Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 115
Capítulo 115. Onde se encerra a verdade.


Notas iniciais do capítulo

Metade do capítulo pronto há dias e a outra metade empacada, que vida difícil.

Vou dedicar esse capítulo a Mircy, que foi um amorzinho via MP, se dependesse só dela, esse capítulo já estaria pronto a muito mais tempo.



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Capítulo 115. Onde se encerra a verdade.

O trem de Barcelona, o Millesoro Express, era uma coisinha interessante: assim que fomos para a estação do Refúgio do Crupe, luzes verdes piscaram indicando onde cada tipo de criatura poderia entrar para tomar assento em seu respectivo vagão.  

Nos encaminhamos para aquele cuja a placa indicava “bruxos e convidados” e assim que entrámos, Enrique trocou alguns quantos galeões por cinco tickets dourados, saídos de uma pequena caixa com uma fenda, bem orgulhosa no meio da acomodação. 

Não acredito que Erick promoveu meu namorado a seu EnriCard, o melhor cartão de crédito do mundo! 

Não haviam cadeiras ou bancos, então tivemos que nos segurar nos apoios do teto e aceitar os empurrões daquelas pessoas com volume demais para um espaço tão apertado. Consegui me desviar das penas do chapéu de uma senhora gordinha levando um lagarto em uma gaiola, só para fazer uma pergunta a Enrique.

— Não tinha como pegar passagens na primeira classe não? - Já que estava sendo usado, que fosse usado direito, né? Assoprei mais algumas vezes e quando não deu jeito, afastei as penas que tinham voltado a me incomodar com um tapa. Mas que inferno, pra que serve ter namorado rico se eu tenho que passar por essas coisas?

— Essa é a primeira classe, você devia ver o vagão dos centauros... Uma vez Romeo fez amizade com um e nós fomos lá para continuar a conversa, em resumo: demorou quase uma semana para tirar o cheiro de estábulo das minhas botas favoritas! - Ouvi James rindo baixinho ao meu lado e tive que acompanhá-lo, Enrique nos olhou dando ênfase ao seu drama. – É sério! Faltou muito pouco para eu não jogar na lareira, mas foi um presente do meu avô materno feito do couro de um dragão que era seu amigo, não me pergunte, então nem pude cogitar desfrag...

— Estava pensando em escrever um livro sobre suas aventuras no mundo trouxa, mas aparentemente você também tem muitos casos aqui no mundo bruxo, não é? - Falei divertido e ele piscou marotamente, mas depois se distraiu com algo que Erick falou.

— Olha as paradas, Évora deve ser a segunda, então significa dizer que esse trem é muito mais rápido do que o Expresso de Hogwarts! - Hugh apontou com a cabeça para o pequeno mapa de estações acima da grande janela do vagão, chamando minha atenção e a de James.

Haviam as estações O Refúgio do Crupe e Isla de la Cartuja, ambas na Espanha - a segunda sendo em Sevilha, me fazendo perguntar por que caralhos Enrique não me avisou que tem um trem que vai direto para minha casa? - depois vinha a nossa estação: Estação Cromeleque dos Almendres, Portugal, e então o trem ia para Vratsa, para o Caldeirão Furado em Londres, Bucareste, Bratislava e por fim terminava a viagem em Triora, uma vila bruxa no norte da Itália. 

Tudo isso em menos de duas horas, arrasou, Magia!

Barcelona, Sevilha, Évora em Portugal, Vratsa na Bulgária, Bratislava na Eslováquia, Londres, Bucareste na Romênia e Triora eram as oito capitais bruxas da Europa - Salem é uma das capitais mundiais, lembram? - lugares onde se podia encontrar a nata da comunidade mágica moderna e os destinos do Millesoro Express.

O trem soltou o seu apito final, tremeu sob os nossos pés com as caldeiras se aquecendo e a magia correndo pelo metal retorcido, então se pôs a percorrer milhas e milhas em somente alguns poucos minutos.

A paisagem do lado de fora era um grande borrão e quando finalmente parámos em Isla - tão pertinho de casa, que dá vontade de saltar aqui - nosso vagão ficou menos apertado, já que a maioria dos bruxos eram espanhóis mesmo.

— Não precisámos de uma permissão para sair do país agora? - James perguntou curioso, esperando que a qualquer momento agora que o trem estava deixando a última estação espanhola, um funcionário viesse nos chutar porta fora.

— Não pedem autorização se você está indo de uma capital a outra com um passe diário de ida e de volta, descobri, por exemplo, que é mais vantagem ir para Vratsa por Londres do que por Ikley Moor... - Olhei para Enrique interessado, ele continuou. – Na verdade Heitor descobriu isso, por causa da namorada dele que mora lá, mas o que importa é que alguém descobriu.

— Jweek não é “namorada dele”, ele é que é o namorado dela! - Falei indignado, porque tinha muita diferença apesar de Enrique estar me olhando com aquela cara patenteada dele “mas não foi o que eu disse, seu doido?”. Não, não foi. – Agora falando sério, alguém sabe o que nós vamos fazer em Portugal?

— Eu sei!

— Você não conta, Erick, você é daquele tipo de pessoa que dá bom dia e a gente abre a janela para ver se é dia mesmo! - Repeti uma das piadas velhas que minha mãe sempre usa para descrever os namorados da melhor amiga dela e que cabe perfeitamente aqui. – Mais alguém? 

— A região de Évora, no Alentejo, é mundialmente conhecida pelos sítios de magia megalítica, todo mundo sabe disso. - Eu, James e Enrique olhamos muito ignorantes para o corvinal sabe-tudo e ele apenas revirou os olhos. Mas ele não era burro? – Todo mundo que estuda sem precisar ter uma varinha apontada para a cabeça, quero dizer.

— Sim e nós teremos uma aula prática sobre tais sítios traçando um paralelo com a situação de Hogwarts! - Erick completou animado e assim que o trem sinalizou que chegaríamos na próxima estação - a bolinha se deslocou de Isla para o nome difícil de Portugal - ele estalou os dedos e foi como se uma brisa percorresse a nossa pele. – Temos que estar vestidos a caráter. 

Eu nunca vou me acostumar com a magia poderosa de Erick!

Suas vestes bruxas se transfiguraram em um jeans simples e uma camisa polo azul escura com uma logomarca no bolso que dizia “EncanTour - sua agência de turismo mágica!”, as de James viraram uma jaqueta de couro estilo anos 50 para combinar com sua fivela de cinto extravagante, Enrique ganhou um moletom da Universidade de Oxford e óculos de grau, Hugh manteve seu colete afetado por baixo de uma jaqueta jeans moderna e eu...

— Mas que palhaçada! - Todos estavam rindo, porque Erick havia me colocado em bermudas, camiseta com uma foto do dinossauro Barney e um tênis com luzinhas brilhantes. Fiz menção de pegar minha varinha para azara-lo, mas ele estalou os dedos de novo e eu voltei para minhas roupas normais. – Você chegou bem perto de contemplar sua mortalidade agora!

— Foi um erro de cálculo, magia padrão, você sabe. Estão prontos, crianças? - Erick sacou uma câmera digna de um profissional, tirou uma foto surpresa nossa e marcou algo em sua prancheta surgida do nada. – Não se afastem um dos outros, nosso grupo é muito grande e eu não me responsabilizo por perdas. 

Assim que ignoramos o gênio do Alladin cheio de referências que ninguém entendia - ele estava rindo de alguma piadinha interna - saltamos em uma estação no meio do nada, onde só havia campos e pedras redondas e umas quantas pessoas. 

— Achei que seria uma megalópole, isso aqui é... Um pasto? - Minha dúvida era real, porque depois de ler os encartes sobre as capitais bruxas da Europa, a gente tem toda uma expectativa criada na mente, né? 

— As capitais ficam em uma cicatriz no tecido espacial por onde os grandes bruxos sempre passaram de um lado a outro e, no caso, essa aqui foi reativada recentemente, tem menos de 20 anos e os trouxas já tomaram conta. - Hugh mostrou que é um corvinal legítimo, apesar de todas as burrices e nesse exato momento nós só o ignoramos, como fazemos com esses fatos inúteis e com os corvinais propriamente ditos.

 Todos ignoramos, menos Erick.

— Olha aqui, está vendo esse símbolo? Eu sou o guia! - O grande idiota apontou para o próprio peito, onde estava a logomarca da sua empresa fictícia de turismo. Depois de ganhar nossa atenção com esse relincho, ele pigarreou para ler sua prancheta. – Évora fica a 12 quilômetros e até tem alguns bruxos barrigudos com roupas engomadas, lojas de artefatos interessantes, criaturas proibidas sendo vendidas nas vielas, venenos nos boticários, tudo que é  típico de uma boa capital bruxa, mas o nosso destino final está aqui!

Ele fez um gesto amplo para a pequena colina que teríamos que subir e um vento saído de lugar nenhum levantou um pouco de poeira do chão e más recordações da mente. 

— Eu não gosto como você fala “destino final”, soa como uma sentença de morte. - Disse sarcástico para Erick, mas ele apenas deu de ombros. Já bastava Maikai com essa babaquice de destino, não precisava dele relembrando os nossos velhos tempos.

— Nós temos ticket de volta, você precisa de mais o quê para se sentir seguro? - Eu espero que Erick não esteja esperando uma resposta para essa idiotice. Ele não estava. – Ok, crianças, últimas orientações antes de nos encontrarmos com os trouxas: nada de magia, nada de referências a magia e basicamente, deixem que eu falo, porque eu sei o que eu estou fazendo, como sempre.

— Isso vai ser interessante de ver, já que todas às vezes que eu vi você lidando com trouxas, Heitor teve que apagar a memória deles. - Enrique disse divertido e Erick o olhou por sobre a prancheta com um olhar mortal. Ele rabiscou algo rápido, com seriedade e depois voltou a nos olhar normalmente. 

O normal dele, claro. 

Antes que Erick pudesse dizer qualquer coisa, me adiantei para continuar o clima de zueira iniciado pelo meu namorado, esse clima combina muito com a primavera portuguesa, ouvi dizer.

—  Na verdade, isso vai ser irritante, porque o sonho de princesa do djinn sempre foi ser o centro das atenções e, para ser sincero, eu não quero contribuir com isso.  - Eu falei me divertindo, imaginando Erick com uma roupa de princesa enquanto subíamos a colina. – Alguém topa largar ele aqui falando sozinho?

— Ex-djinn. - James me corrigiu desnecessariamente e eu olhei feio para ele. Potter ainda está aqui? Já tinha até esquecido dele, para vocês verem como ele é importante... – Ele é um ex-djinn, só estou te lembrando de um fato, não precisa me olhar com essa cara.

— Ex qualquer coisa é pior do que a coisa em si, você já viu algum ex-presidiário se gabando de sua condição? - Perguntei irritado com a chatice de Potter. Enrique fez menção de falar algo, mas parou, me olhou, sorriu e depois falou com James pelas minhas costas.

— Pode falar, Potter, eu sei que você está doido para isso, não vou roubar seu momento. - Meu namorado falou divertido, Hugh maneou a cabeça com um risinho e James fez um sinal de quem concordava com a sugestão dada.

O quê? O que eu estou perdendo? 

— Quantos presidiários você já viu se gabando, criatura? - Ele me perguntou como se fosse um poço infinito de paciência e eu apenas o encarei sem humor. – A sua lógica não faz sentido algum, Cesc, como sempre!

— Eu tiro por mim, porque no dia que eu deixar aquele antro de criaturas perdidas que chamam de hospital, eu nunca mais vou tocar no assunto, enquanto que agora eu falo para todo mundo que só estou lá porque tenho que estar! - Disse em alto e bom som, mesmo que já pudesse ver os trouxas circulando por entre umas pedras ovoides, cochichando como se não pudessem macular o silêncio do lugar.

— Não fala assim dos animaizinhos... - Hugh disse cínico e eu o fuzilei com o olhar.

— Não me referia a eles. - Antes que o corvinal e o grifinório começassem a dar chilique e Enrique começasse a rir da cara das outras criancinhas da turma, Erick resolveu voltar a se pronunciar.

Ele bateu na prancheta assim que chegamos ao topo da colina, de onde podíamos ver as pedras de um ângulo melhor e limpo. Estava tentando ver o desenho geral formado por elas, mas o idiota do nosso “guia” colocou o cabeção na frente do meu campo de visão. 

— Prestem atenção aqui, por favor. - Ele falou simpático com uma voz diferente, mais... Profissional? Todos nós olhamos para Erick com curiosidade. – Quero que se acalmem agora, isso... Respirem fundo, relaxem, esqueçam os aparelhos eletrônicos, o barulho do cotidiano... Esqueçam todas as coisas que não são importantes agora e foquem apenas no momento, na energia do lugar.

Erick falou tudo isso com aquela voz calma, mas voluntariosa de instrutor de yoga, que a gente até pensa “ah tá, meu filho, até parece”, mas depois se pega respirando fundo e entrando no clima. O nosso grupo parou o burburinho e as brincadeiras, mas não fomos os únicos. 

Alguns trouxas ao nosso redor pararam de falar entre si, casais ou pequenos grupos familiares, como se não quisessem interromper o nosso momento de paz. Eu ia dar risada disso, mas algo me chamou atenção por cima de tudo aquilo que estava acontecendo ao meu redor.

— Conseguem sentir? Conseguem sentir a energia desse lugar? Isso aqui é um solo sagrado, sagrado para nós, tanto quanto foi para os nossos antepassados. - Erick falou no mesmo tom monocórdio e eu sabia que, embora ele estivesse falando tudo de uma maneira insuspeita, a mensagem para o nosso pequeno grupo era mais profunda do que para o público geral.

Porque eu conseguia sentir a magia.

Olhei para a grama - bem verdinha nesse auge da primavera - e quase pude ver a magia pulsando por todo o lugar. Olhei colina abaixo, por onde havíamos chegado e agora a cicatriz espacial era bem visível, uma pequena falha no cenário, como um espelho com as partes coladas levemente fora de lugar.

Voltei a prestar atenção em Erick, quase como se tivesse sentido que ele iria voltar a falar.

— Os povos que estiveram aqui antes de nós eram nômades, tinham uma necessidade de correr atrás do seu sustento, de caçar, coletar e viver do que a natureza dava com toda a sua generosidade. - Erick falou mais alto dessa vez e o grupo foi aumentando, com alguns trouxas se aproximando timidamente. – Mas em um dado momento tudo mudou.

“ Como uma mudança tão drástica acontece em um coletivo? Vocês devem estar se perguntando... Um belo dia alguém simplesmente resolveu que plantar, construir casas e cercas para prender os animais era muito melhor do que depender das vontades e vaidade da Mãe Natureza?

Sim e não.

Tudo isso aqui que nós vemos hoje, todos os menires, as inscrições nas rochas, seus formatos e disposições no terreno, o cromeleque no geral, são muito próximos do que o cenário da vida sagrada de nossos antepassados fora um dia.

Hoje somos testemunhas do mesmo vento, da mesma terra e acima de tudo, da mesma energia, somos testemunhas de elementos que nem mesmo o Tempo e sua implacável ação conseguiram apagar.

O que aquelas pessoas sentiram nesse lugar, o que sentiram em todos os lugares onde as grandes civilizações floresceram, essa mesma força que nós estamos sentindo aqui hoje... Ela é a resposta à humanidade para todas as perguntas já feitas e as que ainda estão por vir.”

Erick se calou e encarou cada um de nós e quando chegou a mim, deu um sorrisinho de filho da mãe bem típico. Eu revirei os olhos. 

— Mas cabe a mim lembrar-lhes o quanto somos privilegiados por ter um vislumbre do infinito tão nítido como esse, porque sabemos que, não importa o quão mágico seja um lugar, quando os humanos “modernos” aparecem, ironicamente a magia deixa de durar para sempre. - O nosso grupo, que estava ali por motivos além do simples turismo, o encarou com curiosidade. Mais e mais trouxas se uniram a nós. – Por favor, se aproximem, não se acanhem. Cesc, distribua meus cartões de visita para eles, por favor.

— Seus o quê? - Sibilei confuso para um pseudo guia que sorria simpático para sua crescente plateia. 

— Estão no seu bolso esquerdo, sobrinho. - Ele sussurrou em espanhol para mim e quando coloquei a mão no dito bolso, um maço de cartões azuis escuro, da mesma cor da camisa do ex-djinn, apareceram na palma da minha mão. 

Os turistas trouxas foram pegando e passando os pequenos objetos entre si, com o nome da agência, do guia e um endereço de contato mais falso do que o sorriso que Erick estava me dando agora, bordado em prata no papel caro.

Detesto ele.

— Continuando e deixando minha morbidez crítica de lado...

“Como podem ver, nem mesmo as civilizações que criaram esse cromeleque, ainda de pé para a nossa sorte, sobreviveram, mas está claro que o desenho arquitetônico foi feito em três períodos distintos, com a mais pura intenção justamente de reforçar ou até mesmo engrandecer o que já havia antes: os feitiços e encantamentos.

Tenham sempre isso em mente, pessoal, quando se trata de magia antiga, pré-smartphones e computadores com a espessura de uma pena, existem apenas três regras básicas para que ela se mantenha pulsante: reforce, amplie e se lembre. Seguindo esses três passos, não tem como as coisas darem errado.”

— Senhor guia, desculpe interrompê-lo, mas o senhor está falando de magia mesmo? Como aquelas dos livros infantis e lendas ou... - Erick interrompeu com um levantar elegante de mão a senhora trouxa com sotaque americano e uma camiseta larga com o mapa do estado de Utah. 

— Claro que não estou falando de magia tal como conhecemos no senso comum, estou falando sobre algo mais primitivo e ancestral, senhora Gessen. - Erick respirou fundo e se virou de costas, com os braços abertos para a paisagem. A senhora olhou para o marido confusa e eu fingi que nem conhecia a criatura a nossa frente. – Estou falando da Natureza em si e de todas as mudanças inerentes a ela!

— Como o senhor sabe o meu nome, rapaz? - A mulher trouxa perguntou com suspeita na voz e eu fui obrigado a admitir que conhecia o tal guia, mesmo que fosse óbvio dado que chegamos juntos e ele meio que parece com a minha irmã gêmea, né? 

— É que além de guia, Erick é mentalista. - Falei com a mulher com o meu sorriso mais inocente, mas ela continuou me encarando com o cenho franzido. – Tipo aqueles de Las Vegas, que pega suas informações no saguão do hotel e depois finge que adivinhou tudo no show.

— Sim, sim, isso até consta no meu cartão. - Erick completou despreocupado e todos os turistas deram risada ao olhar novamente o pequeno cartão de visitas azul dele. Mas o quê? 

Peguei um dos que eu havia guardado no bolso após ser forçado a distribui-los só para constatar que, se na frente do cartão de visitas tinha o nome da empresa e do guia - Erick Fábregas, já que ele insiste em usar o meu sobrenome - no verso era outra história...

— O que tem aí? - James sussurrou alarmado e eu mostrei o cartão a ele. Ele riu, disfarçou com uma tosse, mas riu, o muito imbecil! O fuzilei com o olhar porque estava escrito no cartão de visitas ridículo de Erick, onde antes não havia nada:

 “Guia de Turismo e Mentalista, tipo os de Las Vegas, seja lá o que isso signifique!”

Continuei olhando irritado para James e sussurrei de volta.

— Não incentive o mau comportamento dele, porque, olha bem pra gente e me diga se temos condições físicas de aguentar Azkaban! - Falei sério e James riu mais, tanto que até Enrique olhou desconfiado para gente a alguns passos de distância. – Erick vai expor o mundo bruxo e eu vou gritar para todo mundo que eu fui sequestrado e não tive nada a ver com essa merda!

Obviamente ninguém levou meu sussurro gritado a sério e eu amaldiçoei as futuras gerações de todos os envolvidos, como sempre. 

Hugh e James deram de ombros para a minha maldição - provavelmente seus herdeiros vão nascer com três olhos e guelras atrás das orelhas de tanto que eles irritam todo mundo - e resolveram seguir o grupo de turistas para ver o restante do sítio megalítico, mas eu resolvi ter uma palavrinha com os dois adultos responsáveis pela nossa "viagem". 

Tanto a palavra “adultos” quanto a “responsáveis” estão sendo usadas nos seus sentidos mais amplos com Erick e Enrique, que fique bem claro.

Enrique apertou meu ombro daquele jeito grosseiro dele - vou dizer aos aurores que ele foi o mandante do sequestro - o que significa um “relaxa, que tá tudo certo” que ele só faz quando geralmente está tudo errado, entretanto quem resolveu falar em nome da dupla foi Erick, que nos esperava com seu sorriso de demônio mais a frente.

Me aproximei desconfiado, claro.

— Você ser sequestrado não acontece agora, relaxe. - O quê? Ele falou empolgado e eu pisquei confuso, depois respirei fundo para não esfregar a cara dele na grama, porque isso ate não iria expor o mundo bruxo, mas provavelmente nos lançaria a fama com um vídeo viral do Youtube. – Não me olhe assim, vai ser uma experiência engrandecedora.

Estão muito enganados se pensam que eu vou tentar entender o que Erick quer dizer com essas frases aleatórias dele, porque da última vez que eu tentei fazer isso, eu quase pirei achando que iria me tornar um gênio, quando na verdade eu só ia acabar virando um escravo num hospital mal-assombrado esquecido por Merlin!

— Por falar em engradecer alguma coisa, quando é que a gente vai fazer o que viemos fazer? - Enrique perguntou para seu amiguinho de infância, que o fuzilou com olhar. Dessa vez eu curti o comentário meio sem noção do senhor Dussel, porque até eu tinha percebido o que o ex-djinn estava fazendo.

O que meu namorado tem de rico e bonito, ele tem de desatento e idiota.

— Sinto que deveria ter aproveitado mais enquanto você estava morto... - Erick destilou seu veneno e se Enrique se ofendeu, não demonstrou, porque ele riu! Não tem cérebro, é oficial. – O que acha que eu estive fazendo esse tempo todo?

— Inflando o seu ego com a atenção desses trouxas?

— Ok, Enrique, vamos, porque não podemos deixar as crianças sozinhas no meio de trouxas. - Conduzi meu namorado - meio burro, se é para sermos totalmente sinceros - pela cintura, antes que Erick tentasse matá-lo novamente por causa dessa resposta. – Vamos, deixa Erick aí se acalmando, nem sequer faça contato visual, porque...

— Mas o que eu disse de errado dessa vez? Às vezes ele se irrita do nada, sinceramente, Cesc, ele com certeza é da sua... Oucht! - Não deixei Enrique completar o absurdo que ele ia dizer, dando um soco no braço dele. Ele me olhou chateado. – Definitivamente vocês são parentes!

Ele não ficou por perto para receber as consequências desse xingamento horrível para mim e para todos os Fábregas, porque se aproveitou do seu reflexo rápido de apanhador para se desviar do meu ataque e andar mais rápido até poder se abrigar ao lado de um pobre casal de idosos.

Digo pobre casal, porque provavelmente são pessoas decentes e não merecem ter um traste como Enrique Dussel por perto nem em um raio de 5 quilômetros!

— Eu sabia que você ia ressuscitar ele e no último momento eu pensei em dizer “não faz isso não, sobrinho, nós dois vamos nos arrepender”, mas acabei não dizendo, falha minha. - Erick disse essa grande idiotice colocando o braço nos meus ombros e mirando o horizonte com um olhar contemplativo. 

— Se você pode ver mesmo o futuro, sabe que eu vou arrancar seu braço com meus dentes, se você não me soltar em cinco segundos, não é? - Eu continuei assistindo Enrique sendo simpático com os velhinhos, mas senti Erick me largar, assim como o ouvi rir de leve. – Bom garoto. Agora continue com seu trabalho, por favor, porque essa deve ser a única vez na sua existência que você está fazendo algo inocente e útil.

— Inocente e útil? Que escolha de palavras mais engraçada! - Erick falou risonho, mas não ficou para ver minha expressão de ódio mortal, já que agora estava chamando a atenção das pessoas de novo, para poder mostrar uns símbolos em um rochedo destacado dos outros.

Alguém me lembre, por favor, de nunca trocar palavras civilizadas com esse ser vivo de novo!

***

Peguei emprestada a prancheta de Erick para colocar no papel o resumo das informações que ele havia nos fornecido em meio a discursos motivacionais para os trouxas, aulas estafantes de história inútil e truques de mágica bons demais para ser verdade.

Não eram truques, infelizmente.

Senão vejamos:

Hogwarts faz parte desse conjunto de lugares onde a magia megalitíca é forte e por isso mesmo o terreno foi escolhido para a construção da escola. Ok

Sabemos que, segundo Erick, se as pessoas reforçarem, ampliarem e se lembrarem da magia do lugar, a coisa toda não desanda, então algo não foi cumprido por nós. Ok

Parei de anotar para encarar o grupo, que estava bem disposto a ver um monumento afastado a alguns quilômetros, porque era o marco central da obra feita para pedir fertilidade nesses campos verdejantes.

Revirei os olhos, porque todo mundo perdeu o foco do porquê estamos aqui.

Acrescentei mais um par de palavras no papel antes de me aproximar de Erick, que tirava selfie com um trio de italianos muito animados. Assim que eles se afastaram, chamei a atenção do maldito com um estalar de dedos.

— Duas perguntas, senhor guia duas caras: - Falei em espanhol, porque parecia que era a única língua não falada pelos visitantes do Cromeleque hoje. – Qual das etapas Hogwarts burlou nas suas três regras e por que ela se tornou um sumidouro de magia e não um lugar esquecido por todos?

Erick fez um gesto de mãos comemorativo e depois olhou parecendo agradecido para o céus, o que me fez questionar se ele devia mesmo estar andando entre nós sem usar uma camisa de força.

— Já disse o quanto eu tenho orgulho de você, criança? - Ele me disse emocionado e eu continuei encarando ele sem nem ter força para mandá-lo para o inferno. – Você tem o raciocínio mais fantástico do mundo, sobrinho, o meu pai teria te colocado debaixo das asas e teria te ensinado tudo que há para saber sobre a magia elementar!

Ele falou animado, mas depois suspirou nostálgico, sorrindo como se a vida fosse muito injusta me fazendo nascer uma caralhada de anos depois da morte do senhor Djinn Sênior. 

— Você vai me responder o que eu te perguntei ou...

— No momento te responderei uma pergunta ainda mais importante: comida vegetariana é a melhor pedida. - Erick me falou tranquilo, com um sotaque andaluz impressionante, e quando fiz menção de perguntar de que diabos ele estava falando, meu celular tocou seu tema de filme de terror familiar.

— Alô, mãe? Sim, eu estou com Enrique e com... Sim, provavelmente, mas eu... Comida vegetariana? - Olhei para Erick, que fez sinal positivo para mim. Fiz uma careta em resposta, ele previu isso também, mas que merda! – Não, eu prefiro uma pizza bem gordurosa para o jantar. Quê? Se já tinha a resposta, por que me perguntou? Tá bom. Tá, tá, a gente se vê mais tarde, tchau.

Respirei fundo antes de juntar dignidade o suficiente para olhar na cara de Erick depois dele ter conseguido pedir o que ele queria no jantar da minha casa e ele usou esse tempo para chamar o nosso grupo com um apito materializado do nada.

Os trouxas aplaudiram mais esse truque. 

— Pessoal, precisamos dizer adeus para vocês, não, eu sei, eu sei... Queria poder ficar mais, mas temos que sair agora se quisermos chegar a tempo para o jantar. - Erick havia levantado as mãos em defesa falando em inglês, ante a insistência para que ele ficasse por parte dos turistas. – Vamos comer em Sevilha em menos de uma hora, pessoal, então cada segundo conta!

Todos riram dessa última piadinha, já que o dia estava quase acabando e não tinha como ele estar falando sério, não é mesmo? James e Hugh se despediram dos americanos e quando todos nos reunimos, descemos em direção a cicatriz espacial onde acharíamos a estação de trem.

Atravessamos o portal em silêncio - nenhum trouxa pareceu se importar que nós havíamos chegado e partido sem nenhum carro nos esperando -  e só quando paramos na estação de madeira já cheia com os passageiros de Évora aguardando o trem, foi que alguém resolveu fazer alguma pergunta útil. 

— O dia foi bem divertido, mas no fim das contas, o que descobrimos hoje sobre Hogwarts? - James perguntou coçando o queixo meio incomodado, recebendo um olhar condescendente de Erick.

— Cesc, o que descobrimos? - O ex-djinn me perguntou igualzinho a um professor que sabia que só um de seus alunos seria alguém na vida.

— Podemos resumir a situação de Hogwarts em uma pergunta: o que deixamos de fazer com a magia elementar da escola que a fez se tornar um sumidouro assombrado? - Falei cético, porque eu tinha muito mais dúvidas do que essa.

— Para ajudar a responder essa pergunta, devo dizer que a magia que falhou não era a da escola. - Erick falou com um sorriso enigmático e todos olhamos para ele interessados. – Pompeia é o exemplo clássico de uma civilização que se lembrou de suas paredes e monumentos e se esqueceu completamente de sua fundação, de seu cerne.

— Está dizendo que nós esquecemos de cuidar da magia do terreno de Hogwarts? - Hugh perguntou cético e Erick deu de ombros.

— Eu não, a Natureza está dizendo. - Erick estalou a língua nos dentes e sorriu quando o trem se aproximou da estação vindo do leste. – E geralmente quando ela se chateia com os humanos, ela vira uma verdadeira vadia vingativa.

— Mas nós ampliamos e fortalecemos os feitiços da escola no pós-guerra e antes disso, anualmente com... - James se interrompeu e olhou para Erick como se tivesse entendido finalmente a mensagem, coisa que eu fiz há cinco minutos atrás. – Mas o problema nunca foi a escola, não é?

— Meu querido James, se o problema fosse a escola vocês estariam verdadeiramente encrencados, mas sendo a Mãe Natureza, ela sempre acha um jeito de sobreviver: vai dá uma olhada em Pompeia agora ou naquela outra cidade no fundo do mar! Elas estão em equilíbrio nesse exato momento. - O meu suposto ancestral disse com um dar de ombros incrivelmente irritante.

— Mas as pessoas e as civilizações estão arruinadas agora, Erick, como isso pode ser bom para gente? Queremos Hogwarts de volta e não que ela vire um pasto no meio da Escócia rural! - Falei exasperado e a criatura do meu ódio me encarou com diversão. 

— E é por isso que eu já falei milhares de vezes para vocês darem tempo ao Tempo e quando tudo voltar ao ponto de equilíbrio, vocês retornam para reconstruir Hogwarts! As vadias vingativas precisam de um momento de regozijo para ter certeza que todos aprenderam a lição! - Ele falou como se estivesse encerrando pela milésima vez a explicação mais óbvia da face da Terra. Todos nós ainda estávamos bastante céticos, mas Erick nos deu um sorriso deslumbrante. – Por falar nisso, sua mãe ainda gosta de poesia francesa, Cesc?

— O quê? - Encarei ele e só quando vi Enrique arregalar os olhos e conter o riso, fiz a mesma ligação que ele na minha mente. – Você acabou de chamar minha mãe de vadia vingativa? 

O apito do trem soou alto avisando que já era para entrarmos no nosso vagão, enquanto isso Erick continuou me encarando com sua expressão mais séria, prolongando uma resposta que deveria ser um “claro que não” para garantir sua sobrevivência. 

— Vou de jovem Rimbaud então. - Ele disse displicente, acertando o nome do poeta francês favorito de minha mãe. 

— Vou matá-lo então. - Entrei logo atrás de Erick, muito disposto a encerrar a jornada dele aqui mesmo em Portugal.

Me desejem sorte com isso!

 


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Notas finais do capítulo

Depois pesquisem sobre esse cromeleque para saber mais onde esse povinho estava hoje, há coisas no mundo que não temos nem ideia, esse lugar aí é mais antigo que Stonehenge!

Bjuxxx



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