Meu xampu azul escrita por Pink Plush


Capítulo 2
Capítulo 2




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/634347/chapter/2

— Mãe, você sabe o que papai quer não é? - digo enquanto misturo meu leite com chocolate. 

Ela está agindo estranhamente desde que acordamos.

Ela me olha e vejo uma profunda tristeza em seus olhos, o que me faz não incomoda-la mais.

Antes de ir para a escola ela diz que me ama, mas não como sempre diz. Ela está com medo. 

***

Papai gargalha sem parar com olhos arregalados.

— Juju aprontou de novo? - e então fica sério e acrescenta. - Ou você decidiu pintar o cabelo?

Eu explico a ele a brilhante ideia que Julia teve: sabotar meu xampu com substâncias - que eu não sei como possui -, que tingiriam meu cabelo de azul, e que mamãe o salvou.

— Falando nela, por que ela não podia vir? - pergunto.

— Ela ainda é pequena para saber de tudo. Vou explicar as coisas para você, depois conversaremos todos juntos, eu, sua mãe, você e Juju. - ele me diz e sorri, como se isso explicasse tudo, como se fôssemos um família feliz. Como se tudo fosse simples.

Pedimos frango grelhado, arroz, creme de milho e salada de tomate.

— Bem, querida.. eu.. - ele está nervoso como eu. - você sabe por que me separei de sua mãe?

Eu nego com a cabeça porque não encontro minha voz. É um assunto proibido em casa, e mesmo que eu tenha desejado por muitos anos descobrir a verdade, eu fico com medo. Muito medo.

É óbvio que aconteceu algo grave, mas não sei se quero saber o que foi. 

— Na verdade, ela pediu a separação. - ele respira fundo. Percebo que existem muitas coisas por trás disso. Coisas difíceis pra ele. E minha curiosidade me devora.

— Por quê? O que houve?

— Foi antes de você nascer. Eu e sua mãe nos casamos muito jovens, e - seus olhos se enchem de lágrimas. - eu cometi um erro. No começo tudo foi maravilhoso, até eu descobrir que seu avô estava com câncer.

Dói-me lembrar de quando vovô estava fazendo tratamento, ele faleceu pouco antes de meus pais se separarem. Mas estou confusa, ainda não compreendi aonde meu pai quer chegar.

— Eu comecei a beber, perdi o emprego, fui um péssimo marido para Fernanda. Comecei a passar noites fora de casa... eu não queria sentir a dor daquela doença, então eu bebia, bebia e bebia mais. Eu sei que... deve estar sendo difícil para você, mas.. eu... Daniele me desculpe.

Eu estou completamente atordoada. Meu pai era alcoólatra? 

Não sei o que falar, ou o que pensar. Quero minha mãe, quero seu abraço.

— Não pai, uma prova é algo difícil, isso? Isso é demais. Isso é.. - sinto que vou começar a chorar, mas me recomponho. É aí que percebo, meus pais se separaram quando eu tinha dez anos, quando vovô morreu. Ele só me contou o que aconteceu antes de eu nascer, quando vovô descobriu a doença. Como assim?

—Pai, isso tudo não aconteceu quando vocês casaram? Como se divorciaram tanto tempo depois? Eu.. - ele me interrompe gentilmente.

— Vou explicar. Eu passei dois meses longe de casa, no período mais difícil para sua mãe, ela estava grávida de você, mas eu não sabia. Eu havia perambulado por casas de amigos, por festas, por hospitais. Até que meu pai começou a melhorar, os tumores na perna não cresceram, e eu, aos poucos, comecei a me tratar. Quando conversei com Fernanda e ela me disse sobre a gravidez, eu decidi voltar pra casa. Passamos momentos bons e ruins. Tive algumas recaídas que colocavam nosso casamento em crise regularmente.

Julia nasceu, e após dois anos quando seu avô morreu, eu.. eu.. - ele respirou fundo novamente. - voltei a beber constantemente, e então sua mãe pediu o divórcio. - ele finalmente olhou nos meus olhos.

Eu não conseguia segurar o choro desde a metade de seu discurso, mas em vez de lágrimas rápidas e soluços histéricos, meu choro foi paciente, com lágrimas que escorriam por minhas bochechas vagarosamente.

Permanecemos calados por algum tempo. Talvez minutos ou horas, não sei. Até eu finalmente dizer.

— Eu... - minha voz é um fiapo quase inaudível e abafado pelos diálogos ao redor. - entendo - faço uma careta, porque a palavra não se encaixa. Na verdade, eu não o entendo. -Mas por que resolveu me contar isso agora, depois de tanto tempo escondendo a verdade de nós? - e então eu penso em Juju e desabo em lágrimas outra vez.

—Daniele, apesar de tudo o que eu falei, pretendo conquistar sua mãe novamente. Quero que ela me perdoe. Quero minha família de volta.

Ele não faz ideia de quantos sonhos tive dele dizendo isso, mas não assim. Eu não o quero de volta. Eu quero que ele pare de pensar que somos coisas que ele pode pegar ou largar. Eu estou com raiva. E é isso que digo a ele.

— Meu amor eu sei, eu sei. Eu estou indo a uma igreja há algum tempo sabia? - ele diz calmamente. - E eu entendi que é isso que preciso fazer. Restaurar minha casa.

Igreja?

— Eu não entendo porque eu tinha que saber sobre seu divórcio. Você poderia simplesmente voltar, e eu nunca saberia de nada. 

— Era isso que você queria? Não saber de nada?

Fecho a cara porque sei que ele está certo, eu queria saber. Sempre quis. Então por que agora que ele me contou nada mais faz sentido pra mim?

— Expliquei a você porque quero voltar para a vida de vocês. E como faria isso se você não sabia a respeito do que aconteceu? Algum dia você iria perguntar, e adio este dia há anos, você acabaria sabendo, melhor que compreendesse antes de eu estar morando lá. Quero fazer certo dessa vez. E não quero esconder nada de você Daniele. 

Eu estou totalmente desnorteada. Meu pai quer voltar pra casa? O que será que mamãe pensa sobre isso? Sinto raiva dele por ela, ter um casamento abalado pela bebida, ser abandonada em uma gravidez, ter a esperança de um casamento novamente e então ver tudo isso destruído pela bebida novamente, todas as situações causadas pelo mesmo homem que dizia que a amava. Não é pra menos que ela não queria comentar comigo sobre seu divórcio. 

— Por que nunca me contou antes? - a raiva está misturada com a tristeza, a mágoa e a dor em minha voz.

— Eu não via perspectiva de futuro no meu relacionamento com sua mãe. Eu não pretendia reatar nada, mas como disse, estou frequentando uma igreja há um tempo, e entendo que Deus quer que eu tente reunir nossa família.

E então, inesperadamente, estamos abraçados, ambos chorando. Papai, emocionado, e eu.. eu não faço ideia do que estou sentindo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigada por ler, se puder comentar o que achou eu agradeço!

:*



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meu xampu azul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.