Hogwarts: uma outra história escrita por LC_Pena


Capítulo 112
Capítulo 112. Anjo da morte


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo já está tão velho, para vocês terem ideia, estou acabando o 114 já.



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Capítulo 112. Anjo da morte 

O treino foi tão horrível quanto podia ser, mas no fim das contas sobrevivemos a base de cafeína e ódio por Harry Potter, que pareceu arrependido ao ver que a nossa melhor sugestão de defesa era matar a apanhadora em miniatura de Uagadou.

“A gente pode lidar com o resto sem problema, inclusive com a culpa”, completou um Tony muito cara de pau e autor desse brilhante plano que com certeza contava com três partes em algum lugar da sua mente.

Depois disso fomos dispensados e estávamos tão exaustos, que até esqueci de falar para os L.P's as coisas que Lia havia me segredado daquela maneira cobrística dela, mas tudo bem, porque sinto que preciso esclarecer outras coisas sobre o Ocaso antes...

Então você vai mesmo para o Japão? Eu devia jogar na loteria ou algo do tipo, meus dons adivinhescos estão com tudo!

Aguardei a resposta do meu queridinho Aidan Sakura Card Captors Hataya e ele não me decepcionou, pelo contrário, só contribuiu para o meu ego ficar ainda maior! Chupa, Lia! Daqui a pouco tô lendo até o futuro em carne de hambúrguer e em resto de refrigerante no copo...

Sim e a parte mais importante aqui é e por isso vou escrever com letras garrafais: COMO EU VOU SOBREVIVER A UM SEMESTRE NO JAPÃO? 

Ponderei sabiamente sobre esse eloquente pedido de ajuda, bati a pena negra do Ocaso na boca -  o lado que não escreve, claro, porque não sou Enrique - e dei meu conselho de ouro ao jovem Padawan. Nossa, minhas referências estão fervendo hoje também!

Coma todo sushi que puder e assista muito dorama.

Aguardei a resposta de Aidan por cinco minutos, mas ele não me respondeu, provavelmente já foi colocar em prática essa minha dica crocante de sobrevivência. Cocei a parte de trás do joelho com o dedão do pé oposto e quase caí da cadeira no processo, mas me recuperei a tempo de ver a resposta misteriosa de Fred II a uma mensagem que tinha mandado a uma hora atrás.

Para responder a sua pergunta, devo dizer que uma palavra vem me martelando o cérebro nessas noites depois do grande desastre de Hogwarts: imposteur. A caixinha de música está tentando me dizer algo e você sabe o que significa, não é? Nós vamos para Beauxbatons. 

Eu terminei de ler a mensagem de Fred, olhei para o meu quadro de fotos sobre a minha escrivaninha cheia de anotações e ideias para o Ocaso mundi e xinguei até a última geração de Fred Weasley II.

Isso não faz o menor sentido! Nada do que você diz faz e olha, vou ser sincero, eu odeio me ver naqueles uniformes de seda azul de Beauxbatons, porque eu vou ficar parecendo um vilão brega de filme mexicano, mas odeio ainda mais a ideia de você estar lá comigo, ainda mais se for a mando dessa maldita caixa dos infernos!

Consegui o grande feito de rasgar o pergaminho de tanta raiva com a qual escrevi essa mensagem, droga, a coceira da perna passou para o pescoço e eu estou quase deixando minha pele em carne viva, aguardando Fred responder.

A caixinha se mostrou certa em todas as situações que soubemos interpretar e seja para nos avisar ou induzir a fazer algo, ouvi-la tem demonstrado ser a nossa melhor estratégia! 

Rosnei para a mensagem ridícula de Segundo aparecendo na minha folha de pergaminho, então eu a rasguei e taquei fogo com um feitiço incêndio, recebendo uma notificação do Ministério espanhol quatro minutos depois, porque aqui na Espanha o controle é severo e rápido com a magia juvenil.

Ainda bem que minha mãe sempre esconde minha varinha pelo verão inteiro, senão já teria sido expulso do meu próprio país. Respirei fundo, peguei uma outra folha de pergaminho e esperei a mensagem de Fred se materializar na minha frente, dessa vez era bem maior.

Guardei a varinha na gaveta da escrivaninha, por via das dúvidas e prometi a mim mesmo que ela não sairia mais de lá hoje. Da para imaginar o que teria acontecido naquela saleta de bar se eu e Segundo tivéssemos tido essa conversa anteontem? 

Meus pais concordaram que Beauxbatons vai ser boa para mim e para minha irmã e a esposa do meu tio estudou lá e faz parte das conselheiras da escola, fora que meus primos Dominique e Louis, filhos dela, vão para lá, então todo mundo viu com tranquilidade a minha sugestão. 

Minha primeira ideia era ir para Uagadou investigar aquele poço misterioso e resgatar todos os tesouros de lá, seria uma aventura maravilhosa para o meu último ano escolar, mas tendo em vista que a caixinha tem sido bastante insistente sobre isso, não posso simplesmente ignorá-la!

Ela falou em francês, Cesc! Essa foi a pista mais clara que ela nos deu, porque isso meio que nos situa em um lugar no mundo e sim, eu sei que tem outros lugares que falam francês, mas eu estou indo pela probabilidade da coisa.

E então tem o significado da palavra: impostor.

Eu poderia pensar que ela se refere a mim como um impostor na escola dos outros, como uma espécie de sentimento de inadequação com a coisa toda, mas, veja bem, a caixinha nunca fez nada levando em consideração sentimentos e sim fatos! Ela dá direcionamentos específicos, ela nos diz o que fazer e ponto e se ela está dizendo que tem um impostor naquela escola, é para lá que nós vamos, você querendo ou não! 

Oh céus, porque Fred II, com esse cérebro anormalmente grande dele não caiu na Corvinal e deixou essa coisa de se jogar na boca dos monstros para os primos dele?

Já parou para pensar que a caixa está te avisando justamente para não ir para Beauxbatons, porque ou você será o impostor ou essa pessoa pode ser perigosa? Qual é o seu problema? Uagadou é maravilhosa, se eu pudesse eu já teria me jogado naquelas montanhas sem nem pensar duas vezes. 

Batuquei com as unhas no tampo de madeira e o tempo que Fred demorou para escrever, foi o tempo de eu olhar para meu relógio e ver que já estava muito tarde e que eu tinha que dormir cedo para o meu primeiro dia de trabalho voluntário amanhã, saco!

Já está decidido e é bom você deixar isso só entre a gente, por enquanto, ok?

Maldito Weasley teimoso e intragável! Levantei da escrivaninha, porque não há mais o que ser discutido, experimenta aí debater com uma mula empacada e sem juízo! Fui dormir, porque assim eu ganho mais, embora amanhã eu esteja indo para o meu trabalho gratuito de três semanas.

Fred poderia usar meu exemplo e nunca mais se meter com coisas sobre as quais não entendemos um nada! 

***

Acordei, no sentido mais amplo da palavra, porque apenas me movi pelos cômodos da casa necessários, comi qualquer coisa que minha mãe serviu e peguei minha chave de portal para o Hospital de Estudos Curativos para Criaturas Mágicas, o HECCMA, com sede em Barcelona. 

No folheto dizia que haviam outras duas sedes e que se tratava de uma organização internacional fundada nos idos de 1800, que precisava se manter em sigilo, muito por conta daquela lei aprovada pela Confederação Internacional de Magia em 1689.

Estudamos isso em História da Magia no segundo ano, sendo um dos assuntos mais chatos de todos, porém, como eu vim a descobrir depois, é um daqueles que aparece em TODAS as matérias! 

Não pode aparecer para os trouxas, não pode aparecer para os trouxas, NÃO PODE APARECER PARA OS TROUXAS!

Pronto, esse é o resumo das leis, mas aparentemente temos alguns artigos e cláusulas e adendos e blablabá sobre as Criaturas Mágicas, que dizem que cada país deve cuidar das suas e garantir que elas não se exponham e nem exponham o mundo mágico. 

Daí já sabemos que alguns escolheram proteger os habitats dessas criaturas contra possíveis intrusos, outros estudá-las e outros matá-las - oi, Estados Unidos, você por aqui? - a Espanha foi um dos poucos que escolheu cuidar e proteger além dos simples feitiços territoriais e por isso mesmo foi a escolha perfeita para ser a primeira sede da organização.

Espanha, Brasil e Austrália são os países onde existem esses HECCMA's, onde magizoologistas de todo o mundo vem para estudar e trazer as criaturas que precisam de algum tratamento especial ou sofreram ataques de humanos e outras espécies igualmente detestáveis. 

Assim disse Matilda Fuentes, a minha supervisora de quase dois metros de altura e cara de malvada. Eu estava piscando meio confuso para o sotaque da mulher, porque ela falava meio rápido para os meus padrões, puxando os ‘s’ de um jeito cantado, que não tínhamos em Andaluzia. 

— Essas são as regras do hospital, mas você precisa lembrar apenas de duas coisas: nenhuma criatura mágica pode ter acesso a sua varinha e... - Ela olhou diretamente para mim, então eu automaticamente me inclinei para trás, para escapar de sua expressão azeda. – Todos os feitiços feitos devem ser justificados no seu relatório diário, está claro?

— Claríssimo! - Ela avaliou minha resposta por alguns segundos bem compridos e depois deu espaço para eu dar uma olhada no mural de granito com as regras do hospital esculpida em pedra.

Não li, porque havia recebido tudo impresso, mas percebi claramente que as coisas aqui são escritas a ferro e fogo, literalmente. Dei uma espiada nos mapas de localização de cada área - são seis: criaturas inteligentes não-humanas; aquáticas; espectrais; altamente perigosas; pequeninas; e não-mágicas amaldiçoadas - e o quadro de estudantes atualmente. 

Havia um ranking com fotos dos tais alunos, alguns bem sorridentes ao lado de suas primeiras posições e dados quantitativos sobre seus feitos - tempo médio de atendimento; avaliação dos superiores; avaliação dos pacientes - e isso aparentemente era o que determinava se você trataria de uma veela com uma unha quebrada ou um testrálio constipado, porque as caras dos últimos colocados eram de dar pena!

Fuentes finalizou a visita pelo setor administrativo do local me mostrando o meu escaninho, onde eu encontraria todos os meus pacientes do dia, seus prontuários e fichas de evolução curativa e apontou para os escaninhos dos curandeiros oficiais e seus estagiários - de onde voavam pergaminhos em formato de aves, borboletas e outras criaturas - onde eu deveria colocar cada ficha no lugar correspondente ao curandeiro responsável no fim do dia. 

Abri a boca para falar da enorme chance de eu ferrar grandemente com tudo, mas assim que ela me perguntou se eu tinha alguma dúvida, fiz que não com a cabeça, porque, que bem faria eu dizer que não tenho a mínima ideia do que é trabalhar, pior ainda trabalhar num hospital?

— Não me olhe com essa cara, não estou jogando você aos lobos, o seu trabalho é de um mero realizador de desejos: você tem 30 minutos para atender aos pedidos das criaturas, que variam apenas entre jogar a bolinha para elas buscarem a pegar um livro na biblioteca. - Ela me olhou com as mãos no quadris, estalou a língua na boca e por fim me entregou uma pilha do que seria meu uniforme e um pequeno broche prateado. – Entregue e pegue o uniforme na lavanderia no início e fim dos turnos e acione o contador no início e fim de cada atendimento.

— Não entendi. - Falei pela primeira vez em horas, ok, minutos, muito atordoado com o fato de que me colocaram para fazer exatamente o que me fez parar aqui para início de conversa, só que ao contrário: eu virei um maldito gênio da lâmpada!

Erick deve estar com a barriga doendo de tanto rir, agora que sua piada finalmente fez sentido, porque com certeza era disso que ele estava falando quando dizia que eu iria virar um djinn!

— Não esperava que tivesse entendido, mas é tudo muito simples: você lê a ficha do paciente e vê o que ele precisa, assim que chegar no leito, aperta o contador, que marcará os seus 30 minutos de atendimento, você realiza a tarefa, quando acabar os 30 minutos, você vai para o próximo, se acabar antes, você o desativa e justifica o motivo no relatório. - Ela disse com mais calma e uma quase simpatia.

— E se for algo que eu não souber ou puder fazer? - Perguntei entre o alarmado e o animado, porque eu posso até odiar criaturas mágicas em geral, mas eu adoro fazer feitiços! Uma das coisas que me fez concordar em vir pra cá foi o fato de poder usar a minha varinha a vontade.

Sem recadinhos do Ministério. 

— Geralmente os curandeiros são os que solicitam os realizadores, então eles não pedem nada muito difícil, mas tem aqueles pacientes de longa estadia, com inteligência, que podem pedir algo fora dos padrões, então você justifica no relatório. - Fiz que sim com a cabeça, ela sorriu, então fiquei subitamente animado para fazer algumas perguntas, agora que vi que ela pode ser simpática. 

E eu tenho MUITAS delas!

— Ok, mais uma coisa: quando são os meus intervalos? Eu vou aparecer em algum ranking que nem aquele do saguão? Com quem eu falo caso um dos pacientes tente me matar? E se eles tiverem uma doença contagiosa, eu vou poder usar um daqueles trajes que...

— Você tem cinco minutos para se trocar: ao trabalho! - Ela rosnou e marchou para fora da minha vista antes que eu pudesse articular sequer um “ai”. Fiquei olhando para o corredor vazio, com apenas vários e vários pergaminhos voando de um lado para o outro.

— Mas eu nem sei onde fica o banheiro! - Resmunguei para o vento meio desolado e depois dei de ombros. Vamos logo começar essas três semanas de trabalho escravo.

***

Eu tinha cinco pacientes, dois no setor aquático e três no de criaturas inteligentes, então eu sorri para isso, porque não haveria grifinórios burros por aqui ou lufa-lufas tapados ou ainda aqueles meus colegas mais tontos da Sonserina.

Não sou hipócrita a ponto de fingir que não sei que tem sonserinos ruins também. 

Escolhi o primeiro paciente do dia: era um lobisomem jovem, que não falava nada e nem esboçava qualquer reação às tentativas dos curandeiros de animá-lo. Eles achavam que um jovem conversando com ele poderia fazer algum bem.

Bem, eu sempre quis conhecer um lobisomem e sou jovem, então não tem como dar errado!

— Bom dia, me chamo Cesc Fábregas e sou seu realizador de desejos de hoje, em que posso ajudá-lo? - Falei sorridente as exatas palavras que constavam no início do meu relatório e depois abaixei a ficha para avaliar meu paciente.

Era um garoto magricela, com um cabelo de um tom de loiro sujo, olhos encovados e algumas cicatrizes espalhadas pelos braços finos, expostos, já que estavam amarrados na cama. O garoto parecia bem infeliz e eu entendi o que os curandeiros quiseram dizer com “sem reação”.

Sentei na cadeira próxima a ele e me perguntei onde os curandeiros bruxos haviam feito sua pós-graduação em retardadice, porque eles amarraram um garoto na cama e queriam que ele ficasse feliz! Se o caso de Paul Dolman me ensinou algo, é que o mundo bruxo ainda não sabe tratar dos problemas não-físicos.

— Que bosta, hein? Você ao menos entende minha língua, Maik... Maikai? Pronunciei certo? - Ele continuou olhando para frente, então eu resolvi que ficaria aqui apenas tagarelando, para passar os 30 minutos. – Bem, Maikai, nós temos 30 minutos e se você não tem nada a pedir, vou tomar a liberdade de te contar uma bela história, já que não trouxe nada para passar o tempo e não sou adepto de contar as rachaduras no gesso da parede.

Ele continuou fingindo que não me ouvia, então eu me coloquei mais confortável na cadeira e constatei que não haviam rachaduras na paredes - o que era bem pior, quero dizer, ele se distrai com o quê? - logo comecei a falar.

— Vamos começar com algo suave... Que tal a história de como eu e meu arqui-inimigo nos conhecemos? - Ele não me olhou, mas acho que vi um movimento de sobrancelha encorajador. – O nome dele é Fernando e é a coisinha mais pestilenta que já pisou nesse planeta, eu vou te dizer, eu...

Passei os próximos minutos contando superficialmente a origem da nossa rivalidade, acrescentando vez ou outra comentários importantes como a expressão de entojo que Fernando fazia quando qualquer um recebia um elogio na classe ou como o gato dele - aquele que morreu depois da brincadeira do pepino - era um pequeno servo de Satanás. 

Eu percebi que em alguns momentos o garoto quase sorria, mas eu fingi que não vi, para ele não ficar constrangido nem nada. Às vezes a gente quer sair de uma situação - tipo uma greve de silêncio-  mas o nosso senso de dignidade não deixa, então vamos com calma aqui. 

O bip do meu contador de tempo deu dois sinais e quando eu olhei, ele marcava um 25’, sinalizando que eu só tinha mais cinco minutos para eu preencher a ficha do garoto, antes do próximo paciente. 

— Você precisava ter visto o bom trabalho de Uizlei, aquela é uma coruja perigosa e a palavra nunca foi tão bem empregada como um elogio, mas... Ok, temos que preencher sua ficha. Na, na...Lá, lá... O paciente foi receptivo? - Olhei com um sobrancelha arqueada e ele me encarou, com rebeldia, mas ao mesmo tempo era o máximo de espírito que tinha visto nele, o que era muito bom. – “ Muito receptivo, excelente ouvinte ainda que excessivamente hermético, mas trabalharemos nisso.”.

Recitei enquanto anotava as exatas palavras sob o olhar atento de Maikai, que pela ficha, só estava ali porque tinha passado por um ritual de transformação do seu bando - lobisomens não nascem, se tornam - que não funcionou bem para ele. Virei a prancheta pra que ele visse as cinco estrelas que desenhei em sua avaliação. 

— Parecem asteriscos, mas são estrelas. - Falei, porque eu nem precisei ouvir a voz dele para saber que ele estava questionando isso. Algumas pessoas tem um grande poder de deixar passar todo seu desdém só com um olhar. – Sugestões para o paciente? “Desamarrar as mãos para que ele possa bater palmas para as minhas histórias ou fazer gestos obscenos para a equipe médica, nada mais do que o merecido.”

Mostrei a ficha a ele, para que visse que foi exatamente o que eu havia escrito. Ele olhou surpreso e depois sorriu impressionado. Achei por bem dar um jeito de cimentar esse pequeno avanço com o jovem lobisomem.

— Não se preocupe com minha carreira, eu tecnicamente sou um presidiário cumprindo pena e se tem alguma coisa boa em estar no fundo do poço, é que a gente pode ao menos falar a verdade. - Me levantei sem esperar nenhuma reação dele e não estava exatamente com pressa, porque ainda tinha mais cinco encontros marcados com Maikai, em dias alternados. Quem sabe ele não abre o bico até lá? – “E a verdade vos libertará!”. Até mais.

Resolvi que o melhor caminho era continuar naquele setor, o das criaturas inteligentes, porque os aquáticos ficavam no subsolo, em tanques do tamanho daqueles do Sea World ou em pequenos aquários, caso suas doenças fossem contagiosas e graves.

De qualquer forma, mesmo que a outra área não ficasse no outro lado do prédio, quatro andares abaixo, ainda sim seria um contrassenso não acabar todo meu trabalho nesse piso. Fui passando porta por porta nos corredores compridos, haviam alguns curandeiros, estagiários apressados e outros com uniformes pretos como os meus - a base da cadeia alimentar, se um condenado podia ser um colega de profissão - mas nada de achar o quarto do meu próximo paciente.

Acabei me batendo com um bruxo ao virar em um dos corredores e a minha surpresa só não foi maior do que o escândalo da criatura, em suas vestes cinza chumbo. Encarei o irmão mais velho de John catando de maneira trouxa seus relatórios e pergaminhos amassados.

— O que você está fazendo aqui, criatura? - Tentei acessar rapidamente a pasta de Hugh Westhampton na minha mente e tirando o fato de que ele adorava festas e era da Corvinal, eu não me lembrava de um só motivo para ele estar aqui. 

— Bem, eu estou fazendo meu currículo para ser aceito nas melhores escolas de curandeiros do mundo no final do verão e o que você... - Ah sim, lembrei que ele era o louco dos estágios. Ele olhou para o meu uniforme escuro com um olhar meio desdenhoso e depois sorriu. – Esquece, já vi que está cumprindo a sua pena.

— Fico aqui me perguntando se você vai estudar em uma escola e seu ego na outra, porque... Mas de toda sorte, sério? Aqui? Você tinha que vir fazer seu nome aqui? - Os olhos castanhos, que deveriam ser iguais aos de John antes da doença, já estavam olhando para o corredor a frente, me ignorando, então resolvi deixá-lo partir, mas não sem uma provocação antes. – A propósito, não vi seu nome no ranking,  o quadro está com algum defeito? 

Ele me olhou de volta e depois fez aquela cara de constipação típica dos corvinais contrariados. Não me levem a mal, eu sei que existem aqueles pobres garotinhos e garotinhas incompreendidos, meio aluados e excêntricos demais para o seu próprio bem naquela Casa, mas esses metidos assim, eu adoro ver sofrer.

— Foi um prazer revê-lo, Fábregas, tenha um ótimo dia de trabalho. - Lembrei de outra coisa:  Hugh Westhampton não tem senso de humor também! Dei risada, mas depois me dei conta que ainda estava sozinho e agora atrasado, podia ter pedido uma informação a ele, mas não, preferi irritá-lo...

— Droga, eu pensei que não iria encontrar grifinórios, lufa-lufas e sonserinos burros no setor de criaturas inteligentes e me esqueci da maior praga de todas! - Maneei a cabeça em negação, mas só quando li o número na porta ao lado, percebi que já estava no lugar certo!

Agora fiquei feliz de novo!

Li a ficha rápido e vi que meu paciente novo se chamava Druz, e no motivo da estadia dele aqui só dizia que ele era um duende afastado do Gringotes porque havia ficado cego com uma maldição saída de uma tumba egípcia... Olhei de novo a ficha, porque, O QUÊ?

Procurei o leito desse duende, meio chateado que não houvessem mais informações sobre a natureza da maldição dele ou sobre o Egito, porque nem em um milhão de anos eu imaginei que um duende poderia trabalhar em um lugar tão legal, onde houvesse maldições e armadilhas de verdade!

Ele estava no terceiro leito, olhos vendados e seus dedinhos retorcidos cruzados no lençol impecavelmente alvo. Pelo visto esse hospital era um negócio do bom, só me pergunto porque um lobisomem e um duende não estão sendo tratados em um hospital bruxo qualquer...

Me apresentei bem bonitinho para ele e ele também não esboçou nenhuma reação, então estou começando a achar que me deram os pacientes mais tagarelas de todos, que sortudo eu sou! Sentei ao lado dele e dei uma última olhada na ficha, minha função era dar um jeito do carinha aqui tomar os remédios. 

Isso não soa como a tarefa de um gênio da alegria...

Okay, okay, deixa eu pensar... Não haviam muitos detalhes na história, mas a minha sabedoria de um jovem inteligente de 14 anos, somadas com todas as horas de séries, livros, filmes e videogames trouxas - uma raça muito mais evoluída em termos de psicologia - que eu tenho, devem ser suficientes para cumprir essa tarefa, então, se não vejamos...

Os remédios estavam intocados na cômoda, as instruções da medicação na minha ficha de evolução do paciente... Só me restava descobrir porque ele não queria tomar o remédio. Vamos primeiro fazer o óbvio, perguntar ao paciente:

— Por que não quer tomar o remédio? Tem gosto ruim? Você acha que não funciona? - Perguntei em inglês dessa vez e nada de resposta, mas que saco, daqui a pouco vou estar desejando muito encontrar um Westhampton da vida, pelo menos ele me responde. Tentei a mesma abordagem que fiz com Maikai. – Eu não sou como os outros, sou um voluntário obrigado... Acho que eles usam a palavra voluntário só para dizer que eu não sou pago, porque eu não vim para cá voluntariamente.

Não, não dá para falar como se ele fosse um adolescente rebelde... Li e reli a ficha dele: duende, certo, cego, certo, tratamento para desinflamar os olhos... Espera! A cegueira dele tem cura? Voltei para a página de dados pessoais dele, qual era mesmo a profissão? 

Chefe dos curse breakers do Egito... Oh, minha nossa! Ele é chefe dos desfazedores de feitiços, isso é incrível!  Eles, tipo, ganham para desfazer maldições e feitiços e são mandados para os lugares mais inóspitos ou então para... Olhei de novo para o velho duende, mordendo a língua para não pedir a ele uma vaguinha lá nas pirâmides egípcias, porque isso seria maravilhoso para um aprendiz de feiticeiro!

Ok, ok, respira, Cesc! Respira... Vejamos de novo o que temos: a cegueira é temporária, ele é chefe de uma equipe de... Ai meu Merlin, curse breakers deve ser a profissão mais fodástica inventada, os caras são como heróis que... Ah.

Olhei de novo para o duende, dessa vez com um palpite muito melhor do porquê ele não estava querendo se curar e dar o fora daqui. Li novamente a dosagem da poção, mexi no frasquinho e o coloquei ao alcance de seus braços curtinhos.

— Vou deixar o remédio aqui então e você decide se toma ou não, mas lembre-se: sua dose correta são três colheres, se tomar uma quarta, pode não acordar... - Disse como quem não quer nada, me levantando e deixando o duende com sua solidão e...

Culpa. 

Por que outro motivo uma criatura que vive para o trabalho - se o pouco que eu sei sobre os duendes está certo - deixaria sua equipe passar por missões perigosas sem sua supervisão? 

A única explicação que eu consigo pensar agora é que ele fez uma merda colossal e se sente culpado, principalmente porque a doença dele é passageira e há uma grande chance dele não ter aberto a caixa de Pandora com o nariz enorme na frente de tudo, devia ter mais gente para fazer isso junto com ele!

Pausei o meu broche contador em 13 minutos e ele logo voltou para o logo do HACCMA, me dizendo para ir para o próximo paciente. Sai do quarto e fui cuidar da minha vida e eu sei o que vocês estão pensando “ain, Cesc, você blefou? Acha mesmo que isso vai funcionar?” e eu só vou dizer uma coisa:

Eu não blefei.

Ai meu Merlin misericordioso, eu não blefei! Fiquei na dúvida se voltava para lá ou não, porque, se eu tivesse razão, eu tinha acabado de dar a um duende sem vontade de viver uma forma de se matar em seu leito de hospital!

Senti a bile vindo até a garganta, mas respirei fundo para me acalmar, eu não fiz nada de errado, apenas não tentei forçá-lo, nem convencê-lo a fazer algo que ele não queria e fiz mais: dei uma opção para ele perceber que ou ele fica bom ou ele morre logo, permanecer nesse limbo não ajuda ninguém e tem criaturas precisando dessa cama!

Ok, ok, vai dar tudo certo.

Joguei essa preocupação no fundo da mente e fui para o meu terceiro paciente, sem preencher a ficha de Druz, afinal, eu não tenho ideia do que eu vou escrever, quero dizer, o paciente foi receptivo? De jeito nenhum! Sugestão de tratamento? Não precisa, já dei um jeito nele.

Meu Deus!

Cumpri o restante do meu trabalho sem nem parar para piscar, então fui para o meu escaninho, enviei as fichas dos pacientes atendidos para os seus curandeiros específicos e vi que já havia chegado mais e mais pedidos a serem realizados, esse hospital era uma verdadeira máquina de sonhos despedaçados. 

E eu sou o cara que tem que juntar os caquinhos todos.

Comi um almoço frio e quando faltava menos de meia hora para às duas da tarde, meu horário de ir embora, larguei as fichas pendentes de volta no meu escaninho - vejo isso amanhã - e tratei de tomar coragem para ver a merda que eu tinha feito.

O quarto do duende estava um pouco agitado, mas isso era porquê um vampiro estava fazendo escândalo porque o cubículo dele não estava escuro o suficiente. De volta ao leito três, vi a colher do remédio de Druz suja e o frasquinho mais vazio do que eu havia deixado.

E Druz estava tão quieto.

Levei dez segundos para soltar o ar preso nos pulmões, me encaminhei pé ante pé para o lado da primeira criatura que eu havia matado na minha vida de crimes e até já podia me ver com a farda florescente de Olhoaren, a prisão bruxa da Espanha.

Coloquei a minha mão - que só agora percebi que estava tremendo feito uma britadeira - debaixo do narigão dele, torcendo para ter uma brisinha de nada, porque eu juro que vou ter um infarto fulminante se essa criatura...

— PUTA QUE PARIU! - Gritei em espanhol mesmo e recebi algumas reclamações e resmungos vindo dos outros leitos, mas tudo bem, porque eu ainda estava tentando empurrar meu coração de volta para o lugar certo. 

— Ainda vivo, criança tola. - O duende tinha se mexido só um milímetro antes, mas isso foi o suficiente para eu sair da minha própria pele e agora ele estava me “encarando” por baixo de suas bandagens. 

— Que susto, pensei que tinha morrido, já podia até ver o meu novo apelido nos jornais do mundo bruxo: “o anjo da morte de Sevilha”. - Sério, podia ver mesmo, seria um prato cheio para Skeeter e companhia e tudo isso no meu primeiro dia de trabalho.

Detesto primeiros dias!

— Se tinha tanto medo de que eu tirasse minha vida, por que deixou o remédio aqui? Não pode continuar fazendo as coisas erradas, torcendo pelo melhor. - O velho duende me deu um conselho não solicitado, quero dizer, sério? Dos dois, quem está sendo um bebezão se recusando a tomar os remédios? E quem está quase matando os pacientes sob sua supervisão? 

Ok, ele ganhou.

— Sei disso... Mas você tomou o remédio certo, não tomou? - Sorri vitorioso, porque apesar de quase ter me borrado nas calças, meu plano deu certo! É assim que Tony se sente todas às vezes? O velho duende maneou a cabeça com condescendência. – Precisa de mais alguma coisa? 

— Preciso dos meus relatórios do trabalho que solicitei com o setor de desejos há uma hora! Por que não trouxe? - Pisquei confuso para o pedido - devia ter sido um dos novos na pilha que deixei para amanhã - mas não gostei do tom dele, por isso respondi outra coisa.

— Porque eu tinha esperança que você estivesse morto a essa altura, foi por isso. - Levantei a prancheta para finalmente preencher a ficha dele, quando ouvi um barulho esquisito e sorri ao entender do que se tratava. 

Pelo visto o duende rabugento tinha mais senso de humor do que Hugh Westhampton.

 


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Notas finais do capítulo

Cesc num hospital, quem diria?

Bjuxxx