Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 58
Capítulo 58. O respeito é a chave


Notas iniciais do capítulo

Resolvi ser mais rapidinha e não deixar para postar no fim da noite e como todo mundo que comentou disse que não se importa, segue mais um capítulo grandinho (quando a gente retornar das férias ajeitamos isso);



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Capítulo 58.

Bocejei pela milésima vez.

Isso que dá ficar até tarde discutindo com australianos sobre futebol. Sério que eles acham que tem alguma ideia do que estão falando? Ninguém nunca me viu questionar a soberania deles no surf né? Pois é.

Estávamos todos esperando a aula começar afundados até a cintura na água morna de uma lagoa subterrânea em Crescente. Sim, uma lagoa. Eu acho apenas que o pessoal que cria as coisas em Uagadou pensa “o que poderia ser mais estranho?”, plim, virou realidade.

Honestamente achei que iria pirar de entrar em um lago novamente, depois do episódio do inverno passado, mas, seja porque a água está bem boa ou porque eu sou uma criança não-traumatizada, essa sala de aula aqui tem se mostrado muito, muito agradáv...

— Acho que estamos prontos para começar a aula. - A voz grave e pesada da professora Collete Aurier reverberou pelas paredes da caverna, me fazendo acordar no susto. Deus, ela fez de propósito, só pode! Joguei um pouco de água no rosto para terminar de acordar. – Suponho que, por se tratar de uma turma avançada, não precisarei retomar os conceitos básicos do porquê estamos aqui, não é?

Olhei com raiva para John e diferente dos seres normais, ele estava quase quicando na própria pele de ansiedade, não levando em conta que eu era uma daquelas pessoas que, veja bem, NÃO SABEM porque estão na água, em uma caverna sinistra!

Joguei água nele, ele se engasgou, o que já foi algo bom. Resolvi apelar para as forças misteriosas de Uagadou para resolver meus problemas: marduk, porque estamos aqui na água nessa aprazível aula de Criação Avançada de Encantamentos?

Lagoa dos antigos ancestrais, Crescente, águas nascidas do coração da montanha abastecem as Salas onde ensina-se encantamentos, animagia e projeção astral. Auxilia na conexão do bruxo com sua magia interior.

Projeção astral é aquele lance de sair do corpo quando estamos dormindo? Melhor eu não cochilar por aqui daqui pra frente...

— E por fim veremos os feitiços remotos. - A turma fez um burburinho de excitação e eu fiquei meio “que merda, o que eu perdi?”. Luzes coloridas começaram a se projetar no espelho d’água onde estávamos, partindo de onde as vestes coloridas da professora boiavam ao seu redor.

Formas de animais envolviam os alunos e tive que dar meu melhor olhar de “muito sonserino da sua parte, John” ao ver uma serpente se enrolar ao redor do galês. Sim que tenho essa cara no meu arsenal de caras, não duvidem.

— Os animais de proteção são excelentes para guiar-nos através de missões específicas. O homem que está conectado com o seu anima, dificilmente se vê perdido. – A mulher de pele escura sorriu ainda mais tranquilamente quando a tatuagem dourada em sua cabeça raspada brilhou levemente.

Os animais transformaram-se em formas menos conhecidas, mas ainda assim familiares. Havia uns desenhos egípcios, aquela bola do yin-yang, uma mão indiana e uma flor se abrindo, o que era um espetáculo à parte.

— O poder dos símbolos apenas cresce com o decorrer das eras, particularmente é o meu tipo de encantamento favorito para se criar porque protege, guia e acalenta o feiticeiro na mais árdua jornada... - Fiz menção de tocar em uma das pétalas da flor, mas ela desapareceu assim que encostei a mão na água.

Formas animalescas voltaram, mas diferente das primeiras, essas eram primitivas, como se feitas por homens das cavernas. A turma voltou a cochichar animadamente e eu apenas me virei para Nancy, uma das australianas irritantes de ontem, que estava na minha frente, para perguntar o porquê disso.

— Vamos ver vodu, garoto! – O sorriso que ela deu era para gelar a alma de qualquer um, isso somados ao meu parco conhecimento sobre o assunto, me deixou com o pé atrás.

— O quê? O que é vodu? – Pela primeira vez na vida não consegui me gabar de algo que eu sabia e John não, quero dizer, como se explica para alguém que vodu é aquela arte maligna de espetar alfinetes num boneco, fazendo nosso inimigo chorar?

— Já percebi que vocês tem muito interesse nos feitiços remotos, mas prestem atenção, se eu souber que vocês crianças estão aprontando algo, o castigo será igualmente interessante. - A professora disse tudo com um sorriso divertido, mas né, apesar dos risos dos meus colegas, eu bem que senti a ameaça implícita nos meus ossos. – Mas agora, vamos ver ao que vocês irão se dedicar nesse curso.

Como assim? Isso significa dizer que não iremos aprender tudo? Mas que absurd... Não pude verbalizar minha indignação, porque assim que a professora bateu uma palma na outra, eu apaguei.

***

— E então, o que pegou, Nancy? - A loira bronzeada olhou por sobre o ombro para o garoto muito alto da Romênia que estava flertando com ela há algum tempo. A menina abriu a mão, mostrando o pequeno bichinho de madeira que carregava.

— Peguei um totem, animal de proteção. – Petru Groza sorriu convencido, com seus dentes meio montados e cabelos cor de ferrugem.

— Peguei vodu, baby! – O tom foi tão malicioso que eu não pude deixar de fazer uma careta para John, eca, algumas pessoas passam na fila da nojentice várias vezes! Ele mostrou um saquinho de estopa que fazia um som metálico quando mexia.

Boa sorte com isso, mané!

Eu e o loiro, porque somos bons garotos, pegamos os símbolos, que, honestamente, parecem inofensivos. Tá, que não serão lá muito úteis na vida prática, mas ao menos é a especialidade da professora e, se for para aprender algo inútil, que seja com a referência no assunto.

O ruivo continuou se gabando de como seria legal voltar para Durmstrang para pôr em prática essa nova modalidade de magia, começou a descrever um professor chato - não mais do que ele, tenho certeza - e como faria ele pagar por todas as detenções infundadas que ele já havia aplicado.

No exato momento que o garoto falou a palavra vodu pela nonagésima quarta vez, uma menina de uns 17 anos com um gigante cabelo black power deu um trompaço nele, se virando com um olhar enfezado.

— Vodu é uma religião respeitável, não uma ferramenta para vocês usarem em suas vingancinhas. - O ruivo não disse nada, mas deu um sorriso desagradável, que me fez revirar os olhos. – A propósito, os deuses vodus não hesitarão em cobrar as dívidas contraídas, no tempo certo.

Assim que a menina dobrou a esquina oposta a do portal para Cheia, o ruivo se virou para nós três, nos fazendo parar no corredor.

— Você tem que se divertir com a arrogância desses caras... Vivem em um continente miserável, mas se gabam como se fossem da realeza! – John fez menção de retrucar, mas pela posição tensa em que ele se colocou, achei melhor só segura-lo discretamente pelo braço. Ele se calou. – Vejo vocês por aí, garotos! Vamos, Nancy.

A loira olhou para gente e depois deu um sorriso brilhante para o cara.

— Vá indo, marquei de encontrar uns colegas de comitiva no poço dos desejos... Cesc e John irão me acompanhar! - Ela acrescentou assim que percebeu que ele se ofereceria para leva-la até Minguante. O ruivo suspirou resignado.

— Então até a aula de Combate às Trevas mais tarde. - Ela fez que sim e esperou até que ele entrasse no portal de Cheia para deixar escapar um suspiro aliviado. Eu completei com um sorriso divertido.

— Zombar da magia alheia é um ótimo jeito de só trazer coisas boas para si mesmo... - Falei e John maneou a cabeça ainda observando o leve brilho emitido pelo portal.

— Me pergunto como uma pessoa pode ser tão ignorante! Parece que desconhece o Tratado Mágico Euro-africano de 1885 e a não interferência nos assuntos trouxas dos dois lados que se estabeleceu.

Ai, minha ignorância acaba comigo às vezes.

— Pois é e ainda se dá ao trabalho de vir na terra dos outros falar asneiras! – Falei no meu melhor tom de quem sabia o que estava falando, né, mas não, porque diferente de John eu não leio tudo que vejo pela frente.

— Sinceramente acho que aquelas diretrizes não fazem nenhum sentido, quero dizer, eu entendendo que na época do neocolonialismo, os bruxos... – O plano era continuar ouvindo Nancy falando sobre essas coisas históricas, que até que me interessam, mas eu vi uma silhueta conhecida entrando no portal para Cheia, o que me fez atravessa-lo também.

— Enrique? – A figura longilínea parou no acesso do estádio de Quadribol, falando com, possivelmente, uma mulher, já que era difícil saber numa olhadela rápida. Quando ambos se viraram para o meu lado, soube imediatamente que não era Enrique, entretanto. – Senhor Selwyn-Dussel, que surpresa agradável!

Ele e a criatura pálida e andrógena me encararam, o homem parecendo fazer um leve esforço para me reconhecer e ela - a criatura, no caso - fazendo um esforço para manter suas feições humanoides sem escorregar. A teoria alien dessa família está me voltando com tudo agora!

Não fiz nenhum esforço para ajudar Heitor Selwyn-Dussel a descobrir quem eu era, mas não é como se isso fosse fazê-lo perder o sono a noite, não é? O homem alto parecia cansado, o cabelo estava um pouco mais comprido do que naquele dia no estádio e talvez por isso mesmo eu tenha o confundido com Enrique.

— Ah sim! O amiguinho do ultimogênito... – Ele disse para a moça - pronto, decidi que é mulher, já que os dedos finos e a pele translúcida me lembram coisas femininas – Como vai, criança?

— Vou muito bem e o senhor? O que o traz a longínqua e aprazível Uagadou? - Ele estava agindo como se o mero fato de eu estar respirando já o ofendesse, então, qual o problema de eu ser só um pouquinho mais inconveniente? Colou, porque ele não me ignorou, mesmo notando outro garotinho com igual potencial de inconveniência se aproximando.

— Estamos começando a instalação das redes de... - A dona coisa sussurrou algo para ele, ele fez que sim com a cabeça e nos encarou, parecendo ainda mais cansado do que antes. – O dever me chama, devo ir.

Assim que ele se afastou o suficiente, John sacodiu minha manga de uma maneira irritante que lhe acarretaria um murro na cara caso ele não parasse com isso. Pena, ele parou.

— Quem é ele? O rosto me é familiar... - Vamos analisar os fatos ignorando os relinchos de John: os Dussel lidam com coisas de Quadribol... Heitor Dussel está aqui em Cheia, lugar onde fica o estádio da escola, por sua vez, o único campeonato que haverá por aqui é... – Já sei! Ele é um daqueles trigêmeos que estão sempre tentando raspar os galeões do cofre do pai, o magnata dos esportes!

— Isso não importa, John, o que nos diz respeito é que ele está aqui para fazer alguma coisa relacionada ao Torneio de Quadribol! - O loiro me encarou sem entender. – Sabe o que isso significa para gente?

— Uma oportunidade de estágio no próximo verão? – John só pensa no próprio umbigo?

— Isso também, mas, preste atenção, significa que só precisamos finalizar as penas-correios a tempo de ter uma linda, cheirosa e crocante edição de férias do Oca... Shhhiii o cacete, tira essas patas da minha boca!

— Não diga o nome, seu animal! – Eu revirei os olhos e fiz um gesto amplo de mãos.

— Não estamos em Hogwarts, ninguém sabe do que se trata, seu imbecil! – John pôs as mãos na cintura, nada convencido.

— De qualquer forma, que tipo de edição horrível vai ser essa?

— Não vai ser horrível, terá todos os detalhes a respeito da organização do evento vistos de dentro da empresa responsável por ele!

— Como você vai conseguir essas informações, oh, criatura brilhante?

— Vou pedir as informações a Enrique Dussel, que por acaso é um dos herdeiros da empresa e amigo meu. – Adoro quando jogo umas verdades na cara de John.

— Ele nem vai desconfiar de nada quando sair as exatas informações no grupo de estudos...

— E Tony ainda é primo de primeiro grau dos ditos trigêmeos, que na verdade são: um mais velho e um par de gêmeos, para sua informação.

— Ah, devidamente anotado e acrescento ainda que agora sim que ninguém vai desconfiar de vocês dois.

— É uma oportunidade única, porque não foi noticiado ainda nos jornais a participação da empresa Dussel no torneio...

— Sim, trabalhar com notícias sigilosas, de fonte única, garante que nunca seremos pegos... Vem cá, você está ouvindo o que eu estou dizendo?

— Enrique Dussel já sabe do Ocaso, John, para de drama. – Ele me encarou surpreso e eu o olhei convencido, acabando com seu ciclo auto imposto de sarcasmo. Não é como se ele não pudesse confiar no meu ex-apanhador, ele não fez ameaças aos membros do Ocaso e ninguém nunca ficou sabendo de nada todos esses meses que ele soube de tudo. – Acredite em mim, ele é confiável.

***

Claro que minha palavra não bastou, se o erumpente correndo atrás de mim na aula prática de Magia Elementar era sinal de algo. Eu pulei em um riacho que seguia dentro da mata fechada e para minha sorte, o rinoceronte mágico não gostava de se molhar, porque ele parecia bem bravo, mas não pulou.

O professor me ajudou a sair do rio e se mostrou surpreso com a situação, “erumpentes não são criaturas tão destemperadas, se não mexer com eles, eles não mexem com a gente”, assim ele disse.

A prova cabal de que isso tinha dedo de John veio com o "Se eu tivesse colocado essência de ararambóia no seu pescoço, cheiro irritante para criaturas mágicas, coisa que eu não fiz, óbvio, sua corrida do erumpente nos deixaria quites."

Quites com o quê? Eu expliquei a ele que Dussel descobriu tudo sozinho e que ficou por isso mesmo, ele viu alguma prova de chantagem por acaso? Ele não acreditou nisso, um sonserino bondoso sem se envolver em coisas escusas não é lá muito comum.

Descrente.

Me vi obrigado, no dia seguinte, a retribuir o favor com o clássico veneno de abelhas africanas na borda do copo de suco do café da manhã.

Quando a boca de Westhampton começou a dobrar de tamanho eu apenas disse "que horror, parece que esteve chupando um cacto, a propósito, isso que dá mexer com erumpentes".

Infelizmente, depois dessa, ganhamos uma advertência, estava implícito nas regras dos meus pais, mas bem claro nas de Vossa Alteza, chamá-la-ei assim - agora mais do que nunca - depois do deboche do idiota romeno:

Não pode machucar o amiguinho.

Erumpentes matam, assim como veneno de abelha - mas eu só usei um tiquinho! - e por isso ganhamos uma notificação.

Duas notificações equivalem a uma detenção, três valem uma suspensão, então ficamos quietos no restante da semana.

— Olha. - Mostrei a John o desenho de um trasgo maquiado na palma de minha mão. Ele disfarçou, mas riu. Descobri que sou ótimo com tinta virgem azul, que serve para qualquer coisa, já que é a cor do vazio nas tintas. Os símbolos podem ser feitos com várias cores, com vários tipos de tinta, outra coisa que aprendi na aula, pena que era algo superficial.

Professora Collete deixou claro que o módulo de Alquimia - para quem quisesse aprender a fazer sua própria tinta mágica - aceitava ouvintes nas turmas de terça pela manhã, mas eu e John tínhamos aula de Elementar o dia todo na terça, saco.

Eu havia acabado de pintar meu Hamsa - o símbolo de proteção árabe, conhecido como "Mal olhado", uma mão com intricados padrões dentro dela - quando me veio uma ideia.

— John... - Ele não me ouviu, estava caprichando em uma das pétalas de sua flor de lótus. – John!

Gritei num sussurro. Ele me olhou por sob os óculos daquele jeito irritado dele e eu apontei para o meu maravilhoso e bem feito - sim que está - Hamsa nas costas da minha mão esquerda, cuja as terminações apontavam direto para meu coração.

"Estamos protegidos, vamos ver aquele gênio!", ele fez leitura labial e assim que terminou de ler, revirou os olhos e voltou para sua atividade.

Idiota.

Logo que a turma foi dispensada, eu nadei cachorrinho até onde a professora estava, deixando minha bandeja flutuante de tintas para John arrumar no baú de materiais.

— Professora, a senhora deu uma olhada nas penas? É possível fazer o que pedimos? - Ela sorriu tranquila, como sempre, o símbolo cor de ouro reluzindo em sua cabeça raspada.

— Olhei sim. - Ela devolveu o embrulho de seda onde as penas estavam e John as guardou, assim que chegou ao meu lado. – É um ótimo projeto, meninos, vão apresentar como trabalho final em Magia Elementar?

— Sim. - John falou e o cara de pau nem se deu ao trabalho de me olhar por confirmação. - Mistura os conceitos de fluidez mágica e reversibilidade, que são variáveis de encantamentos.

— Eu sei, querido, vemos isso com profundidade no curso de Feitiçaria em Alexandria... - Meu curso, ninguém sai! John ficou sem graça, porque tem sempre essa mania de ensinar as coisas para todo mundo, bem feito! – Estão muito bem executados os feitiços, mas teria sido útil ver o outro objeto, o diário-correio, certo?

Ela olhou para mim, porque contei a história verdadeira do presente de Louise do ano passado, assim como expliquei que o diário era dela e eu não podia mais pegá-lo.

— Então o que falta para conseguirmos aplicar a reversibilidade? - Ela me olhou por longos 3 segundos e depois para John. Collete era o tipo de mulher que tinha um olhar bem penetrante, parecia que estava olhando as nossas almas.

— Falta mais tentativas de vossa parte. - Ela sorriu para a careta que eu e John fizemos. – A magia tem seu tempo certo de ser e o individual sempre será mais longo do que o tempo do coletivo... Veja Uagadou, por exemplo, os fundadores uniram suas magias e esculpiram a rocha em 6 ciclos lunares. Conseguem imaginar isso?

Fazer toda essa escola em 6 meses? Cada sala, feitiço, pensar cada forma intricada nos arcos das janelas, nos mosaicos do piso... Fiz que não com a cabeça, isso soava impossível.

— Está dizendo que se associarmos nossa magia, o projeto ficará pronto mais rápido? - Ela aumentou ainda mais o sorriso que sempre levava no rosto.

— Vocês tem uma magia irmã, algo bonito de se ver. - O quê? Eca, não! Como pode isso? – Quero dizer que o projeto de vocês já está pronto. Está pronto em todos os planos possíveis, menos nesse aqui.

— Que é o mais importante! - Falei exasperado. Sério, de que nos serve um projeto encaminhado nas repartições públicas do universo, se não está feito aqui embaixo no plano dos mortais?

— Crianças, o plano carnal é o menos importante e o mais fácil de se trabalhar... Por que acham que estamos todos aqui nele? - Olhei para John e ele me olhou de volta, em dúvida.

Uma coisa estava clara: se quiséssemos nosso projeto pronto, essas picuinhas entre nós iam ter que acabar.

***

Um dos primeiros passos para nossa união - e também um dos meus desejos - já havia sido realizado, porque eu e John estávamos sentados no chão em frente a chama fraca e pouco impressionante do altar do djinn.

Saímos da aula de Criação decididos a completar o projeto das penas do Ocaso, mesmo que isso significasse fazer concessões. John cedeu primeiro, claro.

A areia era surpreendentemente morna sob nossas mãos - mesmo depois de mais de uma hora - o que quase fazia o ambiente tenebroso parecer amigável.

Hão de ter o que outrora havia.

Hão de ter o que no vindouro haverá.

Hão de perecer sob o julgo do que não podem controlar.

Tudo no tempo do Tempo.

— Tempo está como um nome. - Falei, para quebrar o silêncio que havia se instaurado desde que sentámos para refletir sobre a gravação em árabe na parte de baixo da lamparina. Encontrámos ela porque John se sentiu seguro o bastante com os nossos símbolos de proteção para trazer a lâmpada para si.

Besta.

— Pode ser um problema de tradução. O segundo Tempo me soa mais como destino... - John disse ainda olhando a lâmpada como se ela fosse lhe contar a resposta.

Era assim que os corvinais resolviam os enigmas da entrada de sua Casa? Patético.

Senti novamente um sopro de ar gélido na espinha, mas, de verdade, já estava começando a me acostumar com isso, ainda mais que tinha o calor reconfortante do meu Hamsa recém-feito na mão.

— O que já temos até agora? - Comecei a contar nos dedos. – É algo que já existiu, algo que no futuro existirá e que vai ser o nosso fim, provavelmente!

— O fogo? - John arriscou. A luz piscou, como se o vento tivesse quase conseguido apagá-la e eu soube a resposta na hora:

— Não. - O loiro suspirou pesado e eu sorri para animá-lo. – Vamos falar em voz alta as possibilidades, só para ver se alguma parece promissora. Eu começo!

Tentei lembrar como era o fim do mundo na bíblia, levando em consideração apenas a penúltima linha da mensagem, porque pensar em algo que existiu ou que existirá era muito complicado.

— Fome? Guerra? Doença? - Todos eram coisas que existiram e existirão, mas por algum motivo não se encaixavam nessa profecia em específico.

— Como qualquer coisa dessas poderia ser usada para abrir uma lâmpada? - John me perguntou, pela primeira vez com genuína curiosidade e não a arrogância de sempre.

Suspirei pesado, ele tem razão, não é esse o caminho. Fechei os olhos e deixei as mãos afundarem na areia morna, tentando me concentrar no método de raciocínio que meu tio-avô chama de "tempestade de ideias".

— Quem escreveu essa mensagem? O djinn? Não! O captor escreveu... Ele era um cara, não, uma pessoa... Uma pessoa árabe. Isso, um árabe que escreveu o que sabia... Um árabe que viveu...

— Espera, eu acho que...

— Um árabe com um conhecimento limitado... Um árabe que vivia... Não, que tudo que conhecia era...

Areia! - Eu abri os olhos, porque John havia dito a resposta ao mesmo tempo que eu.

— Você acha que...

— Ah sim! - Ele falou com um sorriso meio maníaco, deve bater uma onda maneira nos corvinais logo que eles acabam de desvendar mais um mistério. – Areia se encaixa em tudo e é exatamente algo que um bruxo da era pré-islã veria como tudo que há, houve e haverá!

Ele estava empolgado, mas me vi obrigado a cortar o barato dele.

— Não tem como ser isso, é muito óbvio! - Disse, esperando algum sinal da lamparina sobre o nosso palpite. John acompanhou meu olhar, mas parada estava, parada ela ficou.

— Exatamente! A obviedade explicaria o porquê de tantos homens, bruxos ou não, tropeçarem em artefatos de dijinn ao longo dos séculos!

— Mesmo que seja essa a resposta, nem sabemos como usá-la! - Estou me sentindo como Scorp agora, cara, por que o loiro gosta disso? É super chato acabar com a graça dos outros!

— Claro que sabemos, você fez na primeira vez que estivemos aqui! - O olhei sem entender e ele abriu um sorriso meio assustador. – Cesc, tudo que temos que fazer é...

— Esfregar a lâmpada com ela! - Olhei para a areia escorrendo por entre meus dedos, meio hipnotizado.

Oh céus, nós iremos mesmo fazer isso?

***

— Não.

— Mas...

— Cesc, não!

— O que os dois bongololôs estão discutindo dessa vez? - Eu parei com a boca aberta, pronto para uma nova tentativa de argumento e John não parecia muito melhor.

Fechei a boca quando Sharam pareceu mais curiosa do que divertida.

Não precisámos dela metendo o bedelho onde não é chamada e com certeza a muito tagarela daria com a língua nos dentes, contando pra todo mundo com ouvidos em Uagadou sobre o nosso Djinn. 

John deve ter lido minha mente, porque disfarçou e mudou de assunto.

— Nada importante, agora me diz uma coisa, já está podendo sair seminua pela escola? -Sharam estava parada com as duas mãos nas costas, fazendo aquela pose desleixada que lhe é tão característica.

Já que estávamos falando da roupa dela, tirei uns segundos para admirar a pele morena amostra no shortinho curto de cintura alta e top verde combinando com o tênis trouxa.

— Pode, pode tudo, na verdade, até usar essa coisa laranja horrível que você está usando... - Realmente, como defender esse cardigã bizarro de John? – Pode tudo porque hoje é dia de festa, mundeles!

A perspectiva de festa era muito boa, mas antes vamos esclarecer um ponto.

— Sharam, porque algumas palavras suas são traduzidas e outras não? - Perguntei, porque tem vezes que eu não sei se as pessoas estão sendo gentis ou grosseiras comigo.

— Ah, se refere ao mundele? Gírias o Marduk às vezes não traduz, muda muito e ele não se dá ao trabalho...

— Ele é muito preguiçoso. - John disse, já se recuperando das críticas pertinentes da batedora sobre suas roupas.

— E é por isso, uma frase dessas, que fico apenas algumas horas do dia com vocês. Eu não sabia que europeus eram tão cansativos... - Quanto a isso não cabe dúvida, não foi um elogio. – Nos vemos na festa, isso se vocês não forem arrastados por um espírito das sombras qualquer...

— Que tipo de despedida é essa? - Eu falei, me arrependendo em seguida, porque Sharam parou a volta que estava dando pela metade, nos impedindo de ver sua bela bunda em toda sua glória.

— Eu posso ou não ter dado o nome de vocês para um Qarinah na aula de Combate às Trevas, então... Fiquem atentos a qualquer coisa estranha.

Ela saiu rindo da nossa cara de horror, porque quando se está no continente onde a magia - boa ou má - nasceu, esse tipo de brincadeira não tem graça!

— Nem sua bunda gostosa te salva, garota!

— Cesc! - Um par de meninas de véu passou apressado sem fazer contato visual com a gente. Ops. – Um dia você ainda vai ser queimado em praça pública e eu apenas assistirei consternado.

— Você provavelmente vai acender a pira, se eu bem te conheço! - Ele não negou.

Seguimos nosso caminho, eu ainda tentando convencê-lo a fazer os desejos e ele apenas usando o papo de que o djinn foi apenas para "acelerar nosso processo de união". Tinha dado resultado, pois finalizamos as penas ontem e agora elas já estavam prontas para serem enviadas para os Iconoclastas.

Estava mandando no correio de sábado, porque o plano é ter todos prontos para escrever o Ocaso já na segunda-feira. Uizlei não daria conta de levar 6 cartas, então a mandei para casa com uma resposta para meus pais, contando que estava vivo e só.

A resposta das cartas de Scorp e Tony - mais suas penas-correio - iam para o mesmo endereço, já que o loiro platinado estava se refugiando na casa do louco problemático e isso era bom para mim, que economizaria nas postagens.

Isso porque Vega Malfoy nasceu e era a coisinha mais fofinha que já pus os olhos, sério, até John que é avesso a coisas fofas não resistiu aos cabelos branquinhos e ralinhos e os olhinhos prata sonolentos...

Argh! Que coisa nojenta é essa que os bebês fazem que nos deixa idiotas, falando tudo no diminutivo?

Chegamos no depósito de Nova e Gael já nos esperava, ele cumpria detenção por ter sido pego dando uns amassos no poço dos desejos de Minguante e agora estava despachando as encomendas da escola, dando folga para a boca de leão de sempre.

Objetos mágicos tem direitos trabalhistas por aqui, aparentemente.

— E então, Gael, conseguiu aquele desconto nas postagens que conversamos ontem? - O garoto me deu um daqueles olhares sonolentos dele - não fofo como o de Vega - e jogou um par de dreads por cima do ombro.

Ele era jamaicano, ou seja, um intercambista - aprendi que a Jamaica era fora da África do jeito mais difícil - de 18 anos que teoricamente devia saber melhor do que dar amassos por aí.

— Consegui nada, pelo contrário, vou precisar de 7 sicles emprestados para completar uma retirada. - Gael tinha entrado em um comércio tradicional de recebimento de encomendas +18 anos, feitas por alunos de menor que não podiam pegar seus produtos aqui. – O vendedor aumentou um preço sem avisar, o filho da mãe.

— Eu não tenho nada a ver com isso, aqui, vão ser quatro envios para a Grã-Bretanha e um para a Espanha então. - Não mandei a de Louise por Uizlei, porque John não deixou, "vai levantar suspeitas!". Palhaço.

— John, maninho, me ajuda aí! - O garoto falou em seu tom arrastado, o estereótipo respirante de um rastafári.

— Não gosto desse uso do primeiro nome a torto e a direito, nunca vou entender isso. - Entrando na segunda semana de aula, alguns costumes africanos já estavam bem óbvios para mim, mas não para o loiro.

Ele jogou os sicles no balcão e Gael assentiu satisfeito. Lesado, os dois, eu que não confio nessa peste.

— Valeu, vou mandar ainda hoje, bro, por você, não por esse espanhol aqui. - Ele apontou para mim e sussurrou algo, estalando o dedo três vezes. Minhas cartas e os sicles de John sumiram no ar. – Vejo vocês na festa.

Bem, lá vamos nós para a primeira festa africana.

 


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Notas finais do capítulo

Bem, próximo capítulo é o último em Uagadou e apenas dois plots daqui vão subir a montanha ou seja, irão para Hogwarts, algum palpite ou deixarão para falar no próximo?