alteza;

2 - Horários de aula;

3 - Não mate o coleguinha, os bichinhos, nem vocêzinho.

Sério, as regras de meus pais tinham mais páginas do que isso.

Mas no final das contas John estava certo, não precisa ser adivinho para saber que nada do que perguntei por último a Shaira constava no "manual". Olhei o que tinha mais na caixa. O kippah, que eu tenho certeza que não usarei, foi colocado para escanteio, sobrando somente um adesivo de goma de mascar.

— Então você é o famoso Marduk? - O encarte com as instruções eram simples: retirar o símbolo do papel e aplicá-lo atrás da orelha esquerda.

Fiz como indicado, surpreso por no mundo bruxo as tatuagens temporárias serem bem aceitas, quero dizer, pelo tanto de adolescente com desenhos no corpo aqui em Vossa Alteza, o negócio é bem popular.

Hum, nenhum acontecimento revelador, nenhum arquivo zip com um catatau de idiomas foram baixados no meu HD e logo pensei "Mas que merda, tanta agonia para nada!". Ah bem, pelo menos era um símbolo legal, vermelho cor de carne que parecia um sol de formas arredondadas, ou quem sabe uma flor...

Sabedoria.

Levantei a cabeça e olhei para os lados, de onde veio isso? Num segundo eu me perguntava o que o símbolo significava e no outro... A resposta simplesmente apareceu na minha mente.

Estranho.

Dei de ombros, separando uma muda de roupa, kit de banho e só me dei conta de que já havia atravessado um portal invisível para o banheiro comunitário no fim do corredor quando já estava lá.

Como eu sabia que a passagem estava do lado do meu malão?

— Puta merda, eu tô ficando doido! - Tomei um banho rápido e mal voltei para o quarto, quando me deu uma vontade louca de ir até John, para encontrarmos o refeitório juntos. Sai pela porta, ao mesmo tempo que o loiro saia da dele, com um olhar de surpresa.

— Já ia te chamar para ir comer, que coincidência!

— Coincidência nada, há algo muito estranho aqui! - John me olhou curioso, depois me lançou um sorriso divertido.

— Você colocou o seu Marduk, não foi? Você leu o manual? - Eu olhei cético para ele.

— Aquele encarte ridículo de boas-vindas?

— Experimenta ler ele agora para você vê! - Não dei muito crédito, mas algo me dizia que a próxima vez que eu pusesse os olhos no manual, ele estaria bem diferente. – Por que não está de farda?

— Porque só temos aula amanhã à tarde! - Olhei para um John com o uniforme de mangas curtas, mas sem a saia, graças a todos os deuses do Egito!

Nosso horário era Magia Elementar módulo I e II às terças o dia todo e sexta à tarde e Criação avançada de encantamentos, segundas pela tarde e quarta pela manhã.

Louise havia questionado o "avançada" e eu também, para ser sincero, mas John me disse que era apenas uma das milhares de eletivas da escola, porém a única que falava de fluidez mágica, coisa que muito me interessa.

Espero que essas vinte e quatro horas de Criação e as trinta e seis de Elementar nos dê um upgrade de conhecimento. Nossa, me lembrei de Dussel agora, não sei porquê...

John me olhava dobrar as mangas da minha camisa até o cotovelo, com sua cara de entojo de sempre.

— Vamos, mocinha? - Ah, não fode! Alguém amarrou a perna dele aqui por acaso? Aliás...

— MERDA, FÁBREGAS! - Sai correndo na frente, antes que o loiro se livrasse do feitiço de pernas presas que o fizera cair com a cara no chão.

Essas vão ser as melhores semanas da minha vida!

***

Achar o caminho para o refeitório foi relativamente fácil, só precisamos pegar o portal para Minguante no corredor 6 da ala noroeste e... Espera, o quê?

— O Marduk nos ajuda com coordenadas também?

— Ele ajuda com qualquer coisa ligada a escola, principalmente com o idioma dos que entram em Nova. - O encarei questionador. – Por isso navegamos pelo Nilo Branco.

— Branco?

— É só um apelido do rio, nem sequer era o verdadeiro, você sabe. - Sabia, mas não pude deixar passar a ironia do nome.

— Então eles leem as nossas mentes e roubam os nossos vocábulos? - Exatamente. – Nem precisa responder.

Chegamos no refeitório no que parecia ser o horário certo do almoço. Nesse exato momento dava para ver o quão mais cheia Uagadou era, já que cabiam umas dez mesas de Hogwarts, mais os balcões dos alunos mais velhos e professores rodeando o ambiente.

Eu e John nos encaminhamos para a fila da comida e ao chegar na minha vez, fiquei feliz de constatar que meu prato era um almoço bem comum de vegetais, purê de batata e um filé bem passado.

— E eu que esperava conhecer a comida africana... - Falei brincando, mas não esperava resposta.

— Não se preocupe, a cada dia que passa o seu cardápio vai ficando mais e mais africano, logo vai estar comendo matooke lambendo os dedos.

Sharam havia saído do nada, sorridente e bem cara de pau. Típico.

— Olha aqui, não estou autorizado a falar com garotas mentirosas, minha religião não permite. - Ela riu, pegando um prato enorme de feijões, frango e toda a sorte de vegetais que eu não conheço.

— Deve ser difícil não falar no espelho então. - Respondeu convencida, rindo da minha careta ofendida logo depois. – Ei, vamos voar pelas luas mais tarde, as bonecas estão convidadas.

— Não sabia que iriam nos deixar voar aqui, não trouxe minha vassoura. - Disse meio chateado, ignorando suas provocações, afinal eu realmente queria voar pelas "luas". Sharam torceu a boca em desagrado.

— Regra número um dos volantes: nunca deixe sua vassoura para trás! - Ela disse enquanto me passava um copo grande de um suco escuro como o Nilo Branco. – Regra número dois: finja que a regra número um existe.

Olhei divertido para um John atipicamente calado. Ele deu de ombros.

— Podemos conseguir vassouras em Nova. - Sharam acenou satisfeita pra ele e se preparou para ir, sem nem nos oferecer um lugar em sua mesa.

— Nos vemos às 16 horas então. - Ela nem nos deixou responder, já foi indo embora, mas antes resolveu ser um pouco mais espirituosa. – A propósito, isso no prato de vocês não é purê de batata.

Que menina mais amável!

***

Já estava fazendo meu caminho de volta para Cheia no pós-almoço, quando John pegou o portal que eu sabia dar em Crescente.

— Por que fez isso? - Ele continuou me segurando pelo cotovelo, mas parou de andar assim que eu estanquei e tirei meu braço da mão dele.

— Você vai curtir isso, acredite! - Me disse, impaciente.

— Tenho quase certeza que não.

— Não seja desagradável. - Ele consertou os óculos e seguiu pelo corredor.

Olhei para os lados, para trás, pensando se valia a pena ou não voltar para meu armário particular. Dei de ombros, não é como se eu tivesse algo muito importante para fazer, não é mesmo?

Segui John até um dos corredores temáticos que Shaira havia nos mostrado - de fora - antes. Ele escolheu o árabe pré-islã e eu tive que fazer uma careta para isso, que escolhinha ruim, viu?

— Você tem algum objetivo em mente ou só resolveu vir no corredor mais entediante que conseguiu pensar?

Ok que as coisas até que pareciam promissoras, haviam algumas criaturas iluminadas pelas luzes bruxuleantes de tochas - o sol não chega aqui - mas John passava por elas tão rápido que nem dava para ver direito.

— Tem que estar aqui em algum lugar... - O loiro passava os olhos de uma lado para o outro e eu me limitei apenas a segui-lo, admirando as tapeçarias coloridas nas paredes e deixando o pé afundar na areia branquinha que tomava toda a galeria.

Ele parou bem em uma bifurcação que dividia o caminho entre algo mais do mesmo e a completa e tenebrosa escuridão. Um doce para quem adivinhar o corredor que John Westhampton escolheu!

— John, você resolveu fazer um pacto com o demônio e não me avisou? - Ele havia sacado a varinha e iluminava parcamente a areia a nossa frente, segui seu exemplo.

A temperatura do lugar parecia, a cada passo que dávamos, ligeiramente mais fria. Não me surpreenderia em nada se estivéssemos soprando vapor pela boca em alguns minutos.

Ouvi uma respiração fraca atrás de mim, contei 1, 2, 3, mas quando me virei, havia apenas a boca iluminada do corredor seguro que tínhamos deixado para trás.

— John...

Um vento leve soprou as areias aos meus pés que, somente com a ajuda do meu lumus, pude ver que faziam formas hipnotizantes de redemoinhos.

Continuei andando de costas, esperando ver um fantasma - coisa com a qual já estou acostumado - ou um negócio pior brotando do solo, quando me bati em algo sólido.

— Que merda, John! Pensei que você fosse um espírito maligno! - Ele havia parado, estava lendo inscrições na pedra crua, onde uma lamparina velha jazia em uma pequena reentrância na rocha. – Pensando bem, é exatamente o que você é.

— Vamos embora. - Me disse categórico. Ele foi passando por mim e dessa vez eu quem o segurei pelo braço.

— Espera, por que? O que tem aí? - Iluminei as inscrições novamente.

Djinn

Espécime capturado nas luas dos primeiros homens dotados de nigromancia. Classe dos jinni, gênero Ghul.

— Nigromancia é aquela magia com defuntos? - Perguntei, realmente achando aquela escolha de corredor feita por John bem interessante agora. Veja bem, ao menos explicava o ambiente meio trevoso.

— Não, isso é necromancia, nigromancia é literalmente magia das trevas. - Ah. Bem, o que uma coisa como essa faz numa escola então? – Achei que se tratasse de um do gênero Marid, mas é um Ghul, que é do mal, não dá para arriscar...

— Do que diabos você está falando? - Ele me olhou e depois se virou para a lamparina de luz fraquinha brilhando inocente no final da galeria.

— Estou falando de um djinn, Cesc! Aquela criatura que concede pedidos aos desavisados que por ventura as enc...

— Espera! Você está falando de um gênio? Um gênio da lâmpada tipo o do Aladdin? - Olhei com renovada atenção para a lamparina de latão com algumas manchas esverdeadas de oxidação.

Não era nem de longe tão interessante quanto a dos filmes e muito menos parecia a morada de uma criatura mágica.

Será?

— Sim, um gênio... Mas esse não é dos que presta, então nem pensar que vamos fa...

— Como a gente ativa essa coisa?

— Cesc, não pode. - Se eu ganhasse uma moeda para cada vez que eu ouvisse isso. Levei minha mão em direção a lamparina, só para ver se havia um campo protetor ou algo do tipo, mas John quase teve um treco. – O QUE VOCÊ TÁ FAZENDO?

Não havia campo protetor algum, então eu a toquei. 

Nada aconteceu.

Continuei arrastando o dedo pela lateral da lâmpada, o metal frio queimando nas pontas dos meus dedos de um jeito que reverberava até meu braço e a luz tornara-se tão...

— CESC! - Pisquei confuso. John havia me puxado para longe da lamparina, que voltara a parecer bastante comum, sua luz ainda parca.

— Por que está gritando? - John me olhou estupefato, balbuciando de leve, o que me fez revirar os olhos para ele. – Está vendo? Nada aconteceu!

— Não aconteceu porque eu não deixei! - Olha, a covardia devia ser passível de multa, porque é uma coisa extremamente irritante!

— Não, John, não aconteceu porque não tem nada para acontecer. - Falei como se estivesse lidando com uma criança pequena, mas o loiro ainda olhava assustado em direção a lâmpada. – Tenta você esfregá-la!

— O quê? Não! - Eu ia pegar a mão dele e forçá-lo a tocar na lâmpada, só de sacanagem, mas ele foi mais rápido. – De qualquer forma, não funciona assim...

— E funciona como? - Ignorei um arrepio na pele, para não dá asas à imaginação como John estava fazendo.

— Há uma espécie de enigma, você precisa solucionar para a lamparina funcionar.

— Que enigma? - Ele agora me olhou realmente bravo, recuperando um pouco da postura normal.

— Você só houve o que quer? Que parte do "Ghul é do mal" você não entendeu? - Ele jogou as mãos para cima, em exasperação.

— Não estou dizendo para a gente fazer os pedidos, mas é bom ter um projeto para as horas vagas... - Disse, no meu melhor tom inocente. – Ademais, não é como se dois garotos qualquer pudessem resolver um mistério de milênios!

Sim, eu estava jogando com a vaidade de John! Resolveríamos o enigma e então "mas não é como se fôssemos fazer os pedidos, só vamos dar uma olhada nele...", seguido de um "não é como se fôssemos nos arriscar com três pedidos, vamos tentar apenas um simples e inocente, para testar..."

E assim por diante.

John me encarou com seu melhor olhar cético - parecendo com minha mãe na posição de bule de chá - não levando muita fé na minha conversa.

— Acha mesmo que nessa escola enorme não já teve dois otários para conseguir acordar o djinn? - Ele apontou com a cabeça a chama atrás de si.

— Bem e onde estão tais garotos geniais agora? Quero lhes dar os parabéns pela coragem. - Perguntei divertido, dando ênfase no meu ótimo trocadilho.

— Provavelmente eles estão com os nomes no memorial do átrio central de Minguante para "aqueles que partiram cedo demais". - Eu fechei os dentes e olhei para ele um pouco menos divertido.

— Você está apenas conjecturando...

— Será? - Pelo sim ou pelo não, resolvi segui-lo para fora do corredor escuro e frio da ala árabe pré-islã.

Vai que pela primeira vez na história John está certo?

***

Voltei com a cabeça ainda naquele Djinn, quero dizer, olha quantas possibilidades! Poderia fazer o mundo se curvar aos meus pés, podia ser o novo imperador da Terra, deu muito certo para Aladdin!

Ele virou imperador da Terra, não foi? Acho que nunca assisti aquele filme até o final...

— Ok, John, o que mais você sabe que vai fazer a nossa vida um pouquinho mais animada por aqui? - Perguntei esfregando as mãos em antecipação. O loiro me olhou por cima dos óculos com seu olhinho transparente bizarro.

— "Se não é explorado pelos outros, não deve ser explorado por você. Sim, queremos nosso filho Maria-vai-com-as-outras mesmo." - Eu parei no meio do caminho só para poder olhar incrédulo para John.

— Você decorou as regras dos meus pais? - Ele sorriu com todos os dentes, muito satisfeito com essa aberração e crime contra o bom senso. – Devia ter vergonha disso, sabia?

— Você que devia ter vergonha de ter uma lista de regras onde consta "A pessoa mereceu não é uma justificativa aceitável sob nenhuma circunstância". - Meu queixo caiu, preciso mesmo ler essas regras ridículas.

— Fico triste de ver como você é esquisito... Falando nisso... Vem cá, John, e as namoradinhas? - Coloquei as mãos nos quadris que nem aquelas tias chatas. Ele nem se abalou com minha mudança brusca de assunto.

— O que tem elas?

— Elas existem em outro lugar que não na sua mente ou livros? - Ele me olhou apertando os olhos e eu me toquei que estava cometendo uma gafe, logo eu, de todas as pessoas! – Pode ser ele também, o meu interesse ainda é genuíno.

— Não vejo como isso possa ser da sua conta. - Ele disse atravessando o portal para Nova dessa vez.

— Claro que é, você é o único conhecido que eu tenho aqui! - Ele fez uma careta. – Significa dizer que toda a minha atenção é sua! E então, John, vê algo que te atrai?

O guiei pelo ombro até o balcão que nos dava uma vista privilegiada do formigueiro de Nova. O abracei com uma mão só e ele pareceu ficar ainda mais desconfortável.

— Eu não preciso de sua ajuda, aliás, não é como se você fosse um especialista em relacionamentos... Você terminou com uma garota incrível como Claire!

— Terminei justamente porque entendo muito bem de tudo e fique você sabendo que tenho uma vasta experiência no assunto: peguei gente mais velha, mesma idade, namoro fixo, casual... - Não iria dizer a ele que peguei inclusive um cara, porque John aqui não me parece pronto pra isso. – Vamos, John, um amor de verão!

— Por que você não procura um para você? Eu vim aqui para estudar. - O Marduk nos guiou até um grande depósito onde as pessoas deixavam seus pertences e artefatos que não podiam entrar na escola, bem como seus meios de transporte loucos.

Havia também algumas vassouras para aluguel, então peguei uma "vassoura Sakpata", que era vermelha com preto e cuja a forma me lembrava o formato da minha querida amiga deixada em casa.

O fato de que ela faz 187km/h é só um bônus.

— Estou procurando. - John me olhou, tirando a atenção das vassouras africanas com espinhos nas cerdas de onde tirei essa minha. – Um amor de verão, digo. Estou procurando, mas não quer dizer que não possa me dedicar a sua causa.

— Você ainda está nisso? - Ele disse, entregando alguns sicles pela tradicional e lenta Silver Arrow no cofre enfeitiçado, cuja boca parecia a de um leão.

— Estou, sou bastante insistente quando quero. - Coloquei um galeão no caixa, o que, pelas minhas contas, deve valer pelo aluguel dessa belezinha aqui por toda a minha estadia.

— Porre: Cesc Fábregas, favor ver a definição no verbete "insuportável". - Eu sorri, porque sou mesmo tudo isso, mas principalmente porque assim que Sharam apareceu com aquele trio de mais cedo na porta do depósito, John corou.

Ah, bom saber...

— Prontos para voar de verdade, matumbos?

— Espero que seu ego não te deixe pesada, Sharam. - Disse divertido e cumprimentei os outros. – Capitão K, anônimo 1 e 2, prazer em revê-los.

Sharam revirou os olhos, nos encaminhando para a saída da escola, no caso, a saída pelo alto da escola.

— Esses são Aaron, Emmanuel e Kondwani, que você já conhece.

— Ele vai continuar sendo Capitão K, porque eu vou chamá-lo dos nomes mais esdrúxulos tentando o original, então vamos evitar as brigas desde já .- Sinceridade é meu nome do meio.

— Vou aceitar porque não sei por quanto tempo mais serei capitão... Aproveitarei enquanto posso. - Ele passou uma capa com capuz para mim e outra para John, era negra com o símbolo de Uagadou, então fiz uma pergunta com a sobrancelha. – Não se voa sem capa por aqui.

Isso por quê? John não me deixou perguntar.

— Vimos a seletiva de artilheiros, não ser mais capitão significa dizer que vai ficar de fora da seleção? - O rapaz mais velho deu de ombros, já montando em sua vassoura e puxando o capuz, que cobria até mesmo os olhos. Quê?

— Estou no último ano e concorro com mais onze capitães, fora a chance de ficar de fora só pela mera concorrência entre os acasteladores. - Quem? Ele sorriu para a minha ignorância. – Os caçadores de orbe.

— Acho que a gente nem sequer joga o mesmo jogo...

— Chega de papo! Em suas vassouras. - Montei não porque Sharam mandou e sim porque quis. Puxei o capuz e percebi que dava para ver tranquilamente através dele, ah, a maravilhosa magia...

Dei um impulso forte com os pés e a Sakpata respondeu rápido, mostrando que não era tão rápida quanto a minha Twigg, mas tinha um bom arranque.

Ao olhar para trás, para Nova, pude ver que saímos de uma das varandas no centro da montanha. Capitão K guiou a todos na frente, em uma velocidade baixa, provavelmente para que eu e John apreciássemos a paisagem.

Uagadou era incrível vista em sua totalidade, era como se um bebê gigante tivesse atirado um castelo de terra nas montanhas e com o tempo ele tivesse se solidificado como parte dela. Era uma obra humana, mas se camuflava perfeitamente a natureza dos Montes Ruwenzori.

— Vamos mostrar a eles as lágrimas de Obá, Kond. - A voz de um dos garotos soou clara por baixo do meu capuz, mais uma trapaça que os Uagandenses fazem, que feio, eles se comunicam entre si com essa capa!

O quarteto que ia mais à frente deu uma guinada de 180° e eu e John os seguimos. Havia um manto verde sobre a montanha enevoada - que eu tenho certeza que é uma floresta impressionante quando vista de perto - lembrando um pouco o verde abundante da Escócia, mas era tudo numa tonalidade exótica, como se as cores na África tivessem um filtro vermelho quente por cima.

Era estranho que isso acontecesse, tendo em vista que as montanhas estavam eternamente cobertas por essa névoa densa.

Parecia que tentaríamos dar a volta pela cordilheira antes de chegar ao ponto, mas então lá estava nosso destino: dois véus d'água tão fininhos que não teriam sido vistos caso os garotos e Sharam não tivessem se aproximado.

— É uma tradição dos Cheetas de Nova sempre se banhar nas lágrimas de Obá antes dos jogos. - Um dos garotos disse solene. As quedas d'água pareciam bem pesadas e pouco convidativas vistas de perto. As gotas que caíam nas minhas mãos desprotegidas sentiam geladas.

— Quantos jogos vocês ganharam com isso? - Perguntei desconfiado. Me parecia o jeito certo de ganhar uma pneumonia, na verdade. – Essa água é tão fria quanto parece?

— É sim, vem do degelo do cume de Nova. Seria uma desfeita vocês dois não se banharem nas águas da nossa Orixá... - Emannuel, o garoto com cabelos trançados em listras grossas na cabeça, me olhou desafiador, já tendo tirado o capuz.

— Uma desfeita para vocês ou para Ela? - Perguntei, porque, né, eu não desrespeitaria uma Orixá, mesmo não tendo ideia do que seja, mas eles eu nem hesitaria em fazer.

— Para ela e para nós. Vamos, nem está tão gelado assim! - Sharam falou num tom que era para ser incentivador, deixando seus cabelos compridos serem chicoteados pelo vento.

— Vamos, Cesc, tenho certeza que eles, caso joguem em Hogwarts, vão abraçar o Salgueiro-Lutador. - Os três se entreolharam curiosos. – É uma tradição nossa, muito melhor do que aquela de galopar em um centauro...

— Centauros não se deixam galopar. - Aaron falou, com seus olhos e cabelos cor de whisky envelhecido, como os de Lia, olhando entre o curioso e o cético.

— A gente não pede permissão para eles. - Entrei no jogo de John, porque eu realmente não quero tomar banho nessa água gelada. Eu não vim para a África para morrer de hipotermia, isso seria um contrassenso!

— Argh, seus enrolões, eu vou primeiro! - Sharam impulsionou a vassoura para a cachoeira mais larga, a atravessando e sumindo segundos depois – Vocês vão vir ou não?

A voz dela soou abafada pelo barulho da água.

John deu de ombros e foi, mas ele deu um grito engraçado de alguém que tinha sido esfaqueado ou estava em trabalho de parto, sei lá, o que me lembrou aquelas águas frias do Lago...

— Sabe o que é, eu meio que tenho essa...

— Vai logo! - O trio falou ao mesmo tempo, entre o riso e a impaciência, não me sobrando muito mais o que argumentar.

Fui, mas me arrependi na hora! A cachoeira tinha uma pressão forte que era como um soco nos seus ombros e cabeça, o suficiente até para tirar a vassoura do curso. Fora o gelo que era! Olha, quando eu for mais velho vou dizer "Eu era um adolescente tão idiota e influenciável..."

— Meu Merlin, que coisa mais sem sentido! - Peguei minha varinha e já ia me secar assim que desmontei, mas Sharam fez que não. – O quê? Por quê?

— É uma bênção da deusa, não se seca uma bênção... - John já devia ter ouvido a explicação porque agora usava a varinha para ler algumas inscrições na pedra da caverna em que estávamos. – Olha, Cesc, é mesmo uma tradição!

— Acharam que estávamos mentindo? - Sharam se aproximou de John, enquanto fazia uma coroa de trança com o cabelo molhado. – Todos os Cheetas deixam sua marca aqui... E às vezes deixámos alguns convidados terem a honra. Sintam-se honrados.

O trio que faltava passou pela parede de água gélida - que estava fazendo meus dentes baterem de leve dentro da boca - rindo e empurrando uns aos outros.

— Vão nos deixar assinar na caverna de vocês? - John voltou a varinha dele para os recém-chegados, quase me cegando no processo.

— Claro, se passou pelas lágrimas de Obá, você é digno! - Emmanuel disse solene, mas depois sorriu para Aaron. – Lembra daquele alemão convencido que foi derrubado da vassoura?

O quê?

— O quê? - Perguntei assustado, eu poderia ter caído da vassoura? Olha, eu estou gostando cada vez menos disso aqui, esses Uagandenses são cheios de merda! – Se uma pessoa morre por aqui vocês fazem o quê? Enterram o corpo?

— Ninguém nunca morreu! Nós o levitamos para sua vassoura em segurança. - Ele demonstrou com um gesto de mãos. – Além disso, o que há de ser feito se Obá não gostou dele?

— Ah bom, isso justifica tudo! - Disse irônico, mas ninguém pareceu se importar, digo isso porque Capitão K mudou completamente o assunto.

— Posso ver a sua varinha? Sempre tive curiosidade para ver esses gravetos que vocês usam tão cheios de pompa! - Eu franzi o cenho pra ele, mas senti John me passar um canivete Morgana sabe saído de onde.

Só porque eles estão sendo simpáticos a ponto de nos deixar assinar na sua parede da honra, emprestarei a varinha.

— Cuidado, é olmo com cerne de fibra de coração de dragão! - Os quatro me encararam sem entender. – A varinha, é disso que ela é feita.

— E isso quer dizer alguma coisa? - Sharam perguntou desdenhosa, a muito ridícula.

— Olmo é muito temperamental. - John estalou a língua nos dentes. - Não aceita fácil outros bruxos, mas é fiel e boa para feitiços mais robustos, ainda mais com a fibra draconiana.

— Você está inventando tudo isso. - Eu disse, ganhando um olhar muito ofendido em retorno. Mas nós já havíamos conversado sobre varinhas e chegado à conclusão que elas eram aleatórias, John não sabe nem mentir.

— Claro que não! Está tudo no Compêndio de varinhas 21! - Mais uma invenção, esse menino tem mitomania! – Uma varinha diz muito sobre o dono, a sua, por exemplo, é boa em feitiços a longo prazo, tanto que acaba aumentando a duração de feitiços temporários também.

— Sei... Falou isso tudo, mas eu não vou esquecer que me chamou de temperamental antes. - Capitão K ainda segurava a varinha com a palma aberta, a trazendo para a altura dos olhos.

— Você é temperamental mesmo, ela é boa para você, o olmo segura sua magia, que é um pouco volátil...

— Como é, John? - Eu perguntei, já querendo a minha varinha de volta pra enfiar uma azaração nessas fuças galesas. Sharam sacodia a varinha do loiro atrás dele.

— Isso aqui não funciona, como é que... - Tanto sacudiu que um raio azul saiu da ponta da varinha e quebrou uma estalactite. Nós seis demos um pulo para trás com diferentes graus de susto.

— Que coisa maluca! - Aaron disse assustado e Sharam devolveu a varinha de John, assim como o Capitão devolveu a minha.

— Minha varinha é um pouco mais sensível, provavelmente isso aconteceu porque a magia de vocês é muito à flor da pele...

— E a de vocês não é?

— Bem... Varinhas são feitas para isso, para ajudar a controlar, a conter, a civilizar a magia. - Ai. Civilizar, John? Os Uagandenses não gostaram de ouvir isso.

— Civilizar? Isso... Isso é uma mutilação da magia de vocês! - Emmanuel falou transtornado. – Se um dragão nigeriano atacar vocês na mata e seus gravetos estiverem  longe, vocês fazem o quê? Rezam para seus deuses brancos?

— Manu...

— Não! Vocês usam magia ou morrem, porque os deuses brancos continuam sua vidinha em suas nuvens brancas. - Eu hein... Que deuses brancos são esses?

— Emmanuel, pare com essas crendices, ninguém é obrigado a te ouv...

— Nem vou começar a falar de você, Sharam! Com seu cabelo de branco, roupas de branco, reza de branco...

— Você é tão babaca que não vou nem me dar ao trabalho de te responder...

— Que baixaria... - Sussurrei para John enquanto Capitão K acalmava o doido dele que continuava falando que os deuses brancos eram isso e aquilo... Sharam se mexia toda inquieta, provavelmente louca para meter a mão na cara do colega de time.

Eu não invejava o capitão, meus jogadores não eram assim nem em seus piores dias.

— Vamos, pessoal, queria subir mais alguns metros até a galeria das conchas ainda hoje. - K fingiu que nada havia acontecido e os outros dois garotos foram na frente, sem dizer mais nada. – Dizem que as conchas são da época que isso aqui ficava debaixo do mar!

Sou muito adepto da tática de fingir que o barraco não aconteceu, então mostrei meu contentamento em ver mais essa mentira africana de concha do mar na montanha, por que não?

Voltamos a passar pela água congelante das quedas d'água e seguimos voo, o vento entrando pela capa e nos enregelando até os ossos! Mas valia a pena perder as pontas dos dedos pela vista desse pôr do Sol nas montanhas da Lua.

Tirei as mãos da vassoura e deixei o vento frio dos montes me abraçar, até ouvir um pio familiar ao meu lado.

— Uizlei? - As penas desbotadas do mocho negro surgiram no meu campo de visão. Ela planou de um lado para o outro na minha frente, me fazendo rir. – Você veio para a África, sua preguiçosa?

Uizlei piou feliz, pousando de frente para mim no cabo da minha vassoura. A trouxe para perto, protegendo-a debaixo da capa. Ela trazia uma carta grande para seu corpo de 400 gramas, mas as corujas tinham alguma coisa que as faziam conseguir levar as cartas de um lado para o outro sem problemas.

Voamos por mais alguns minutos até chegar a varanda de Nova, de onde havíamos saído. A noite já havia caído, por isso Emmanuel e Aaron foram na frente, Capitão K disse que foi um prazer voar com a gente e foi também, apenas Sharam ficou.

— Desculpa o Emmanuel, ele vem de um lugar bem... Radical. - Ela deu de ombros e John só sorriu simpático, coisa que não combina com ele.

— Não precisa se desculpar por ele, não deixa de ter lógica o que ele disse. - Tanto John quanto Sharam me olharam sem entender. – Não a parte dos deuses brancos, isso não faz sentido nenhum.

— Ele quis dizer santos, mas chama de deuses, que é o que ele conhece. Emmanuel nunca aceitou as religiões cristãs muito bem...

— Que parte do que ele disse fez sentido, Cesc?

— A parte de sermos dependentes da varinha, isso é meio frustrante, para não dizer perigoso.

— Emmanuel é um hipócrita, ele tem mais amuletos e pinturas corporais do que qualquer um aqui. - Sharam sorriu, olhando para mim e depois para John. – Todos nós temos nossa magia presa a algo, não se preocupem.

Fiz que sim com a cabeça, mas depois disso Sharam apenas se despediu, nos deixando com os últimos raios de sol sumindo no horizonte. Uizlei piou reclamona e eu baguncei as penas de sua cabeça.

— Calada, sua esquisita, ninguém mandou você vir para a África, agora aguente. - Isso vale para mim e para John também.


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Notas finais do capítulo

Desculpa pelo capítulo grande, vou maneirar, rsrsrs

Bjuxxx