Perdida no tempo escrita por DreamUp


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Boa noite, povos e povas!
Desculpe a demora (esqueci - de novo - de programar a postagem para ontem)!

Aí vai mais um capítulo. Divertam-se!



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            Acordei com o Sol batendo na minha cara. A mulher miúda, que lembrei se chamar Jane, estava no meu quarto e abriu as cortinas. Ai, meus olhos!

            – Bom dia. – Sussurrei com a voz rouca.

            – Bom dia, Srta.! A sra. Declair a aguarda para o café da manhã. Ela pediu que eu te ajudasse com suas vestimentas.

            Afastei o pesado cobertor de cima de mim e me sentei. A cama era muito confortável, portanto eu havia dormido muito bem. O que compensava os desastres de ontem à noite. Acho que nunca se passou pela minha cabeça como eram feitas as necessidades fisiológicas sem o sistema de esgoto. Não é bonito nem higiênico! A Casinha de Cocô, como eu apelidei, fica fora do casarão, a uns poucos metros dali. Lá há um buraco no chão e uns paninhos numa prateleira acima. E só.

Depois da minha visitinha ao lugar, tive que tomar um banho, impossível não o fazer. E seria um banho de banheira comum se não fosse por umas informações que Julia me deu. Depois que retirei o vestido pesado, ia despir-me daquelas roupas brancas compridas que coloquei por baixo, quando a cozinheira soltou um grito! Me assustei com a surpresa e questionei o porquê do grito. Eis a resposta da mulher:

— Enlouqueceu? Não se tira as vestimentas de baixo! Já é perigoso o suficiente se imergir na água, correndo o risco de contrair doenças, ainda quer fazer isso completamente despida?

Disse a ela que tudo bem, eu ficaria vestida, mas queria tomar banho sozinha. Assim que ela saiu eu me livrei das roupas incômodas. Onde já se viu?

Passados os perrengues com a higiene – ou falta dela –, a noite terminou calma. Mas algumas coisas não saíram da minha cabeça. Como podem as pessoas aceitar esse tipo de compromisso, sem amor? Embora eu nunca tenha o vivenciado, minha mãe amava meu pai profundamente. Mesmo depois que ele morreu, ela continuou fiel.

 

Depois de me aprontar, percorri um labirinto de corredores até chegar a cozinha. Júlia estava concentrada cortando alguns legumes.            

— Bom dia, Julia! – Pronunciei animadamente. A vi dar um leve pulinho e ri.

— Que susto, menina! – A cozinheira largou a faca que usava e se voltou para mim. – Bom dia!

— Onde está a Rosa? Jane disse que ela me esperava para o café da manhã... 

— Você demorou e ela se foi. – Julia voltou-se novamente a sua tarefa. – Tinha combinado de se encontrar com a sra. Thompson, uma vizinha distante. O café da manhã ainda está posto na sala ao lado. Pode ir lá.     

— Ah, que pena! – Gostei de ficar com Rosa. – Posso tomar café aqui mesmo? Não gosto de ficar sozinha. – Vi Julia relutar um pouco em me deixar ficar na cozinha, mas acabou aceitando.

Busquei algumas coisas para comer na sala ao lado e me acomodei na mesa de madeira da cozinha. Comi em silêncio observando Julia. Uma cenoura picada. Duas cenouras picadas. Três cenouras picadas. Na metade da quarta cenoura decidi quebrar o silêncio.

— Você é casada, Julia?

— Sim, há 20 anos. Por que?

— Foi arranjado?

— Sim.

— Você gosta dele?

— Sim. – Ela estava tão concentrada, que havia se tornado monossilábica. Não gostei.

— Hm... E o que você acha disso?

— Isso o que?

— O casamento arranjado. – A vi soltar um suspiro pesado e se voltar para mim.

— Isso não é algo para se “achar alguma coisa”. Mas se quer saber, devemos aceitar a vida como ela vem. O que fazemos com isso é o que faz de nós o que somos. – Julia revirou os olhos e se sentou a minha frente. – Olha, meu Ivan e eu nos conhecemos no dia do casamento. A 1ª semana juntos foi um terror. Ele é muito calado, portanto ficávamos em silêncio a maior parte do tempo. Somente o estritamente necessário era dito. Depois de um mês percebi-nos rindo de uma coisa muito besta que ele fez. O ponto é que um mal pode vir a ser um bem, dependendo de como encaramos isso.

— Está me dizendo que eu – na verdade, a Ana – tenho de aceitar isso sem dizer nada a respeito? Calada e submissa, esperando que as coisas um dia melhorem?

— Não! Estou dizendo que se pode obter coisas boas de qualquer lugar. Não encare seu casamento como sua morte, ou algo assim, mas como uma oportunidade. Você faz perguntas demais!

Calei me e assisti Julia se levantar e voltar a sua tarefa.

Se eu fosse a Ana, poderia considerar as palavras da cozinheira e esperar bons frutos do casamento com Jeremy. Mas, como eu não sou, não sou obrigada. Respeito a opinião de Julia e sei que algo ali tem seu valor. Há males que vem para o bem, mas isso é um pouco maniqueísta e eu definitivamente discordo dessa ideia.

Como Julia havia dito, o que fazemos com a vida é o que faz de nós o que somos. Eu já havia aceitado o fato de que estava presa no século XVIII, mas isso não quer dizer que essa devesse ser minha condição eterna. Entretanto, eu estava impotente quanto a isso, o que definitivamente era uma droga. Estou aqui a um dia, tentando não me preocupar, afinal manter a calma nesse tipo de situação era o melhor a se fazer. A única coisa a meu alcance era sair dessa casa. Gostava de Rosa, me encantei com Julia, mas não poderia viver como Ana para sempre.

Um leve arrepio percorreu minha coluna. Para sempre, as temerosas palavras ecoaram em minha cabeça. Tratei de afastá-las antes que todo meu controle se esvaísse. Ana poderia aparecer a qualquer momento, vai-se lá saber o que aconteceu com ela. Por isso, eu tinha que sair daqui. Para onde e como ainda não sabia, mas a premissa estava em minha mente, me atormentando.

O dia se arrastou até que o Sol se escondeu e eu assisti a todas as velas da casa serem acesas, uma-a-uma, delicadamente. A noite foi tranquila e chuvosa, o que me fez adormecer assim que encostei minha cabeça no travesseiro.

Acordei antes que Jane aparecesse. Me vesti, dessa vez com um vestido rosa claro.

Consegui amarrar o corpete depois de muitas tentativas falhas e fiquei orgulhosa da finalização. Sai pela porta, e assustei Jane que se dirigia ao meu quarto.

— Já de pé, Srta.? Bom dia!

— Bom dia! Rosa já está tomando café?

— Sim, está.

— Perfeito. Obrigado, Jane.

Desci as escadas, entrei aqui e ali até chegar a sala de jantar, onde a sogra da Ana tomava café.

— Bom dia, Rosa! – Disse animada.

— Ah, bom dia, querida. Sente-se. – Fiz o que ela pediu, me acomodando a sua frente. A mesa era muito comprida, feita de carvalho, assim como as cadeiras extremamente pesadas. Rosa se sentava na primeira cadeira à direita da ponta. – Dormiu bem?

— Sim, dormi. – Comecei a me servir com algumas linguiças.

— Hoje é o grande dia! Está animada? – Grande dia? Ok, vamos entrar na onda.

— Claro! Como não estaria?! – A vi saltitar de felicidade em sua cadeira e percebi que respondi a coisa certa.

Tomávamos café calmamente, quando ouvi passos vindo para a sala de jantar e imaginei ser Jane. Mas ela não fazia barulho quando andava. Olhei para a porta e vi por ela passar um homem muito sorridente, com avantajadas entradas nos cabelos negros. Suas roupas eram como aquelas que se veem em filmes de época: paletó grosso, com a parte de trás quase chegando aos joelhos, colete, calças até pouco abaixo dos joelhos, seguidas de meias brancas e um sapato com fivelas. Seus olhos eram muito azuis e pareciam acompanhar o grande sorrido estampado no rosto. Ele deveria ter uns 45 anos, por isso deduzi ser o Sr. Declair.

Rosa ficou um pouco mais brilhante e corada quando o viu, então tive certeza de ser Richard.

— Bom dia, meu amor! – Pronunciou o homem em sua voz alta e vibrante olhando Rosa. Seu olhar se voltou para mim. – Você deve ser a tão esperada Ana! Muito prazer. Sou o pai do Jeremy, Richard Declair. – Levantei e fiz uma leve menção para ele.

— O prazer é meu, sr. Declair. – Dick sorriu e se sentou na cadeira posicionada na ponta da mesa. O acompanhei no movimento e só então percebi um rapaz parado no batente da porta. Deveria ser Jeremy.

Ele era loiro, tinha os profundos olhos azuis de Richard e a expressão séria. Seus lábios eram rosados e formavam uma linha reta. Alto de ombros largos, típico de atletas. Suas roupas eram como as do pai, mas ficavam melhor nele. Era o tipo de pessoa que se lembra quando pensa em elegância. Sem dúvidas, muito bonito.

Seus olhos encontram os meus e pereciam analisar minha alma, tamanha concentração. Sustentei seu olhar e aquilo pareceu durar uma eternidade. Jeremy se mexeu quando seu pai lhe chamou a atenção por estar “parado como uma estátua na porta” e seus olhos se desviaram. Ele andou até a mãe, a cumprimentando. Até seu caminhar era elegante. Ok, Ana era uma sortuda. Não havia homens assim no século XXI.

— Olá, Srta. Ana. – Jeremy pronunciou após cumprimentar a mãe. Sua voz combinava perfeitamente com sua feição e comportamento: baixa e grave.

— Olá, Sr. Jeremy.  – Confesso que tive que me esforçar para que minha voz não saísse falha. Definitivamente esse homem tinha algum efeito sobre mim. Talvez ficar um tempinho como Ana não fosse ser tão ruim.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo, pessoal ;)



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